26 julho 2020


P / Info: Crónicas & Igreja: Especialista português diz que nova instrução do Vaticano sobre paróquias é oportunidade perdida, notícia publicada na Ag. Ecclesia
Fr. Bento: Quem foi Frei Mateus Peres?
Pe. Anselmo: Paz entre as religiões, paz entre as nações
Cardeal Tolentino: Férias
Pe. Vitor: Que tesouros procuramos?
QUEM FOI FREI MATEUS PERES, O.P.?
Frei Bento Domingues, O.P.
Figura internacional da Ordem dos Pregadores, Frei Mateus Cardoso Peres (1933-2020) foi membro activo de um grupo de grande relevo na renovação do catolicismo português e é um dos teólogos de contribuição mais original na renovação da teologia moral na Igreja portuguesa no pós-Concílio Vaticano II.

1. A crónica projectada para este Domingo – a última antes das férias – inspirava-se numa passagem bíblica do Primeiro Livro dos Reis. É muito bela. Salomão reconhece os seus limites para ser um bom governante. Pede a Deus um coração cheio de entendimento para governar o Seu povo, para discernir entre o bem e o mal. Esta oração agradou ao Senhor, que lhe disse:
«Já que me pediste não uma longa vida, nem riqueza, nem a morte dos teus inimigos, mas sim o discernimento para governar com rectidão, vou proceder conforme as tuas palavras: dou-te um coração sábio e perspicaz, tão hábil que nunca existiu nem existirá jamais alguém como tu»[i]. Quem dera que não só D. Trump e Bolsonaro, mas muitos outros governantes, renunciando ao espírito de dominação, fossem guiados por um coração sábio, perspicaz e hábil!
Quando ia começar a crónica deste Domingo, tive de mudar o seu rumo. Morreu, na passada segunda-feira, um confrade do Convento de S. Domingos que nos acolhe, o Frei Mateus Cardoso Peres (1933-2020). Pelo muito que lhe devo, vou deixar, aqui, algumas palavras de agradecimento.
2. Nasceu em Lisboa numa família profundamente cristã. Tinha 9 irmãos e licenciou-se em Direito, em 1956. Nesse mesmo ano, entrou na Ordem dos Pregadores, no Convento dos Dominicanos de Fátima que já frequentara como estudante. Estudou filosofia e teologia no Centro Sedes Sapientiae de Fátima e teologia em Otava (Canadá). Foi ordenado presbítero em 1962.
Com o seu consentimento, permito-me seguir o esboço do seu itinerário feito por Luiza Sarsfield Cabral [ii].
Foi membro activo de um grupo de grande relevo na renovação do catolicismo português. Figura internacional da Ordem dos Pregadores, é um dos teólogos de contribuição mais original na renovação da teologia moral na Igreja portuguesa no pós-Concílio Vaticano II.
Pertenceu a uma geração de católicos que, marcada por preocupações políticas e sociais, constituiu uma referência obrigatória na década de cinquenta-sessenta em Portugal. João Bénard da Costa retracta-a do seguinte modo: «Na JUC, entre os “contestatários” havia dois ramos distintos: o dos “sociólogos” (mais bem “comportados” e menos “intelectuais”) e o dos “vanguardistas”, quer em posições políticas, quer no interior da Acção Católica, quer numa predominante atenção aos fenómenos estéticos mais inconformistas. Esses eram (éramos) [...] o Nuno Peres (Frei Mateus Cardoso Peres OP), o Nuno Portas, o Nuno Bragança, o Luís Sousa Costa, o Pedro Tamen, o Alberto Vaz da Silva, o M. S. Lourenço, o Cristóvão Pavia, o José Escada, o Manuel de Lucena, o José Domingos Morais, o Duarte Nuno Simões – o Mário Murteira e o Carlos Portas eram a charneira entre os dois grupos»[iii].
Com alguns entusiastas desse grupo, Frei Mateus Peres participou na criação do CCC (Centro Cultural de Cinema – Cineclube de Universitários para uma Cultura Cinematográfica Cristã), que teve o seu início em Novembro de 1956.
Foi colaborador em O Tempo e o Modo, Revista de Pensamento e Acção – importante espaço de diálogo e confronto de diferentes sensibilidades culturais, políticas e religiosas –, tratando do significado histórico e impacto do Concílio Vaticano II (1963-1965), no aggiornamento interno da Igreja e na sua relação com o mundo contemporâneo. A problematização teológica, introduzida em Portugal por Frei Mateus, nos seus textos de O Tempo e o Modo[iv], é hoje considerada, pelos analistas dessa época, como um contributo único para a compreensão da novidade doutrinal e pastoral do Vaticano II[v]. O recurso ao pseudónimo Manuel Frade, com que assinou o último destes artigos, revela as dificuldades e limitações que existiam na Igreja portuguesa, então muito à margem desse acontecimento mundial.
Fez parte da primeira direcção internacional da famosa revista teológica Concilium, editada em português pela Livraria Morais Editora (1965), devido ao empenhamento de A. Alçada Baptista. Era esta a forma de Portugal e o Brasil terem acesso à grande renovação teológica pós-conciliar.
Pertenceu ainda à equipa que, no âmbito das actividades dessa revista, lançou entre nós os «Colóquios para Assinantes», destinados sobretudo a equacionar as questões da Igreja portuguesa à luz de um Concílio por ela praticamente ignorado.
Frei Mateus Peres dedicou muito da sua vida à renovação da teologia moral, na investigação e no ensino: a partir de 1963, no Studium Sedes Sapientiae dos dominicanos, em Fátima; de 1967 a 1972, na Faculdade de Teologia de Otava (Canadá). Regressado a Portugal, continuou a sua dedicação à teologia, no campo da Moral, no Porto (ISET, ICHT, UCP) e, finalmente, na UCP, em Lisboa.
É autor de alguma colaboração em obras colectivas e de inúmeros estudos na área da teologia moral, em revistas como Humanística e Teologia, Communio, Cadernos ISTA e outras. Muito apreciado como professor e conferencista, investigou as razões históricas e teóricas que contribuíram para a «má reputação da moral» (sic).
Ao fazer da ética uma construção do sujeito – em «uma visão teológica que faça justiça ao sujeito» –, deu um contributo decisivo para a superação de dois persistentes dilemas da teologia e filosofia moral, subjectivismo/objectivismo e autonomia/teonomia. Esta proposta encontra-se na sua obra fundamental, apresentada como tese de doutoramento em 1987, O Sujeito Moral: Ensaio de Síntese Tomista, 1992.
3. A nível dos Dominicanos, viveu em várias comunidades em Portugal e no estrangeiro. Assumiu vários cargos institucionais para que foi eleito: provincial em 3 mandatos, várias vezes prior conventual, mestre de estudantes, sócio do Mestre Geral para a vida intelectual, o que o obrigava a viver em Roma e a visitar vários países, de vários continentes.
Acompanhou o Mosteiro das Monjas do Lumiar, onde se desenvolveram as célebres Conferências do Lumiar. No mundo das congregações religiosas, foi presidente de CNIR.
Tendo desempenhado várias funções de relevo, ao nível da Ordem dos Pregadores, para ele, assumir o poder era o encargo de servir. Não apenas de servir segundo o seu critério individual, mas segundo as instituições democráticas que podem ser adaptadas e nunca postas em causa.
Compreendeu, na prática, a resposta de Deus à oração de Salomão: exerceu o poder com um coração sábio, perspicaz e muito hábil.
26. 07. 2020
in Público 26.07.2020


[i] Cf. 1Rs 3, 1-15
[ii] Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Volume VI, pp. 211-213
[iii] João B. da Costa, «Meus tempos, meus modos» in Diário de Notícias, «Revista de Livros», 9/11/83,1
[iv] A Igreja entre Duas Guerras (TM, 16-17, 1964), Tradição e Progresso (TM, 18, 1964), A 4ª Sessão: O Concílio e a Igreja (TM, 32, 1965).
[v] Cf. tese de licenciatura em Teologia de Nuno E. Ferreira, in Lusitania Sacra, 2.ª série, 6, 1994, pp.129/294

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Paz entre as religiões, paz entre as nações
Anselmo Borges
Padre e Professor de Filosofia
1. A Basílica de Santa Sofia, em Constantinopla/Istambul, inaugurada pelo imperador Justiniano no século VI e dedicada a Cristo, Sabedoria de Deus, foi durante quase mil anos o maior templo cristão, impondo-se pela sua beleza e majestade. Muitos que lá entraram e contemplaram a cúpula, com 55 metros de altura e 30 de diâmetro, e o Cristo Pantocrator a olhar do alto disseram ter feito uma experiência do Céu.
A sua história tem sido atribulada. Foi realmente durante quase um milénio (537-1453) o santuário mais significativo da cristandade; a seguir ao Grande Cisma (1054), tornou-se a igreja mais importante dos cristãos ortodoxos, que os católicos, no tempo das cruzadas, conquistaram e dominaram (1204-1261); depois, durante quase 500 anos (1453-1931), tornou-se, com a conquista de Constantinopla, a mesquita “imperial” mais importante do islão, tendo Constantinopla passado a chamar-se Istambul, pois era tal o esplendor e a força de Constantinopla que não se dizia “ir a Constantinopla” mas “ir à cidade” (em grego: eis tên polín). Em 1931, depois da dissolução do império otomano, Mustafá Kemal Atatürk, fundador da Turquia moderna, como sinal da laicidade do Estado, dessacralizou-a e transformou-a num “museu oferecido à Humanidade”, aberto ao público em 1935 já com os vitrais e os ícones cristãos, que tinham sido cobertos com gesso, porque o islão proíbe as imagens, e, em 1985, declarado património mundial da Humanidade pela Unesco. O actual presidente da Turquia, Recep Erdogan, decretou, no passado dia 10, que voltasse a mesquita, recomeçando a ser lugar de oração a partir de ontem, dia 24. Entretanto, o Governo turco assegurou que terá os mosaicos com imagens cristãs tapados durante as orações e que continuará aberta ao turismo, nacional e estrangeiro, com entrada gratuita (até agora, as visitas rendiam 50 milhões de euros anuais).
2. As reacções à reconversão em mesquita por Erdogan choveram de todo o lado. A Grécia, a Unesco, a Rússia, os Estados Unidos manifestaram inquietação. O governo grego foi dos primeiros a reagir, qualificando a decisão de “provocação ao mundo civilizado”. O Papa Francisco, logo no dia 12, na oração do Angelus, disse: “O meu pensamento vai para Istambul, penso em Santa Sofia e sinto muita dor”. É natural que os cristãos ortodoxos se exprimam de modo mais contundente, pois Santa Sofia é simbolicamente para a Igreja ortodoxa o que São Pedro é para os católicos. Assim, a Igreja da Grécia, antes ainda da reconversão, lembrou que Santa Sofia é uma “obra-prima, mundialmente reconhecida como um dos monumentos eminentes da civilização cristã. Toda a mudança provocará um vivo protesto e a frustração entre os cristãos de todo o mundo, e prejudicará a própria Turquia.” Sua Beatitude Jerónimo II, arcebispo de Atenas, qualificou a decisão de “insulto à ortodoxia, ao cristianismo em geral e a toda a pessoa sensata”, instrumentalizando a religião para conveniências partidárias, geopolíticas e geoestratégicas. A Igreja ortodoxa russa antevê que possa ter “graves consequências para toda a civilização humana”. O patriarca Cirilo de Moscovo declarou que “uma ameaça a Santa Sofia é uma ameaça ao conjunto da civilização cristã.” O Conselho Ecuménico das Igrejas, que reúne 350 Igrejas cristãs no mundo, exprimiu o seu “pesar e consternação”; para o seu secretário-geral, I. Sauca, Santa Sofia era uma bela prova da “ligação da Turquia à laicidade”. A França “deplorou” a mudança, enquanto a Unesco poderá rever o seu estatuto, considerando “lamentável” a decisão tomada “sem diálogo nem notificação prévia”.
3. Sempre que se fala em religião/religiões vem inevitavelmente à mente a declaração célebre do teólogo Hans Küng: “Não haverá paz entre as nações sem paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões. Não haverá sobrevivência do nosso planeta sem um ethos (atitude ética) global, sem um ethos mundial.”
Condição essencial para a paz entre as religiões e para que haja liberdade religiosa é a laicidade do Estado, a não confundir evidentemente com laicismo. O Estado não pode ser confessional, não pode ter nenhuma religião, precisamente para garantir a liberdade religiosa de todos. Erdogan, porque está a perder poder, quer apoiar-se nos sectores mais islamistas e ultranacionalistas. De facto, como disse o turco Ohran Pamuk, Nobel da Literatura, “esta reconversão é dizer ao resto do mundo que, infelizmente, não somos um Estado laico”. Deste modo, acabou por dar um duro golpe no diálogo inter-religioso, que tem a sua prova de verdade no combate comum pela paz, pela justiça, por aquele ethos que Hans Küng refere e que está presente no documento histórico, a que aqui me referi amplamente, “A Fraternidade Humana”, assinado em Abu Dhabi pelo Papa Francisco e pelo Grande Imã da Universidade Al-Azhar, no Cairo. Não há dúvida de que, transformando Santa Sofia em mesquita e aliando religião e nacionalismo, Erdogan “pode criar um terreno fértil para a intolerância religiosa e a violência”, alertou a Conferência de Igrejas Europeias.
Erdogan foi perigosamente muito longe, ao celebrar, no discurso oficial em árabe —a referência não é mencionada nem na versão em turco nem em inglês —, esta reconversão como um primeiro passo de um “renascimento” islâmico, que deve ir de Bucara, no Uzbequistão, a Al Andalus, Espanha: ele “é o símbolo do regresso do sol nascente da nossa civilização islâmica”.
in DN 25 de Julho 2020
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QUE COISA SÃO AS NUVENS
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA

FÉRIAS

AQUILO QUE NOS PERMITE RELANÇAR A VIDA SÃO COISAS PEQUENAS QUE PRECISAMOS DE REAPRENDER
No seu filme “Caro Diário”,Noretti acaba (quase!) por fugir a nado das ilhas eólias. Os que viram o filme recordar-se-ão que ele partira para essa “peregrinação interior” projetando aí uma espécie de grande e necessário reencontro com a vida, na sua pulsão mais verdadeira, essencial e longínqua. Esperava desse reencontro o que muitas vezes desejamos nós das férias: que nos renovem, que libertem o nosso olhar blindado e alterem o nosso intermitente humor, que nos tragam paisagens diversas, que nos reconciliem... E contava com o influxo positivo das eólias para isso, como nós contamos com o que está ao nosso alcance: uma casa, um lugar que visitamos, um livro, uma montanha, um toldo arejado ao pé do mar... Mas, no filme de Moretti, as ilhas do tirreno revelam-se rapidamente um mal-entendido, igual ao de todos esses massificados paraísos de estampa em que a propaganda estival é fértil, e que servem apenas para ampliar o vazio, pois, mais uma vez, roubam à vida o seu prometido verão. Quando ele constata que o que ali vigora é o mesmo omnipresente formato consumista, porventura num registo ainda mais feérico, lança-se abruptamente para o barco de regresso, confessando, com desalentada ironia: “Sou feliz só no mar, na travessia entre uma ilha que acabei de deixar e de uma outra que devo ainda conhecer.”
Bem, a dizer a verdade, a finalidade deste introito não é o cancelamento das férias, que constituem uma variação do tempo tão propícia e necessária. Pelo contrário, pretende bramar que é possível encontrar saída. Se repararmos, no filme “Caro Diário”, mesmo um escrutínio escovado severamente como o de Nanni Moretti, encontra, por exemplo, numa das ilhas — a bela ilha de Salina — dois clarões preciosos que, depois do filme terminar, continuam a luzir na nossa cabeça. Trata-se de duas breves cenas, desenhadas na sua aparente simplicidade como pontos de fuga em relação ao confronto desiludido e áspero com o real, mas que insinuam uma efetiva possibilidade de sentido, o tracejado de um caminho.
Em Salina, um dos lugares que quis muito visitar foi o farol. “Mas é anódino, não tem nada de especial” — explicaram-me. Porém, eu sabia que não era assim
A primeira delas é uma cena de corte: para romper com o circuito fechado da interminável comunicação palavrosa, a personagem interpretada pelo cineasta Nanni Moretti afasta-se do aldeamento até à zona do farol, e caminha em silêncio. Apenas isso. Caminha não com o fito utilitário de chegar a algum lado. Podemos dizer que se recolhe, que, naquele passeio solitário pelo espaço, reencontra o seu silêncio, que aplaca a sua respiração, como se lhe fosse oferecida a possibilidade de caminhar não apenas por aquele baldio, mas sobretudo dentro de si. Dois elementos plásticos enquadram essa deambulação, e que talvez não nos sejam mostrados por acaso: os destroços de um barco em terra e um navio que desliza pela costa. Isto é: como se passa da existência como naufrágio à reativação esperançosa da própria viagem.
A segunda cena conta um facto ainda mais simples. A personagem volta à zona do farol, que tem um minúsculo lago (na origem existia ai uma salina) e um campo de futebol de terra batida. Perto da baliza está uma bola. E Moretti que se aproxima de cabeça baixa, absorto na redação do diário, de repente vê a bola. E corre. E começa a jogar. A bola sobe, toca na terra, ele chuta-a de novo, correndo de um sítio para outro, numa coreografia, de repente, ligeira, numa ligeireza, de repente, possível. Creio que a lição do filme “Caro Diário” é essa: que aquilo que nos permite relançar a vida são coisas pequenas que precisamos de reaprender.
Lembro-me que quando visitei Salina, um dos lugares que quis muito visitar foi este farol. “Mas é anódino, não tem nada de especial” — explicaram-me. Porém, eu sabia que não era assim.
in Semanário Expresso 26.07.2020
http://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2491/html/revista-e/que-coisa-sao-as-nuvens/ferias
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À PROCURA DA PALAVRA
Pe. Vitor Gonçalves
DOMINGO XVII COMUM
“O reino dos Céus é semelhante a um tesouro
escondido num campo.”
Mt 13, 44
“O que mais custa na desgraça deste vírus é não poder estar com os meus netos; abraçá-los e dar-lhes beijinhos!” Desabafava assim uma avó entre lágrimas, que, sem saber, se tornava porta-voz de um dos sofrimentos maiores desta pandemia: a distância entre avós e netos. No fundo, o doloroso distanciamento entre os nossos “maiores” (bela expressão quando a outra, “velhos”, tem amargo sabor a “descartáveis”!) e a infância dos que lhes são queridos.  A memória dos avós de Jesus, que a liturgia assumiu com os nomes de Joaquim e Ana, e hoje recordados, possa fazer-nos lutar por esse tesouro do convívio de gerações, da riqueza de experiências que se partilham, da sabedoria e novidade que se abraçam, do passado e do futuro que se encontram.
É admirável o tesouro da tecnologia, mas nunca substituirá o tesouro do afecto, do toque, do abraço ou do beijo. É importante o tesouro da economia, de acordos de recuperação e entreajuda financeira como o que foi aprovado na União Europeia, mas mais importante ainda a honestidade e responsabilidade na aplicação do dinheiro para o bem comum e não para a ganância e a desigualdade. São fundamentais os tesouros da saúde, da educação e da justiça, mas é preciso continuar a lutar para que sejam acessíveis a todos, sem distinções nem exclusividades. É essencial o tesouro da vida, que nos convoca a comprometer o coração na sua promoção e defesa, conscientes da sua fragilidade e grandeza.
O reino dos Céus, narrado por Jesus em sete parábolas, é Ele mesmo. Ele é a semente, pequena e cheia de vida; o fermento escondido que faz crescer o pão; que morre para dar vida; que cresce no meio do mal e reconhece-se pelos frutos; é o tesouro e a pérola preciosos que precisam ser procurados e escolhidos; é a rede que tudo recolhe e onde é preciso escolher o melhor. Assim, o reino dos Céus exige um trabalho de discernimento. É preciso a coragem de uma escolha decisiva: dar tudo para guardar o melhor. É um trabalho de coração o discernimento: só um coração que ama sabe fazer a boa escolha, à semelhança de Salomão que pediu a Deus “um coração inteligente”.
O tesouro que é Jesus Cristo transforma-nos também em tesouros. Únicos e preciosos. Por isso importa inventar novos modos de proximidade e comunhão para estes tempos difíceis. Convívios antigos e novos, vermo-nos e ouvirmo-nos com maior atenção, dizermo-nos quanto somos importantes uns para os outros. Pede-se criatividade e ousadia para colocar em primeiro lugar o melhor. Será que não há tesouros de futuro a descobrir, quer na relação renovada com Deus, quer na de uns com os outros?
in Jornal Voz da Verdade 26.07.2020
http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=9161&cont_=ver2
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Padre Tiago Freitas questiona persistência do modelo centrado no padre e falta de atenção aos desafios da evangelização
Braga, 24 jul 2020 (Ecclesia) – O padre Tiago Freitas, autor de uma tese de doutoramento sobre novos modelos de paróquias, disse à Agência ECCLESIA que o novo documento do Vaticano sobre o tema é uma oportunidade perdida, falhando pela falta de atenção aos desafios da evangelização.
O sacerdote da Arquidiocese de Braga falava a respeito da Instrução “A conversão pastoral da comunidade paroquial a serviço da missão evangelizadora da Igreja”, publicada esta segunda-feira pela Congregação para o Clero (Santa Sé).
Segundo o autor da tese “Colégio de Paróquias – Um proto-modelo crítico para a paróquia da Europa Ocidental em tempo de mobilidade”, o novo documento foi recebido com “surpresa” por diversos responsáveis católicos.
“Este é um documento muito técnico, muito formal, sobre aspetos muito concretos”, centrado no Direito Canónico”, precisa o padre Tiago Freitas.
Isso é partir do ponto errado: o Código de Direito Canónico está para ajudar a pastoral, a reflexão teológica, para dar enquadramento, estrutura sólida e jurídica. Não é para ser a bitola de como vamos fazer, como nos vamos organizar”.
A Instrução surge como síntese de documentos de 2002 e 1997, com mais de 20 anos, apresentando como “modelo ideal um pároco com uma paróquia”.
O entrevistado entende que esta é uma “resposta clara” da Santa Sé ao que acontece neste momento na Alemanha, onde a Igreja Católica vive uma caminhada sinodal e que está a “assustar a Cúria Romana”, com mulheres em cargos diretivos nas dioceses alemãs.
“Não há razão objetiva para que os leigos não possam cooperar ou participar num real governo das paróquias”, aponta.
Outro cenário é o da Suíça, onde equipas de leigos têm a responsabilidade de “governar” a paróquia.
“Aí sim, pode ser discutível se o pároco não é transformado numa espécie de capelão, uma espécie de funcionário. Esse é outro risco, onde se põe em causa o múnus de ser pastor”, sublinha o padre Tiago Freitas.
Para o especialista, há um conjunto de experiências, sobretudo na Europa, a que a Santa Sé quer “pôr travão”.
“Não se têm em conta sequer os próprios pressupostos da Instrução, que é a transformação da sociedade e da Cultura em que vivemos”, acrescenta.
O novo documento sublinha o papel central do padre, na paróquia, e rejeita que leigos ou diáconos possam “presidir à comunidade paroquial”, por considerar que essa missão compete ao pároco.
“O único foco que aqui vejo é a figura do pároco e a liderança nas paróquias”, assinala o padre Tiago Freitas, deixando de lado qualquer forma de “empoderamento” dos leigos ou de “governo colegial”.
O sacerdote entende que o documento tinha bons pressupostos, ao aludir à “irrelevância do critério territorial” da paróquia, a começar pelos próprios fiéis, e à necessidade de “reforma de estruturas” e conversão “missionária”.
“Estes são os pressupostos. O problema é que depois, entrando no documento, não há nada de novo senão a reafirmação de tudo o que está em vigor, neste momento”, prossegue.
Para o especialista, o caminho das Unidades Pastorais deve ter “as motivações corretas”, considerando que “a Igreja em Portugal tem trilhado o caminho sugerido” pela Congregação para o Clero.
O padre Tiago Freitas sustenta que a prioridade deveria ser dar resposta ao “problema maior” das paróquias, que é a queda do número de cristãos, de pessoas comprometidas, projetando também os desafios do pós-pandemia.
“A forma de anúncio, a urgência de um primeiro anúncio, as modalidades de anunciar Jesus Cristo. Isto é que é uma paróquia evangelizadora”, elenca.
O entrevistado questiona ainda que se apresentem como modelos para as paróquias os santuários, que são, “por definição, locais fixos, imóveis, a que os peregrinos vão ter”.
“A Igreja missionária é a Igreja que sai de si”, observa.
Em conclusão, o padre Tiago Freitas defende que este é “um documento técnico que está destinado ao esquecimento”.
OC
in Agência Ecclesia Jul 24, 2020
https://agencia.ecclesia.pt/portal/igreja-especialista-portugues-diz-que-nova-instrucao-do-vaticano-sobre-paroquias-e-oportunidade-perdida/  
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