14 abril 2012

Metade da humanidade perturba?

Enviei recentemente para alguns dos meus contactos de e-mail o convite referente à Conferência que o Movimento Nós Somos Igreja organiza no sábado dia 14 de Abril, às 16.00, no Convento dos Dominicanos em Lisboa, sobre Jesus, Mulheres e a Igreja onde falarão as teólogas Julieta Dias e Teresa Toldy, por ocasião do Dia Internacional de Oração pela Ordenação das Mulheres Católicas.
Obtive três respostas interessantes que me fizeram reflectir como são tão apropriadas as palavras do Evangelho segundo as quais na casa do Pai há muitas moradas, em plena sintonia com a diversidade humana criada e por isso desejada por Deus. E como temos em cada dia de cultivar o respeito pela diferença, estabelecendo, contudo, fronteiras firmes no que diz respeito aos direitos humanos que, por sua vez, assentam em valores evangélicos.
Uma das minhas correspondentes escreveu que se tratava de um tema «muito afastado das minhas convicções e perante o qual a minha posição é de total desacordo». Citando as palavras que o Papa pronunciou na Homília de 5ª feira Santa, rejeitando a ordenação das mulheres, acrescenta que nos devemos antes
unir «ao sucessor de Pedro na difícil condução da Igreja do nosso tempo.»
Um homem, também católico, comentou: «não me parece certo pedir a Deus que trave por mim o combate que Ele nos encarregou de travar em Seu nome, em virtude do sacerdócio que a todos os seguidores confiou. Para mim a questão é tão clara à luz dos Evangelhos que negar a ordenação das Mulheres é um absurdo e é anti-cristão. Invocar a tradição é negar o carácter renovador da Palavra, a mesma que justificou a encarnação. É também quase uma recusa de que a encarnação e a revelação são intemporais, não estão acabadas, acontecem hoje como sempre através daqueles que estão abertos ao Espírito. A obsessão com integristas que poderiam escandalizar-se é ofensiva para Quem foi motivo de escândalo - e é uma preocupação "temporal" da parte dos que foram convidados a dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.... De resto, há outras infidelidades a corrigir e eu estou perplexo com a passividade do colégio episcopal. Sinceramente, necessitamos de um Concílio, 50 anos passados sobre o anterior. Mas não ouvem o que foi dito: Não temais.Não vos esquecerei amanhã.»
Finalmente, uma outra mulher, escreveu:
« agrada-me a ideia da luta de ordenação de mulheres católicas. Só a luta. Não sei se lhe disse, mas quando era pequena, numa rodinha de escola, "giroflé, giroflá", havia uma pergunta cantada: "E que ofício lhe dareis, giroflé, giroflá?"... deram-me o ofício de costureira. Eu fiz parar a roda e disse que não queria ser costureira, queria ser padre. Foi uma gargalhada geral. Disseram-me as minhas companheiras que não podia ser padre porque era rapariga. Eu não acreditei e corri para casa a perguntar à minha mãe. A minha mãe, uma mulher rural que nem a terceira classe tinha, deu-me a maior lição de história da minha vida - mostrou-me que o mundo era masculino, o presidente (Salazar), ministros, o regedor, o presidente da Junta, o médico... tudo que era chefe era masculino como Deus e o padre. A nós mulheres restava-nos nunca precisar dos homens nem do Estado e aconselhou-me a rezar a Nossa Senhora. Mais tarde prossegui estudos, estudei as religiões todas e suas origens.. e para mim não foi Deus que nos criou mas nós que criamos Deus à semelhança de quem tem o poder. Hoje as mulheres podem ser ordenadas à vontade que para mim é tarde demais. Ordenadas para quê? Para ensinarem que a maternidade é castigo como vem no Génesis e Levítico? Acho a Bíblia o livro mais machista que li e considero que, depois do séc. XIX, Nossa Senhora, ou seja, o sagrado feminino, está a ocupar a alma e coração dos crentes. Sobretudo das crentes. Nossa Senhora não discrimina como já acreditava a minha mãe. Acho que a Igreja nos discriminou muito tempo depois de nós termos entrado na escola e podermos ler. As mensagens de há dois mil anos e mais serão importantes para os saudosistas. O mundo mudou. E qual a mulher que hoje acredita que o Deus verdadeiro nos considera seres de segunda, nos criou de uma costela porque o homem se sentia sozinho? Não entendo como nos casamentos ainda se leem as palavras de S. Paulo que mandam a mulher obedecer ao marido como a Igreja obedece a Cristo.... Eu tenho uma ideia mais positiva de Deus do que a oficial... Desejo muitas felicidades para a sua luta. Mas, após nos fecharem tantos anos as portas dos seminários, talvez quando as abrirem já não haja quem nelas queira entrar.»
Ana Vicente

2 comentários:

  1. acabei de ler este post (com licença, vou reproduzi-lo, em parte)...com pena não poderei participar na conferência.

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  2. O primeiro e o terceiro comentários são deliciosos e de uma profunda verdade (a meu modesto ver). O segundo vive do passado. Temo que tenha razão quem escreveu o terceiro comentário e, quando a Igreja quiser abrir as portas a Cristo - à verdade sempre renovada de que ninguém é dono, nem mesmo o papa -, já poucos se interessem pela mensagem deste profeta galileu e o cristianismo seja apenas - com muita pena minha - um vestígio arqueológico guardado num qualquer museu.
    Associo-me plenamente à vossa luta. É da mais elementar justiça que as mulheres possam ocupar cargos de chefia na Igreja, como o vão fazendo nos outros âmbitos da vida.
    Bem-hajam.

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