01 maio 2014

Carta do Padre José Luzia


Amigos e Amigas

Naturalmente, as reacções diante da canonização do Papa João Paulo II, são as mais variadas.

João XXIII é, naturalmente, o Papa da minha vida: era jovem quando ele foi eleito e, com a convocação do Concílio Vat II, foi ele que me foi acordando para a problemática da urgência da reforma da Igreja.

Entrei no seminário, para Filosofia, em pleno concílio – 1964 – já com Paulo VI, e encontrei uma atmosfera efervescente, tanto entre padres como alunos, com destaque para os finalistas de teologia. Cresci, por isso, como jovem estudante de teologia (no Seminário dos Olivais-Lisboa), e como jovem padre ordenado na Páscoa de 1975 em Nampula em pleno processo de transição para a Independência de Moçambique, sob o influxo desafiador e reformante/aggiornante do Vat II.

Com o Bispo Vieira Pinto partilhei e aprendi a viver esse original dinamismo respondendo, tanto no estertor do colonialismo como no tempo da revolução marxista leninista, ou no tempo da guerra civil e dias de paz incerta que se lhe seguiram.

Partilhei, no mais nuclear ambiente diocesano, a gestão das várias facetas da Diocese de Nampula: pastorais e económicas.

No dinamismo das numerosas comunidades cristãs que surgiram por toda a diocese no contexto das vicissitudes a que a  revolução moçambicana as submeteu,  inevitavelmente nos confrontámos com a exiguidade de presbíteros no conjunto da diocese (éramos, apenas, cerca de 30 para mais de 2.000 comunidades, dos quais apenas 2 era moçambicanos). Para que as comunidades pudessem crescer na normalidade da celebração regular da SANTA EUCARISTIA, chegámos a admitir, em Nampula (e creio que também em Lichinga onde servia o saudoso Bispo Luis Gonzaga Ferreira da Silva) a ordenação de alguns animadores das comunidades já com provas dadas de zelo pastoral. Aquilo que chamamos de viri probati. O meu Bispo Manuel insistiu com o Papa João Paulo II para que o autorizasse nesse sentido. Porém, na última ou penúltima visita ad sacra limina, durante um almoço, diz o Papa João Paulo II: “D. Manuel, sobre isso não se fala mais”. Assim, com um autoritarismo inaceitável, o Papa João Paulo II impunha o seu ponto de vista em completa falta de sintonia com o Bispo e os povo cristão desta diocese.

Certamente que se compreenderá que lamento que o Papa Francisco tenha embrulhado a festa da canonização do “Meu Papa João” com a do Papa João Paulo II. Sem dúvida que acabou por esmorecer a exultação de quantos vivemos, há 50 anos, a inesperada jovialidade do ancião  Angelo Roncalli que lançou a nossa Igreja nos caminhos criativos do semper reformanda atenta aos sinais dos tempos, sem medos e restrições, confiante no Senhor Ressuscitado.

Este pronunciamento negativo a respeito do Papa João Paulo II não tem nada a ver, obviamente, com a sua santidade pessoal. Erros todos os humanos cometemos e os Papas não estão isentos. Não foi o Papa Pio X aquele que defendeu a figura vertical da Igreja piramidal como Sociedade Perfeita onde os baptizados mais não tinham do que obedecer submissamente, em tudo e em todas as circunstâncias, ao clero? Claro que a limitação teológica do Papa Pio X nada beliscou a sua santidade pessoal. Alias, tal convicção oficial reinante durante séculos, não impediu que o Vaticano II progredisse para a formulação da Igreja como (novo) Povo de Deus, onde, naturalmente, como bem sabemos, o clericalismo continua a querer reafirmar-se e a preocupar o Papa Francisco.

Estas coisas são como as cerejas. Termino aqui.

Uma saudação pascal no Senhor que nos ressuscita!
Zé Luzia

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