19 julho 2020

P / Info: Crónicas



Fr. Bento: Igreja fora de Portas
Pe. Anselmo: Desconfinar a Igreja. 4
Card. Tolentino: Que fazes tu no  Céu, ó Lua?
Pe. Vitor: Prudência, paciência e humildade

IGREJA FORA DE PORTAS
Frei Bento Domingues, O.P.

De modo inesperado, surgiu Bergoglio de fora de portas da Roma imperial e não se instalou no Vaticano. Com ele nascia a Igreja de saída, a Igreja fora de portas.

1. A palavra igreja é uma complicação. Começou por significar, no grego profano, assembleia política do povo. No grego bíblico, a palavra traduz diversos termos hebraicos e foi a preferida para designar as comunidades cristãs. Era nesse sentido que se dizia: a Igreja que está em Jerusalém, em Antioquia, em Éfeso, etc.[1].
Eram comunidades que reconheciam, em Jesus de Nazaré testemunhado pelos seus discípulos, o Caminho que alterava todas as dimensões da vida humana.
Jesus nasceu e cresceu num judaísmo de várias tendências. Quando se tornou adulto, depois de tentar seguir o caminho reformista de João Baptista, teve uma experiência espiritual de tal intensidade que mudou radicalmente o rumo da sua vida[2]. Pelas suas atitudes, gestos e parábolas introduziu uma revolução radical, teológica e antropológica, no judaísmo em que tinha sido formado.  
Deus tinha sido metido na prisão das prescrições religiosas que, por sua vez, escravizavam os mais pobres e doentes através das suas intermináveis e sofisticadas interpretações. O Nazareno tentou destruir toda aquela casuística mediante duas evidências soberanas: Deus não quer sacrifícios, quer misericórdia; o Sábado – o dia sacralizado do judaísmo – é para o ser humano e não o ser humano para o Sábado.
No entanto, a revolução das revoluções vem apontada em S. Mateus: Ouvistes o que foi dito: «Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo». Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem[3]. A lei da violência interminável pode ser vencida!
Foi por isso que o primeiro horizonte da missão de Jesus e dos seus discípulos não foram os gentios, mas «as ovelhas perdidas da casa de Israel»[4]. A revolução devia começar por casa. As grandes polémicas de Jesus com os dirigentes do seu povo são motivadas pelo Espírito das referidas evidências: não havia direito de carregar o povo com obrigações e proibições, quando eles dispunham de escribas e doutores que torciam as normas segundo os seus interesses.
Jesus não escreveu nada nem encarregou ninguém de escrever as suas memórias. Os primeiros escritos cristãos nem sequer se interessavam pelo itinerário que o condenou. O próprio S. Paulo – judeu fervoroso e cidadão romano – só queria testemunhar que Cristo não foi vencido pela crucifixão. Atribuiu a sua viragem, de perseguidor dos discípulos do Messias para se tornar o seu incansável apóstolo, a uma intervenção directa do Ressuscitado[5].
O centro da fé e do Evangelho que anunciava era este: Cristo crucificado ressuscitou. Está vivo e garante a esperança que vence a própria morte. O que o movia nas viagens mais perigosas, até aos limites do mundo conhecido, era precisamente anunciar a judeus e gentios esta convicção. Era deste anúncio que nasciam mais comunidades cristãs que, por sua vez, suscitavam ainda outras. Os seus escritos são cartas para alimentar o fogo e resolver problemas e contendas que estavam sempre a surgir.
2. Os quatro Evangelhos nasceram, pelo contrário, no seio de várias comunidades com problemáticas e estilos de vida bastante diferentes. Era preciso figurar o itinerário terrestre de Jesus Cristo, pois, cada vez haveria menos pessoas que pudessem dizer: eu vi, eu sei como ele era, como vivia, como anunciava o Reino de Deus e como foi traído por discípulos, adversários e inimigos. Era fundamental deixar testemunhos para o presente, para o futuro, para todos aqueles que acreditassem mediante o testemunho dos discípulos.
O Quarto Evangelho termina, precisamente, com uma cena dedicada ao apóstolo Tomé, com estas espantosas palavras: «porque me viste, acreditaste; felizes os que não viram e acreditaram». Esta foi, é e será a condição dos cristãos de todos os tempos e lugares.
João, ao concluir a sua narrativa, não podia se mais claro: «Jesus fez, diante dos seus discípulos, muitos outros sinais ainda, que não se encontram escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida eterna em seu nome»[6].
Como escreveu Frederico Lourenço, «Na segunda metade do século I da era cristã, o manancial (já de si tão rico) de textos em língua grega veio a enriquecer-se ainda mais com o aparecimento de quatro textos que mudaram para sempre a História da Humanidade»[7]. Este exímio tradutor considera que «são textos insubstituíveis porque falam de Jesus de Nazaré, a figura mais admirável de toda a História da Humanidade». No entanto, Jesus nasceu fora de portas, não teve onde reclinar a cabeça e foi morto fora das portas de Jerusalém.
3. O ressuscitado não abandonou o mundo. Prometeu uma presença actuante até ao fim dos séculos, em qualquer lugar: «Sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, até aos confins da Terra».
É consensual que, a partir sobretudo do século IV, a orientação da Grande Igreja instalou-se no poder. De perseguida tornou-se perseguidora. João Paulo II teve a coragem de dizer que os cristãos assumiram métodos em contradição com a verdade de Cristo e com o seu Espírito. Em vez do diálogo, praticámos a exclusão; em vez da escuta das diferenças, a condenação; em vez da compreensão ou da tolerância, a perseguição de quem era “outro”: os judeus, os “heréticos” e, mais em geral, quem quer que mostrasse uma diversidade de opiniões, de ética, de fé.
Era uma síntese de muitos erros em muitas épocas. Tornou-se uma banalidade referir o desencontro com a modernidade, com o iluminismo, com a revolução francesa, com a laicidade, o confronto com a hostilidade dos grandes impérios e das ideologias totalitárias. Aconteceu, entretanto, o inesperado: veio o Papa João XXIII, veio o Concílio Vaticano II, mas também a turbulência das confusões[8]. De modo ainda mais inesperado, surgiu Bergoglio de fora de portas da Roma imperial e não se instalou no Vaticano.
John L. Allen Jr. avisa: para compreender o Papa Francisco, esqueça Roma e aponte para Lampedusa porque foi o local escolhido para a primeira viagem do Papa fora de Roma, a 8 de Julho de 2013. Durou apenas quatro horas e meia, mas raramente um mero meio-dia na vida de um papado foi tão repleto de simbolismo e substância. Esta ilha tornou-se globalmente evocativa porque é o ponto de entrada na Europa de vagas e vagas de migrantes e refugiados que fogem de África, Médio Oriente e Ásia[9].
Nascia a Igreja de saída, a Igreja fora de portas.
in Público, 19.07.2020
https://www.publico.pt/2020/07/19/opiniao/opiniao/igreja-portas-1924766


[1] C. 1 Tes 1, 1: Paulo, Silvano e Timóteo à igreja de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo, que está em Tessalónica. A vós, graça e paz.
[2] Mt 3, 11-17 e par.
[3] Mt 5, 43-45
[4] Mt 10, 5-16
[5] 1Co.15; Act. 9,1-30
[6] Jo 20, 29-31; 21, 24-25
[7] Bíblia, Volume I, Quetzal, 2016, p. 21
[8] Cf. Enzo Bianchi, Secretariado da Pastoral, de 13.07.2020
[9] Cf. Secretariado da Pastoral da Cultura, 10.07.2020

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1. Também se aplica à Igreja, e compreende-se que de modo particular à Igreja, tantas são as expectativas em relação a ela: dá-se eco, sobretudo nos média, ao que é negativo, aos erros, crimes, escândalos... Quem pode negar tudo isso? Mas o que a Igreja fez e faz de positivo é mais: promoção das pessoas, combates pela sua dignificação, infindáveis iniciativas de caridade e cultura... Também agora, nesta calamidade pandémica. Quantos políticos portugueses, se quiserem ser honestos, terão de estar de acordo com as palavras do alcaide de Madrid, José Luis Martínez Almeida: “A acção da Igreja foi fundamental, como o é na vida quotidiana.
” Neste contexto, perdoe-se esta nota: quando a ecologia tem de ser um elemento essencial na viragem, o Vaticano dá o exemplo: instalou no edifício da Aula Paulo VI painéis solares, promove o uso de veículos eléctricos, eliminou o uso de pesticidas tóxicos nos jardins...
Mas a dívida maior para com a Igreja, apesar da e no meio da sua história de miséria, é que através dela o Evangelho foi sendo anunciado, e o Evangelho está na base da tomada de consciência da dignidade inviolável da pessoa e foi fermento que levou à proclamação dos Direitos Humanos.
2. A ameaça maior da Igreja é o poder e os conluios com os poderes. Uma demonstração simples deste perigo está em que, desgraçadamente, quando se fala da Igreja, no que se pensa é no Papa, nos cardeais, nos bispos, nos padres, nos monsenhores..., tudo aquilo em que nem Jesus nem os primeiros discípulos pensariam.
O núcleo do cristianismo é a mensagem de Jesus, o Evangelho: Deus é Pai-Mãe de todos e quer a alegria e a salvação de todos. A Igreja mundial é a comunidade de comunidades cristãs espalhadas pelo mundo e congregadas por essa mensagem, na fé, na esperança e praticando o amor, a justiça, a paz.  Evidentemente, é necessário um mínimo de organização, mas a pergunta é: essa organização tem de ser piramidal, hierárquica, machista, gerontocrática, centralizadora?
Francisco sabe que este é um combate decisivo para o futuro da Igreja. Ele é cristão, franciscano, mas é também jesuíta, não é anarquista, e sabe que alguma organização se impõe. Daí, o seu combate permanente, sem tréguas, contra o clericalismo, o carreirismo, a corte, que são  “a peste da Igreja”, e o esforço para que se perceba que o poder só vale enquanto serviço, e a sua abertura a uma Igreja verdadeiramente sinodal, isto é, uma Igreja na qual todos caminham juntos, uns com os outros e todos com Jesus, ao serviço da Humanidade. O que ele peleja para que acabem os bispos-príncipes e para renovar a Cúria e o Banco do Vaticano! Sem desânimo, apesar de saber que, como disse num dos discursos à Cúria, “é mais difícil reformar a Cúria do que limpar a esfinge do Egipto com uma escova de dentes.”
3. Na “nova normalidade”, a Igreja necessita, em primeiro lugar, de que todos os seus membros renovem o essencial: a fé. Neste sentido, significativamente, apareceu agora uma nova versão do “Directório para a catequese”, e a mensagem essencial é que o centro não está nas doutrinas, mas na pessoa de Jesus, e, por isso, o decisivo é que “cada pessoa descubra que vale a pena acreditar” e conheça o amor cristão. Isso impõe, certamente, estar atento também à utilização das novas tecnologias e ser uma presença evangelizadora no continente digital.
A linguagem tem de adaptar-se. Por exemplo, não se pode continuar a falar do pecado original, como se fazia, e é preciso perguntar: que significa hoje “ressurreição da carne”, “desceu aos infernos”, “gerado, não criado, consubstancial ao Pai”? Não se pode ficar imóvel nos rituais, com gestos e sinais que já nada significam, o que implica que urge a adaptação da liturgia e de toda a linguagem da fé às diferentes culturas, com o que se chama Inculturação do Evangelho. E a simplicidade tem de ser lei: pense-se, por exemplo, naquele ritual do tira e põe do solidéu, o mesmo acontecendo com a mitra. Sobre esta, falou Santo António, num sermão do Advento (devo a citação a Sofia Nunes): “Cairão os unicórnios, os imperadores e reis deste mundo e os touros, os bispos mitrados, que têm na cabeça dois cornos como se fossem touros.”
A Igreja tem de continuar a fomentar o ecumenismo — felizmente, o Vaticano põe a questão de revogar a excomunhão a Lutero — e o diálogo inter-religioso.
Com que fundamentos justificar a imposição do celibato obrigatório ou a discriminação das mulheres? E não precisam de revisão os ministérios na Igreja?
Sobre a Igreja sinodal,  que é o tema do próximo Sínodo em Outubro de 2022, o sociólogo J. Elzo tem uma figuração apelativa: “Uma Igreja em rede, à maneira de um gigantesco arquipélago que cubra a face da Terra, com diferentes nós em diferentes partes do mundo, inter-relacionados e todos religados a um nó central, que não centralizador, que, na actualidade, está no Vaticano. Aí ou noutras partes do planeta, todos os anos se reuniria uma representação universal de bispos, padres, religiosas e religiosos, leigos (homens e mulheres), sob a presidência do Papa, para debater a situação da Igreja no mundo e adoptar as decisões pertinentes”, também no que se refere aos problemas da Humanidade.
P. S. Como anunciou o Presidente turco, R. Erdogan, Santa Sofia, em Istambul, passa a mesquita. O Papa Francisco comentou: “O meu pensamento dirige-se para Istambul. Penso em Santa Sofia e sinto muita dor”. Ao acontecimento e à sua problemática dedicarei a próxima crónica.
in DN 19.07.2020
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QUE COISA SÃO AS NUVENS
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA

JOSÉ
TOLENTINO
MENDONÇA
QUE FAES TU NO CÉU, Ó LUA?FacebookTwitterE-Mail
MANHÃ APÓS MANHÃ, O ESPELHO TESTEMUNHA COMO NOS ESTAMOS A TRANSFORMAR EM ELEMENTOS PURAMENTE INSTRUMENTAIS DE UMA VIDA QUE JÁ NÃO QUER SABER DE NÓS
Um dos filósofos mais originais e discretos do século XX, o russo Pavel Florenskij, escreveu: “A nossa vida escapa-nos como um sonho, e é possível não chegar a tempo de fazer coisa alguma neste breve instante que é a vida. Por isso, é necessário aprender a arte de viver, a mais difícil e a mais importante das artes: a capacidade de conferir a cada hora um conteúdo substancial, conscientes de que aquela hora não tornará jamais.” Pode, de facto, acontecer-nos “não chegar a tempo” até porque, precisamente o tempo, é uma alta febre que nos toma e que, não raro, nos atira borda fora da nossa própria embarcação. Desde que ganhámos consciência de que estamos dentro do tempo, de que somos seres amassados na argila do tempo, deixámos de ter tempo. A nossa vida, quase por completo, está destinada ao fazer e ao produzir, a essa luta certamente áspera, monótona ou dilacerante, mas também apaixonada, envolvente e, à sua maneira, vital. Na verdade, não há, à partida, nenhum problema com a vida ativa da qual dependemos, e não só para garantir a basilar luta pela sobrevivência. O coágulo forma-se quando a atividade se torna o fim e nós os instrumentos; quando, manhã após manhã, o espelho testemunha como nos estamos a transformar em elementos puramente instrumentais de uma vida que já não quer saber de nós. Muitas vezes, a esse lampejo de consciência, reagimos pressionando ainda com mais força o pé contra o acelerador, deixando-nos ir, aceitando que não nos resta outra forma de aceitar a temporalidade. E tentamo-nos consolar dizendo: “não tenho vida, mas tenho coisas”, “não tenho tempo para nada, mas adquiro poder de compra”.
Às nossas sociedades falta uma reflexão séria sobre a completude da experiência humana e sobre as reivindicações — a maior parte delas sufocada — por um estilo de vida mais equilibrado
Às nossas sociedades falta uma reflexão séria sobre a completude da experiência humana e sobre as reivindicações — a maior parte delas sufocada — por um estilo de vida mais equilibrado. O dever ou o direito de fazer não tem de se construir sacrificando a toda a linha o dever ou o direito de ser. A estimulação para o ativismo não tem de ser tão brutal que insista em queimar — com a rapidez com que arde um fósforo — todos os recursos, exteriores e interiores, que alguém possui para viver. A pressa não pode ignorar por completo a lentidão. A vida ativa não tem necessariamente de suprimir a necessidade que cada um de nós sente de contemplação.
Vêm-me ao pensamento os versos do ‘Canto Noturno de um Pastor Errante da Ásia’, do poeta Giacomo Leopardi: “Que fazes tu no céu, ó lua? Diz-me/ que fazes, silenciosa lua? [...]/ Diz-me ó lua, afinal/ que vale ao pastor a sua vida,/ ou para que te serve a ti a tua? Diz-me para que direção/ caminha este meu breve vagar/ e para onde se dirige o teu curso imortal?” Na composição, o pastor errante contempla a lua. Com que necessidade? Em busca de quê? Em busca de uma profundidade que porventura nunca conseguiremos atingir completamente, mas na qual precisamos de nos sentir imersos. Há um horizonte mais amplo, para lá da resolução individual da minha existência: ficarei incompleto, alguma porção essencial de mim ficará por se desenvolver, se nunca tiver chegado verdadeiramente a confrontar o “meu breve vagar” com o “curso imortal”. Na língua latina, a palavra contemplação deriva da junção de dois termos: cum e templum, que indicava na antiguidade o espaço aberto nas cúpulas para que se interpretassem os sinais do futuro. Contemplar é não apenas introduzir uma benéfica lentidão no nossa olhar. É também colher o tempo da vida como um tecido relacional, uma intersecção dialógica que dilata ao infinito o sentido da nossa existência.
in Semanário Expresso 18.07.2020 p 180
https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2490/html/revista-e/que-coisa-sao-as-nuvens/que-fazes-tu-no-ceu-o-lua-
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À PROCURA DA PALAVRA
DOMINGO XVI COMUM
Pe. Vitor Gonçalves
“Apanhai primeiro o joio e atai-o em molhos para queimar;

e ao trigo, recolhei-o no meu celeiro.”
Mt 13, 30
Prudência, paciência e humildade
As parábolas não se explicam. Têm a força de nos surpreender, de revolucionar certa geometria do pensamento que tenta “manter tudo a régua e esquadro”, propõem uma ideia alternativa, um final inesperado. Nascem do quotidiano e abrem para o infinito, para a mudança de critérios e de vida. Revelam a possibilidade de encontrar a beleza de pequenos grandes gestos. Assim se parecem as pequenas histórias do diário rádio e podcast de Tiago Alves e Ana Rita Ramos numa parceria Antena 1 – Have a Nice Day, que contam como “a solidariedade saiu à rua, destemida.” Por entre os números e as incertezas desta pandemia são boas sementes que se partilham humildemente.
Se Jesus conta histórias ligadas ao cuidado da terra é para nos falar do cuidado entre nós. Se somos capazes, com os nossos olhos, de distinguir o bem e o mal nos outros, isso não nos dá nenhum poder sobre as suas vidas. Quantas desgraças se fizeram em nome do “bem” e da “segurança”! O perigo de um juízo exterior e apressado devia manter-nos alerta para não cairmos nele. Também a parábola do grão de mostarda, tão insignificante e frutuosa ao mesmo tempo, previne-nos para os julgamentos ligados às aparências. Estas parábolas convidam-nos a três atitudes. A prudência, a que Eurípedes chamou “a grande coragem”, pois os julgamentos feitos sobre os outros e os seus comportamentos são tão falíveis! A paciência, essa “arte de esperar”, que até daquilo que é insignificante, podem surgir numerosos frutos, e do que parece igual é possível distinguir e escolher bem. E a humildade, essa condição da terra, o “húmus fecundo e disponível” para receber as sementes grávidas de vida, que coloca tudo e todos no seu lugar.
A proposta ousada de Jesus é “deixar crescer o trigo e o joio” até à colheita. Então será possível fazer a escolha entre as espigas de trigo e as ervas inúteis. Contrasta com a nossa impaciência em resolver de imediato, em eliminar o mal para que o bem triunfe rapidamente. Os discípulos de Jesus espantam-se como o mal resiste às palavras de Jesus. Estariam também tentados pela mesma impaciência que, por vezes nos invade, quando queremos que o reino de Deus se manifeste. Com o joio semeado no mundo, como no nosso coração, Deus revela-se semeador terno e paciente: Ele espera que façamos a escolha.
Ainda envolvidos pelo “joio” da Covid-19, o Conselho Pontifício da Cultura publicou o livro “Pandemia e resiliência. Pessoa, comunidade e modelos de desenvolvimento após a Covid-19”. Sorrio ao “após”; quem nos dera! Mas creio que pode ser uma interessante reflexão (acessível no original em https://www.cortiledeigentili.com/wp-content/uploads/2020/05/Pandemia-e-resilienza-9-7-2020.pdf) a iluminar esta “parábola viva” em que somos todos personagens. E junta às três atitudes que propus uma nova: resiliência!
in Jornal Voz da Verdade 19.07.2020

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