31 julho 2013

“Pedi e dar-se-vos-á”


À PROCURA DA PALAVRA
P. Vitor Gonçalves
DOMINGO XVII COMUM  Ano C
"…quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo
àqueles que Lho pedem!.”
Lc 11,13 

“Pedi e dar-se-vos-á”

      “Quando sinto o coração apertado por alguma coisa que me aflige, o meu porto de abrigo é começar a rezar o “Pai-Nosso”, muito devagarinho, saboreando cada frase como se estivesse a dizê-la mesmo ao ouvido do Pai.” Enterneceu-me aquela frase no meio da conversa sobre as dificuldades da vida. Quantas vezes também a única oração que Jesus ensinou aos discípulos tem sido para mim um refúgio e um alento. Como se cada frase fosse um apoio na travessia de um mar encapelado.

     Pedir não é fácil. Lembra-nos que somos pobres, que precisamos de algo ou de alguém, e que a nossa condição não é de auto-suficiência. Do nascer ao morrer vivemos sempre a precisar de coisas mas, principalmente uns dos outros. A exaltação do indivíduo na sua independência é fonte de inúmeras frustrações. A felicidade mais plena não é obter algo sozinho, nem deliciar-se com algo maravilhoso a sós. Temos uma necessidade fundamental de comunhão e é ela só se experimenta quando somos pobres, capazes de reconhecer que o outro faz-nos falta para sermos completos. Por isso, pedir, é expressão de humildade e de confiança. E Jesus não se cansa de nos convidar à confiança no Pai, a pedir-lhe o que não podemos dar a nós próprios: a força de vida, o perdão, a paz, a salvação. Mais do que “coisas” a pedir a Deus, o importante é a abertura que a pobreza de pedir gera em nós.   

     “O pão nosso de cada dia” é um imenso convite ao cuidado do presente. Jesus conhece-nos e sabe como nos angustiamos demasiado com o futuro. Sabe que, quando escolhemos o medo, tudo nos parece pouco para prevenir as incontáveis possibilidades negativas que a vida pode trazer. E não há um pouco de omnipotência neste afã de querer controlar o futuro, como se estivesse nas nossas mãos o dia que ainda não veio? Podemos estabelecer uma margem de segurança mas se a nossa confiança se transfere de Deus para ela, preparemo-nos para o medo e para a surpresa. A nossa condição não permite guardar muitas coisas fora do coração (lembram-se do maná que não podia ser guardado para o dia seguinte?). E só o que podemos guardar dentro de nós é que é verdadeiramente nosso. Aí guardamos a fé e o amor. E os amigos que alargam ao infinito o próprio coração!  

     A insistência de Jesus no pedir, no procurar e no bater à porta é significativa. Não nos diz o que pedir, nem o que procurar, nem a que portas bater. Parece que a atitude é mais importante do que o conteúdo. Que mesmo errando no que pedimos ou no que procuramos acabamos por acertar. Pois o pior é ficarmos fechados em nós mesmo, como se não precisássemos, ou zangados por não vir ter connosco aquilo que é para ser procurado. E se o alimento (pão, peixe, ovo) é tão necessário para viver, também o Espírito Santo é essencial para a vida cristã. Como temos pedido o Espírito Santo ao Pai? 

         in Voz da Verdade 28.07.2013

30 julho 2013

[Sobre a Teologia da Libertação] Ratzinger, Boff e Bergoglio

 
Ratzinger e Boff se conhecem desde finais dos anos sessenta. Dez anos depois, o mecenas converteu-se em detetive

Os teólogos Joseph Ratzinger e Leonardo Boff se conhecem desde finais dos anos sessenta, quando este estudava teologia na Alemanha. O apreço era mútuo, ao ponto de Ratzinger dar, de seu próprio bolso, ao novo doutor brasileiro 14.000 marcos para que publicasse sua tese doutoral. Porém, pouco mais de 10 anos depois, a relação mudou: o mecenas converteu-se em detetive. O cardeal Ratzinger, após assumir a presidência da Congregação para a Doutrina da Fé, convocou Boff ao Vaticano e o sentou na cadeira de Galileu para julgar seu livro Igreja: carisma e poder.

O teólogo brasileiro chegou a Roma acompanhado pelos cardeais Aloisio Lorscheider, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, ambos pertencentes à ordem franciscana, a mesma de Boff. O veredito foi a imposição de um tempo de "silêncio obsequioso”, que Boff aceitou, apesar de não estar de acordo, exercendo a virtude da humildade e pronunciando uma frase que tornou-se proverbial: "Prefiro caminhar com a Igreja, que ficar só com minha teologia”. Quando lhe impuseram silêncio, ele respondeu com a canção de Atahualpa Yupanqui: "La voz no la necesito. Sé cantar hasta en el silencio”. Ainda bem que o cardeal não lhe exigiu a devolução do dinheiro que lhe havia doado.

No início dos anos noventa, Boff foi objeto de um novo processo. O Vaticano impôs censura prévia a todos seus escritos. Foi separado da cátedra de Teologia por tempo indeterminado. Foi afastado da Revista Vozes e a Editorial Vozes e suas revistas foram submetidas à censura. De novo, o autor de tamanha negação dos mais elementares direitos humanos era o cardeal Ratzinger.

Cabe recordar que uns dias antes da condenação de 1984 havia aparecido a Instrução da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé sobre ‘Alguns Aspectos da Teologia da Libertação’, que a condenava sem paliativos. Assim, começava a cruzada contra essa corrente teológica, que continuou durante todo o pontificado de João Paulo II. A cruzada ficou mais forte com Bento XVI como papa, que, em 2007, condenou a Jon Sobrino e, em 2009, afirmou que a Teologia da Libertação havia provocado consequências "mais ou menos visíveis” como "rebelião, divisão, dissenso, ofensa e anarquia”, que havia criado entre as comunidades diocesanas "grande sofrimento ou grave perda de forças vivas” e que "suas graves consequências ideológicas conduzem inevitavelmente a trair a causa dos pobres”.

Francisco será capaz de reverter a situação e tornar a condenação sem misericórdia da Teologia da Libertação de seus predecessores em respeitosa acolhida em atitude de diálogo? Reabilitará os teólogos condenados? Reconhecerá como mártires as teólogas e teólogos mortos por amor à justiça que brota da fé?

Sua visita ao Brasil, um dos lugares mais emblemáticos onde se cultiva e se vive a Teologia da Libertação, pode ser uma boa oportunidade. Não deveria deixá-la passar.

Juan José Tamayo

in Adital

Tradução: ADITAL

[Juan José Tamayo é diretor da cátedra de Teología y Ciencias de las Religiones, da Universidad Carlos III de Madri e autor de ‘La teología de la liberación en el nuevo escenario político y religioso’ (Tirant lo Blanc, 2010)].

Entre bispos e elites


À tarde, perante uma plateia de bispos brasileiros, o Papa dedicara o mais longo discurso da sua visita a vários alertas para a hierarquia católica. Defendendo que "o resultado do trabalho pastoral não assenta na riqueza dos recursos, mas na criatividade do amor", instou a Igreja a não se "afastar da simplicidade".

Falou directamente do êxodo de católicos, esse "mistério difícil das pessoas que abandonam a Igreja após deixar-se iludir por outras propostas", numa passagem acutilante: "Talvez a Igreja lhes apareça demasiado frágil, talvez demasiado longe das suas necessidades, talvez demasiado pobre para dar resposta às suas inquietações, talvez demasiado fria para com elas, talvez demasiado auto-referencial, talvez prisioneira da própria linguagem rígida, talvez lhes pareça que o mundo fez da Igreja uma relíquia do passado, insuficiente para as novas questões; talvez a Igreja tenha respostas para a infância do homem, mas não para a sua idade adulta." E apontou o caminho: uma Igreja "que, na sua noite, não tenha medo de sair", "capaz de interceptar o caminho" dos que a abandonam, "de inserir-se na sua conversa", uma Igreja que "acompanha, pondo-se em viagem com as pessoas", "capaz de decifrar a noite contida na fuga de tantos irmãos e irmãs".

E ainda perante os bispos: "Não reduzamos o empenho das mulheres na Igreja, antes pelo contrário, promovamos o seu papel activo na comunidade eclesial. Perdendo as mulheres, a Igreja corre o risco da esterilidade."

Na véspera, num encontro com elites da sociedade civil no Theatro Municipal, dissera que "entre a indiferença egoísta e o protesto violento há uma opção sempre possível: o diálogo", e que "o futuro exige reabilitar a política, uma das formas mais altas de caridade", referências claras às últimas semanas de protestos no Brasil.
Tudo somado, se algo percorreu os discursos deste Papa no Brasil foi uma defesa da acção: social, política e evangélica. Diante de fiéis argentinos, na Catedral Metropolitana do Rio, incitara: "Eu quero agito nas dioceses, que vocês saiam às ruas. Eu quero que nós nos defendamos de toda a acomodação, imobilidade, clericalismo. Se a Igreja não sai às ruas, se converte em uma ONG."


Excerto do artigo do Público de hoje, dia 29,

Papa pede aos fiéis que saiam à rua, para uma evangelização global

 









 

 
 


29 julho 2013

O Papa à solta no avião


Numa longa conversa com os jornalistas, a bordo do avião, Francisco explicou por que razão pede tanto que rezem por ele e disse que os homossexuais não deviam ser marginalizados, mas integrados na sociedade.

 

29-07-2013 12:15 por Aura Miguel, a bordo do avião papal que fez a ligação Rio de Janeiro-Roma

 

O Papa à solta no avião

“Não sei qual vai ser o futuro do Banco do Vaticano”

Papa garante que não teve medo durante falhas de segurança

"Cristo prepara uma nova Primavera no mundo através dos jovens"

"Tenham a coragem de ser felizes"

“Sigam em frente e não tenham medo”. Papa pede que não escondam Cristo

O Papa reafirmou, esta segunda-feira, na viagem de regresso a Roma, o ensinamento da Igreja de que as mulheres não podem ser ordenadas ao sacerdócio.

 Numa sessão de perguntas e respostas a bordo do avião papal, com os cerca de 70 jornalistas que viajaram com ele, Francisco disse que gostaria de ver mais mulheres em posições de liderança na Igreja, mas pôs fim a qualquer especulação de que poderá vir, ele próprio,  a introduzir mudanças no que diz respeito à ordenação sacerdotal, realçando que a posição da Igreja é "definitiva", como, aliás, já tinha sido ensinado por João Paulo II.

 "Não podemos limitar o papel das mulheres na Igreja a acólitas ou presidentes de uma organização caritativa. Tem de haver mais", disse Francisco. "Mas em relação à ordenação de mulheres, a Igreja já falou e disse que não. O Papa João Paulo II disse-o com uma fórmula que é definitiva. Essa porta está encerrada”.

Este facto, contudo, não significa que as mulheres sejam menos importantes que os homens na Igreja, disse Francisco, concretizando: "Nossa Senhora, Maria, era mais importante do que os apóstolos, bispos, diáconos e padres". De seguida, Francisco disse crer que "falta explicação teológica sobre isto".

 

A Igreja professa que o sacerdócio masculino foi instaurado por Cristo e que os sucessores dos apóstolos não têm a autoridade de o alterar.

Homossexuais devem ser integrados

Francisco também falou sobre o chamado "lobby gay" que existirá no Vaticano, mas fez questão de esclarecer que os homossexuais em si não devem ser marginalizados, mas sim integrados na sociedade.
            
O Papa apontou para o que ensina o Catecismo da Igreja Católica, esclarecendo que embora a homossexualidade em si, enquanto atracção, não seja condenável, os actos homossexuais são-no e devem ser evitados.
            
“Se uma pessoa é homossexual e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para o julgar?", questionou o Papa a bordo do avião.

 “O Catecismo da Igreja Católica explica isto muito bem. Diz que eles não devem ser marginalizados, mas integrados na sociedade. O problema não é terem esta orientação - devemos ser irmãos. Quando encontramos uma pessoa assim, deve-se distinguir uma pessoa homossexual do facto de fazer um 'lobby', porque não há 'lobbies' bons. O problema está nos 'lobbies' de pessoas gananciosas, 'lobbies' políticos, 'lobbies' maçónicos. Este é o pior problema", disse o Papa, em resposta a uma pergunta sobre a existência de um "lobby" gay no Vaticano.

 Fugas de informação na Santa Sé

O caso Vatileaks, nome dado a uma série de escândalos que envolveram roubos de documentos e fuga de informação da Santa Sé, foi também abordado. O caso foi investigado por ordem do Papa Bento XVI, que depois deu a conhecer as conclusões a Francisco.
 
            O actual Papa começou por elogiar a inteligência do seu antecessor. "Quando fui visitar o Papa Bento, depois de rezar na Capela, fomos para o seu escritório, onde vi uma caixa grande e um envelope grosso. Bento disse-me: 'Naquela caixa grande estão todas as declarações e tudo o que disseram as testemunhas, mas o resumo e juízo final está neste envelope e aqui diz-se que...' Ele guardou tudo na sua cabeça! Que inteligência, tudo na sua memória. Mas não me assustei. O problema é grave, mas não me assustei."
 
            A relação entre os dois Papas foi ainda motivo de elgoios de Francisco, para quem Bento XVI é como um avô: "Gosto tanto dele, tanto. É um homem de Deus, um pregador. Fiquei tão feliz quando ele foi eleito Papa. Quando ele resignou, vi isso como um exemplo de grandeza. Agora vive no Vaticano e alguns me diziam: 'Como é que é possível, dois Papas no Vaticano, não faz nada contra isto?'. Ele é um homem de prudência, não se imiscui. Convido-o várias vezes a vir comigo, como na bênção da Estátua de São Miguel. Para mim é como ter um avô em casa, é como um paizinho. Se tenho alguma dificuldade ou coisa que não percebo, pergunto-lhe se posso fazer assim. Quando foi a questão do Vatileaks falámos de tudo, com muita simplicidade. Ele é um grande, um grande."
             
Em resposta a uma pergunta da Renascença, Francisco explicou por que razão pede insistentemente aos fiéis que rezem por ele. O Papa criou o hábito como padre e diz que é muito importante, uma vez que é pecador como toda a gente. O hábito consolidou-se enquanto bispo, mas agora como Papa é ainda mais importante, realça.

O que o Papa Francisco trouxe até agora de novo

 
          É arriscado fazer um balanço do pontificado de Francisco pois o tempo decorrido não é suficiente para termos uma visão de conjunto. Numa espécie de leitura de cego que capta apenas os pontos relevantes, poderíamos elencar  alguns pontos.

 1. Do inverno ecclesial à primavera: saimos de dois pontificados que se caracterizaram pela volta à grande disciplina e pelo controle das doutrinas. Tal estratégia criou uma espécie de inverno que congelou muitas iniciativas. Com o Papa Francisco, vindo de fora da velha cristandade européia, do Terceiro Mundo, trouxe esperança, alívio, alegria de viver e pensar a fé crista. A Igreja voltou a ser um lar espiritual.

 

  2. De uma fortaleza à uma casa aberta: Os dois Papas anteriores passaram a impressão de que a Igreja era uma fortaleza, cercada de inimigos contra os quais devíamos nos defender, especialmente o relativismo, a modernidade e a pós-modernidade. O Papa Francisco disse claramente: “quem se aproxima da Igreja deve encontrar as portas abertas e não fiscais da afândega da fé; “é melhor uma Igreja acidentada porque foi à rua do que uma Igreja doente e asfixiada porque ficou dentro do templo”. Portanto mais confiança que medo.

     3. De Papa a bispo de Roma: Todos os Pontífices anteriores se entendiam como Papas da Igreja universal, portadores do supremo poder sobre todos as demais igrejas e fiéis. Francisco prefrere se chamar bispo de Roma, resgatando a memória mais antiga da Igreja. Quer presidir na caridade e não pelo direito canônico, sendo apenas o primeiro entre iguais. Recusa o título de Sua Santidade, pois diz que “somos todos irmãos e irmãs”. Despojou-se de todos os títulos de poder e honra. O novo Anuário Pontifício que acaba de sair  cuja página inicial deveria trazer o nome do Papa com todos os títulos, agora aparece apenas assim: Francesco, bispo de Roma.

      4. Do palácio à hospedaria: O nome Francisco é mais que nome; sinaliza um outro projeto de Igreja na linha de São Francisco de Assis: “uma Igreja pobre para os pobres” como disse, humilde, simples, com “cheiro de ovelhas” e não de flores de altar. Por isso deixou o palácio  papal e foi morar numa hospedaria, num quarto simples e comendo junto com os demais hóspedes.

       5. Da doutrina à prática: Não se apresenta como doutor mas como pastor. Fala a partir da prática, do sofrimento humano, da fome do mundo, dos imigrados da África, chegados à ilha de Lampedusa. Denuncia o fetichismo do dinheiro e o sistema financeiro mundial que martiriza inteiros países. Desta postura resgata as principais intuições da teologia da libertação, sem precisar citar o nome. Diz:”atualmente, se um cristão não é revolucionário, não é cristão; deve ser revolucionário da graça”. E continua:”é uma obrigação para o cristão envolver-se na política, pois a política é uma das formas mais altas da caridade”. E disse à Presidenta Cristina Kirchner:”é a primeira vez que temos um Papa peronista” pois nunca escondeu sua predileção pelo peronismo. Os Papas anteriores colocavam a política sob suspeita, alegando a eventual ideologização da fé.

       6. Da exclusividade à inclusão: Os Papas anteriores enfatizaram, especialmento Bento XVI a exclusividade da Igreja Católica, a única herdeira de Cristo fora da qual corre-se risco de perdição. O Francisco, bispo de Roma, prefere o diálogo entre as Igrejas numa perspectiva de inclusão, também com as demais religiões no sentido de reforçar a paz mundial.

        7. Da Igreja ao mundo: Os Papas anteriores davam centralidade à Igreja reforçando suas instituições e doutrinas. O Papa Francisco coloca o mundo, os pobres,  a proteção da Terra e o cuidado pela vida como as questões axiais. A questão é: como as Igrejas ajudam a salvaguardar a vitalidade da Terra e o futuro da vida?

        Como se depreende, são novos ares, nova música, novas palavras para velhos problemas que nos permitem pensar numa nova primavera da Igreja.

Leonardo Boff

26/07/2013

  Leonardo Boff é teólogo e autor de Francisco de Assis e Francisco de Roma, Editora Mar de Ideias, Rio 2013.

28 julho 2013

OS TRABALHOS DO PAPA FRANCISCO


1. Para muita gente, o que parece é e, ao que parece, temos dois papas. Vestem-se ambos de branco, usam ambos um solidéu branco, os sapatos são diferentes. Um escreve a encíclica para o outro a publicar com a sua assinatura, mas declarando que não foi ele que a escreveu. O seu a seu dono, sem se saber quem é o dono. Os meios de comunicação informaram que, para a viagem ao Rio de Janeiro, o Papa Francisco foi-se aconselhar com o ex-Bento XVI. Quem andava assustado com o desembaraço deste Papa, gosta de saber que ele se aconselha com a sisudez de Ratzinger. Para os tempos que correm e para enfrentar os lobos do Vaticano, dois papas não são demais.

Esta parece conversa de quem não quer que se toque no poder da Cúria, nas vergonhas do Banco do Vaticano e se distrai com um regime de indulgências a bom preço e de fácil acesso, a qualquer hora e lugar: basta ver, escutar e twittar.

Penso que o Papa Francisco tem seguido um bom caminho. Julgava-se que João Paulo II, além do contributo dado para a queda do Muro de Berlim, pelas suas imensas viagens, servidas pelos grandes meios de comunicação, tirava a Igreja das sacristias. Fazia dela o grande acontecimento mediático do século e restituía-lhe o seu esplendor perdido. Esquecia-se algo de muito banal: os meios de comunicação são um negócio; ganharam muito com as movimentações mundiais do papa polaco e ganharam imenso com as continuadas denúncias em torno da pedofilia de gente da Igreja e com a lentidão do Vaticano, em reagir a esses escândalos. E isso foi só o começo. Acentuaram-se os rumores em torno do banco do Vaticano: bispos, clérigos e leigos são acusados de fazerem parte de uma máfia de corrupção, cujos contornos estão ainda longe de serem conhecidos. Tudo acontece com a cobertura da Cúria Vaticana, a ponto de não se saber os laços que unem o poder do dinheiro e o poder da Cúria. Quem serve quem e quem encobre quem?

Quando Bento XVI abre um bocadinho do véu descobre que há um mundo ainda mais podre do que ele suspeitava e, perante o qual, manifesta a sua incapacidade. O grande teólogo, o que parecia saber muito dos mistérios de Deus, confessou que os mistérios do Vaticano o ultrapassavam.

2. Disse que o Papa Francisco tinha seguido um bom caminho, pois recusou meter-se naquele vespeiro. Para isso encarregou algumas pessoas de uma preliminar tarefa de limpeza, sabendo que não era uma decisão infalível. Se não desse certo, outras seriam escolhidas. A missão própria do Papa tem de ser outra: encontrar-se com os que sempre ficaram na periferia, do mundo e da igreja, os sem voz nem vez. Vários gestos marcaram, desde logo, essa opção. Nesse sentido, o encontro de Lampedusa é muito mais significativo do que a ida ao Rio, que segue os moldes estabelecidos por Wojtyla, em 1984.

O Papa Francisco mostrou que a reforma central do Vaticano tem de começar por gestos, atitudes, iniciativas, decisões que mostrem o que é e deve ser a Igreja e o Papa. Nenhuma reforma burocrática pode substituir as transformações da consciência de ser Igreja: um povo de mulheres e homens que se vão descobrindo como membros de uma grande família, ao serviço de toda a humanidade. Se o Papa não fôr o primeiro a testemunhar que este é o caminho, será o primeiro a desviar as pessoas do caminho de Cristo. 

3. O Papa não é para suceder a Jesus Cristo, mas para o seguir e tornar presente a sua mensagem no mundo de hoje. Nem ele nem os outros cristãos podem esquecer o que aconteceu nas relações dos discípulos com o Mestre e os principais obstáculos que Jesus teve de vencer, para que eles pudessem entender o seu projecto: só há reino de Deus quando os seres humanos se forem tornando e sentindo cada vez mais irmãos, esboço do mundo como família de Deus.

Jesus constituiu um grupo. Este levou muito tempo a compreender o seu projecto. Em certo sentido, os discípulos só o entenderam depois da ressurreição e do trabalho evangelizador das mulheres, as discípulas que nunca lhe exigiram nada. Eles queriam o poder de dominação. Dois, até se adiantaram para serem os primeiros da sua Cúria, passe o anacronismo (Mc 10, 14-45). Nunca entenderam as posições de Cristo sobre os perigos da riqueza e a incompatibilidade em servir a Deus e ao Dinheiro. O pobre banqueiro do grupo, ao ter esquecido o elementar, trocou Jesus por “30 dinheiros”. A outra dificuldade com que Jesus se debateu foi o do primado das normas e observâncias religiosas, sem ética, sobre as pessoas. Isto valeu o grande princípio: não é o ser humano para o Sábado, mas o Sábado para o ser humano. Este é um princípio universal: vale no campo da economia, da finança, do direito e da pastoral dos sacramentos. Vale no campo civil e religioso.

A reforma da Igreja e das suas instituições exige reflexão teológica de qualidade. Nas últimas crónicas insisti na Paciência com Deus, de Tomáš Halik. Para as férias recomendo a última obra de Timothy Radcliffe, uma teologia cheia de humor. O título em português é um bocado parado: Imersos na Vida de Deus, Viver o Baptismo e a Confirmação, Paulinas, 2013. No original inglês sugere uma piscina ou uma praia: mergulhe (Take the plunge).

Boas férias e até Setembro, se Deus quiser.

Frei Bento Domingues, O.P.

28.07.2013

Carta das CEBs aos Participantes da JMJ

 “Juventude que ousa lutar constrói o poder popular”

Nós juventudes reunidos no Trezinho das Comunidades Eclesiais de Base, na diocese de Crato, em preparação ao 13º Intereclesial que vivenciamos a experiência da Justiça e Profecia a Serviço da Vida no Campo e na Cidade. Assim, queremos anunciar a todas as juventudes de todos os continentes que estarão presentes na Jornada Mundial da Juventude e no 13º Intereclesial de CEBs, que seguindo o testemunho do Cristo libertador procuramos vivenciar uma espiritualidade profética, que se torna visível na opção preferencial pelos pobres e na defesa da vida por uma sociedade do bem viver. Impulsionados pela profecia desta terra e dos mártires que na fidelidade ao Evangelho derramaram seu sangue pela causa do Reino, denunciamos:

·        O atual modelo capitalista que movido pelo lucro que mata nossas juventudes, sobretudo, os negros e negras pobres, e assim, destrói a esperança da continuidade da vida que Deus nos deu.

·        A falta de efetivação de políticas públicas específicas para os jovens do campo e da cidade.

·        Os grandes projetos e mega eventos que com a máscara de “desenvolvimento” para o campo e as cidades, expulsam comunidades de seus territórios destruindo as culturas e tradições que historicamente se formaram.

Repudiamos:

·        A redução da maioridade penal por entendermos que ela não resolverá o problema da violência, visto que a mesma tem causa na desigualdade social e na falta de oportunidade para o desenvolvimento de uma vida digna – “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10).

·        A postura de políticos que se utilizam de bens públicos para alimentarem a ganância pelo dinheiro e a impunidade que favorece a prática de tais crimes – “Vóis não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Dt 9).

Por tudo que foi explicitado afirmamos nosso compromisso em:

·        Comungar da luta da juventude negra, indígena, camponesa, pescadores e quilombola, defendendo a sua identidade e territórios.

·        Lutar pela democratização dos meios de comunicação como garantia de espaço e expressão popular, realizando um contraponto da grande mídia que destorce as mais diversas lutas sociais.

·        Assumimos a defesa das mais diversas formas de amar como expressão do gesto em que Jesus acolhe a samaritana (Jo 4), e assim, rompe preconceitos presentes em nós e na sociedade.

Nós, juventudes encantados (as) com o embalo das Comunidades Eclesiais de Base seguiremos firmes na caminhada rumo a uma sociedade em que todos (as) sejam protagonistas de uma nova história.

Juazeiro do Norte, 14 de julho de 2013.

26 julho 2013

Bhutan's model of Gross National Happiness a glorious goal for modern society

      
The first road sign I saw in Bhutan read: Start early/Drive slowly/Arrive safely. I knew instantly this place and this trip was going to be different.

 Bhutan is a country so small -- fewer than 1 million people live there -- that, tucked between China to the north and India to the south, it is very easy to miss. But this little country is having more and more impact on the rest of the world every day.

There's something about being confronted by the obvious in the midst of the unquestionable, however, that makes a person rethink all of life in the process. I know that's true because it just happened to me. In Bhutan I saw what obviously could be start to eclipse what is now unquestionable in society as we know it.

What has become obvious and unquestionable in a world of superpowers and global systems is that small nations have little weight to add to the scales of more modern and powerful nations. And yet what is astounding is the fact that one of the smallest countries on the planet -- the tiny monarchical democracy of Bhutan -- may very well be developing a great deal of international influence.

 In June, the Global Peace Initiative of Women convened a body of religious leaders and professional scholars to study a recent declaration of the king and government of Bhutan. In Bhutan, the Parliament has declared, the GNP -- the Gross National Product by which the wealth of a nation is measured -- has been abandoned. In its place, the government has defined the achievement of Gross National Happiness as their new standard of success. They have, in other words, chosen a spiritual rather an economic metric of achievement.

Our task was to consider the practicality of such an ideal as well as its message to the rest of society.

As one social absolute after another -- money, power, social status and productivity -- came under scrutiny, I asked myself what I was seeing. To be truthful, it was a bit of the old story of Shangri-La, from James Hilton's 1933 novel about a hidden kingdom of peace and happiness, mixed with a touch of the 1959 film "The Mouse that Roared," the story of a small kingdom that, by accident, manages to upset the entire geopolitical order.

 Bhutan's capital city, Thimphu, has a population of barely 100,000. The country is nestled in forests and rice paddies at the bottom of the Himalayas. Scattered villages run up and down the mountainsides of 14 districts and the last village in the country, their newspaper reported the week we came, will finally be electrified by the end of the month.

And yet in so many ways, Bhutan, a country once isolated from the outside world by the Himalayan Mountains that encircle it and insulated from the more progressive or "developed" world around it, is far beyond anything that world has to offer.

The concept of Gross National Happiness in a people formed in Buddhist values rests on four major principles:

• sustainable and equitable socioeconomic development;

• conservation of a fragile ecology;

• the promotion of culture and the purpose of a human civilization; and

• good governance that looks beyond greed to human development. A Romantic model, I know, but impossible. Except that here, it isn't.

 The little kingdoms that are now Bhutan, though loosely associated in the 17th century, were not united into a single country under a hereditary monarchy until 1906. A little more than a century later, they are still emphasizing national unity. So they wear traditional dress for work and all formal occasions, the gho, or short tunic, for men and the kira, or box jacket, for women. They build their houses on a single model and use only traditional triple-arched windows and icons on them as decoration to define their common culture, as well. They take days to celebrate communal festivals and national historic events.

 This newest declaration, then, of the search for Gross National Happiness under what is only its fifth hereditary king is like watching a country be born under your very eyes. They are deciding together in the midst of a world built on money, military might and unlimited consumption to simply reject all of those things. In Bhutan, the national emphasis is on sustainable development, the preservation of cultural values, the conservation of the natural environment and the establishment of good governance -- governance that puts human well-being and happiness before business, productivity or rugged individualism. And it's not mere sloganeering.

 In Bhutan, national success is about development that does not destroy, ecological protection that does not drain resources, government that seeks human development before money and a proper balance between the production of goods and the happiness of the people.

 

For instance, in Bhutan, fishing and hunting -- except under the rarest of situations -- is forbidden because care for nature, including the animals, is paramount.

At this time, 72 percent of the country is forested, and the constitution requires that that figure never be less than 60 percent. Buying this land to sell off its wood on the open market is, then, illegal.

Bhutan makes its money on tourism and by selling hydropower to India, not on mass production or cash crops.

 The main industry of 60 percent of the population is still farming. One young farmer told us he wants to be a farmer because he "wants to feed his people." How many people, I thought, ever think of farming anymore as more than just one more global corporation like any other? Now that agribusiness has managed to gobble up truck farms and sell genetically modified seeds that cannot reproduce themselves, the whole notion of a country's being able to "feed itself" is, at best, quaint, if not obsolete.

 Another young leader we met makes shoes to sustain himself and, on the side, operates a "shoe laundry" to clean and give shoes away to those who need them.

A third, born with three kidneys when many people, he says, barely have one good one, decided what he needed to do for his fellow citizens was to begin a kidney foundation.

 
A woman whose child became severely handicapped got a degree in London then returned to Bhutan to open a center to train other parents in a similar situation.

 The theme is constant: Life is for human service, not financial profit. The citizen does what the country needs, not what globalism demands.

 Do they have problems with all of this? Yes, they do, and they know it. They have refugee problems that arise out of citizenship responsibilities. They have technology problems that create age gaps in the family. They have issues of balance in a society that is balancing one world against another. So they are fashioning an educational system to integrate the principles of GNH into everything they teach. In order to ensure these ideals will shape their future as well as their present, they must all be faced, all be resolved.

 

They know they cannot keep the world out of Bhutan anymore, and they don't want to. They lifted the restrictions on the Internet in 1999, for instance, because they see its value to their development. But they are concerned about its use and its influence. And they do want balance. They do not want an economy based on money, greed and ruthless individualism to take over a culture based on family, nature and human compassion. Or as Bhutan's Education Minister, Thakur S. Powdyel, puts it, "A Bhutan of Gross National Happiness will be a moral giant 'where everyone cares enough and everyone shares enough so that everyone has enough.' "

They make a person think.

Imagine what our own country would look like if we refused to do anything that would compromise our national resources, the care of the people, the preservation of the environment rather than its exploitation and the protection of our animal species, as well as the purity of the human environment. Just the way we once did.


The temptation, of course, is to call such a thing impossible in a modern world. But it's only impossible if we choose short-term profits over human community.


Perhaps before we get any spiritually weaker than we are right now, we ought to find some politicians who are not in the pockets of Washington lobbyists and willing to listen to what these young people in this young nation are calling the whole world to consider.


From where I stand, the problem does not lie in making something like this the basis of human and national happiness. Obviously, there are those who want it.


No, the problem lies in the fact that the United States as it functions now -- in gridlock, under destructive partisanship, as an oligarchy, and, like Pilate, pronouncing things like freedom, natural resources, education and mutual support good then washing our hands of any responsibility for them -- has chosen to be Sparta rather than Athens.

 
We don't even pretend to aspire to values like these anymore. It's more money for the rich that we're about and more power for the powerful that we seek rather than more opportunities for the middle class, more support for the poor and more compassion for the weak.

 
Maybe we could use a few conversations on Gross National Happiness ourselves before the next election, before Gross National Greed strikes the final blow and destroys us all.

Joan Chittister

25.07.2013

in NCR

 

21 julho 2013

La primera zancadilla al Papa

 
El Vaticano ocultó a Bergoglio el oscuro pasado de un prelado al que designó para limpiar las finanzas
 
Al papa Francisco ya le han puesto la primera zancadilla. El pasado 15 de junio, y dentro de su plan para limpiar las finanzas de la Iglesia, Jorge Mario Bergoglio nombró a monseñor Battista Ricca, de 57 años, como prelado interino en el Instituto para las Obras de Religión (IOR), el banco del Vaticano. Ricca, originario de la diócesis de Brescia, procede de la carrera diplomática, ha pasado 15 años en distintas nunciaturas antes de llegar a la Secretaría de Estado y en los últimos tiempos ejerció como director de la céntrica residencia donde el anterior cardenal de Buenos Aires se alojaba en sus visitas a Roma.
Allí lo conoció el ahora Papa, le causó buena impresión y, después de pedir los preceptivos informes y no ser advertido de ninguna irregularidad, lo nombró como su incorruptible representante en el interior del siempre polémico banco de la Iglesia. El problema es que, a la vuelta de un mes, las guerras de poder que provocaron la renuncia de Benedicto XVI, vuelven a reproducirse, con idénticas dosis de veneno y en forma de filtraciones periodísticas. Monseñor Battista Ricca sí tenía pasado. Un polémico pasado que los altos representantes de la Curia conocían, que ocultaron al papa Francisco y que ahora sacan a la luz para, según todos los indicios, hacerle pagar su furor reformista.
Vuelve la guerra de poderes que provocó la renuncia de Benedicto XVI
Nada más nombrar a monseñor Battista Ricca, quien fue presentado como una prueba de los deseos del Papa argentino de iluminar las oscuras finanzas del Vaticano, Jorge Mario Bergoglio empezó a recibir indicios de que había metido la pata. Distintos nuncios de visita en Roma le comunicaron —según publica el semanario L’Espresso— que el currículo de monseñor Ricca tiene diversos puntos oscuros, entre los que destacaron su paso por la nunciatura de Montevideo. El prelado italiano llegó a Uruguay en 1999 procedente de Suiza y después de haber prestado servicio en las nunciaturas del Congo, Argelia y Colombia. Pero fue en Berna donde, según los informes surgidos del Vaticano, monseñor Ricca conoció y trabó estrecha amistad con un capitán del Ejército suizo, Patrick Haari, a quien se llevó a Uruguay, alojó y empleó en la nunciatura.
Pero la conducta poco ortodoxa de Battista Ricca no quedó ahí. Según relata de forma prolija el semanario, el prelado se aficionó a la noche uruguaya y en los primeros meses de 2001 tuvo un altercado en un tugurio, llamó pidiendo socorro a la nunciatura y fue rescatado con el rostro magullado por unos sacerdotes. Pero al margen de las andanzas de monseñor Ricca —un incidente en un ascensor, un misterioso baúl de su propiedad conteniendo una pistola y abundante material pornográfico…—, lo cierto es que la guerra de poderes en el Vaticano que provocó la renuncia de Benedicto XVI, aquel “pastor rodeado por lobos”, vuelve a reproducirse. Tal vez ahora el objetivo sea distinto. Si entonces el problema era quién se hacía con el mando tras la muerte del anciano Papa alemán, ahora los tiros parecen ir en una única dirección: frenar la veloz carrera de Francisco por reformar el Vaticano.
Ayer mismo, el Papa creó otra comisión para reformar la estructura económica de la Santa Sede. El grupo está formado por siete laicos y el sacerdote español Lucio Ángel Vallejo Balda, que actuará de secretario. La comisión viene a sumarse a la ya creada por el Papa para intentar limpiar el IOR. Un difícil camino sembrado de informes secretos dispuestos a explotar.
Pablo Ordaz   Roma  19 JUL 2013
in El Pais Internacional
http://internacional.elpais.com/internacional/2013/07/19/actualidad/1374254175_132638.html
 


PACIÊNCIA COM DEUS (3)

 
1. Para quem estiver, como F. Pessoa, ”gravemente atento à importância misteriosa de existir”, a pergunta pelo sentido último da vida humana não é insensata. Segundo essa alma inquieta, teremos de pensar no fim da viagem, “de reflectir no que diremos ao Desconhecido para cuja casa a nossa inconsciência guia os nossos passos”.

Para que uma caminhada faça sentido tem de ter um propósito. Mas, na existência humana, os propósitos são muitos. Importa hierarquizar os valores que prosseguem. Não podem ser discutidas, neste espaço, as armadilhas que escondem.

Adopto, aqui, a posição do grande filósofo da linguagem, L. Wittgenstein (Viena,1989 - Cambridge 1951), muito marcado pela mística evangélica de L. Tolstoy: “Que sei eu sobre Deus e o sentido da vida? Sei que este mundo existe. Que estou nele como o meu olho no seu campo visual. Que algo nele é problemático, a que chamamos o seu sentido. Que este sentido não existe nele, mas fora dele. (…) Ao sentido da vida, i. é, ao sentido do mundo, podemos chamar Deus e associar-lhe a metáfora de Deus como um pai. A oração é o pensamento do sentido da vida. (…) Crer em Deus significa compreender a pergunta pelo sentido da vida. Crer em Deus significa ver que a vida tem sentido”.

Dir-se-á que esta e outras posições similares resultam da falta de resignação com a nossa incurável finitude e de uma sede de realização que não passa de megalomania do desejo, fruto da vontade doentia de resistir ao inevitável.

Em vez de falar de megalomania do desejo como uma doença, porque não dizer que é a expressão do que há de ilimitado no desejo humano, a sua grande saúde? Os medievais, entre eles Tomás de Aquino, falavam do desejo de ver a Deus. Mestre Eckhart, o místico radical, dizia que seria necessário chegar à visão de Deus sem imagens.

No plano ético, desistir de questionar o presente e tentar alguma pista para o futuro, seria suicídio moral. Sei que pretender fundamentar e sustentar um sentido moral incondicional, sem uma energia infinita, parece impossível. Afinal, porque terei de ser alguém realmente ético, mesmo quando essa atitude só me traz inconvenientes?

2. Se ninguém pode provar a existência de Deus, também não há quem possa provar a sua não existência, mas não é indiferente o que se diz num ou noutro sentido. Como diz T. Halík, há tantos tipos de ateísmo como de fé: o ateísmo frívolo que, tal como Esaú, vende a sua herança de fé por um prato de lentilhas; o “esquecimento de Deus” que preenche esse espaço com ídolos substitutos, de todos os tipos; o ateísmo enfatuado, para o qual ”Deus não deve existir”, aliás, “se houvesse deuses, como suportaria eu não ser um deles?”; o ateísmo libertador do deus imaginário, uma projecção aterrorizadora. Há, ainda, um triste e doloroso ateísmo: “eu gostava de acreditar, mas há tanta amargura dentro de mim por causa do meu próprio sofrimento e da dor do mundo, que sou incapaz de acreditar.”

Não se pode esquecer uma dolorosa “perda da fé”, a morte da fé na cruz do nosso mundo, quando o individuo mergulha nas trevas interiores e exteriores, “longe de todos os sóis”, quando a escura sombra da cruz cai sobre ele. Muitos já tiveram esta experiência em certos momentos das suas vidas. Na história do Evangelho este tipo de ateísmo exprime-se no momento do grito de Jesus na cruz: “Meu Deus, porque me abandonaste?” Chesterton exprime-o numa passagem notável: “deixemos que os ateus escolham um deus para si. Encontrarão uma divindade que, também ela, manifestou o seu isolamento; encontrarão, apenas, uma religião em que Deus, por um instante, pareceu ser um ateu”.

3. Essa é a verdade de Sexta-Feira Santa. Depois, a longa e silenciosa espera de Sábado Santo traz outra mensagem, não menos verdadeira, embora muitos tenham adormecido, perdendo assim essas primeiras horas da manhã.

S. João da Cruz, o místico da noite escura da alma, deixou-nos um desenho da Crucificação, visto de cima, a perspectiva do Pai que inspirou a pintura de S. Dali. Visto de cima, esse momento tenebroso assume um aspecto bastante diferente: a derrota é vitória… é a morte da morte. O ser humano não cai numa escuridão infindável, regressa à luz. A fé cumpriu a sua missão de peregrina, para se dissolver no reino do amor.

Nós ainda estamos a caminho. A fé cristã - ao contrário da religiosidade natural, fácil e despreocupada - é sempre uma fé em processo de ressurreição. Encontra-se em fases muito diversas, ao longo das nossas vidas. O comentário irónico de que a fé é uma muleta para fracos e coxos, dispensável pelos fortes, pode ser, apenas, um expediente de conversa. Prefiro a metáfora de cajado do peregrino, que todos somos.

O livro, Paciência com Deus, não pretende ser nenhum manual de viagem. É um testemunho, muito reflectido e documentado, de uma grande peregrinação, atenta a tudo o que encontrou pelo caminho, sem dar lições. Quer ajudar a Igreja a vencer a tentação apologética de dar respostas antes de ouvir e aprofundar as perguntas, mas não só. Procura, de mil maneiras,   provocar crentes, agnósticos e ateus para o facto de sermos todos companheiros e que a verdade acontece ao longo do diálogo e do silêncio.

A amizade também.

Frei Bento Domingues, O.P.

in Público 21.07.2013

Queremos uma nova Igreja!

 
Carta Aberta de Católicas ao Papa Francisco
 
Queremos saudá-lo, Papa Francisco, como mulheres que, desde a perspectiva da fé, temos a esperança de que profundas mudanças permitam à Igreja apresentar-se ao mundo como essa luz de que fala a Encílica Lumen Fidei, sua primeira carta à comunidade católica.
Esperamos, em primeiro lugar, que a escolha do nome Francisco signifique um programa de renovação das próprias estruturas da Igreja, assim como da sua doutrina, na fidelidade à figura desse homem de Assis que abalou o mundo com sua radicalidade.
Mulheres católicas que somos, queremos viver uma fé que liberte e não condene, ameace ou inspire medo. Respeitamos e admiramos os gestos do novo Papa de simplicidade e acolhimento das pessoas. Por isso, esperávamos que trouxesse à Igreja outros ares, como o fez João XXIII. Que abençoasse todas as famílias, hétero ou homossexuais; que compreendesse que uma experiência positiva da maternidade ou da paternidade não resulta da possibilidade biológica de gerar, mas da capacidade de amar, respeitar e educar uma criança. Foi por isso que, com tristeza, lemos sua primeira carta dirigida ao povo católico reafirmando a união heterossexual como a única expressão do amor verdadeiro. Quando a Igreja vai se abrir à realidade da diversidade das formas de amor e de expressão da sexualidade humana? Quando compreenderá que existe um imenso universo de possibilidades de realizar-se como ser humano?
Queremos uma nova Igreja. Uma Igreja na qual as mulheres sejam reconhecidas por si mesmas, em seu direito à autonomia na condução de suas vidas. Que sejam reconhecidas como animadoras de comunidades, com pleno acesso ao exercício do sacerdócio e às instâncias decisórias da instituição. Uma Igreja que valorize as comunidades religiosas femininas que evangelicamente se inseriram nos setores mais pobres de nosso país. E que elas sejam respeitadas, admiradas por sua audácia e generosidade. Queremos uma Igreja na qual o celibato não seja uma obrigação e a direção das comunidades seja decisão das e dos fiéis.
Queremos uma nova moral relativa à sexualidade e à reprodução humana que reconheça o valor moral da decisão de mulheres católicas pela interrupção de uma gravidez. Dados de pesquisas indicam que são católicas, em sua maioria, as mulheres que abortam em nosso país. Que elas possam fazê-lo não apesar de sua fé, mas apoiadas nela, com a certeza de que Deus as compreende, como se expressou uma delas após a realização de um aborto. A manutenção da ilegalidade tem levado milhares de mulheres à morte. As nossas vidas tem sido utilizadas politicamente como moeda de troca, para garantir maioria eleitoral. É contra essa situação que a Igreja deve lutar. Essa é a luta a favor da vida que a Igreja deve abraçar.
Queremos, sim, uma nova igreja, que abandone as ambições de poder e riqueza e se mostre audaz no compromisso com sua renovação interna e com a justiça social e a paz. E que a bênção dada pelo povo ao Papa Francisco na Praça de São Pedro, no dia de sua escolha como chefe espiritual da Igreja, o acompanhe, ilumine e fortaleça em sua missão.
 
Equipe de Católicas pelo Direito de Decidir
 



À PROCURA DA PALAVRA



 
 
À PROCURA DA PALAVRA
P. Vitor Gonçalves
DOMINGO XVI COMUM  Ano C
"Maria escolheu a melhor parte.”
Lc 10, 42
 “Uma só é necessária”
 Nunca gostei da expressão “doméstica” para designar a profissão de incontáveis mulheres e mães. Para além de sugerir alguém “domesticado”, sempre se desvalorizou o trabalho incalculável em tempo e dedicação que uma casa e uma família requerem. Talvez pudesse definir-se como “gestora de cuidados familiares”, “licenciada em tudo e mais alguma coisa”, “chefe do governo familiar”. Na riqueza destes novos tempos de partilha das responsabilidades associadas a uma casa e a uma família, a “fatia de leão” continua a pertencer à mulher!
No tempo de Jesus todos os trabalhos da casa repousavam ainda mais nos ombros da mulher. Assim, é natural a atitude de Marta em ocupar-se das actividades próprias para acolher aquele hóspede tão especial que é Jesus. O que não é usual (e pouco próprio, como vemos pelas palavras que lhe dirige a irmã) é a atitude de Maria: sentada aos pés de Jesus a escutar as suas palavras. É a atitude do discípulo, que coloca em primeiro lugar a escuta do Mestre. E também isso é novo e bem referido por São Lucas: muitas discípulas seguiam Jesus. A resposta de Jesus não põe em causa o trabalho que generosamente Marta desempenha, mas sim que ela fique tão absorvida e atarefada, a ponto de perder a sua paz interior. E sublinha essa novidade de que também a mulher é chamada a ser discípula, com a mesma igualdade e dignidade dos “habituais” discípulos varões! O acolhimento de Jesus é acolhimento da sua palavra e da sua presença; não é gastar-se a “fazer coisas” cuja necessidade imediata pode ser facilmente discutível.
A escuta da Palavra de Deus será sempre um dos maiores desafios do cristão. Escutar parece não ser produtivo, não se vêm os seus efeitos imediatos (ao contrário do “fazer” que, mal ou bem, se vê imediatamente). Na escuta, o grande trabalho é interior, são os pensamentos, as perguntas e respostas, o conhecimento pessoal, que se tornam a matéria para as grandes realizações. Gosto de pensar que S. Lucas nos dá Maria como modelo de escuta porque Jesus encontrou nas mulheres as melhores ouvintes da sua boa nova. Tantas vezes, ainda hoje, sem voz, elas são verdadeiras especialistas em escutar, e isso dá fruto a seu tempo de muitas formas. Como cultivamos esta escuta de Jesus na nossa vida pessoal e comunitária? Como alimentamos as palavras que dizemos com a escuta do que Deus nos diz?
Ando a ler um livro que tem por título “Uma nova oportunidade para o Evangelho”. Tem servido à renovação pastoral em algumas dioceses de França. Duas das experiências nele referidas vão ao encontro do evangelho de hoje: a “Mesa da Palavra” (“um grupo humano em que os participantes estão ao alcance da voz uns dos outros. Ela evoca a convivialidade de palavras livres que se troca, numa escuta e benevolência mútuas (...) A Palavra viva toma a seu cargo a vida concreta dos leitores”) e as “Casas do Evangelho” (“…encontros regulares de cristãos, não nas salas do centro paroquial, mas em casa de um ou de outro (…) Encontrar-se para ler juntos relatos do Evangelho, colocar-se à escuta da Palavra que aí se revela, deixar-se transformar por ela.”). Talvez seja assim que descobrimos a “coisa mais necessária”. É possível tentar?
         in Voz da Verdade 21.07.2013
 
À PROCURA DA PALAVRA
P. Vitor Gonçalves
 
DOMINGO XV COMUM Ano C
 "Querendo justificar-se, perguntou a Jesus:
«E quem é o meu próximo".
Lc 10, 28
 
O "próximo"... em Aushwitz
 
 Podemos ler em livros, ver em filmes e documentários, imaginar a partir de imagens, mas pisar o terreno de Aushwitz e de Birkenau na Polónia, dois dos vários campos de concentração e extermínio do regime nazi, é indescritível. Depois das paisagens verdes e belas e do esplendor dos inúmeros santuários polacos, estes lugares de dor e absurdo não deixam ninguém indiferente. Alguém disse um dia, perante tanta barbárie e desumanidade, que "Deus morreu em Aushwitz", mas é preciso não esquecer que que a paixão de Jesus continua na de cada pessoa que sofre, que a maldade foi e será vencida de muitas maneiras. E se estes lugares parecem concentrações do mal que o ser humano é capaz de inventar, é preciso pensar que o mal acontece e permanece pela força de alguns e pela indiferença de muitos. Os caminhos de Jerusalém para Jericó onde há quem esteja caído, meio morto e abandonado, são, afinal, os caminhos de cada um de nós.
         Impressiona imaginar cada pessoa por detrás dos milhões que aqui morreram, o inferno que era a vida dos que sobreviviam às viagens, e as assombrosas formas de matar e causar sofrimento. No corpo,  mas sobretudo, no espírito. Dizia a nossa guia que eram "sofisticadas fábricas de matar"! O saber humano ao serviço da bestialidade, a dignidade da pessoa espezinhada e destruída. E continua tão actual a frase de Wladyslaw Bartoswewski, um sobrevivente de Aushwitz: "Milhões de pessoas no mundo sabem o que foi Aushwitz, mas a questão básica continua no consciente e memória das pessoas. E depende somente da sua decisão se esta tragédia voltará a acontecer. Somente as pessoas puderam causá-la e somente as pessoas podem impedi-la." Podemos imaginar o demónio fora de nós mas, pelos gestos ou pela indiferença, onde ele continua a dominar é no coração e no pensamento de quem o deixa crescer dentro de si. E o mal "organizado" pode revestir muitos nomes, ideologias, políticas e economias, mas sempre será o domínio ou a superioridade sobre um ou muitos seres humanos.
         Dava jeito ter uma lista de "próximos", não muito longa para estar sempre em dia com as obrigações. Mas Jesus, que parece não gostar muito de listas, nem de obrigações nem de pecados (quem as aprecia é normalmente quem se especializa em julgar os outros!), valoriza a atenção e o coração generoso. Em cada situação é importante o outro e a sua circunstância, ainda que haja urgência na viagem ou actividades que parecem inadiáveis. O servidor do templo e o sacerdote que regressam das celebrações sagradas e belas de Jerusalém ficam mal na fotografia. Tão " junto de Deus" e tão distantes dos homens, eles são um espelho para a nossa religiosidade. Afinal o "amor a Deus" pode "vacinar-nos" do contágio que Jesus veio espalhar: o próximo tem nome e rosto e está sempre perto de nós. Pode não estar caído à maneira do Evangelho, e talvez o sofrimento não seja visível, mas o gesto de cada um pode fazer a diferença. A indústria de matar alimenta-se da indiferença; a obra do amor de Deus cresce com as nossas mãos estendidas. Hoje mesmo, há alguém de quem te podes aproximar?
         in Voz da Verdade 14.07.2013