28 setembro 2020

 

1ª 13 de Setembro

Car@s Amig@s espero que tenham tido boas férias. O meu pc, a quem dei descanso na esperança que na volta estivesse melhor, não aproveitou nada e está cada vez pior. Enquanto não vier o técnico vou tentando organizar e mandar as crónicas atrasadas e postar no blogue. Um abraço do NSI-PT 

 

P / Info: Crónicas

Frei Bento: A marca cristã da escola católica

Pe. Anselmo: Conversa com Hans Küng 1

Pe. Tolentino: Conheces a montanha?

Pe. Vítor: Quantas vezes

 

A MARCA CRISTÃ DA ESCOLA CATÓLICA

Frei Bento Domingues, O.P.

 

A marca cristã de todas as Escolas Católicas deve ser esta: fazer do privilégio de acesso à cultura, média e superior, a missão de não deixar ninguém para trás. Sem esta marca cristã, a Escola Católica contribuirá para perpetuar a injustiça social em todas as suas manifestações.

 

1. Devido à pandemia, o começo do novo ano escolar não pode deixar de provocar ansiedade em todas as pessoas que estão envolvidas no processo educativo. As imensas dificuldades, o medo, as dúvidas e incertezas não são exclusivas das famílias, das escolas, dos governos. Já verificamos que o choque da Covid-19, de modos muito diversos, afecta toda a sociedade, em todas as suas expressões.

É uma banalidade dizer que a educação é um dos factos mais gerais e mais constantes da história do ser humano, que não é apenas natura, biologia, instinto, mas história cultural. Sem uma comunidade educativa, que o possa ajudar a desenvolver as suas capacidades criativas, o ser humano manter-se-ia perante os desafios da vida, apenas como o ser menos equipado do reino animal.

É pelos diversos processos educativos, das diferentes culturas, que ele acolheu e desenvolveu a capacidade de pensar, comunicar, sonhar, experimentar, realizar e fazer acontecer o novo, o futuro, seja no registo da esperança ou da utopia. Como escreveu Gaston Berger, tudo começa pela poesia, nada se faz sem a técnica.

Nas sociedades modernas, sem as ciências e as técnicas, sem os cuidados da saúde, sem novas formas de trabalho e sem a escola de realidades e ilusões, a vida humana parece inconcebível, embora seja a situação da maior parte da humanidade. Hoje, começamos a saber que, sem uma profunda conversão ecológica, o futuro está ameaçado.

A Covid-19 alastrou por todos os continentes. Quando poderemos dispor de vacina acessível a toda a gente de todos os países? Até lá, o sentido da cidadania deve começar – sempre que possível – pelos cuidados e pelas práticas recomendadas pelas autoridades sanitárias. Importa destacar: quem, podendo, não as segue, é louco. Nem o pânico nem o desleixo são boas companhias para este tempo[i].

     2. Nesse sentido, é desejável que a indispensável competição político partidária não esqueça que uma educação integral é um bem a promover por toda a sociedade. Exige, por isso, a procura de consensos, alimentados por diálogos vigorosos, em função de soluções possíveis, em cada situação e em cada momento. Importa, nesta hora difícil, vacinar-se contra as diversas tentativas apostadas em criar um clima social manipulado, de crispação crescente e generalizada. A maledicência é um vírus pior do que a Covid-19, disse o Papa Francisco.

A amizade civil, defendida por Tomás de Aquino, é compatível com caminhos diferentes para alcançar o bem comum, com a promoção de alternativas políticas, com o poder democrático de servir e que recusa as estratégias e tácticas fraudulentas de dominação.

Não digo que os recentes abaixo-assinados, em torno do direito à objecção de consciência dos pais que não queiram que os seus filhos frequentem as aulas de Educação para a Cidadania, sejam inteiramente inúteis. Não consegui, no entanto, descobrir a maldade que possa existir nas Linhas de Orientação para a Educação da Cidadania.

No âmbito da Educação intercultural, dada a crescente diversidade da sociedade portuguesa, veria com bons olhos não apenas a abordagem da liberdade religiosa, mas também uma apresentação do fenómeno do diálogo inter-religioso como contributo para a paz, a nível nacional e internacional. É desejável que a Educação para a Cidadania seja atribuída a pessoas competentes e disponíveis para o diálogo com toda a comunidade educativa.

O ser humano é sem definição. Transcende todas e cada uma das tentativas que dele procuram fazer um objecto de estudo. Diz-se que a sua verdade é filha do tempo, de sabedorias milenárias, da razão e da revelação, mas continua uma pergunta sem resposta: Donde vem? Para onde vai? Qual é o sentido da vida?

São igualmente repetidas as questões de I. Kant: Que posso saber? Que posso fazer? Que posso esperar? Que é o homem? Acrescentou: «No fundo, tudo isto pode ser posto à conta da antropologia uma vez que as três primeiras se referem à quarta».

3. O ser humano continua sem definição. É um misterioso eu em face de um misterioso tu que grita, do fundo do seu abismo, por amor e misericórdia para si e para os outros. B. Pascal viu a originalidade do caminho cristão: «O conhecimento de Deus sem o da miséria humana engendra orgulho. O conhecimento desta miséria sem o de Deus engendra desespero. O reconhecimento de Jesus Cristo é o meio: nele conhecemos a Deus e a nossa miséria»[ii].

A proposta do Papa Francisco de mobilização de toda a Igreja para o Pacto Educativo Global não foi vencida pela Covid-19. O seu lançamento – a procura de um humanismo solidário – está previsto para meados de Outubro.

Antes desta proposta, não se pode esquecer o seu discurso aos participantes na Plenária da Congregação para a Educação Católica, de que só podemos destacar algumas passagens:

«Recentemente, desenvolvestes o tema da educação para o diálogo intercultural na escola católica, com a publicação de um documento específico. Com efeito, as escolas e as Universidades católicas são frequentadas por numerosos estudantes não cristãos, ou até não crentes. Os institutos de educação católicos oferecem a todos uma proposta educacional que visa o desenvolvimento integral da pessoa e que corresponde ao direito de todos, de aceder ao saber e ao conhecimento. Mas são igualmente chamadas a oferecer a todos — no pleno respeito pela liberdade de cada um e dos métodos próprios do ambiente escolar — a proposta cristã, ou seja, Jesus Cristo como sentido da vida, do cosmos e da história.

Jesus começou a anunciar a boa nova na «Galileia das nações», encruzilhada de populações diferentes por raça, cultura e religião. Sob alguns pontos de vista, este contexto parece-se com o mundo contemporâneo. As profundas transformações que levaram à propagação cada vez mais vasta de sociedades multiculturais exigem de quantos trabalham nos campos escolar e universitário, o compromisso em itinerários educativos de confronto e de diálogo, com uma fidelidade intrépida e inovadora, que saiba levar a identidade católica ao encontro das diversas «almas» da sociedade multicultural. Penso com apreço na contribuição oferecida pelos Institutos religiosos e pelas demais instituições eclesiais com a fundação e a gestão de escolas católicas em contextos de acentuado pluralismo cultural e religioso.

«(…) É necessário que as instituições académicas católicas não se isolem do mundo, mas saibam entrar intrepidamente no areópago das culturas contemporâneas e estabelecer um diálogo, conscientes do dom que podem oferecer a todos».[iii]

Como se verá no desenvolvimento do Pacto Educativo Global, a situação da Escola Católica é extremamente diversa nos diferentes países. A marca cristã de todas as Escolas Católicas deve ser esta: fazer do privilégio de acesso à cultura, média e superior, a missão de não deixar ninguém para trás. Sem esta marca cristã, a Escola Católica contribuirá para perpetuar a injustiça social em todas as suas manifestações.

13. Setembro. 2020

https://www.publico.pt/2020/09/13/opiniao/opiniao/marca-crista-escola-catolica-1931149

 



[i] Cf. Francisco George e Constantino Sakellarides, Público, 09.09.2020

[ii] Pensées (Ed. Chevalier), Paris 1938, n. 75

[iii] Discurso de 13 Fevereiro de 2014

CONVERSA COM HANS KÜNG. 1

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

Na sequência das crónicas sobre J. Ratzinger/Bento XVI, revisitei a conversa que tive em 1979, em Estugarda, com o célebre teólogo Hans Küng sobre o Deus de Jesus. Foi assim:

Continua fascinado por Cristo. Quero perguntar-lhe: o que pode, na sua opinião, significar hoje o cristianismo?

Dou-lhe uma resposta simples. Para mim, ser cristão tem ainda hoje sentido, pois, com o cristianismo, pode-se ser Homem num sentido mais profundo e radical.

Esta afirmação já não é suspeita, pois foi feita também — é com alegria que o digo — pelo novo Papa (João Paulo II). Escrevi um livro com o título Ser cristão. Ora, alguns criticaram-no, porque diziam que nele se falava demasiado do Homem. Mas hoje vê-se cada vez melhor que o cristianismo não é uma pura ideologia para si mesmo. A Igreja não tem a sua finalidade em si mesma. O cristianismo deve ajudar o Homem a ser Homem melhor e mais radicalmente.

Mais radicalmente em que sentido?

Creio que, mesmo neste tempo da secularização, é claro para o Homem que ele é mais do que aquilo que pode ver, calcular, manipular. O Homem tem em si mesmo dimensões que vão para lá da satisfação das exigências materiais primárias. Ele procura um sentido em qualquer parte. O Homem quer transcender-se a si mesmo, para além daquilo que tem, que sabe, que ama. Ele quer ir sempre mais além.

Esta dimensão do Homem está sempre presente. E mesmo pessoas que não estão de modo nenhum satisfeitas com a Igreja nem têm a ver com ela querem cada vez mais ouvir falar desta outra dimensão. Ora, esta dimensão é, se quiser, a dimensão de Deus em todas as coisas. É com isto que o cristianismo tem que ver. E é com isso que a Igreja e a teologia devem ter que ver.

Para si, Cristo revelou-nos o Homem, porque ele tinha uma relação íntima com Deus. É assim?

Não podemos separar Deus e o Homem. Todos sabemos, desde que em crianças aprendemos o Pai Nosso, que Jesus anunciou a vinda do Reino de Deus, anunciou a vontade de Deus: “Seja feita a Vossa vontade assim na Terra como no Céu”. Mas se nos perguntarmos o que é a vontade de Deus — e muitas pessoas de facto perguntam: o que é que isso significa para mim? —, recebemos a resposta clara, a partir das suas comparações e parábolas: a vontade de Deus é a realização e a felicidade do Homem. Deus quer a felicidade do Homem. É assim que a História é apresentada, desde a primeira página do Génesis até ao fim do Apocalipse. Deus quer sempre e só o bem do Homem, e o Homem deve também, se quiser fazer a vontade de Deus, colocar-se ao lado dos irmãos.

A mensagem central do cristianismo é esta: A vida do Homem apenas tem sentido se, por um lado, se orientar no sentido de Deus e se, por outro lado, se orientar no sentido do Homem, não egocentricamente, mas para os outros. Dito na linguagem tradicional: amar a Deus e amar o próximo.

Mas hoje as coisas complicam-se, porque, por um lado, o cristianismo deveria ser o absoluto, mas, por outro, o cristianismo enquanto absoluto estava de tal modo unido ao eurocentrismo que entrou em crise. E há também outros humanismos, religiões, etc.

O cristianismo representa para si o absoluto e em que sentido?

O absoluto do cristianismo foi muitas vezes entendido de modo falso, concretamente quando se entendeu como exclusividade, isto é, atribuiu-se exclusivamente ao cristianismo a verdade, os valores, as normas, a beleza, etc. Hoje devemos reconhecer que mesmo para os católicos, depois do Vaticano II, se tornou claro que também nas outras religiões há verdade, moral, oração, culto de Deus.

Devemos, por conseguinte, reclamar, não exclusividade, mas unicidade, carácter único. E quando se pergunta que unicidade, então deve-se dizer que o que é único no cristianismo é o próprio Cristo. Quando o vejo como figura concreta, tal como foi, então não pode ser comparado nem permutado com Buda, Maomé, nem com Marx ou Freud. Ele é único para nós, por causa do que ele quis, devido à causa por que se bateu, e definitivo, porque, sendo o Crucificado-Ressuscitado, ele é o enviado de Deus e a sua revelação, não exclusiva, mas definitiva.

É por isso que, face às outras religiões, ideologias e cosmovisões, devemos ser ao mesmo tempo tolerantes e críticos. Devemos estar de acordo com tudo o que nelas vai ao encontro de Cristo e estar atentos e até recusar tudo o que nelas contradiz Jesus Cristo.

Diz que Cristo é a revelação definitiva de Deus. Ele é realmente Deus?

Quando se diz que ele é realmente Deus, pode haver equívocos. Mesmo na teologia tradicional da Trindade, fez-se sempre distinção entre o Pai e o Filho. E, quando na Bíblia se fala de Deus (em grego ò Theós: o Deus pura e simplesmente), pensa-se sempre no Pai.

Cristo é, na Bíblia, designado como Filho de Deus. Filho de Deus é a expressão correcta para ele. E esta expressão deve hoje ser cada vez mais entendida a partir do Antigo Testamento. De facto, ele próprio era judeu, a mãe, os primeiros discípulos, os evangelistas e os primeiros que transmitiram a tradição eram judeus. O povo de Israel era designado como Filho de Deus, filho de Javé. O rei de Israel também.

Neste sentido, o próprio Jesus, enquanto Senhor Ressuscitado, é designado como Filho de Deus, isto é, como representante de Deus, Seu plenipotenciário, como aquele que foi investido em dignidade divina, como mediador (representante de Deus junto dos homens, representante dos homens junto de Deus, em sentido pleno e definitivo). Neste sentido, ele é “o Caminho, a Verdade e a Vida”. (continua)

in DN 12.09.2020

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/12-set-2020/conversa-com-hans-kung-1-12708848.html?target=conteudo_fechado

QUE COISA SÃO AS NUVENS

JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA

 

 

CONHECES A MONTANHA?

É QUANDO COLOCAMOS O SER HUMANO EM RELAÇÃO QUE ELE SE AVIZINHA E REVELA A SUA NATUREZA

Para quem quiser ver, a ciência inicia-nos na complexidade e na beleza da vida. E fá-lo não só nos seus pontos de chegada, mas também no modo como ela própria se elabora. Por exemplo, ao ouvir contar ao físico Carlo Rovelli a extraordinária aventura que conduziu à formulação da teoria quântica — que ele define como uma das maiores conquistas científicas da Humanidade e que está por detrás de todo o surto tecnológico que tem vindo a reconfigurar o nosso modo deviver — há uma palavra na qual me fixo: a palavra relação.

Primeiro: a física quântica superou a ideia da velha física de que o mundo deveria ser descrito partindo das substâncias e dos seus atributos para motivar-nos a pensar a realidade em termos de relações. É uma perspetiva nova de entender o mundo, mais subtil e dialógica do que a do materialismo simplista que estudava partículas no espaço. A chave tornase a palavra relação. Segundo: A própria construção da teoria quântica nasce não apenas de um cérebro, mas da colaboração entre cientistas de gerações e geografias diferentes. Niels Bohr, um físico renomado de Copenhaga, que se apaixonara pelos mistérios do átomo, e que vivia no encalce de uma lei que explicasse a sua aparente incongruência. O jovem Werner Heisenberg que aos 23 anos pega nesse problema e genialmente consegue uma solução. Mas que temendo que tudo aquilo fosse ainda uma fantasia, envia o seu trabalho a Max Born, da universidade de Göttingen, na Alemanha, com o seguinte bilhete de acompanhamento: “Escrevi um trabalho louco e não tenho a coragem de mandá-lo para uma revista.” Born que, por sua vez, intui o passo histórico dado por aquele jovem aturdido e, com a ajuda do seu assistente, Pascual Jordan, trabalha intensamente para colocar em ordem a estrutura formal da nova física. Terceiro: a teoria quântica põe em relação a física e os outros campos do saber, nomeadamente a filosofia. O mundo é uma rede de informações recíprocas. A física empirista que pretendia sozinha esclarecer a substância fundamental da matéria baseava-se, no fundo, numa conceção demasiado ingénua de matéria, sem ter em conta a riqueza desconcertante dos processos, das relações e das interações que nos impele a pensar o mundo de uma forma mais articulada. Quarto: Aceitando o princípio da relação, a ciência não tem de pôr de lado a dimensão de mistério. Escreve Carlo Rovelli no seu livro mais recente, “Helgoland”, Adelphi, 2020: “O frágil véu que é a nossa organização mental é pouco mais do que um instrumento insuficiente para navegar através dos mistérios infinitos deste caleidoscópio mágico inundado de luz, no qual, maravilhados, nos encontramos a existir, e a que chamamos o nosso mundo.”

É verdade: sem uma chave dialógica não se entende nada fora nem dentro de nós. Se tomarmos também o ser humano, sem mais, ele aparecerá como uma coisa tão intrigante e longínqua como a Lua. É quando colocamos o ser humano em relação que ele se avizinha e revela a sua natureza. Por isso, talvez seja uma coincidência sem qualquer relevância, ou não, o seguinte facto: quando o jovem Heisenberg descobriu na solidão da ilha do Helgoland, no Mar do Norte, as primeiras bases da física quântica, o que ele fazia nos intervalos do seu trabalho científico era decorar poemas de Goethe, onde se insiste na ideia de relação. Poemas como este: “Conheces o país onde os limões florescem/ E laranjas de ouro acendem a folhagem?// [...] Conheces a montanha e a vereda de bruma,/ A alimária que busca a enevoada senda?/ Nas grutas ainda vive o dragão da legenda,/ A rocha cai em ponta e à roda a onda espuma,/ Conheces a montanha?” b

 

SEM UMA CHAVE DIALÓGICA NÃO SE ENTENDE NADA FORA NEM DENTRO DE NÓS. SE TOMARMOS TAMBÉM O SER HUMANO, SEM MAIS, ELE APARECERÁ COMO UMA COISA TÃO INTRIGANTE E LONGÍNQUA COMO A LUA

in Semanário Expresso 12.09.2020

https://pdf.leitor.expresso.pt/infinity/article_popover_share.aspx?guid=e9510910-affd-4e01-942e-f2bb4504ae7b

À PROCURA DA PALAVRA

DOMINGO XXIV COMUM

“Se meu irmão me ofender, quantas vezes deverei perdoar-lhe?

Até sete vezes?” Mt 18, 21

Quantas vezes?


Os números estão em todo o lado. Da contagem do tempo às listas de tarefas precisamos da aritmética e da matemática para a vida. Vivemos estes dias de pandemia na expectativa dos números anunciados de infectados e recuperados, de falecidos e internados. Pode-se, sobre os números, tecer as mais variadas hipóteses, teorias, projecções, contabilidades. Mas ainda que as pessoas se possam contabilizar, ter incontáveis números, de cidadão, de contribuinte, de segurança social, de clube, de carta de condução, nunca se podem reduzir à frieza de números.

Somar, diminuir, multiplicar e dividir são as regras fundamentais do cálculo. Usamo-las quase por intuição e são necessárias para a vida quotidiana. A própria Bíblia está cheia de números: 7 dias da criação, 10 mandamentos, 12 tribos de Israel e 12 apóstolos, 40 anos de êxodo, 40 dias de jejum de Jesus no deserto, ao 3.º dia, 5 pães e 2 peixes, 30 moedas de prata, 50 dias de Páscoa, 3 pessoas divinas… E a lista podia continuar. Cheios de simbolismo, os números bíblicos suscitam um aprofundamento. E dentre eles sempre me impressionou aquele que Jesus responde à pergunta de Pedro se devia perdoar o irmão que o ofendeu, até sete vezes. “Não te digo até sete vezes… (ah! Jesus sabe como seria difícil para nós!...) mas até setenta vezes sete (O quê? Impossível! Ninguém conseguirá isso!)”.

No perdão, como no amor, somos convidados a não contabilizar, a vivê-los sem medida, como faz o Pai dos Céus. Na contabilidade da parábola que nos conta, Jesus apresenta a grandeza inimaginável da dívida de alguém que é perdoada pelo seu senhor, em contraponto com a dívida insignificante que este não é capaz de perdoar a um companheiro. O perdão e o tempo parecem interligar-se: perdoar é também dar tempo antes de pôr termo a uma relação ou aprisionar o outro num julgamento definitivo. É mesmo um longo tempo, 70 x 7, indicado por Jesus, não marcado pelo relógio mas pelo coração. Trata-se de dar peso à vida do outro e dos seus, abrir um futuro onde um espírito justiceiro só vê grades de prisão. O contraste entre o tempo de Deus e o do servo impiedoso é significativo: os dois não dão tempo: o primeiro para salvar e mostrar que nenhuma dívida é maior do que o amor que tem para dar; o segundo para condenar, mostrando a ingratidão pelo dom recebido e a ganância sem compaixão que mata.

Quantas vezes devemos perdoar? Todas as que forem necessárias para permitir a cada um reconstruir, no tempo, uma nova percepção da sua vida e dos outros. Entre os judeus era conhecido um “Cântico de vingança” de Lamec, um lendário herói do deserto que dizia assim: “Caim será vingado sete vezes, mas Lamec será vingado setenta vezes sete.” Diante dessa cultura da vingança sem limites, Jesus canta o perdão sem limites entre os seus seguidores. Perdoar é recriar, possibilitar o novo onde o velho julgava escrever o destino. Traz liberdade e alegria a quem perdoa e contraria a lógica contabilista que procura medir tudo. Mas não pode medir a alma de um homem, que tem cotação máxima no coração de Deus!

in Voz da Verdade 13.09.2020

http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=9193&cont_=ver2

 

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