31 março 2019

   
P/ INFO: Crónicas &  Francis tells Morocco's tiny Catholic minority to 'generate change, awaken wonder'
Estive a ver e penso que não vos enviei o mail da semana passada. Podem lê-lo no nosso blogue ou dizer-me para vo-lo enviar. Pelo lapso peço desculpa.

CONFESSAR-SE, PELO MENOS, UMA VEZ POR ANO
Frei Bento Domingues, O.P.
Confessar-se, pelo menos, uma vez por ano
A queixa actual é contra a obrigação de se confessar antes de comungar. Tanta gente a comungar e tão pouca a confessar-se.

1. O título deste texto pode parecer ridículo por anacrónico. Quem desejar conhecer as posições oficiais da Igreja sobre os Sacramentos deve ler os textos do Vaticano II, o Código de Direito Canónico (1984) e as orientações de reforma da Igreja do Papa Francisco, expressas nos documentos por ele assinados. Se mantenho este título, é porque ele serviu para dar cobertura a uma história de terror, para distorcer a prática sacramental da Igreja e ocultar a própria essência do cristianismo. Por outro lado, a discussão actual, em torno dos ministérios ordenados, não se deve deixar polarizar, apenas, por carências funcionais da pastoral actual da Igreja, embora a situação seja calamitosa.
O título desta crónica tem uma história. O IV Concílio de Latrão é assim chamado porque foi realizado em Roma, na Basílica de S. João de Latrão, a cátedra do Papa. Aconteceu entre 11 e 30 de Novembro de 1215.
 Esta iniciativa de Inocêncio III teve a maior participação de bispos de toda a Antiguidade, Idade Média e Idade Moderna. É considerado, pelos historiadores, como o ponto mais alto e importante do papado do século XI ao século XIII[1].
Compareceram 404 bispos, 71 primazes e metropolitas, 800 abades e priores. Além disso, cada bispo possuía uma numerosa comitiva. Os patriarcas orientais, embora convidados, não compareceram, mas todos os reinos cristãos enviaram representantes.
Este concílio confirmou as magníficas orientações de reforma da Igreja do grande Papa Inocêncio III, deixou-se, porém, enredar nas obsessões da Quinta Cruzada e das medidas violentas contra os albigenses. Deu, no entanto, amplo espaço à doutrina sobre a Eucaristia e o sacerdócio ministerial, acolhendo o conceito de transubstanciação, cunhado pela primeira escolástica. A obrigação da confissão anual e da comunhão pela Páscoa foram as ordenações mais notadas do concílio e mais duradoiras.
O historiador Jean Delumeau estudou o imenso problema histórico da confissão em países católicos[2]. Foi, durante séculos, um tema central da Quaresma. A confissão sacramental, uma vez por ano, era o mínimo dos mínimos, em regime de cristandade. A maior ou menor frequência dependia das diversas correntes de ascética e mística. Teve uma boa aliança na devoção ao Sagrado Coração de Jesus, expressa na recomendação e nas garantias espirituais das primeiras sextas-feiras. Mas a desobriga, para poder comungar pela Páscoa da Ressurreição, enchia as Igrejas com filas intermináveis. Era mesmo, apenas, uma desobriga.
2. A queixa actual é contra a obrigação de se confessar antes de comungar. Tanta gente a comungar e tão pouca a confessar-se.
Parece-me que estamos perante um grande equívoco. A celebração da Eucaristia é, do começo ao fim, o grande sacramento da confissão dos pecados e da misericórdia de Deus. Só há Eucaristia, como acção de graças, por Deus não ter deixado Jesus de Nazaré vítima de um assassinato. O testemunho que as mulheres receberam é que, afinal, a morte não foi a última palavra sobre a figura mais extraordinária de toda a história conhecida da humanidade. Sem o reconhecimento de que Jesus continua nosso contemporâneo, não é possível celebrar a Eucaristia.
O assassinato do Nazareno teve responsáveis entre os seus adversários e, pelo medo, abandono dos seus discípulos. Esse problema ficou resolvido antes do último momento do crucificado: Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem. É evidente que os discípulos reconheceram o seu erro e o seu pecado.
Quando celebramos a Eucaristia, damos graças a Deus por Jesus Cristo e por tudo o que de magnífico realizaram tantas pessoas ao longo da história, antes e depois do seu aparecimento histórico.
Se nas celebrações fôssemos capazes de reconhecer a beleza e a bondade do mundo, testemunhada de mil maneiras, mas evidente em pessoas que passaram a vida ao serviço da alegria dos outros, teríamos muitos evangelhos para contar, muita alegria a transmitir e a partilhar. Poderíamos mostrar que Deus é a nossa festa e nós a tornamo-nos uma festa para Deus e uns para os outros. Se no coração da própria Eucaristia proclamamos que ela é pela remissão dos pecados de todos, porque não aceitar que somos pecadores, que estragamos a nossa vida e a vida dos outros, quando a misericórdia nos é oferecida para alterar o rumo que demos e damos à nossa vida? Uma celebração eucarística é o espaço de uma revolução espiritual. Quem não quer entrar nessa aventura pode ir à Igreja, receber a hóstia, beber do cálice, mas não foi à Missa real. Participou num ritual, mas não entrou na sua alma.
3. É por tudo isso que não posso aceitar que a confissão dos pecados, ao longo da celebração, seja um faz de conta, não valha nada. É uma oferta de absolvição geral para quem a acolhe como pura graça de Deus e com o desejo de a deixar frutificar na sua vida.
Neste momento, estão a reunir-se duas grandes tragédias espirituais. Por um lado, não se quer rever a presidência das celebrações eucarísticas, para a qual, homens casados e mulheres estão excluídos. Por outro, os padres são cada vez menos e, segundo o regime actual, em muito países, tornam-se uma espécie em extinção: é a lógica da natureza. Entretanto, em muitas zonas do país e em muitas famílias, tradicionalmente católicas, as novas gerações nem à Missa vão nem apresentam ao baptismo os seus filhos.
Tudo isto deve ajudar-nos a voltar a questões essenciais. A primeira é a do pensamento interrogativo e da oração. As lideranças da Igreja não podem continuar presas a épocas de cristandade, que já não existem, nem tentar a ficção de que existem porque ainda subsistem minorias rituais.
Impõe-se uma iniciação à descoberta do próprio sentido da vida. Sem esse trabalho, não nos damos conta daquilo que Paulo descobriu em Atenas, pela via de autores gentios: na divindade vivemos, nos movemos e existimos[3]. Ao tomar consciência do fundo da realidade em que vivemos, pode nascer a oração, isto é, a abertura ao mistério infinito que nos envolve e nos vivifica.
É dentro desse questionamento que podemos acolher a revelação que comoveu o próprio Jesus: somos amados, estamos no coração de Deus[4], aconteça o que acontecer.
in Público 31.03.2019
https://www.publico.pt/2019/03/31/sociedade/opiniao/confessarse-menos-ano-1867197


[1] Cf. Hubert Jedin, Manual de Historia de la Iglesia IV, Herder, Barcelona, 1973.
[2] Aquilo em que acredito, Círculo de Leitores, Le Péché et la peur, Fayard, 1983; L’aveu et le pardon. Les difficultés de la confession. XIIIe-XVIIIe siècle, Fayard, 1990.
[3] Act 17, 28
[4] Lc 10, 17-22
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O que queremos? Ser felizes.
Decálogo para a felicidade   
Anselmo Borges
Padre e Professor de Filosofia 

1. Agora, há dias de tudo e para tudo. Certamente o dia mais universal é o dia 20 de Março, porque nele se celebra o Dia Mundial da Felicidade. Sim. O que é que verdadeiramente queremos? Não há dúvida sobre isso. Queremos todos ser felizes. O Papa Francisco acaba também de o reconhecer e dizer: “A busca da felicidade é algo comum em todas as pessoas, de todos os tempos e idades”, pois foi Deus que colocou “no coração de todo o homem e mulher um desejo irreprimível da felicidade, da plenitude”. “Os nossos corações estão inquietos e em contínua busca de um bem-estar que possa saciar a nossa sede de infinito”, desejo dAquele que nos criou e que é, Ele mesmo, o amor, a alegria, a paz, a verdade e a beleza.
2. Precisamente por ocasião desse dia a celebrar a felicidade, Vatican News propôs, a partir de textos e declarações de Francisco, uma espécie de decálogo para a alegria e a felicidade.
Ficam aí, em síntese, dez pontos sobre o tema, esse Decálogo.
2. 1. O início da alegria é começar a pensar nos outros
O caminho da felicidade começa pela necessidade de passar do egoísmo ao pensar nos outros. “Quando a vida interior se encerra nos próprios interesses”, sem “espaço para os outros”, não se goza da “doce alegria” do amor. Não se pode ser “feliz sozinho”. É necessário redescobrir a generosidade, porque, como disse São Paulo aos Coríntios, “Deus ama quem dá com alegria”. Jesus também disse: “Dá mais alegria dar do que receber”. “Se conseguir ajudar uma só pessoa que seja a viver melhor, isso já é suficiente para justificar o dom da minha vida”.
2. 2. Afastar a melancolia
Francisco gosta de citar o livro bíblico de Ben Sira: “Meu filho, se tens com quê, trata-te bem. Não te prives da felicidade presente, e não deixes perder nenhuma parcela de um legítimo desejo que se te apresente no caminho”. “Deus deseja a felicidade dos seus filhos também nesta terra, embora estejam chamados à plenitude eterna, porque Ele criou todas as coisas ‘para que’ todos possam desfrutá-las”. “O cristianismo não consiste, lembra, não consiste numa série de proibições que reprimem os nossos desejos de felicidade, mas num projecto de vida que pode fascinar os nossos corações”. Deus não é invejoso da nossa alegria e felicidade, o seu único interesse é que sejamos felizes, todos, para isso nos criou.  Portanto, “quer que sejamos positivos” e não prisioneiros de “complicações intermináveis” e pensamentos negativos. Lá está o dito, que não se deve esquecer nunca: “Por cada minuto que nos zangamos, perdemos 60 segundos de felicidade”.
2. 3. Não são o poder, o dinheiro ou os prazeres efémeros que dão alegria, mas o amor
“A felicidade não é algo que se compra no supermercado, a felicidade vem apenas de amar e deixar-se amar”. “Quando procuramos o êxito, o prazer, o ter de forma egoísta e fazemos ídolos, também podemos experimentar momentos de intoxicação, uma falsa sensação de satisfação; mas, no final, convertemo-nos em escravos, nunca satisfeitos, vemo-nos obrigados a procurar mais e mais, sempre mais”. A alegria verdadeira “não vem das coisas, do ter; nasce do encontro, da relação com os outros, do sentir-se aceite, compreendido, amado e do aceitar, do compreender e do amar”.
2. 4. Ter sentido de humor
O caminho da alegria também tem um sentido do humor: saber como rir-se das coisas, dos outros e de si mesmo é profundamente humano, é uma atitude “próxima da graça”. O contrário de graça não é desgraça? É preciso dar particular importância à auto-ironia, para vencer a tentação do narcisismo: os narcisistas, diz Francisco, “olham-se ao espelho, compõem o cabelo”. Dá este conselho: quando te vires ao espelho, “ri-te de ti mesmo, far-te-á bem”.
2. 5. Saber agradecer
A alegria também consiste em poder ver os presentes que todos os dias a vida nos oferece. Estar vivo, a maravilha da beleza da vida e das coisas grandes e pequenas que preenchem os nossos dias. Por vezes, a tristeza está relacionada com a ingratidão, com “a incapacidade de reconhecer os dons de Deus”. É preciso seguir o exemplo de São Francisco de Assis, “capaz de sentir-se emocionado com gratidão diante de um pedaço de pão duro ou louvar a Deus com alegria pela simples brisa que acariciava o seu rosto”. Viver com alegria também é “a capacidade de saborear o essencial” com sobriedade e partilhar o que se tem, renovando “em cada dia o maravilhamento pela bondade das coisas, sem se afundar na opacidade do consumo voraz”. Um coração que sabe ver e como agradecer e louvar é um coração que sabe regozijar-se.
2. 6. Saber perdoar e pedir perdão
Num coração devastado pela ira, pelo ódio e pelo rancor, não há lugar para a felicidade. Quem não perdoa causa dano, prejudica-se, antes de mais, a si mesmo. O ódio é causa de tristeza e autodestruição. É preciso perdoar como Deus nos perdoa. Perdoar inclusivamente a si mesmo. Infelizmente, observa Francisco, por vezes “não somos conscientes do perdão de Deus”, e isto vê-se nas caras tristes dos cristãos. E recorda um filósofo que disse: “Os cristãos dizem que têm um Salvador; eu acreditarei, acreditarei no Salvador, quando tiverem o rosto de gente salva, de redimidos, felizes por estarem salvos”. O que faz o perdão? “Engrandece o coração, gera a partilha, dá serenidade e paz”. 
2. 7. A alegria do compromisso e o descanso
Francisco convida a experienciar a alegria de trabalhar  com outros e pelos outros na construção de um mundo mais justo, fraterno e livre. E, “contra o pensamento dominante”, apela para o espírito das Bem-aventuranças, que são “o caminho da verdadeira felicidade”. São felizes “os simples, os humildes que deixam espaço para Deus, que sabem chorar pelos outros e pelos seus erros, continuam tranquilos e serenos, lutam pelo justiça, são misericordiosos com todos, mantêm a pureza do coração, trabalham continuamente pela paz e permanecem na alegria, não odeiam e até, quando sofrem, respondem ao mal com o bem”. As Bem-aventuranças não são comportamentos e virtudes para heróis, mas um estilo de vida para aqueles que se reconhecem necessitados de Deus. Não perdem “nunca de vista o caminho de Jesus”: estão sempre com Ele no trabalho e sabem descansar com Ele para empreender o percurso com alegria.
2. 8. Oração e fraternidade
Pelo caminho da felicidade também há provações e fracassos que podem levar ao desalento. Contra isso, duas indicações, para não perder a esperança e não se render: perseverar na oração e nunca caminhar sozinho. “A oração muda a realidade, não o esqueçamos. Muda as coisas ou muda o nosso coração, mas muda sempre a situação. Rezar é agora a vitória contra a solidão e o desespero”. E Francisco adverte contra a tentação do individualismo: “Sim, podes ter êxito na vida, mas não, sem amor, sem companheiros, sem essa experiência tão bela que é o arriscar juntos. Não se pode caminhar sozinho”.
2. 9. Abandonar-se nas mãos de Deus
Na vida, há o tempo da cruz, da noite e da dúvida, momentos tenebrosos em que nos sentimos abandonados por Deus, e é nesse silêncio de Deus que precisamos ainda mais de nos abandonarmos confiadamente nas suas mãos. Aí, encontramos a paz, na certeza de que “as graças do Senhor não terminaram, as suas misericórdias não se esgotam”. Como diz Jesus: “A tua tristeza transformar-se-á em alegria ‘e’ ninguém poderá tirar-te a tua alegria”. “A Boa Nova é a alegria de um Pai que não quer que nem um dos seus filhos se perca”.
2. 10. Saber que és amado
A alegria autêntica provém do encontro com Jesus, de acreditar que Ele nos amou a ponto de dar a sua vida por nós. Fonte da alegria verdadeira é saber que somos amados por Deus, que é Pai e Mãe. Fundamento inabalável da alegria é escutar Deus que nos diz: “Tu és importante para mim, amo-te, conto contigo”. Para Deus, “não somos números, mas pessoas” que Ele ama. “Nascemos para nunca morrer, nascemos para desfrutar eternamente da felicidade de Deus”.
3. Este é o segredo do Papa Francisco: “Sou amado, logo existo”. Por isso, “não tem medo de nada”.
Aqui, permita-se-me uma confissão pessoal. Tentei um dia dizer isso numa palestra em Maputo: que valemos para Deus, temos valor para Ele, e isto é que justifica a vida, na perspectiva da doutrina célebre da justificação em Lutero. Vim depois a saber que um moçambicano tinha feito uma caminhada de mais de 10 quilómetros a pé, para ir dizer a uma irmã: “Sabes? Agora percebi: valemos para Deus, temos valor para Ele. Esta é a fonte da nossa alegria. Tinha de vir dizer-to.”
in DN 31.03.2019
www.dn.pt/edicao-do-dia/31-mar-2019/interior/o-que-queremos-ser-felizes-decalogo-para-a-felicidade-10743693.html?target=conteudo_fechado
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QUE COISA SÃO AS NUVENS
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
VOLTAREMOS ÀS ALDEIAS?
A ESFERA DO SUJEITO, MESMO AQUELA PRIVADA, É CADA VEZ MAIS ABSORVIDA PELO IMPERATIVO DE PRODUZIR E CONSUMIR, E SÓ POR ESSE
A primeira coisa a reconhecer é que a compreensão do tempo presente, deste tempo que as nossas instituições e nós próprios habitámos, não é tarefa fácil. Como escreve o filósofo Roberto Mancini, “parece claro que a nossa sociedade é constituída por uma humanidade que não se vê a si mesma, que não tem uma autoconsciência”, mas facilmente atua a partir das solicitações do imediato e movida por paixões como o medo, a angústia, o prazer ou a raiva. Penso, a esse propósito, em títulos de ensaios importantes que saíram nos últimos anos e que tentam uma radiografia da época que vivemos. Recordo especialmente três obras. O texto dos sociólogos Anthony Elliott e Charles Lemert, “O novo individualismo: o custo emocional da globalização”, que mostra como o processo de globalização não tem apenas implicações do ponto de vista económico e político, como se poderia superficialmente pensar, mas atua de uma forma condicionante sobre a subjetividade e a existência social de cada um de nós. A esfera do sujeito, mesmo aquela privada, é cada vez mais absorvida pelo imperativo de produzir e consumir, e só por esse. Somos enquadrados como produtores e consumidores, e a esse ditame todas as outras dimensões (pensemos na interioridade, na vida emocional, nas relações interpessoais, na família...) se devem submeter. A globalização está a operar, desta maneira, transformações identitárias de peso. O espaço da nossa liberdade diminui e o novo individualismo que emerge é completamente dependente das redes de comunicação e de estilos de vida onde o elemento da compulsão, da incerteza e da solidão são dominantes.
O segundo ensaio que gostaria de referir é “Os novos medos”, do antropólogo Marc Augé, que se organiza em torno a esta pergunta: “Não teremos nós substituído o ancestral medo da morte pelo medo contemporâneo que experimentámos em relação à vida?” Segundo Augé, o mundo teve sempre de lidar com o medo, mas o hodierno emaranhado de medos que influi sobre nós tem fatores que o agravam, como a rutura da coesão social, o enfraquecimento do poder simbólico das instituições ou a acelerada capacidade de comunicação que permite que o medo se difunda instantaneamente e por toda a parte. E caímos nesta situação paradoxal: por um lado, pertencemos a uma das gerações mais seguras da história da humanidade (pelos menos, aqueles de nós que vivem nas regiões modernizadas do mundo), e, por outro, parecemos condenados a viver num estado de alerta e de pesadelo constante. Cada dia que passa não cessa de crescer o inventário dos nossos medos.
Cresce uma atmosfera tóxica, onde a tentação da violência civil e o horizonte de um colapso ecológico global parecem cada vez mais próximos e coincidentes
O terceiro e último ensaio é o de Pankaj Mishra, “Tempo de Raiva: Uma História do Presente”, onde se descreve o nosso tempo como uma pandemia global do ressentimento. As devastadoras consequências no campo laboral trazidas pelo surto tecnológico, a redução do homem a homo economicus, a promessa não cumprida de um progresso garantido e irreversível estão a empurrar literalmente centenas de milhões de pessoas para um sentimento de falência, exclusão e revolta. As estruturas tradicionais como a família, a escola, a comunidade, o sistema de proteção social por parte dos Estados foram alvo de processos de erosão e estão hoje muito mais vulneráveis. Aquilo que vemos crescer é uma atmosfera tóxica de impotência, humilhação e raiva, onde a tentação da violência civil e o horizonte de um colapso ecológico global parecem cada vez mais próximos e coincidentes. Mas a raiva não basta: precisamos, sim, de repensar o que é o homem e o mundo. E Mishra lança um desafio contracorrente: “Tornar a construir aldeias na malha de um mundo globalizado.”
in Semanário Expresso 30.03.2019

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À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves
Domingo IV da Quaresma
“Tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos,
porque este teu irmão estava morto e voltou à vida,
estava perdido e foi reencontrado.”
Lc 15, 32
A surpresa da festa
Se me perguntassem qual é, para mim, a parábola mais bela contada por Jesus, creio que não hesitava e diria: “a do pai e dos dois filhos, contada por S. Lucas”! No coração da Quaresma deste ano, no domingo “laetare”, da alegria, em que os sorrisos afloram aos rostos, habitualmente sisudos, dos fiéis, quando vêm o padre entrar com paramentos cor-de-rosa, entramos nela de corpo inteiro. Porque nela estamos todos nós e está a nossa história, já e ainda a caminho da festa que o Pai nos oferece.
Há um ambiente de tragédia que a percorre. Um pai que deseja a comunhão com os filhos e não consegue. Começa por ser tratado como se tivesse morrido pelo mais novo que pede a sua parte da herança e abandona a casa. Não desiste de esperar o seu regresso, e tem de travar o coração para não o ir buscar à força. Descobre que o outro filho tudo cumpria mas com pouco amor e não é capaz de aceitar o regresso do irmão. É a descrição da realidade do nosso mundo: todos chamados a viver uma mesma felicidade, mas divididos e em guerras por ganâncias e egoísmos, incapazes de nos acolhermos como irmãos.
O pai é aquele que está sempre em movimento: faz a vontade ao filho mais novo, o coração segue os passos atribulados do filho, corre ao seu encontro quando o vê vir ao longe, manda revesti-lo com as vestes de filho, dá ordens para que a festa comece, vem ouvir e falar ao coração do filho mais velho, para que entre na festa. É um pai que ouve e só fala para dizer a alegria da passagem da morte à vida dos seus filhos. Dos dois, pois o segundo, se se não entrar na festa ficará na morte.
Jesus contou esta parábola aos “filhos mais velhos”, os escribas e fariseus, (talvez sejamos nós!), que murmuravam por Jesus acolher os pecadores, os “filhos mais novos” (quantas vezes nós e tantos outros!). Os filhos parecem comportar-se como assalariados e olham o pai como patrão: assim pede para ser tratado o mais novo, consciente do mal que fez; e assim descreve o mais velho o seu trabalho na casa do pai. Mas não se cansa o pai de os tratar como filhos e de lembrar que são irmãos. Curiosamente, ambos falam ao pai, mas nunca falam entre si! Seremos parecidos com eles, anos pós anos a rezar ao mesmo Pai, lado a lado, sem nos conhecermos, sem “termos nada a ver uns com os outros”?
Ficamos sem saber se o irmão mais velho entrou na festa. Porque cabe a cada um de nós responder. Ainda mais, uma festa em dia de trabalho, na surpresa e na abundância de um Pai que tudo gasta por amor dos filhos. Onde não contam os méritos nem se apontam os deméritos de ninguém. O que vale é o “vitelo gordo” da surpresa do amor do Pai, oferecido a quem se alegra por ser filho e irmão. Que pena não serem os cristãos conhecidos pelos “da Festa”, como já fomos conhecidos pelos “do Caminho”!
in Voz da Verdade 31.03.2019
http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=8065&cont_=ver2

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Francis tells Morocco's tiny Catholic minority to 'generate change, awaken wonder'
RABAT, MOROCCO — Pope Francis sought to encourage Morocco's tiny Catholic community March 31, reassuring them that their effectiveness is not determined by their size but their ability to "generate change and awaken wonder and compassion."
In a meeting with Catholic and Christian clergy at Rabat's Cathedral of St. Peter toward the end of his two-day visit to this overwhelmingly Muslim North African nation, the pontiff called being a small fraction of the population "not a problem."
"What are Christians like, in these lands?" Francis asked the dozens of priests and religious taking part in the encounter, before answering: "They are like a little yeast … to mix in with a great quantity of flour until all of it is leavened."
"Jesus did not choose us and send us forth to become more numerous!" the pope exhorted. "He called us to a mission. He put us in the midst of society like a handful of yeast: the yeast of the Beatitudes and … fraternal love."
"Our mission as baptized persons, priests and consecrated men and women, is not really determined by the number or size of spaces that we occupy," said Francis.
"I believe we should worry whenever we Christians are troubled by the thought we are only significant if we are the flour, if we occupy all the spaces," the pope continued. "You know very well that our lives are meant to be 'yeast,' wherever and with whomever we find ourselves, even if this appears to bring no tangible or immediate benefits."
Francis was visiting Morocco in a trip that has primarily focused on highlighting efforts for Christian-Muslim dialogue and calling attention to the continuing crisis of refugees who risk dangerous voyages across the Mediterranean hoping to enter Europe after fleeing violence and famine.
The pontiff began his visit March 30 with a call for a global "change of attitude" toward migrants, warning that the crisis will "never be resolved by raising barriers [or] fomenting fear of others."
But during the final day of the trip, Francis' schedule was focused on encouraging Catholics in Morocco, who number about 23,000 among a population of some 34.9 million and are mainly foreign-born workers. After the morning meeting at the cathedral, the pontiff led what the Vatican said was likely the most attended Mass ever celebrated in the country.
Both events were marked by the participation of members of other Christian denominations.
Attending the cathedral meeting were the three leaders of the Council of Christian Churches of Morocco, an ecumenical group that facilitates dialogue between the Catholic, Anglican, Evangelical, Greek Orthodox and Russian Orthodox communities in the country.
Francis thanked the council for its work at the opening of his address, calling it a "clear sign of the communion" experienced in the country.
Also at the meeting were Catholic bishops from across the territory of the Regional Episcopal Conference of North Africa, which includes Morocco, Algeria, Tunisia and Libya.
In his remarks, Francis reflected on how priests and religious pray and care not only for Catholics but all entrusted to them. The pope recalled meeting with one priest who had discussed with him the power of the words "give us this day our daily bread" in the Our Father prayer.
Francis said the priest's prayer "expanded to that people which was in some way entrusted to him, not to govern but to love, and this led him to pray this prayer with special feeling."
"Consecrated persons and priests bring to the altar and to their prayer the lives of all those around them; they keep alive, as if through a small window, the life-giving power of the Holy Spirit," said the pontiff.

"How beautiful it is to know that, in different parts of this land, through your voices, all creation can constantly pray: 'Our Father,' " the pope added.
Despite its small size, the Catholic Church in Morocco runs 34 schools across the country that educate some 12,000 children. The church also maintains ten orphanages and one hospital.
Among the religious attending the meeting was 95-year-old Trappist Br. Jean-Pierre Schumacher, the last survivor of the 1996 killings of the monks of Tibhirine in Algeria. Before speaking, Francis greeted Schumacher, who now lives in Morocco, and kissed his hand.
At the later Mass at Rabat's Prince Moulay Abdellah sports complex, the pope reflected on the parable of the prodigal son and called on Moroccan Catholics to confront any tensions they feel amongst themselves.
Earlier in the day Francis visited a social service center in nearby Temara run by Vincentian sisters that offers free meals to about 150 children each day and trains women in tailoring. As he left, the pontiff paused for a photo surrounded dozens of people and children assisted by the center, smiling as they waved small Vatican and Moroccan flags.
Joshua J. McElwee
[Joshua J. McElwee is NCR Vatican correspondent. His email address is jmcelwee@ncronline.org. Follow him on Twitter @joshjmac.]
in NCR, 31.03.2019
https://www.ncronline.org/news/vatican/francis-tells-moroccos-tiny-catholic-minority-generate-change-awaken-wonder?clickSource=email
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24 março 2019


Deus não sabia o seu nome?, de Frei Bento, Uma Quaresma para o mundo, do P. Anselmo, O humor do Cardeal, do P. Tolentino e Fazer a diferença, do P. Vitor  Gonçalves

DEUS NÃO SABIA O SEU NOME?
Frei Bento Domingues, O.P.

1. Se Deus fala, é porque tem boca e diz coisas com sentido. Se tem boca, tem de ter um rosto. Se tem um rosto, tem uma cabeça. Quem já viu essa boca a pronunciar palavras? Numa reunião de catequese, a catequista viu-se surpreendida com essa pergunta de uma criança, já não tão criança. Ela própria ficou tão embaraçada que lhe disse: ó menina, isso não é pergunta que se faça, é uma maneira de dizer. A criança insistiu: mas Deus fala ou não fala?
No ambiente litúrgico e catequético, e até na linguagem corrente, os líderes das comunidades cristãs não se dão conta, pelo hábito de falar sem se explicarem, dando por sabido o que nem eles sabem, de que estão a preparar pessoas para confessar um credo e praticar rituais, mas sem a mínima inteligência do que dizem e fazem. Com o tempo, estão a preparar descrentes.
Já na Idade Média, Tomás de Aquino afirmava que, quando se pretende levar alguém à inteligência da raiz da verdade que confessa, tem muito que investigar para responder à pergunta: como é que é verdade aquilo que confessas ser verdade? Não basta recorrer a argumentos de autoridade. Nesse caso, o ouvinte fica sem ciência nenhuma e vai-se embora de cabeça vazia. Não é boa recomendação a fé ignorante.
No âmbito religioso, estamos tão habituados a um certo uso da linguagem que julgamos estar sempre perante comunidades que merecem o elogio de S. Paulo: «tendo recebido a palavra de Deus, que nós vos anunciámos, vós a acolhestes não como palavra de seres humanos, mas como ela é verdadeiramente: palavra de Deus, a qual também actua em vós que acreditais» .
A criança a que nos referimos diria ao apóstolo: e como é que sabes que é palavra de Deus, se todas essas palavras são humanas, criadas por seres humanos?
Responder que, na Bíblia, o uso de gestos simbólicos, de parábolas e de metáforas, é a forma de dizer o indizível não basta, pois, se é indizível porque é andam sempre a esforçar-se por dizer? Mas cuidado, esse é o belo ofício dos poetas.
Estamos perante um tema imenso, mas não nos podemos esquecer que Jesus também não confiou no amontoado de explicações dos sábios e entendidos que deixavam nas trevas os que mais precisavam de uma nova luz. Como filho de Deus, agradece o advento de uma nova época que varre séculos e séculos de ignorância, como já disse numa destas crónicas . O que importa é libertar a catequese, as homilias, a teologia de rotinas que impedem a alegria do Evangelho para os dias de hoje, isto é, nas mudanças culturais. 
2. A liturgia de hoje oferece um dos textos bíblicos que mais tem dado que falar em todos os tempos . O cenário é de uma experiência do sagrado, do intocável, do tremendo e fascinante .
Moisés quer aproximar-se de um espectáculo que o atrai, mas há uma voz que lhe diz: não te aproximes. Tira as sandálias dos pés porque o lugar que pisas é terra sagrada. E acrescentou, eu sou o Deus dos teus pais, Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob. Com o receio de olhar para Deus, Moisés cobriu o rosto.
Mas Deus olhou para o povo oprimido e manifestou a Moisés as suas intenções libertadoras. No final, Moisés quer saber mais do que lhe está a ser comunicado e atreve-se: Eis que eu vou ter com os filhos de Israel e digo-lhes: o Deus dos vossos pais enviou-me a vós. Eles dir-me-ão: qual é o nome dele? Que lhes direi eu?
Resposta de Deus: Eu sou aquele que sou, yhwh (Iavé). Assim dirás aos filhos de Israel: Eu sou enviou-me a vós!
De facto, as frases, Eu sou aquele que sou (‘ehyeh ‘axer ‘ehyeh) e Eu sou (‘ehyeh) são explicações etimológicas do tetragrama, yhwh. O verbo ‘ehyeh, ser/estar, tanto pode ser dito no presente como no futuro (eu sou-serei/eu estou-estarei).
Usado mais de 6800 vezes no AT, YHWH (Iavé), o chamado tetragrama (literalmente, quatro letras), é o mais frequente nome próprio do Deus Bíblico e está documentado em várias inscrições extra-bíblicas.
Como escreveu o grande exegeta, Francolino J. Gonçalves , judeus e cristãos crêem que as suas respectivas sagradas Escrituras são palavra de Deus. Os próprios muçulmanos reconhecem a origem divina das ditas Escrituras. Para o leitor que não usa o projector da fé, porque não o tem ou não se serve dele, Deus não é o único locutor na Bíblia. No entanto, é o seu protagonista. Deus desempenha na Bíblia um papel incomparavelmente mais importante do que qualquer uma outra das numerosíssimas personagens humanas. É sujeito de muitos discursos e objecto ou destinatário de muitos outros. É um dos narradores e, com muito mais frequência, objecto das narrativas.
Se, de facto, Deus fala na Bíblia de uma ponta a outra, só pode fazê-lo pela boca das pessoas humanas que nela intervêm, falando todas elas, explícita ou implicitamente, em seu nome. Para os leitores crentes, há uma sinergia entre Deus e os locutores humanos. A Bíblia é ao mesmo tempo palavra divina e palavra humana ou, melhor dito, palavra divina em palavras humanas. Nela está em acção o princípio da encarnação, que culmina no Verbo de Deus feito homem. Para os crentes, a Bíblia não é só palavra de Deus, mas também palavra sobre Deus. Directa ou indirectamente, ela fala de Deus de uma ponta a outra. Em geral, não fala de Deus por si mesmo, mas em relação com a criação e/ou com o seu povo.
3. Quando se diz, como no título desta crónica, Deus não sabia o seu nome, não é fazer dele um ignorante. Em certas culturas, conhecer o nome é tomar posse de uma pessoa, de um animal ou de uma coisa. Tive um professor de exegese que era alérgico à metafísica elaborada a partir da Bíblia. Não gostava nada de ouvir falar de metafísica sagrada do Êxodo, incluída na expressão, Eu sou.
A resposta que Moisés recebeu é uma forma de afirmação da transcendência divina. Deus não cabe em conceitos, em representações que, facilmente, resvalam para a idolatria e, por seu lado, a linguagem simbólica não diz, sugere. O célebre Mestre Eckhart rezava: Deus livra-me de Deus, de representações que pretendem substituí-lo. Outros místicos falam de Deus como nuvem luminosa, a luz misteriosa do mundo.
O Deus da Bíblia não é o Deus do silêncio nem o Deus das definições, mas precisamos de muito silêncio para O escutar nas suas mil vozes.

in Público, 24. 03. 2019
https://www.publico.pt/2019/03/24/sociedade/opiniao/deus-nao-sabia-nome-1866332
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Uma Quaresma para o mundo
Anselmo Borges
Padre e Professor de Filosofia 

1. Uma ilustre Catedrática da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto entrou em contacto comigo, porque queria saber algo sobre a relação entre o jejum e a espiritualidade.
Lembrei-me então de que estamos na Quaresma. Ela é mais para os católicos, que durante 40 dias se preparam, pelo menos, deveriam fazê-lo, para a festa que constitui o centro do cristianismo, a Páscoa.  De qualquer forma, animam-na ou devem animá-la valores que são universais, de tal modo que poderíamos fazer a pergunta: Como seria o mundo, se tivesse anualmente a sua Quaresma, tendo na sua base esses valores: jejum, abstinência, oração, silêncio, esmola, sacrifício, conversão?
2. O que se segue é uma breve reflexão que tenta responder a esta pergunta. Começando pela urgência de um retiro. De facto, a Quaresma refere-se aos 40 anos que os judeus passaram no deserto a caminho da Terra Prometida e aos 40 dias que Jesus esteve no deserto, em retiro, preparando-se para a sua vida pública, na qual o centro seria a proclamação, por palavras e obras, do Evangelho, a mensagem da salvação de Deus para todos os homens e mulheres.
Aí está: retirar-se para meditar e reflectir. O que mais falta faz hoje. Quem se retira para fora do barulho e da confusão do mundo, para meditar e reflectir, ir mais fundo e mais longe, ao essencial? O sentido dos 40 anos e dos 40 dias: a libertação da opressão e da escravidão, a caminho da liberdade e, consequentemente, da dignidade. Para a felicidade, evidentemente.
Neste contexto, os valores da Quaresma.
2. 1. Aí está o jejum. Diz o Evangelho que Jesus jejuou durante 40 dias e 40 noites e teve fome. O diabo — é uma maneira de figurar a tentação — tentou-o. Jesus respondeu-lhe: “Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que vem de Deus”.
Jejum e espiritualidade? Quem é que, andando em permanentes comezainas e bebedeiras, se vai sentar para meditar e continuar a escrever ou de outro modo qualquer realizar uma obra, entregar-se às coisas do espírito? São Paulo preveniu, na Carta aos Filipenses, contra aqueles cujo “fim é a perdição, o seu Deus é o ventre e gloriam-se da sua vergonha”. E alerta contra os beberrões e a sua degradação.
Mas o jejum não tem que ver apenas com a temperança no comer e no beber. Tem de haver jejum de tanta vaidade ridícula, jejum de tanta insensatez falaz, de tanta cobardia envergonhada, de tanta voracidade egoísta... Ao jejum está ligada a abstinência, que não é só da carne. É preciso abster-se da injustiça, das mentiras, dos interesses partidários e pessoais colocados acima dos interesses do bem comum, abster-se das medidas e dos programas político-partidários eleitoralistas com promessas que se sabe não vão ser cumpridas, de programas televisivos sem sentido e deletérios que degradam nomeadamente a mulher. E aí está uma das contradições brutais do nosso tempo, por causa das audiências e, em última análise, da idolatrização do deus Dinheiro: por um lado, e bem, há toda uma campanha para defender a mulher, mas, por outro lado, ela é humilhada concretamente nesses programas...
 Abster-se da corrupção... O Papa Francisco acaba de pedir uma “política sã”, alertando contra a corrupção: “A corrupção degrada a dignidade do indivíduo e destrói todos os ideais bons e belos. Com a ânsia de lucros rápidos e fáceis, na realidade empobrece a todos, minando a confiança, a transparência e a fiabilidade de todo o sistema”. A receita: “transparência e honestidade” para reconstruir “a relação de confiança entre o cidadão e as instituições, cuja dissolução é uma das manifestações mais sérias da crise da democracia.”
Hoje, sabemos que o jejum e a abstinência contribuem em grande medida para a saúde e até para a beleza. Quanto à espiritualidade, não há dúvida. Significativamente, a sabedoria de todas as religiões esteve sempre aberta ao jejum sadio.
2. 2. A oração. Para colocar o ser humano em contacto com o Mistério último da realidade e da vida. Dialogar com o mais fundo da Vida. Estar ligado ao Fundamento, à Fonte, ao Sentido último. Para se não perder na dispersão, completamente desorientado, desorientada, sem referências, perigo maior do nosso tempo.
2. 3. Mas a oração e o que é essencial exigem o salto para fora do barulho ensurdecedor. Que se faça silêncio. Num tempo em que se é invadido e esmagado pelo tsunami das informações, entrando no mundo caótico da dispersão e da fragmentação, da “agitação paralisante e da paralisia agitante”, segundo a expressão do famoso bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, é urgente parar, fazer pausa. Para ouvir o silêncio. Sim, ouvir o silêncio. No meio da vertigem dos vendavais de palavras em que vivemos, que nos atordoam e paralisam, ouvir outra coisa. Ouvir o quê? Isso: o silêncio. Só depois de ouvir o silêncio será possível falar, falar com sentido e palavras novas, seminais e iluminantes, criadoras. De verdade. Onde se acendem as palavras novas, seminais, iluminadas e iluminantes, criadoras, e a Poesia, senão no silêncio, talvez melhor, na Palavra originária que fala no silêncio? Ouvir o quê? Ouvir a voz da consciência, que sussurra ou grita no silêncio. Quem a ouve? Ouvir o quê? Ouvir música, a grande música, aquela que diz o indizível e nos transporta lá, lá, ao donde somos e para onde verdadeiramente queremos ir: a nossa morada. Ouvir o quê? Ouvir a sabedoria. Sócrates, o mártir da Filosofia, que só sabia que não sabia, consagrou a vida a confrontar a retórica sofística  com a arrogância da ignorância e a urgência da busca da verdade. Falava, mas só depois de ouvir o seu daímon, a voz do divino e da consciência.
O grande filósofo A. Comte-Sponville é partidário de um “ateísmo místico”, no quadro de “uma espiritualidade sem Deus”. Constituinte dessa espiritualidade é precisamente o silêncio. “Silêncio do mar. Silêncio do vento. Silêncio do sábio, mesmo quando fala. Basta calar-se, ou, melhor, fazer silêncio em si (calar-se é fácil, fazer silêncio é outra coisa), para que só haja verdade, que todo o discurso supõe, verdade que os contém a todos e que nenhum contém. Verdade do silêncio: silêncio da verdade.”
O problema está em que já Pascal, nos Pensamentos, se queixava: “Toda a desgraça dos homens provém de uma só coisa, que é não saber permanecer  em repouso num quarto.” Hoje é ainda pior do que no tempo de Pascal. Ninguém suporta o silêncio. Por isso, é preciso constantemente pedir com Sophia de Mello Breyner: “Deixai-me com as coisas/Fundadas no silêncio.”
2. 4. Outra característica da Quaresma era a esmola.
Cá está. Quem fizer silêncio para ouvir o silêncio, também ouvirá os gemidos dos pobres, os gritos dos explorados, dos abandonados, dos que não podem falar, das vítimas das injustiças. E perceberá que se não pode dar como esmola o que pertence fazer como justiça.
E volta-se  à  corrupção e ao roubo e às injustiças estruturais e aos Bancos que abriram falência e que mataram vidas inteiras de gente que trabalhou e que se sacrificou e que poupou o que pôde e o que não podia e que, no fim, ficou espoliada do pouco que tinha... E, tirando o facto de os contribuintes continuarem a pagar até essas falências e roubos, mesmo que se minta dizendo que não custará aos contribuintes um cêntimo (afinal, quem é o Estado?), não acontece nada. Alguém mete a mão na consciência? Não. Porque já não há consciência... Onde estão os valores da honra e da dignidade?
E ainda perguntam para que poderia servir uma Quaresma para o mundo, incluindo para políticos e banqueiros?
2. 5. O sacrifício. Digo sempre: o sacrifício pelo sacrifício não vale nada. Mas é preciso, a seguir, gritar bem alto, num tempo em que parece que só resta o hedonismo, o prazer imediato, confundindo a felicidade com a soma de prazeres: Nada de grande, de valioso, de humanamente digno se consegue sem sacrifício. Quem quiser realizar uma obra valiosa, viver um grande amor, realizar-se a si mesmo na dignidade livre e na liberdade com dignidade tem de saber que isso não é possível sem sacrifício. Aliás a palavra sacrifício di-lo no seu étimo: sacrum facere: fazer algo sagrado.
3. O que seria o mundo depois de uma Quaresma autêntica? O nosso mundo, o mundo de cada uma e de cada um? Dar-se-ia uma conversão, palavra-chave da Quaresma, que significa mudança de vida, com um novo horizonte de compreensão da existência, do mundo e da transcendência.
in DN 24.03.2019
https://www.dn.pt/edicao-do-dia/24-mar-2019/interior/uma-quaresma-para-o-mundo--10717817.html?target=conteudo_fechado 
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QUE COISA SÃO AS NUVENS
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA

O HUMOR DO CARDEAL
O HUMOR QUE SEAN O’MALLEY, CARDEAL DE BOSTON, EMPREGA NÃO É FEITO PARA SER DELICIOSO
Este ano coube ao cardeal de Boston, Sean O’Malley, a pregação do retiro quaresmal aos bispos portugueses. O conjunto das meditações acaba de ser editado num volume, com um título curioso: “Procura-se amigos e lavadores de pés” (Paulinas: 2019). E é um livro que se lê e não se esquece: antes de tudo pela certeira intensidade espiritual, mas também por um elemento, porventura, marginal e inesperado: o humor.

O filósofo Emil Cioran explicou-o bem quando escreveu que “as lágrimas são aquilo que nos pode tornar santos, depois de termos sido humanos”

Se numa sondagem for perguntado a que se deve associar o esforço de conversão, a resposta esmagadora será: ao arrependimento e à tristeza pelos erros praticados. O filósofo Emil Cioran explicou-o bem quando escreveu que “as lágrimas são aquilo que nos pode tornar santos, depois de termos sido humanos”. Ora, ninguém poderá dizer que o propósito do cardeal O’Malley seja outro que não inspirar uma genuína conversão, mas o instrumento escolhido é o humor. E tal mostra a originalidade e a sabedoria deste antigo frade capuchinho que é uma das grandes vozes espirituais do nosso tempo. Não se trata daquele humor de sacristia que se cola, como um cliché, aos eclesiásticos. Basta recordar o primeiro gag do livro para perceber a natureza do cómico que ele põe em jogo: um bispo, quando saía da sua catedral, deparava-se invariavelmente com um homem, de nome Santiago, prostrado num banco, coberto de cartões usados e jornais. O pobre tresandava a álcool, mas levantava-se, cambaleante e afetuoso, para cumprimentar o bispo. Um dia, ao atravessar a praça, o prelado não o viu e passaram-se semanas para que, com surpresa, o reencontrasse, agora descendo a rua, quase irreconhecível. Tinha a barba feita, um fato limpo, sapatos que brilhavam e uma Bíblia debaixo do braço. Perguntou-lhe o bispo, atónito: “Que te aconteceu, homem?” Respondeu Santiago: “Fui salvo.” O bispo felicitou-o e despediu-se. Um mês depois, sai o prelado da catedral e vê Santiago no banco, no velho estado deplorável. Interroga-o o bispo: “Que te aconteceu, Santiago?”, “Monsenhor, voltei para a única verdadeira Igreja.” É um humor assim que que faz implodir as nossas injunções sonâmbulas, removendo os chavões a que reduzimos tantas vezes a experiência religiosa. O humor que o cardeal Sean O’Malley emprega não é feito para ser delicioso. O seu objetivo é escancarar-nos, mostrar-nos como somos, levar-nos a renunciar à tentação gnóstica ou maniqueia que separa a ação sobrenatural da nossa realidade como ela é, com as suas rugosidades e infâmias, desmontar criticamente o discurso autojustificativo. Do ponto de vista das influências podemos colocar O’Malley — que começou a sua carreira por fazer um doutoramento em literatura portuguesa e hispânica — na peugada de importantes autores católicos, dos quais G. K. Chesterton ou a romancista Flannery O’Connor são, certamente, emblemas. Flannery dizia que “quanto mais um escritor deseja tornar manifesto o sobrenatural, mais deve tornar real o mundo natural, pois se os leitores não aceitam o mundo natural, certamente não aceitarão nenhum outro”. Mas, no caso do cardeal, acrescentaria ainda uma segunda influência: a tradição humorística do chamado risus paschalis, recuperando o antigo costume segundo o qual, na homilia do dia de Páscoa, o pregador devia literalmente divertir os fiéis, e fazê-los rir com anedotas e histórias, para que a alegria chegasse a todos. Há, de facto, um sopro pascal que atravessa a obra de Sean O’Malley. Ele insiste em que a dinâmica pascal de Cristo opera uma radical inversão no nosso modo de compreender a fé e a história, como o exprime aquele pequeno diálogo místico: Certo homem perguntou: “Cometi muitos pecados. Se me arrepender, Deus perdoar-me-á?”; O místico respondeu-lhe: “Não. Tu arrepender-te-ás, se Ele te perdoar.”

in Revista do Semanário Expresso, 23.03.2019
https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2421/html/revista-e/que-coisas-sao-as-nuvens/o-humor-do-cardeal

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À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves
Domingo III da Quaresma
“Vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo.
Talvez venha a dar frutos.”
Lc 13, 8-9

Fazer a diferença
São constantes as notícias de sofrimento e mal. Das tragédias naturais, como a do ciclone no centro de Moçambique e o mar imenso de destruição e sofrimento, às violências e indiferenças que são fruto de actos humanos, ou melhor, desumanos, a lista é imensa. E como o longe faz-se perto sobressalta-se-nos o coração a cada instante. Entre a atenção e algum desejo de “desligar” não conseguimos ficar indiferentes à humanidade que sofre. Por isso, começamos a fazer diferença quando vencemos a indiferença e nos empenhamos na mudança. Não é isso que significa “conversão”?
Há sofrimento inevitável que convive com aquele que é evitável. E ainda que se passe do primeiro ao segundo com muita facilidade, é este que está nas nossas mãos transformar. Se não podemos mudar as causas do primeiro, podemos intervir naquelas que provocam o segundo. Podemos voltar-nos para Deus e interrogá-l’O pela sua aparente passividade. Mas não se revelou Ele a Moisés como aquele que “vê, escuta, desce, para levar o seu povo a uma terra boa e espaçosa” (cf. Ex. 3, 7-8)? A grande diferença é que Deus “não gosta” de fazer sozinho o que pode fazer connosco. Conhece-nos bem e sabe como aprendemos e apreciamos melhor aquilo em que trabalhamos. Por isso nos fez responsáveis pela criação e anda também connosco a “fazer novas todas as coisas” (cf. Ap 21, 5)!
Continuamos a considerar o mal que não entendemos como um castigo ou uma distracção de Deus? Gastamos mais tempo e energias a procurar as “culpas” ou a transformar os corações e as situações da vida? Jesus liberta de uma imagem de Deus a contabilizar pecados e méritos para distribuir castigos e recompensas. A nossa responsabilidade está ligada aos sofrimentos inúteis e destruidores, fruto de escolhas egoístas e atitudes violentas, que propagam o mal em todas as direcções. Sim, o amor de Deus abraça tudo e todos, e é esse amor que nos responsabiliza em tudo o fazemos.
A diferença da atitude do vinhateiro é a que nos é pedida. Perante a justa pretensão do dono da vinha que, ao longo de três anos, não encontra frutos na figueira, o vinhateiro joga tudo na esperança. Pede mais um ano. Oferece mais trabalho a cavar a terra em seu redor e a adubá-la. Mostra um carinho inesperado e uma atitude diferente. Se a figueira nos representa e o vinhateiro é Cristo, como havemos de não frutificar? Começando por não ficar indiferentes a tanto cuidado, mais atentos à dor dos outros, arriscando reparar injustiças e trabalhar para o bem de quem precisa, em vezes de ficar por discursos ou análises. A diferença que vence a indiferença é a surpresa de uma esperança activa. Se Deus a tem connosco, não a podemos ter com todos os que nos rodeiam?
in Voz da Verdade, 24.03.2019
http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=8044&cont_=ver2
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Senhores Bispos
Leonor Xavier
Abusos sexuais na Igreja? Pedofilia? Já sabemos. A Comunicação Social anuncia, disserta, desenvolve. A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) já se pronunciou. Alguns bispos evocaram, nos seus documentos quaresmais. O assunto não morreu, o tema ressuscita a cada dia. É mais que universal. Monstruoso.
Tomando outro enfoque, centro-me na nossa concreta sociedade, em que, sem distinção de classes, a tradição, o costume, a prática de violência doméstica são hoje notícia constante. Os números cortam-me: doze mulheres assassinadas nas primeiras dez semanas do ano. Nas primeiras doze semanas, 131 suspeitos de crimes de violência doméstica por violação, lenocínio, agressão grave. Por dia, duas pessoas, homens e mulheres, detidas por violência doméstica, neste primeiro trimestre do ano. Falam os magistrados em “números negros”, a procuradora-geral da República classifica “este cenário desolador”.
Mais meios de responsabilizar, menos penas suspensas, são considerados, ganham espaço de debate. Soubemos que, em 2018,  a PSP e a GNR receberam 26.439 queixas de violência doméstica. “Mais luta e menos luto” foi frase pronunciada no Parlamento, que aprovou maior transversalidade entre ministérios para a prevenção e o combate contra a dita violência doméstica.
E tomo, assim, a liberdade de questionar a nossa respeitável Conferência Episcopal sobre o seu silêncio em face desta   realidade. Um número crescente de católicos atentos espera uma palavra, uma posição, uma proposta de ação. Espera que a nossa CEP aplique o discernimento à avaliação dos sofrimentos nas grandes cidades e nas aldeias remotas. Existe uma rede paroquial que poderá, lúcida e concretamente, atenuar estes sofrimentos. Considerando a dignidade dos mais frágeis, mais pobres, mais vulneráveis, mais dependentes. Transformando mentalidades, corrigindo conceitos de poder e submissão, debilidade e força, simplesmente cumprindo a Palavra de Jesus. Neste tempo de retirada de Quaresma e meditação sobre as desordens e desgraças da nossa condição humana, vou desfiando perguntas que se encadeiam sem parar.
O que têm comum os consultórios dos médicos e os confessionários dos padres? O corpo despido e a alma exposta? O espaço de liberdade? O desabafo? A queixa? O ouvido que escuta? A misericórdia que perdoa? Tanto quanto os médicos, os padres são ainda sabedores dos segredos de nós e dos outros? Mesmo neste ambiente de desabafo anónimo em redes sociais?
E por aí fora, sem parar, chegaríamos ao infinito da associação de ideias, no invisível das grandes perguntas, na imaginação das rotinas, na imensidão de casos e gente que ao longo de uma vida vai desfilando por nós. Na Comédia Humana a que assistimos, e em todas as classes sociais, talvez hoje exista mais infelicidade clandestina do que o sucesso que se quer afirmar, aparente.   
Senhores Bispos: esperamos.
in 7Margens, 23.03.2019  
https://setemargens.com/senhores-bispos/
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Des femmes catholiques allemandes lancent un appel à « la grève »
Anne-Bénédicte Hoffner
Que se passerait-il dans l’Église catholique si les femmes n’étaient pas là? Pour faire « entendre l’autre moitié de l’Église », des paroissiennes de Münster, en Allemagne, lancent un appel à la grève du 11 au 18 mai.

Du 11 au 18 mai, les catholiques allemandes sont invitées à « ne pas mettre les pieds dans une église », à s’habiller de « blanc », et à arrêter « tout service volontaire ».

« Nous, les femmes, voulons un véritable renouveau de notre Église. Nous voulons y contribuer et avoir notre mot à dire. Sur un pied d’égalité, femmes et hommes, nous voulons suivre notre vocation et avancer fraternellement dans la même direction: celle de Jésus-Christ, qui nous a TOUS demandé de rendre visible son amour pour le monde. »

Du 11 au 18 mai, les catholiques allemandes sont invitées à « ne pas mettre les pieds dans une église », à s’habiller de « blanc », et à arrêter « tout service volontaire ». « Nous célébrerons la messe dehors, sur le parvis », affirment-elles crânement.
L’opération a été imaginée depuis la paroisse Sainte-Croix de Münster (Rhénanie du Nord), lors d’une réunion mensuelle de réflexion sur l’encyclique Laudato si’. L’ambiance était morose. « Nous étions déprimées par les révélations d’agressions sexuelles commises par des prêtres et par cette exclusion persistante des femmes, qui en est l’une des causes », raconte Elisabeth Kötter dans la presse catholique allemande.
Malaise grandissant
Avec les autres membres de ce groupe de lecture, femmes et engagées comme elle au sein de l’Église catholique, elles ont eu une idée: montrer concrètement ce se passerait si elles se mettaient en grève! L’opération a trouvé son nom, « Maria 2.0 », et un logo: un portrait de femme, un autocollant posé sur la bouche…
« Nous voulions donner une direction au malaise grandissant et ressenti de longue date en chacune de nous », a expliqué Ruth Koch, interrogée par le site Internet « Église et Vie ».
Grâce aux médias sociaux, l’appel a vite franchi les frontières du diocèse. Une cinquantaine d’internautes ont déposé un message de soutien sur leur page Facebook. « Enfin! Une opération utile, que nous attendions depuis longtemps! » « Ne plus se taire, c’est l’urgence aujourd’hui. » Parmi les soutiens, beaucoup de femmes, mais aussi des hommes, de tous âges. « Il est plus que temps. J’en suis », écrit Harald. « Tout le monde devrait soutenir cet appel », ajoute Holger. Quant à Michaël, il s’interroge« La dignité de l’homme est sacro-sainte… Pourquoi l’Église catholique autorise-t-elle (cette inégalité)? »
Lettre au pape François
La Communauté des femmes catholiques allemandes (KFD) a assuré de son soutien. Même l’évêque d’Essen (Rhénanie du Nord), Mgr Franz-Josef Overbeck, et son vicaire général, le père Klaus Pfeffer, se seraient abonnés à la page Facebook, assurent les organisatrices.
« L’appel s'adresse également à tous ceux qui souffrent de l’Église et qui l’ont quittée », précise Elisabeth Kötter.
Les initiatrices ont formulé une lettre au pape François, que le cardinal Reinhard Marx, archevêque de Munich et président de la Conférence des évêques allemands, devait lui remettre lors du sommet sur les abus sexuels. Elles y demandent pêle-mêle l’adaptation de la morale sexuelle « avec la réalité de la vie humaine », la levée du célibat obligatoire pour les prêtres et l’accès des femmes à tous les ministères.
Anne-Bénédicte Hoffner
in La Croix, 22/03/2019

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