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INFO: Crónicas & Coluna
Os
outros estão a mais? (1), Frei Bento
Islamofobia
e Cristianofobia, P. Anselmo
A beleza
da Família, P. Tolentino
Mudar
os corações, P. Vitor Gonçalves
&
From Where I Stand
Coluna mensal da Irmã Joan Chittister
Our differences will make the
difference in our future
OS OUTROS ESTÃO A
MAIS? (1)
Frei Bento Domingues, O.P.
1. Nietzsche (1844-1900),
um dos primeiros filósofos que estudei, é uma figura de contrastes desmedidos. Tem
tanto de visionário fascinante como de classificador irritante. Disse o pior do
Sermão da Montanha, uma das peças
mais belas e revolucionárias do Novo Testamento[1], proposto, hoje, como
desafio às comunidades eucarísticas. Classificou-o como um atentado contra a
natureza: a vida acaba quando começa o Reino de Deus e a prática da Igreja aí
está para o confirmar[2].
Deixemos, para já, o sermão de Nietzsche, sermão da morte de Deus em nome da exaltação da
vida e do Super- Homem, aproveitado pelos nazis para a glorificação do crime
nacionalista, anti-semita e racista.
No entanto, as
religiões estão em maus lençóis por razões mais óbvias e imediatas. A
embriaguez criada pelas revoluções, agrícola, científica, industrial e cultural
ainda não serenou. Tornou-se mais aguda. Entrou em delírio. O império da tecnociência em todos os domínios e,
agora, as promessas do reino prometido da inteligência artificial, nas suas
infindáveis aplicações, estariam a deixar Deus cada vez mais desempregado. Por
outro lado, diz-se que a extensão da robótica se encarregará de dispensar
aqueles que a criaram. Depois da morte de Deus viria, não a emancipação, mas a
morte do ser humano. Já há muito tempo que desconfio de tanta promessa e de
tanta ameaça.
Yuval Noah Harari escreveu um livro sedutor[3]. Termina o posfácio de um
modo pouco entusiasmante: «Estamos mais poderosos do que alguma vez estivemos,
mas não fazemos a mínima ideia do que fazer com todo esse poder. Mas pior ainda
é que os humanos parecem mais irresponsáveis do que nunca. Deuses autoproclamados,
com apenas as leis da física para nos fazerem companhia, não somos
responsabilizados por ninguém. Estamos, assim, a espalhar o caos sobre os
nossos companheiros animais e o ecossistema envolvente, em busca de pouco mais
do que o nosso próprio conforto e divertimento, sem, no entanto, nos darmos por
satisfeitos».
Estar insatisfeito é a maior graça humana. Significa que o
ser humano ainda não está acabado. Mas pergunta o citado autor: «Existirá algo
mais perigoso do que deuses insatisfeitos e irresponsáveis que não sabem o que
querem?»
2. Há várias
formulações para esses entusiasmos e medos. Nesse primeiro ponto, fica a ideia
de uma rivalidade radical entre Deus e o ser humano. Antigamente, essa
rivalidade tinha a formulação de uma espiritualidade conflitual: se damos muito
a Deus, tiramos ao ser humano; se damos muito ao ser humano, roubamos a Deus. Esta
forma de falar de Deus nada tem a ver com a que S. Paulo descobriu em poetas
gentios: na divindade temos a vida, o
movimento e o ser[4]. Nessa perspectiva, os dois entendem-se bem: um recebe o outro como
pura graça existencial. Não há clima para um antagonismo entre as descobertas e
criações humanas e a presença divina vivificante. Estão mutuamente implicados
com regozijo recíproco. Ao pensar num, surge a apreciada diferença do outro.
A persistência da ideia de rivalidade tem razões históricas
bem documentadas, resultado de uma antropologia e de uma teologia que não
podiam conviver. A beleza da própria ética de que fala o Génesis[5] – não vale tudo – é diabolicamente interpretada como a ordem de um
deus assustado com o alargamento da ciência humana. É o índice de uma
persistente e falsa rivalidade entre o divino e o humano. Não são capazes de
viver na alegria recíproca.
Com a simbólica narrativa da morte de Abel pela inveja do
seu irmão Caim alarga-se o mito da rivalidade. Este mundo, na diferença humana,
é de todos e para todos, de todos os povos e culturas, é a vocação de irmãos.
Não há duas humanidades, a nossa e a dos outros! A ficção narrada pretende
mostrar que uns são de Deus e outros do diabo. O outro, se não nos ajudar, é o
nosso inferno que é preciso destruir.
Nessa concepção não há lugar para todos. Ao falar de Abel e
Caim como irmãos, o conto fratricida do Génesis não perdeu actualidade. O mundo
de hoje é completamente diferente daquela sociedade de pastores e agricultores,
mas a tentação de julgar que este mundo não dá para todos é a mesma.
Os avanços científicos e técnicos dos últimos tempos
conseguiram resultados espectaculares em todos os âmbitos do progresso
aplicável ao ser humano e ao seu ambiente. Apesar dos conflitos locais e
globais, de guerras declaradas e latentes, seria ridículo não reconhecer os
avanços espectaculares alcançados.
Existe um pequenino
senão: as desigualdades entre países e continentes, e dentro de muitos países,
acentuaram-se. Não se pensa na arte de construir pontes entre os seres humanos,
mas no dinheiro que é preciso para levantar muros físicos ou simbólicos. O
destino universal de todos os bens do planeta é uma afirmação de generosidade.
Entretanto, as vítimas das guerras, da pobreza imposta, da
miséria e das doenças que provoca, não manifestam grande vontade de filosofar
ou de fazer exercícios de espiritualidade zen.
As obras que se escreveram e escrevem a anunciar as datas do
fim da pobreza imposta, com certo aparato científico, parecem seguir a lógicas
das Testemunhas de Jeová a anunciar o fim do mundo.
Como apontámos, as estatísticas vão mostrando avanços e
recuos, segundo os países e os continentes, das medidas para erradicar essa
vergonha. As estatísticas não podem contabilizar os pobres que vão tendo a
morte, antes de tempo, como solução.
Para além disto, as desigualdades entre ricos e pobres
acentuam-se. A distância entre o que certas pessoas ganham e o mínimo que outras
conseguem para sobreviver, no seu dia-a-dia, poderia ser um pecado que bradaria
aos céus se neles acreditassem.
Consta que existe uma espiritualidade para consumidores
neoliberais. Diz-se que os seus exercícios espirituais são engenhosos. Usam receitas
de marca individualista/consumista, corporativa/capitalista.
A homilia que o Papa Francisco fez em Abu Dhabi diz que há
outras formas de ser feliz. São paradoxais como as do Evangelho, mas nunca
tornaram ninguém desgraçado. Assinou com o Grão Imame de Al-Azhar um notável
documento sobre a Fraternidade Humana.
Que fazer para o não deixar nos arquivos religiosos?
Fica para a próxima crónica.
in Público17.02.2019
[1] Lc 6, 17-26; Mt 5, 1-12
(ver os contrastes entre as duas versões)
[2] A moral como
contra-natureza, in Nietzsche. O
Crepúsculo dos Ídolos, Prisa Innova, 2008, 511-518
[3] Sapiens. De
Animais a Deuses. História
Breve da Humanidade, Elsinore, uma chancela da 20/20 Editora, 2018. Depois
deste já saiu o Homo Deus. História Breve
do Amanhã.
[4] Actos 17, 27-28
[5] Gn 3
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ISLAMOFOBIA E CRISTIANOFOBIA
A BELEZA DA FAMÍLIA
Anselmo
Borges
1. Não há dúvida de que a visita do
Papa Francisco aos Emiratos Árabes Unidos de 3 a 5 deste mês constituiu uma
visita para a História, como aqui procurei mostrar na semana passada. O próprio
Francisco caracterizou a sua viagem como “uma nova página no diálogo entre
Cristianismo e Islão”. É preciso ler e estudar o “Documento sobre a
Fraternidade Humana”, então assinado por ele e pelo Grande Imã de Al-Azhar.
Também foi a primeira vez que um Papa celebrou Missa para 150.000 cristãos na
Península Arábica, berço do islão, num espaço público.
Já de regresso ao Vaticano, na
habitual conferência de imprensa no avião, um jornalista perguntou-lhe que “consequências
terá também entre os católicos o Documento, considerando que há uma parte dos
católicos que o acusam de deixar-se instrumentalizar pelos muçulmanos...” E
Francisco: “E não só pelos muçulmanos... (riu-se). Acusam-me de me deixar
instrumentalizar por todos, incluindo os jornalistas. É parte do trabalho, mas
gostaria de dizer uma coisa. Do ponto de vista católico, o Documento não se
separou nem um milímetro do Vaticano II, que até é citado várias vezes. Se
alguém se sentir mal, eu compreendo-o, pois não é algo de todos os dias..., mas
não é um passo atrás, é um passo para diante... É um processo e os processos
amadurecem.”
Outro jornalista observou: “O Imã de
Al-Azhar, Ahmed al-Tayeb, denunciou a islamofobia. Porque é que não se disse
nada sobre a cristianofobia, sobre a perseguição aos cristãos?” E o Papa
Francisco: “Falei sobre a perseguição aos cristãos. Também falo sobre ela
frequentemente. Inclusive nesta viagem falei sobre isso. Também o Documento
condena a violência, e alguns grupos que se dizem islâmicos (os Sábios dizem
que não é o islão) perseguem os cristãos.” E, aqui, Francisco relembrou uma
história absolutamente comovente, que já contara com mais pormenores em 2017.
Em 22 de Abril de 2017, na Basílica de São Bartolomeu na Ilha Tiberina em Roma,
o Papa Francisco, com a Comunidade de Santo Egídio, presidiu a uma Liturgia da
Palavra em memória dos novos mártires dos séculos XX e XXI. E ficaram estas
palavras de profundidade incomensurável, apontando, com comoção que nos abala,
para a religião na sua verdade humana e divina: “Eu quero, hoje, acrescentar
mais um ícone a esta igreja. Uma mulher. Não sei o seu nome. Mas ela olha para
nós lá do Céu. Eu estava em Lesbos, saudava os refugiados e encontrei um homem
de 30 anos, com três crianças. Olhou para mim e disse-me: ‘Padre, eu sou
muçulmano. A minha mulher era cristã. Os terroristas chegaram ao nosso país,
olharam para nós e perguntaram-nos qual era a nossa religião e viram-na a ela
com um crucifixo. Disseram-lhe que o atirasse ao chão. Ela recusou, não o fez.
E degolaram-na diante de mim. Amávamo-nos muito, gostávamos muito um do outro.”
“Este é, continuou Francisco, o ícone que trago aqui como presente. Não sei se
esse homem ainda está em Lesbos ou se conseguiu ir para outro lado. Não sei se conseguiu
sair desse campo de concentração, porque os campos de refugiados — muitos — são
de concentração, devido à quantidade de gente que ali é deixada (...). E este
homem não tinha rancor: ele, muçulmano, tinha esta cruz da dor que levava sem
rancor. Refugiava-se no amor da mulher, salva pelo martírio.”
2. Precisamente no contexto do magno
acontecimento histórico que foi esta visita, quero relembrar que, entre os
pressupostos para um diálogo inter-religioso autêntico, há dois que são
imprescindíveis. Refiro-me concretamente a uma leitura histórico-crítica dos
textos sagrados e à laicidade do Estado.
Estes pressupostos são universais,
mas têm particular importância para o cristianismo e o islão (deve-se
distinguir entre islão e islamismo, este já com o sentido de islão extremista),
pois o número dos cristãos e dos muçulmanos é superior a mais de metade da
Humanidade, o que significa que o entendimento entre eles é essencial para o
futuro.
A Igreja Católica nomeadamente teve
dificuldade em aplicar estes pressupostos, que aceitou plenamente apenas no
Concílio Vaticano II. De qualquer forma, já havia indicações no Novo Testamento
e no fundador. Assim, nunca os teólogos católicos referiram a Bíblia como
ditada por Deus, mas como Palavra de Deus em palavras humanas, o que implica a
exigência de interpretação. Jesus disse: “Dai a César o que de César e a Deus o
que é de Deus”. E, chegado a Jerusalém, foi morto, manifestando-se contra toda
a violência, dizendo a Pedro: “Mete a espada na bainha, pois quem com ferros mata
com ferros morre”. Isto significa que, quando os cristãos olham para os
horrores cometidos por eles ao longo da História, têm de reconhecê-los e pedir
perdão, pois atraiçoaram Jesus, o fundador.
O que para a Igreja católica foi
difícil vai sê-lo ainda mais para o islão. De facto, muitos defendem que o
Corão foi ditado por Deus ou que é cópia do Corão eterno, e, por isso, lêem-no
à letra, com todos os riscos de barbárie. E o fundador, Maomé, foi ao mesmo
tempo um profeta, um chefe de Estado e um combatente em várias batalhas. Com
razão, escreveu o filósofo Slavoj Zizek, citando M. Safouan: “A marca
distintiva do islão é ser uma religião que não se institucionaliza a si mesma e
que, ao contrário do cristianismo, não se equipa com uma Igreja. Na verdade, a Igreja
Islâmica é o Estado Islâmico: foi o Estado que inventou a chamada ‘mais alta
autoridade religiosa’ e é o chefe de Estado quem nomeia o homem que deve ocupar
esse cargo; é o Estado que manda construir as grandes mesquitas, que
supervisiona a educação religiosa; é ainda o Estado que cria as universidades,
que exerce a censura em todos os domínios da cultura e que se considera ser o
guardião da moralidade”.
Evidentemente, a laicidade não é
laicismo, que seria a religião da não religião, no sentido de remeter a
religião para o espaço privado ou íntimo, sem lugar no espaço público. Sendo a
religião uma dimensão constitutiva do ser humano e estruturante da cultura, é
evidente que tem de ter lugar também no espaço público, e as religiões têm o
direito de debater as grandes questões das sociedades, concretamente as
referentes à bioética, e tentar fazer triunfar as suas posições. Qual é a
diferença, quando há laicidade, separação da(s) Igreja(s) e do Estado, da
religião e da política? Neste caso, a lei não é a lei religiosa, mas a lei
votada democraticamente, em democracia pluralista, no Parlamento.
in DN, 17 de Fevereiro de 2019
www.dn.pt/edicao-do-dia/17-fev-2019/interior/islamofobia-e-cristianofobia--10585118.html?target=conteudo_fechado
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QUE
COISA SÃO AS NUVENS
JOSÉ
TOLENTINO MENDONÇA
A
BELEZA DA FAMÍLIA
A FAMÍLIA É,
CERTAMENTE, O LUGAR ONDE NOS ENCONTRAMOS, MAS TAMBÉM AQUELE ONDE NOS PERDEMOS
A família não é apenas
uma invenção cultural, nem é simplesmente um formato que a civilização
emprestou à vida comum. Compete-lhe um papel e, com isso, também uma dignidade
que é anterior à própria cultura — porque ela emerge como raiz da existência.
Muitas vezes, só nos apercebemos de tal muito depois, quando rememoramos o
significado desses laços vividos onde o amor incondicional circula, quando
medimos a desmesura da sua gratuitidade e apreendemos, assim, a grandeza do dom
que a família põe em ato. Por alguma razão vital cada um de nós precisa de uma
família, é fruto e consequência de um ambiente familiar concreto, e é, até ao
fim, um seu construtor.
A família não é uma coisa
estática e preexistente, mas um dinamismo. Não vive da nostalgia de um mapa
idealizado, mas é um chamamento objetivo, uma estrada que se identifica à
medida que vem percorrida, um estaleiro permanente, plástico, cheio de
possibilidades. Não pode ser o piloto automático a comandar o destino de uma
família: esta é uma tarefa na qual a possibilidade de sermos felizes se joga,
uma aventura que se descobre e redescobre em continuação, que nos empenha com
esforço, que pede um investimento total das nossas forças e, em algumas
situações, mesmo daquilo que está para lá das nossas forças, mas que nos
qualifica de uma forma humana decisiva.
A família é um
laboratório do presente que se arrisca, onde todos são protagonistas, num
exercício efetivo de corresponsabilidade
Não basta o conhecimento
de ontem para viver bem a família: é preciso o amor atualizado de hoje e o
movimento que ele de novo gera (e recostura, e recompõe, e repara). Não basta a
grata memória passada: é preciso o humilde gesto de hoje; é indispensável a
esperança de hoje com o seu gosto de vida recomeçada, mesmo se frágil e
imprecisa; a entrega mais uma vez repetida. Não, não basta o pão dos dias
anteriores, nem as migalhas reluzentes do que foi. A família é um laboratório
do presente que se arrisca, onde todos são protagonistas, num exercício efetivo
de corresponsabilidade. Não há simplesmente um que dá e outro que recebe. A
família não é lugar para esquemas unidirecionais, e ninguém é deixado de fora.
A atenção, a paixão e o cuidado, de que cada um é capaz, urdem silenciosamente
a força misteriosa que no conjunto se experimenta.
O Evangelho de Lucas, em
relação à sagrada família de Nazaré, relata um episódio desconcertante: Maria e
José perdem de vista Jesus, procuram-no em vão entre parentes e familiares e
acabam por encontrá-lo, com espanto, num contexto que não esperavam (no templo,
a discutir com os doutores da lei). Quando o interpelam, não chegam a entender
a explicação que ele lhes dá. Mas regressam os três para casa. Este é, no
fundo, um episódio menos enigmático do que parece, pois a família é o espaço
onde acolhemos, uns dos outros, a verdade que nem sempre conseguimos
compreender. A família é, certamente, o lugar onde nos encontramos, mas também
aquele onde nos perdemos. Por isso, na comunidade familiar, temos sempre de nos
buscar, pois, na verdade, não sabemos onde o outro está. É uma ilusão pensar
que se o outro está próximo sabemos onde está! A beleza da família é esta
aprendizagem serena da diferença, a arte de guardar aquilo que não se entende,
aquilo que, porventura, não é o sonho inicial. Não devemos supor que a família
seja um horizonte de fusão, onde nunca ocorrerão problemas ou feridas. Pelo
contrário. É, talvez, a propósito da família que correrão, no nosso rosto, as
lágrimas mais difíceis que cada um de nós tem para chorar. Mas o segredo é
abraçar tudo isto sem desanimar, sentindo-se dentro de uma espécie de dança,
que, mesmo se nos esvazia, também enche a nossa taça até ao cimo, até ela
transbordar.
in Semanário Expresso,
16.02.2019
http://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2416/html/revista-e/que-coisas-sao-as-nuvens/A-beleza-da-familia
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À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves
DOMINGO VI COMUM Ano C
"Bem-aventurados vós, os
pobres,
porque é vosso o reino de Deus.”
Lc 6, 20
Mudar os corações
Gosto muito de “road
movies”. Não só pelas belas paisagens que habitualmente oferecem, mas
principalmente pelo efeito da viagem na vida dos viajantes. Há um sabor de
peregrinação, que tem origem no latim “per agros”, “pelos campos”, nestas
narrativas em que o caminho é também pelos campos largos das almas. Neles
regresso também ao convite de Jesus, que chamou os discípulos para andarem com
Ele, numa viagem de 3 anos até à Páscoa. Assim gostei de ver o filme “Green
Book – Um guia para a vida”, de Peter Farrelly, com Viggo Mortensen e
Mahershala Ali, que interpretam a história verídica de uma amizade improvável
entre um condutor branco e um célebre pianista negro, numa viagem por terras do
sul norte-americano nos anos 60. A planura da paisagem contrasta com os abismos
interiores onde surge a nu a hipocrisia e as consequências do racismo e do
preconceito. Como é dito: “com violência nunca se ganha, só se ganha quando se
mantém a dignidade”; e também, “é preciso coragem para mudar o coração das
pessoas”.
Conhecemos dois relatos de
“bem-aventuranças” ditas por Jesus. Em Mateus e em Lucas. As primeiras, sete,
têm um sabor religioso e sapiencial, Jesus di-las num monte (como “novo
Moisés”), sentado (em atitude de ensino). As que escutamos hoje são quatro,
seguidas de quatro “Ai de vós…” (em advertência), ditas numa planície (onde os
pobres e os doentes podem ir mais facilmente), com Jesus de pé (num tom
profético), a falar da indigência e dos sofrimentos dos pobres. Certamente
relatam dois momentos diferentes na pregação de Jesus, captados pela
sensibilidade própria dos evangelistas. Não são elogio à pobreza e
miserabilismo, nem ódio às riquezas e aos bens. Vejo nelas a coragem de Jesus
“para mudar os corações”, e propor a verdadeira felicidade dos que confiam em
Deus (e não nas riquezas ou na fama), e tudo põem ao serviço dos outros, na
justiça e na paz.
A predilecção de Jesus
pelos mais necessitados e aflitos é um traço comum em Lucas. A advertência aos
ricos desmascara os auto-suficientes, indiferentes e gananciosos, que endeusam
os bens. Geram infelicidade os bens que não servem para promover e partilhar
vida. Os que vivem saciados, indiferentes à injustiça que provoca miséria,
também são advertidos. Se ao menos distribuíssem o que lhes sobra! Assim também
a alegria egoísta e alienante, de quem não olha à sua volta, nem se deixa tocar
pelas tristezas do mundo. Gasta-se depressa a alegria que não é multiplicada.
Comecei com viagens e
volto a elas. Não se muda o coração de um dia para o outro. Sem caminhos
comuns, conhecimento mútuo, respeito pelas diferenças, mútua necessidade,
alegrias e tristezas partilhadas, bens dados e recebidos, por maior que pareça
a felicidade, estaremos sempre enganados. Só quando desejo e contribuo para a
felicidade de outros e com outros, é que sou feliz. Aí começarei a entender o
próprio coração de Deus!
in Voz da Verdade, 2019.02.17
https://www.facebook.com/vitor.goncalves.56884?fref=hovercard&hc_location=chat
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Our differences
will make the difference in our future
Benedict's
second principle is crucial for nourishing a better tomorrow
Differences
are a big thing in the United States. And always have been. We love to say that
human beings are all equal, all alike, all welcome, all free to participate in
the purpose and fulfillment of life. And that's true — but not totally true. In
fact, we have never, all of us, been anything close to that.
Whole
populations have been excluded from American society and or citizenship at any
given time in our history. Ask the Native Americans, African-Americans, or
women.
Ask
Catholics whether they got a warm welcome here in the 19th century. Ask the
Chinese who were allowed to build our transcontinental railroads but were not
free to seek citizenship.
Ask
Eastern Europeans how it felt to integrate into the United States. Ask the
Japanese what they went through trying to be seen as Americans — even to this
day. Ask Central Americans and other Hispanics who have picked our fruit and
vegetables for decades now how American they feel yet. How welcome. How cared
for — even if they were born here in a country with a birthright clause that it
is now seeking to ignore.
No
doubt about it: Differences are a big thing. They keep a society alive. They
are a well of creativity, a signal of new possibilities. They are the resources
that nourish a new future for us all. Which is exactly where Benedict's second
principle of life comes in.
We
are told, first, to be aware of the overarching presence of God in life. Then,
the second principle of humility proceeds logically from the first: If God is
the driving force in our life, then the will of that Loving God will, of
course, be best for us, for everyone.
If,
that is, we do not try to substitute our will for the will of the Creator for
creation.
But
what exactly is the will of God for humankind? The answer comes back clear and
simple through the Prophet Jeremiah: "I wish you well," says God,
"and not woe."
God's
will for creation, according to the second degree of humility in the Rule of
Benedict, is the fullness of creation, all of creation. And if you really
believe that the One God created us all, then you must realize that God's will
for us is God's will for everyone: It is "well and not woe."
Then
our current mantra "America first" topples over with a thud heard
round the world. Then we wonder why we never feel really secure now. Then we
figure out that in order "to win, win, win," we must, of course, pit
ourselves against the rest of the world. Which really means that America will
never be great again. As in greatly peaceful, greatly caring, greatly trusting,
greatly at peace in the world.
I
can understand that for some it might feel like a stretch to use a spirituality
of the sixth century as a mirror of the 21st. But the fact is that though
history has changed in the interim, humanity has not.
The
same emotions, assumptions, values and attitudes in one century simply keep
appearing in situation after situation because they are endemic to human
nature. They are the stuff of human growth — and of human deterioration, as
well. The same feelings, fears, desires and aspirations appear again and again,
sometimes to the glory of the human race, sometimes to our shame.
For
instance, Alexander the Great set out to build the empire to end all empires
and so did Hitler, but neither of them succeeded. Caesar fell out with his
advisers and so did Churchill. People sent their sons to die in the French
Revolution centuries ago, just as we did in ours. The Reformation churches
struggled with how to honor the dogmas of the church and still renew it — and
so have we.
The
truth is that it's no stretch at all to compare how the human profile is still
built on body and mind, matter and spirit, reason and feeling. Or as the Jewish
character Shylock in Shakespeare's The Merchant of Venice puts it in his claims
to be part of universal humanity in antisemitic Venice by saying,
Hath
not a Jew
hands,
organs, dimensions, senses, affections, passions? …
If
you prick us, do we not bleed?
If
you tickle us, do we not laugh?
If
you poison us, do we not die?
Are
we not all the same? Indeed, on the second degree of humility — to want
"well and not woe" for everyone — rests the indestructible bond of
human relations.
Heraclitus
writes, "Character is fate." Are human dignity, the decency of
respect, and delight in the things of creation not the real answer to human
contentment, to world peace, to honorable and holy human relations?
From
where I stand, that does not mean that we will have less. It does mean that we
will wish for others what we need for ourselves and, with incontestable
Christian character, join them in their right to have it.
[Joan
Chittister is a Benedictine sister of Erie, Pennsylvania.]
Editor's
note: We can send you an email alert every time Joan Chittister's column, From
Where I Stand, is posted to NCRonline.org. Go to this page and follow
directions: Email alert sign-up.
in
NCR, 13.02.2019
https://www.ncronline.org/news/opinion/where-i-stand/our-differences-will-make-difference-our-future
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