1. Desde a
década de oitenta do século passado que me tenho manifestado favorável a uma
espécie de Plano Marshall para África. A última vez que me pronunciei foi no
passado dia 13 de Agosto, na RTP 3, em conversa com a jornalista Sandra de
Sousa, a partir de declarações do cardeal António Marto, a propósito das
migrações.
Fica aí
textualmente o que disse nessa conversa, no contexto da leitura dos jornais do
dia.
Sim, nós
estamos perante uma questão dramática, que, no meu entender, será cada vez mais
dramática. Estamos a tratar das migrações, dos refugiados. E eu quereria chamar
a atenção para dois ou três pontos.
Em primeiro
lugar, é evidente que a Terra é de todos, o mundo é de todos e, por isso mesmo,
há o direito de visita, de hospitalidade, de que já Kant falava. Mas a Europa,
neste momento, está com este problema, que é um dos maiores problemas, o das
migrações. Sobre isso gostava de chamar a atenção para os direitos humanos, e a
defesa dos direitos humanos é qualquer coisa que está profundamente ligada à
Europa - a Europa sempre se distinguiu por receber. Mas gostava de chamar
também à colação que esta é uma questão da Europa enquanto União Europeia.
Em segundo
lugar, julgo que é preciso entender que não podemos, para resolver um problema,
criar problemas maiores, por exemplo, criar xenofobia, uma direita cada vez
mais agressiva... Depois, é necessário também combater os traficantes - é
fundamental perceber isso. O próprio Papa Francisco tem dito que o Mediterrâneo
não pode ser um cemitério. Estamos completamente de acordo. Mas, ultimamente,
chamou a atenção para a prudência. Chamou a atenção para qualquer coisa que me
parece fundamental.
Há a pequena
política e a grande política. Se houver a grande política, vai-se perceber que,
como a seguir à Segunda Guerra Mundial, houve o famoso Plano Marshall, que
desenvolveu a Europa, que estava completamente destruída, e isso foi bom para a
Europa e também para os Estados Unidos, algo parecido pode ser bom para África
e para a Europa. Eu penso que é necessário, concretamente em relação a África,
um Plano Marshall, isto é, desenvolver África lá. Lá. Com regras,
evidentemente, pois sabemos que há governantes africanos que também não têm
regras e apoderam-se dos dinheiros que chegam. Então, um Plano Marshall para
África, para fixar as populações lá. Os africanos têm direito a viver bem e a
desenvolver-se lá. Isso seria bom para África e isso seria bom para a Europa.
Sandra de
Sousa observou: porque é que a Europa se tem regido pela pequena política?
Porque tem pequenos líderes, não tem grandes estadistas?
Respondi:
porque não há uma real união europeia. Eu penso que a Europa, sem união, sem
estruturas minimamente federativas, com o tempo, torna-se insignificante no
mundo. Veja: a Alemanha é um país grande, mas dentro da Europa; no quadro de um
mundo cada vez mais globalizado, a própria Alemanha é pequena. Portanto, nós
precisamos da grande política, no sentido de estadistas que criem uma União
Europeia forte. Porque não é apenas a Europa, é o mundo que precisa da Europa.
Porque os direitos humanos onde é que apareceram em primeiro lugar? Foi aqui,
na Europa. Onde é que há segurança social? É na Europa.
Para que a
Europa possa responder a esta questão gigantesca - o problema das migrações e
dos refugiados é um problema gigantesco -, precisa de estadistas. Hoje, os
africanos podem viver em condições difíceis e em lugares recônditos, mas em
qualquer sítio há possibilidade de aceder através da internet à situação da
Europa, e a Europa aparece como um paraíso e, portanto, vão querer vir. Depois,
com a desertificação de África, vão aparecer milhões de africanos às portas da
Europa, concretamente da Europa do Sul. Então, é necessária a grande política,
e por isso é que eu, há muito tempo, sou defensor de um Plano Marshall para
África. Para que se desenvolvam lá.
Sandra de
Sousa: não se resolve com muros, com portas...
Respondi:
não é possível, não é possível face a milhões de africanos que vão chegar...
2. Fiquei,
pois, muito satisfeito, ao saber que a França e o Benelux, numa reunião recente
no Luxemburgo, que juntou Emmanuel Macron e os primeiros-ministros
luxemburguês, holandês e belga, querem que a Europa concretize esta ideia.
"A União Europeia deve implementar uma versão do Plano Marshall em África,
com uma ambição operacional concreta com os parceiros africanos", afirmou
o belga Charles Michel.
3. Neste
contexto, penso também que o clero africano tem um contributo fundamental a
dar, desde que assuma as suas responsabilidades, ultrapassando as razões que
sustentam críticas de missionários e de bispos. "O sacerdócio não pode ser
um trampolim para sair de África porque é pobre", disse à Agência Fides o
padre Donald Zagore, da Sociedade de Missões Africanas, citando Marcelin Yao
Kouadio, bispo da diocese de Daloa. "As razões recorrentes (da emigração
de pessoal eclesiástico) continuam a ser a procura de bens materiais e de
prestígio." Além disso, "muitos africanos pensam que são superiores
ao resto, particularmente nos círculos eclesiásticos, porque vivem, trabalham
ou estudam na Europa. É dramático pensar que a essência de África chegue à sua
realização quando goza do prestígio europeu". Em Maio de 2018, Ignace
Bessi Dogbo, presidente da Conferência Episcopal da Costa do Marfim, também
denunciou o fenómeno dos "sacerdotes errantes": sacerdotes que se
negam a voltar a África depois de estudos ou de uma missão na Europa.
Seria
lamentável que o clero africano, concretamente o mais bem preparado com
especializações no estrangeiro, fugisse às suas responsabilidades e não desse o
seu contributo imprescindível à promoção e ao desenvolvimento do seu continente
e dos seus países.
Padre e
professor de Filosofia
in DN 15 Setembro 2018
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