1. Hiroshi
Ishiguro é um académico japonês, de 54 anos, professor da Universidade de Osaka,
que desenvolve robôs inteligentes com aparência humana. Veio a Lisboa fazer uma
conferência na Universidade Católica. João Pedro Pereira, do Público, conversou
com este criativo[1].
Hiroshi desejou ser pintor para entender a humanidade.
Mudou-se para a área da robótica e da inteligência artificial. Ao verificar que
a inteligência artificial precisava de um corpo apropriado, criou, nos últimos
anos, vários andróides. Trabalha com diversas empresas no Japão para
desenvolver múltiplas aplicações práticas. Toda a gente consegue interagir com
robôs semelhantes a seres humanos. No ambiente de laboratório, a aparência e os
movimentos dos andróides têm vindo a ser aperfeiçoados. A inteligência
artificial torna-se cada vez mais sofisticada e permite que as máquinas possam
ter conversas razoáveis com pessoas. Contudo, na construção de robôs que
funcionam como humanos a consciência
será, provavelmente, a última barreira.
Ishiguro acredita que um dia, não hoje, esta dificuldade será
ultrapassada. Talvez demore duas ou três décadas. Julga que o que já pode dizer,
com clareza, é que os investigadores, os neurocientistas e os cientistas de
robótica, estão muito interessados na consciência. Depois da inteligência
artificial, a próxima meta é a consciência artificial.
Um amigo meu que leu este artigo telefonou-me. Alternava a
irritação com a indignação. Estava-se nas tintas para essas máquinas, mas não
podia aceitar o atrevimento da Universidade Católica em acolher esse desvairado
professor. Os católicos acreditavam, e acreditam, que o ser humano foi criado à
imagem de Deus. Voltaire dizia, com humor, que o ser humano pagou-lhe bem. Fez
deuses à sua imagem e semelhança. Agora, prescinde-se de Deus e fazem-se máquinas
à imagem do ser humano! Qualquer dia já vão começar a pedir o Baptismo para
esses andróides e a conceder-lhes ministérios eclesiais que negam às mulheres.
Em vez de padres estrangeiros vamos ter padres andróides de rosto bem português.
A indignação deste amigo levou-o até ao fim: não me admirava que a Católica
viesse a nomear andróides professores de teologia.
O Papa já se indignou com os telemóveis na missa: corações
ao alto, não telemóveis ao alto. Não sei se estará informado de que muitos
padres já celebrem por telemóvel e Ipad.
2. É preciso ter
em conta que sem máquinas já havia, na Igreja, muitos comportamentos maquinais.
A forma como, alguns clérigos, celebram os sacramentos, mesmo com os livros à
frente e já traduzidos para português, como sabem de cor as fórmulas, é sempre
a despachar. As orações da missa parecem invocar um deus robótico, omnipotente,
omnisciente e eterno. Por outro lado, certa teologia do Magistério eclesiástico
que se limitava a repetir os manuais da doutrina oficial, as decisões dos
antigos concílios e seus anátemas, o Direito Canónico e a invocação da
infalibilidade do Pontífice Romano, a partir do Vaticano I, toda essa teologia
podia ser muito bem substituída por uma maquineta. Não falta quem se sinta um
teólogo porque já tem bibliotecas e documentos da Igreja no seu telemóvel. Se
perguntarem a quem dispõe dessa completíssima documentação e como a utiliza,
vai encontrar quem sinceramente responda: deixo-a dormir.
Soube que um católico perplexo acerca de algumas questões
teológicas foi consultar uma pessoa que julgava competente, e até talvez fosse,
mas a resposta desencorajaria qualquer um. Levado a uma grande biblioteca recebeu
a máxima informação: está tudo aí.
3. Ausência de
teologia significa falta de inteligência ou falta de fé ou falta das duas. A
prática teológica, no âmbito do cristianismo, é um mundo de vários mundos. Já
foram escritas, no séc. XX, muitas iniciações e introduções a esse universo
cultural[2].
O Vaticano II tornou-se uma data incontornável. Não é para
aqui a descrição das grandes correntes da prática teológica que o precederam e
que o seguiram.
Em 2017, a Associação Teológica Italiana completou meio século.
O Papa Francisco ao recebê-la destacou que o primeiro artigo do seu estatuto
reza assim: no espírito de serviço e comunhão indicado pelo Concílio Ecuménico
Vaticano II. E não comentou por acaso: a Igreja deve referir-se sempre àquele
acontecimento, através do qual teve início uma
nova etapa da evangelização e com o qual ela assumiu a responsabilidade de
anunciar o Evangelho de um modo novo,
mais adequado a um mundo e a uma cultura profundamente transformados. É
evidente que aquele esforço exige da Igreja inteira, e em particular dos
teólogos, que seja recebido no sinal de uma fidelidade
criativa: na consciência de que nestes cinquenta anos se verificaram
ulteriores mudanças e na confiança de que o Evangelho possa continuar a
sensibilizar, também, as mulheres e os homens de hoje.
Depois de louvar o estilo do trabalho realizado, passou para
outro universo. O ministério teológico continua a ser uma grande necessidade da
Igreja, mas para ser genuinamente crente não é preciso realizar cursos
académicos de teologia, pois existe um sentido
das realidades da fé que pertence a todo o povo de Deus.
A teologia na Igreja não pode ser um gueto de “escribas e
fariseus”, que ocultam e sufocam a criatividade de todos os cristãos. Deve ser
praticada no desejo e na perspectiva de uma Igreja em saída missionária. Deste
ponto de vista e nesta conjuntura histórica, a teologia é particularmente importante
e urgente.
Todas as paróquias, grupos, movimentos e instituições
católicas deveriam ter um ministério, de mulheres e homens, de jovens e adultos
que ajudasse na interpretação e no discernimento dos sinais dos tempos para
encontrar, em cada momento, os caminhos da fidelidade ao Evangelho. Menos cerimónias
de culto e mais inteligência afectiva e comprometida não faziam mal a ninguém.
E talvez não seja assim tão urgente encontrar andróides para este ministério.
Além disso, são caros.
Frei Bento Domingues, O.P.
in Público 28.01.2018
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