1. Leio, todos os
dias, textos dos Evangelhos. A palavra evangelho é a tradução do grego evangelion. Significa boa notícia. Não é
o culto daquela atitude preguiçosa que espera que tudo há-de acabar por dar
certo, sem mexer uma palha. Jesus interpretou a sua missão como resposta aos
desafios que ia encontrando na sua intervenção pública: eram pedidos de socorro
de pessoas afectadas por todo o género de doenças físicas, psíquicas, de
exclusão religiosa e social. As mais insólitas e as mais correntes.
Quando se proclama o Evangelho na Celebração da Eucaristia,
não é para lembrar o que Jesus fez há mais de dois mil anos. É para dizer à
comunidade cristã o que é preciso fazer hoje. Quando usamos as palavras de Jesus
na chamada Última Ceia: fazei isto em
memória de Mim, não é para cumprir um ritual, mas para intimar os cristãos
a continuarem hoje o Evangelho. Uma missa que não dá notícias das
transformações que a comunidade realizou na semana anterior e das que se
compromete a realizar na semana seguinte, não celebra o Evangelho. As notícias
cristãs de há dois mil anos, se não provocarem hoje transformações nas Igrejas
ao serviço das alterações que a sociedade precisa, comem e bebem a sua própria condenação, segundo a expressão S.
Paulo[1].
A repetição dos textos, só por si, mata a novidade do
movimento cristão. Quando não se entra no espírito que animava a vida de
Cristo, a repetição não é caminho. Sem a ciência da interpretação estamos
sempre resvalar para o fundamentalismo ou para a banalidade. A letra mata, o
espírito vivifica.
2. Em Portugal,
nas últimas semanas, quanto a notícias boas e más, vivemos situações não
totalmente inéditas, mas de intensa confusão. Vicente Jorge Silva para
classificar certo tipo de jornalismo, cada vez mais em voga – amplificado pelas
redes sociais – e em conexão com os meios judiciários, intitulou a sua coluna Justiça e jornalismo no esgoto[2].
Quanto a conivências de jornalismo, redes sociais e acusações que deixam os
cidadãos sem defesa contra a irresponsabilidade instalada por lei, Miguel Sousa
Tavares[3] foi ainda muito mais
explícito.
Seja como for, a velha ideia de que um cidadão deve ser
considerado inocente até prova em contrário, desapareceu. Agora, em certos
meios de comunicação social, todos podem ser suspeitos e mesmo culpados, até
prova em contrário. Ninguém acima da lei, mas abaixo da lei também não está
bem.
Por tudo isso, não posso deixar de louvar a campanha do
Centro de Internet Segura (CIS)[4], que divulga dicas para
distinguir notícias falsas e promover uma leitura crítica dos conteúdos online. Estratégias como estas ajudam
qualquer utilizador. Esta campanha é especialmente dirigida aos jovens.
3. No meio de
tudo isto, como redescobrir o valor do jornalismo? Em primeiro lugar, importa
que as empresas e os jornalistas não se esqueçam da sua missão, mas os
consumidores devem encontrar formas de intervir e de os chamarem à
responsabilidade. Parece que as cartas ao
director têm mais importância do que se julga. Obrigar os jornais a
confessarem o seu erro é uma ajuda global. O Papa Francisco, na mensagem para o
LII Dia Mundial das Comunicações Sociais[5], faz uma pergunta curiosa:
Que há de falso nas notícias falsas?
A expressão fake news
é objecto de discussão e debate. Geralmente diz respeito à desinformação
transmitida online ou nos mass-media tradicionais. A referida
expressão alude a informações infundadas, baseadas em dados inexistentes ou
distorcidos, tendentes a enganar e a manipular o destinatário.
A sua divulgação pode visar objectivos pré-fixados,
influenciar opções políticas e favorecer lucros económicos. A eficácia das fake news deve-se, em primeiro lugar, à sua capacidade de se apresentarem
como plausíveis. São falsas, mas verosímeis. Tais notícias são capciosas, no sentido
em que se mostram hábeis a capturar a atenção dos destinatários. Estão apoiadas
sobre estereótipos e preconceitos generalizados, explorando emoções imediatas e
fáceis de suscitar, como a ansiedade, o desprezo, a ira e a frustração.
A grande dificuldade consiste em descobrir as diferentes
lógicas subjacentes à sua manipulada difusão. Os conteúdos, embora desprovidos
de fundamento, ganham tal visibilidade que os próprios desmentidos dificilmente
conseguem limitar os seus estragos. Esta lógica da desinformação tem êxito porque
em vez de haver um confronto sadio com outras fontes de informação, é sempre
mais do mesmo. Não há espaço para colocar em discussão os preconceitos e abrir
o diálogo. Resultado: reproduzem a deformação em que vivem.
O drama da desinformação leva a desacreditar o outro, apresentando-o
como inimigo, chegando-se mesmo à sua demonização. É o caminho dos conflitos.
As notícias falsas revelam a presença de atitudes intolerantes e
hipersensíveis. Dilatam a arrogância e o ódio. É o resultado da falsidade.
O Papa Francisco recuou até ao Livro do Genesis[6] para mostrar como se
fabricam falsidades e também como é possível desmascará-las. Mas o que lhe
interessa é a verdade, porque só ela nos tornará livres e só ela é caminho da
Paz. Citou, longamente, Dostoiévski: “quem mente a si mesmo e escuta as
próprias mentiras, chega ao ponto de já não conseguir distinguir a verdade
dentro de si mesmo, nem à sua volta. Deixa de gostar de si mesmo e dos outros.
Depois, sem o amor de ninguém, deixa também de amar. Na falta de amor, para se
sentir ocupado e distrair, abandona-se às paixões e aos prazeres triviais. Por
culpa dos seus vícios torna-se uma besta. Tudo deriva de mentir continuamente a
si mesmo e aos outros.”
O remédio mais radical para o vírus da falsidade é deixar-se
purificar, continuamente, pela verdade.
Ninguém é dono da verdade, nem a sua única voz. A verdade é
um horizonte de investigação continua e apaixonada.
in Público 11.02.2018
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