Fr. Bento: Igreja fora de Portas
Pe. Anselmo: Desconfinar a Igreja. 4
Card. Tolentino: Que fazes tu no
Céu, ó Lua?
Pe. Vitor: Prudência, paciência e humildade
IGREJA
FORA DE PORTAS
Frei Bento Domingues, O.P.
De
modo inesperado, surgiu Bergoglio de fora de portas da Roma imperial e não se
instalou no Vaticano. Com ele nascia a Igreja de saída, a Igreja fora de
portas.
1. A palavra igreja é uma complicação. Começou por significar, no grego profano,
assembleia política do povo. No grego bíblico, a palavra traduz diversos termos
hebraicos e foi a preferida para designar as comunidades cristãs. Era nesse
sentido que se dizia: a Igreja que está em Jerusalém, em Antioquia, em Éfeso,
etc.[1].
Eram
comunidades que reconheciam, em Jesus de Nazaré testemunhado pelos seus discípulos,
o Caminho que alterava todas as dimensões da vida humana.
Jesus
nasceu e cresceu num judaísmo de várias tendências. Quando se tornou adulto,
depois de tentar seguir o caminho reformista de João Baptista, teve uma
experiência espiritual de tal intensidade que mudou radicalmente o rumo da sua
vida[2]. Pelas suas atitudes, gestos e
parábolas introduziu uma revolução radical, teológica e antropológica, no
judaísmo em que tinha sido formado.
Deus
tinha sido metido na prisão das prescrições religiosas que, por sua vez,
escravizavam os mais pobres e doentes através das suas intermináveis e
sofisticadas interpretações. O Nazareno tentou destruir toda aquela casuística
mediante duas evidências soberanas: Deus não quer sacrifícios, quer
misericórdia; o Sábado – o dia sacralizado do judaísmo – é para o ser humano e
não o ser humano para o Sábado.
No
entanto, a revolução das revoluções vem apontada em S. Mateus: Ouvistes o que foi dito: «Amarás o teu próximo e odiarás o teu
inimigo». Eu, porém, digo-vos: Amai os
vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem[3]. A lei da violência
interminável pode ser vencida!
Foi
por isso que o primeiro horizonte da missão de Jesus e dos seus discípulos não foram
os gentios, mas «as ovelhas perdidas da casa de Israel»[4]. A revolução devia começar por casa. As
grandes polémicas de Jesus com os dirigentes do seu povo são motivadas pelo
Espírito das referidas evidências: não havia direito de carregar o povo com
obrigações e proibições, quando eles dispunham de escribas e doutores que
torciam as normas segundo os seus interesses.
Jesus
não escreveu nada nem encarregou ninguém de escrever as suas memórias. Os
primeiros escritos cristãos nem sequer se interessavam pelo itinerário que o
condenou. O próprio S. Paulo – judeu fervoroso e cidadão romano – só queria
testemunhar que Cristo não foi vencido pela crucifixão. Atribuiu a sua viragem,
de perseguidor dos discípulos do Messias para se tornar o seu incansável
apóstolo, a uma intervenção directa do Ressuscitado[5].
O
centro da fé e do Evangelho que anunciava era este: Cristo crucificado
ressuscitou. Está vivo e garante a esperança que vence a própria morte. O que o
movia nas viagens mais perigosas, até aos limites do mundo conhecido, era
precisamente anunciar a judeus e gentios esta convicção. Era deste anúncio que
nasciam mais comunidades cristãs que, por sua vez, suscitavam ainda outras. Os
seus escritos são cartas para alimentar o fogo e resolver problemas e contendas
que estavam sempre a surgir.
2. Os quatro Evangelhos nasceram, pelo
contrário, no seio de várias comunidades com problemáticas e estilos de vida
bastante diferentes. Era preciso figurar o itinerário terrestre de Jesus Cristo,
pois, cada vez haveria menos pessoas que pudessem dizer: eu vi, eu sei como ele era, como vivia, como anunciava o Reino de
Deus e como foi traído por discípulos, adversários e inimigos. Era fundamental
deixar testemunhos para o presente, para o futuro, para todos aqueles que
acreditassem mediante o testemunho dos discípulos.
O
Quarto Evangelho termina, precisamente, com uma cena dedicada ao apóstolo Tomé,
com estas espantosas palavras: «porque me viste, acreditaste; felizes os que
não viram e acreditaram». Esta foi, é e será a condição dos cristãos de todos
os tempos e lugares.
João,
ao concluir a sua narrativa, não podia se mais claro: «Jesus fez, diante dos
seus discípulos, muitos outros sinais ainda, que não se encontram escritos
neste livro. Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o
Cristo, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida eterna em seu
nome»[6].
Como
escreveu Frederico Lourenço, «Na segunda metade do século I da era cristã, o
manancial (já de si tão rico) de textos em língua grega veio a enriquecer-se
ainda mais com o aparecimento de quatro textos que mudaram para sempre a
História da Humanidade»[7]. Este exímio tradutor considera que «são
textos insubstituíveis porque falam de Jesus de Nazaré, a figura mais admirável
de toda a História da Humanidade». No entanto, Jesus nasceu fora de portas, não
teve onde reclinar a cabeça e foi morto fora das portas de Jerusalém.
3. O ressuscitado não abandonou o mundo.
Prometeu uma presença actuante até ao fim dos séculos, em qualquer lugar:
«Sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a
Judeia e Samaria, até aos confins da Terra».
É
consensual que, a partir sobretudo do século IV, a orientação da Grande Igreja
instalou-se no poder. De perseguida tornou-se perseguidora. João Paulo II teve
a coragem de dizer que os cristãos assumiram métodos em
contradição com a verdade de Cristo e com o seu Espírito. Em vez do diálogo,
praticámos a exclusão; em vez da escuta das diferenças, a condenação; em vez da
compreensão ou da tolerância, a perseguição de quem era “outro”: os judeus, os
“heréticos” e, mais em geral, quem quer que mostrasse uma diversidade de
opiniões, de ética, de fé.
Era uma síntese de muitos erros em muitas
épocas. Tornou-se uma banalidade referir o desencontro com a modernidade, com o
iluminismo, com a revolução francesa, com a laicidade, o confronto com a
hostilidade dos grandes impérios e das ideologias totalitárias. Aconteceu,
entretanto, o inesperado: veio o Papa João XXIII, veio o Concílio Vaticano II,
mas também a turbulência das confusões[8]. De modo
ainda mais inesperado, surgiu Bergoglio de fora de portas da Roma imperial e
não se instalou no Vaticano.
John
L. Allen Jr. avisa: para compreender o Papa
Francisco, esqueça Roma e aponte para Lampedusa porque foi o local escolhido
para a primeira viagem do Papa fora de Roma, a 8 de Julho de 2013. Durou apenas quatro
horas e meia, mas raramente um mero meio-dia na
vida de um papado foi tão repleto de simbolismo e substância. Esta ilha
tornou-se globalmente evocativa porque é o ponto de entrada na Europa de vagas e
vagas de migrantes e refugiados que fogem de África, Médio Oriente e Ásia[9].
Nascia a Igreja de saída, a Igreja
fora de portas.
in Público, 19.07.2020
https://www.publico.pt/2020/07/19/opiniao/opiniao/igreja-portas-1924766
[1] C. 1 Tes 1, 1: Paulo, Silvano e Timóteo à igreja de Deus Pai e do Senhor Jesus
Cristo, que está em Tessalónica. A vós, graça e paz.
[2] Mt 3, 11-17 e par.
[3] Mt 5, 43-45
[4] Mt 10, 5-16
[7] Bíblia,
Volume I, Quetzal, 2016, p. 21
[9] Cf.
Secretariado da Pastoral da Cultura, 10.07.2020
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1. Também se aplica à
Igreja, e compreende-se que de modo particular à Igreja, tantas são as
expectativas em relação a ela: dá-se eco, sobretudo nos média, ao que é
negativo, aos erros, crimes, escândalos... Quem pode negar tudo isso? Mas o que
a Igreja fez e faz de positivo é mais: promoção das pessoas, combates pela sua
dignificação, infindáveis iniciativas de caridade e cultura... Também agora,
nesta calamidade pandémica. Quantos políticos portugueses, se quiserem ser
honestos, terão de estar de acordo com as palavras do alcaide de Madrid, José
Luis Martínez Almeida: “A acção da Igreja foi fundamental, como o é na vida
quotidiana.
” Neste contexto,
perdoe-se esta nota: quando a ecologia tem de ser um elemento essencial na
viragem, o Vaticano dá o exemplo: instalou no edifício da Aula Paulo VI painéis
solares, promove o uso de veículos eléctricos, eliminou o uso de pesticidas
tóxicos nos jardins...
Mas a dívida maior para
com a Igreja, apesar da e no meio da sua história de miséria, é que através
dela o Evangelho foi sendo anunciado, e o Evangelho está na base da tomada de
consciência da dignidade inviolável da pessoa e foi fermento que levou à
proclamação dos Direitos Humanos.
2. A ameaça maior da
Igreja é o poder e os conluios com os poderes. Uma demonstração simples deste
perigo está em que, desgraçadamente, quando se fala da Igreja, no que se pensa
é no Papa, nos cardeais, nos bispos, nos padres, nos monsenhores..., tudo
aquilo em que nem Jesus nem os primeiros discípulos pensariam.
O núcleo do cristianismo
é a mensagem de Jesus, o Evangelho: Deus é Pai-Mãe de todos e quer a alegria e
a salvação de todos. A Igreja mundial é a comunidade de comunidades cristãs
espalhadas pelo mundo e congregadas por essa mensagem, na fé, na esperança e
praticando o amor, a justiça, a paz.
Evidentemente, é necessário um mínimo de organização, mas a pergunta é:
essa organização tem de ser piramidal, hierárquica, machista, gerontocrática,
centralizadora?
Francisco sabe que este
é um combate decisivo para o futuro da Igreja. Ele é cristão, franciscano, mas
é também jesuíta, não é anarquista, e sabe que alguma organização se impõe.
Daí, o seu combate permanente, sem tréguas, contra o clericalismo, o
carreirismo, a corte, que são “a peste
da Igreja”, e o esforço para que se perceba que o poder só vale enquanto
serviço, e a sua abertura a uma Igreja verdadeiramente sinodal, isto é, uma Igreja
na qual todos caminham juntos, uns com os outros e todos com Jesus, ao serviço
da Humanidade. O que ele peleja para que acabem os bispos-príncipes e para
renovar a Cúria e o Banco do Vaticano! Sem desânimo, apesar de saber que, como
disse num dos discursos à Cúria, “é mais difícil reformar a Cúria do que limpar
a esfinge do Egipto com uma escova de dentes.”
3. Na “nova
normalidade”, a Igreja necessita, em primeiro lugar, de que todos os seus
membros renovem o essencial: a fé. Neste sentido, significativamente, apareceu
agora uma nova versão do “Directório para a catequese”, e a mensagem essencial
é que o centro não está nas doutrinas, mas na pessoa de Jesus, e, por isso, o
decisivo é que “cada pessoa descubra que vale a pena acreditar” e conheça o amor
cristão. Isso impõe, certamente, estar atento também à utilização das novas
tecnologias e ser uma presença evangelizadora no continente digital.
A linguagem tem de
adaptar-se. Por exemplo, não se pode continuar a falar do pecado original, como
se fazia, e é preciso perguntar: que significa hoje “ressurreição da carne”,
“desceu aos infernos”, “gerado, não criado, consubstancial ao Pai”? Não se pode
ficar imóvel nos rituais, com gestos e sinais que já nada significam, o que
implica que urge a adaptação da liturgia e de toda a linguagem da fé às
diferentes culturas, com o que se chama Inculturação do Evangelho. E a
simplicidade tem de ser lei: pense-se, por exemplo, naquele ritual do tira e
põe do solidéu, o mesmo acontecendo com a mitra. Sobre esta, falou Santo
António, num sermão do Advento (devo a citação a Sofia Nunes): “Cairão os
unicórnios, os imperadores e reis deste mundo e os touros, os bispos mitrados,
que têm na cabeça dois cornos como se fossem touros.”
A Igreja tem de
continuar a fomentar o ecumenismo — felizmente, o Vaticano põe a questão de
revogar a excomunhão a Lutero — e o diálogo inter-religioso.
Com que fundamentos
justificar a imposição do celibato obrigatório ou a discriminação das mulheres?
E não precisam de revisão os ministérios na Igreja?
Sobre a Igreja
sinodal, que é o tema do próximo Sínodo
em Outubro de 2022, o sociólogo J. Elzo tem uma figuração apelativa: “Uma
Igreja em rede, à maneira de um gigantesco arquipélago que cubra a face da
Terra, com diferentes nós em diferentes partes do mundo, inter-relacionados e
todos religados a um nó central, que não centralizador, que, na actualidade,
está no Vaticano. Aí ou noutras partes do planeta, todos os anos se reuniria
uma representação universal de bispos, padres, religiosas e religiosos, leigos
(homens e mulheres), sob a presidência do Papa, para debater a situação da
Igreja no mundo e adoptar as decisões pertinentes”, também no que se refere aos
problemas da Humanidade.
P. S. Como anunciou o
Presidente turco, R. Erdogan, Santa Sofia, em Istambul, passa a mesquita. O
Papa Francisco comentou: “O meu pensamento dirige-se para Istambul. Penso em
Santa Sofia e sinto muita dor”. Ao acontecimento e à sua problemática dedicarei
a próxima crónica.
in DN 19.07.2020
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QUE
COISA SÃO AS NUVENS
JOSÉ
TOLENTINO MENDONÇA
JOSÉ
TOLENTINO
MENDONÇA
TOLENTINO
MENDONÇA
QUE FAES TU NO CÉU, Ó LUA?FacebookTwitterE-Mail
MANHÃ APÓS MANHÃ, O ESPELHO TESTEMUNHA COMO NOS ESTAMOS A TRANSFORMAR EM
ELEMENTOS PURAMENTE INSTRUMENTAIS DE UMA VIDA QUE JÁ NÃO QUER SABER DE NÓS
Um dos filósofos mais originais e
discretos do século XX, o russo Pavel Florenskij, escreveu: “A nossa vida
escapa-nos como um sonho, e é possível não chegar a tempo de fazer coisa alguma
neste breve instante que é a vida. Por isso, é necessário aprender a arte de
viver, a mais difícil e a mais importante das artes: a capacidade de conferir a
cada hora um conteúdo substancial, conscientes de que aquela hora não tornará
jamais.” Pode, de facto, acontecer-nos “não chegar a tempo” até porque,
precisamente o tempo, é uma alta febre que nos toma e que, não raro, nos atira
borda fora da nossa própria embarcação. Desde que ganhámos consciência de que
estamos dentro do tempo, de que somos seres amassados na argila do tempo,
deixámos de ter tempo. A nossa vida, quase por completo, está destinada ao
fazer e ao produzir, a essa luta certamente áspera, monótona ou dilacerante,
mas também apaixonada, envolvente e, à sua maneira, vital. Na verdade, não há,
à partida, nenhum problema com a vida ativa da qual dependemos, e não só para
garantir a basilar luta pela sobrevivência. O coágulo forma-se quando a
atividade se torna o fim e nós os instrumentos; quando, manhã após manhã, o
espelho testemunha como nos estamos a transformar em elementos puramente
instrumentais de uma vida que já não quer saber de nós. Muitas vezes, a esse
lampejo de consciência, reagimos pressionando ainda com mais força o pé contra
o acelerador, deixando-nos ir, aceitando que não nos resta outra forma de
aceitar a temporalidade. E tentamo-nos consolar dizendo: “não tenho vida, mas
tenho coisas”, “não tenho tempo para nada, mas adquiro poder de compra”.
Às
nossas sociedades falta uma reflexão séria sobre a completude da experiência
humana e sobre as reivindicações — a maior parte delas sufocada — por um estilo
de vida mais equilibrado
Às nossas sociedades falta uma reflexão séria sobre a
completude da experiência humana e sobre as reivindicações — a maior parte
delas sufocada — por um estilo de vida mais equilibrado. O dever ou o direito
de fazer não tem de se construir sacrificando a toda a linha o dever ou o
direito de ser. A estimulação para o ativismo não tem de ser tão brutal que
insista em queimar — com a rapidez com que arde um fósforo — todos os recursos,
exteriores e interiores, que alguém possui para viver. A pressa não pode
ignorar por completo a lentidão. A vida ativa não tem necessariamente de
suprimir a necessidade que cada um de nós sente de contemplação.
Vêm-me ao pensamento os versos do ‘Canto Noturno de um
Pastor Errante da Ásia’, do poeta Giacomo Leopardi: “Que fazes tu no céu, ó
lua? Diz-me/ que fazes, silenciosa lua? [...]/ Diz-me ó lua, afinal/ que vale
ao pastor a sua vida,/ ou para que te serve a ti a tua? Diz-me para que
direção/ caminha este meu breve vagar/ e para onde se dirige o teu curso
imortal?” Na composição, o pastor errante contempla a lua. Com que necessidade?
Em busca de quê? Em busca de uma profundidade que porventura nunca
conseguiremos atingir completamente, mas na qual precisamos de nos sentir
imersos. Há um horizonte mais amplo, para lá da resolução individual da minha
existência: ficarei incompleto, alguma porção essencial de mim ficará por se
desenvolver, se nunca tiver chegado verdadeiramente a confrontar o “meu breve
vagar” com o “curso imortal”. Na língua latina, a palavra contemplação deriva
da junção de dois termos: cum e templum, que
indicava na antiguidade o espaço aberto nas cúpulas para que se interpretassem
os sinais do futuro. Contemplar é não apenas introduzir uma benéfica lentidão
no nossa olhar. É também colher o tempo da vida como um tecido relacional, uma
intersecção dialógica que dilata ao infinito o sentido da nossa existência.
in Semanário
Expresso 18.07.2020 p 180
https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2490/html/revista-e/que-coisa-sao-as-nuvens/que-fazes-tu-no-ceu-o-lua-
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À PROCURA DA PALAVRA
DOMINGO XVI COMUM
Pe. Vitor Gonçalves
“Apanhai primeiro o joio e atai-o em molhos para queimar;
e ao trigo, recolhei-o no meu celeiro.”
Mt 13, 30
Prudência,
paciência e humildade
As parábolas não se explicam. Têm a
força de nos surpreender, de revolucionar certa geometria do pensamento que
tenta “manter tudo a régua e esquadro”, propõem uma ideia alternativa, um final
inesperado. Nascem do quotidiano e abrem para o infinito, para a mudança de
critérios e de vida. Revelam a possibilidade de encontrar a beleza de pequenos
grandes gestos. Assim se parecem as pequenas histórias do diário rádio e
podcast de Tiago Alves e Ana Rita Ramos numa parceria Antena 1 – Have a Nice
Day, que contam como “a solidariedade saiu à rua, destemida.” Por entre os
números e as incertezas desta pandemia são boas sementes que se partilham
humildemente.
Se Jesus conta histórias ligadas ao
cuidado da terra é para nos falar do cuidado entre nós. Se somos capazes, com
os nossos olhos, de distinguir o bem e o mal nos outros, isso não nos dá nenhum
poder sobre as suas vidas. Quantas desgraças se fizeram em nome do “bem” e da
“segurança”! O perigo de um juízo exterior e apressado devia manter-nos alerta
para não cairmos nele. Também a parábola do grão de mostarda, tão
insignificante e frutuosa ao mesmo tempo, previne-nos para os julgamentos
ligados às aparências. Estas parábolas convidam-nos a três atitudes. A
prudência, a que Eurípedes chamou “a grande coragem”, pois os julgamentos
feitos sobre os outros e os seus comportamentos são tão falíveis! A paciência,
essa “arte de esperar”, que até daquilo que é insignificante, podem surgir
numerosos frutos, e do que parece igual é possível distinguir e escolher bem. E
a humildade, essa condição da terra, o “húmus fecundo e disponível” para
receber as sementes grávidas de vida, que coloca tudo e todos no seu lugar.
A proposta ousada de Jesus é
“deixar crescer o trigo e o joio” até à colheita. Então será possível fazer a escolha
entre as espigas de trigo e as ervas inúteis. Contrasta com a nossa impaciência
em resolver de imediato, em eliminar o mal para que o bem triunfe rapidamente.
Os discípulos de Jesus espantam-se como o mal resiste às palavras de Jesus.
Estariam também tentados pela mesma impaciência que, por vezes nos invade,
quando queremos que o reino de Deus se manifeste. Com o joio semeado no mundo,
como no nosso coração, Deus revela-se semeador terno e paciente: Ele espera que
façamos a escolha.
Ainda envolvidos pelo “joio” da
Covid-19, o Conselho Pontifício da Cultura publicou o livro “Pandemia e
resiliência. Pessoa, comunidade e modelos de desenvolvimento após a Covid-19”.
Sorrio ao “após”; quem nos dera! Mas creio que pode ser uma interessante
reflexão (acessível no original em
https://www.cortiledeigentili.com/wp-content/uploads/2020/05/Pandemia-e-resilienza-9-7-2020.pdf)
a iluminar esta “parábola viva” em que somos todos personagens. E junta às três
atitudes que propus uma nova: resiliência!
in
Jornal Voz da Verdade 19.07.2020
http://nsi-pt.blogspot.com
https://twitter.com/nsi_pt
http://www.facebook.com/nossomosigreja
www.we-are-church.org/
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