13 abril 2014

Trabalho para todos?

Frei Bento Domingues, O. P.

1. A “Liga Operária Católica/Movimento dos Trabalhadores Cristãos” (LOC/MTC) tem uma longa história de confissão pública da fé cristã, no seio da luta operária e das suas organizações. Inscreve-se no caminho aberto por Jesus, um judeu marginal, de há dois mil anos, que terá sido educado por José, o artesão, na lei de ganhar o pão com o suor do seu rosto e não com o do rosto dos outros.

Jesus não era nem um pobre de pedir nem um proprietário ou empresário. O seu Evangelho tinha a ousadia de anunciar, aos pobres e excluídos, a bem-aventurança de um mundo de irmãos, que reunisse todos os filhos de Deus dispersos (Jo 11,52). Acabou por concluir que não seria tarefa fácil.

Aos seus discípulos interessava mais a esperança de chegar ao governo do novo poder do que embarcar nos sonhos loucos do Nazareno. Diante do líder crucificado, desiludidos, cada um voltou à sua vida.

 Segundo a 1ª carta aos Tessalonicenses – o primeiro escrito cristão - quando S. Paulo entrou em cena, a esperança tinha mudado radicalmente de sentido: o mais importante era preparar-se para o fim do mundo. 

        O apóstolo tinha-se entusiasmado tanto com a voz do Ressuscitado, que entrou em delírio. Verificado, porém, o equívoco, pediu aos cristãos para abandonarem as conversas sobre o fim do mundo e desautorizou os parasitas do engano, da forma mais prática: “quem não quer trabalhar que não coma! Às pessoas que levavam a vida à toa, muito atarefados a não fazer nada, ordena e exorta, no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem tranquilamente a ganhar o pão com o próprio esforço” (2Tess 3).

        Aos militantes da LOC não se lhes pede que regressem às condições de trabalho de Jesus e José, às espectativas das comunidades de S. Paulo de há dois mil anos, nem às condições dos anos 30, do século passado, quando a LOC foi organizada em pleno Estado Novo. Ao exigirem “trabalho para todos”, não esperam certamente que a destruição dos postos de trabalho destes últimos anos venha a ser invertida. Sabem que o trabalho como já o conheceram não regressará. As técnicas da agricultura, das pescas e das indústrias, que aprenderam e usaram, morreram e não ressuscitarão.

         Sendo assim, a luta por “trabalho para todos” não será apenas o último grito do desespero ou um exercício quixotesco de alucinados? Ainda não terão ouvido falar da nova ou terceira revolução industrial que obriga a repensar, de forma radical, o trabalho, implicando a reorganização fundamental da economia e das relações humanas? Não saberão que está a nascer uma nova civilização sem eles e contra eles?

    2. Saber, sabem, mas não lhes serve de nada. Se para a maioria da população, o determinismo tecnológico é niilista, para alguns é exaltante e desses é o poder, o reino e a glória. Com muito menos operários, graças à informática e à robótica, crescem a produção e os lucros. Os vencimentos dos gestores de topo sobem em flecha e os dos trabalhadores, os mais mal pagos, vão deslizando. As desigualdades entre uns e outros são cada vez maiores. Os factores de desigualdade variam segundo os ramos de actividade. Alguns roçam o absurdo. O vertiginoso progresso da informática é um dos factores que mais conta no aprofundamento das maiores desigualdades.

       Apesar da cadeia de esmolas, montada ao longo do país, os ideais da revolução francesa - liberdade, igualdade e fraternidade, filhos laicos do Evangelho - foram substituídos por várias formas de opressão, pelo abismo económico e social, pela institucionalização do egoísmo e da humilhação.

      3. Se é previsível que, muito rapidamente, em muitos lugares, a maioria da população será constituída por desempregados, que adianta que a LOC, o Papa Francisco, o Bispo do Porto e todos os que ainda não perderam a capacidade de indignação, continuem a teimar na exigência de trabalho e emprego para todos?

       Talvez por uma razão muito simples: o trabalho é uma das dimensões fundamentais da existência humana e a situação de desemprego uma humilhação tal que afecta a própria consciência da dignidade humana – não valho nada! O desempregado é um marginal à força, um desqualificado.

       A displicência com que certos governantes, entidades patronais, comentadores e jornalistas de serviço se referem ao número de desempregados, revela uma degradação ética insuportável. O ser humano passou a não valer mesmo nada, é um aborto.

      É preciso gritar que as novas tecnologias, substituindo muitos postos de trabalho, abrem também a possibilidade de imaginar, reorganizar e distribuir, de modo novo, os calendários do trabalho, combinados com novas formas de cultura e espiritualidade. As novas tecnologias são para proveito de todos os seres humanos e não só de alguns. Importa ressuscitar a política do bem comum. Estarão os cristãos rendidos ao culto dos novos ídolos?

Sem a redescoberta de novos valores e modelos de vida pessoal e familiar, empresarial, social e política não adianta falar de austeridade, de empobrecimento ou desenvolvimento, pois é uma linguagem do castigo ou da promessa que assenta na demagogia. As visões curtas são sempre mais curtas do que se imaginam.

Portugal não pode sair do resgate com sucesso se os portugueses saírem de rastos.

in Público, 13.04.2014

1 comentário:

  1. Às primeiras horas de segunda-feira, passo por aqui e é tão reconfortante. Bem hajam.

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