13 janeiro 2012

É raro podermos manifestar satisfação face a um documento saído do Vaticano, neste caso do Conselho Pontifício Justiça e Paz. Trata-se de uma Nota, emitida em 24 de Outubro de 2011, intitulada "Para uma reforma do sistema financeiro e monetário internacional na perspectiva de uma autoridade pública de competência universal",cujo texto completo pode ser encontrado no respectivo sítio na internet. Aponta para a ausência de príncipios morais que estaria na base da actual crise económica mundial e procura horizontes viáveis. Indica, sobretudo, a ganância colectiva e estrutural que está presente nos actuais sistemas e instituições. Mais especificamente aponta o dedo ao "liberalismo económico sem regras e sem controle", à idolatria do mercado, que se mostra avesso às intervenções públicas nesses mesmos mercados. Este discurso não é novo no Vaticano, pois desde o século XIX, com o início da construção da Doutrina Social da Igreja, que tem havido pronunciamentos acerca de como as forças desreguladas dos mercados podem ameaçar o bem comum, e sobretudo o bem dos mais frágeis. Mas em anos recentes as preocupações do Vaticano têm-se concentrado excessivamente num discurso pobre sobre questões sexuais e muito menos sobre as matérias abordadas nesta Nota. O documento recorda, por exemplo, que mais de mil milhões de pessoas vivem com cerca de um dólar por dia. Ou seja, a crise não é apenas económica e financeira mas sobretudo moral, o que significa que não pode nem deve haver economia sem ética e que a ética deve sobrepor-se sempre à economia. O sentido da dignidade da pessoa e a solidariedade para com o conjunto da comunidade humana deverá ser integrado na vida pública para orientar e regulamentar o dinamismo dos mercados económicos, tendo em vista a plenitude da visão cristã do bem comum. O Conselho advoga que seja adoptado um conjunto de leis supra-nacionais e criada uma instituição internacional (uma espécie de Banco central mundial) capazes de regularizar os mercados globalizados, dado que considera que o FMI perdeu "a sua capacidade de garantir a estabilidade das finanças mundiais." Propõe mesmo o que tantos políticos, entre os quais o primeiro-ministro do Reino Unido, rejeitam: "taxas sobre transações financeiras" que possam "contribuir para a constituição de uma reserva mundial, destinada a apoiar as economias dos países atingidos pela crise, bem como o saneamento dos seus sistemas finaneiros e monetários."
A reacção por parte dos católicos conservadores norte-americanos foi de rejeição imediata - e no momento actual da
vida política norte-americana, em que muitos bispos, aberta ou veladamente, apoiam as ideias mais extremistas dos
Republicanos, poder-se-à sugerir que estes não acolheram com bom grado a Nota.

Ana Vicente, Jan 2012

1 comentário:

  1. O endeusamento do mercado, entre os conservadores, cega-os quanto aos efeitos nefastos que tais «regras» têm sobre a maioria da população mundial: a exclusão e a opressão. O documento do Vaticano tem toda a razão e põe o dedo na ferida.

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