20 dezembro 2020

 

P / INFO: Crónicas

Frei Bento: Deus não precisa de um templo

Padre Anselmo: Natal: Deus sem máscara

Cardeal Tolentino: Ensaio sobre a dádiva

 Padre Vitor:  Para Deus e com Deus

 

DEUS NÃO PRECISA DE UM TEMPLO

Frei Bento Domingues, O.P.

1. Calcula-se que o turismo religioso movimenta por ano, a nível mundial, entre 300 a 330 milhões de pessoas à procura de locais considerados sagrados e, sobretudo, daqueles que se tornaram mais significativos para a religião que cada um professa. São os templos monumentais ou santuários que nasceram de visões ou acontecimentos ditos milagrosos que atraem mais peregrinos.

Paulo Mendes Pinto deu a conhecer uma nova versão do fenómeno inter-religioso muito original e, ao que parece, único no mundo. Excede a pura curiosidade turística, mas com virtualidades que importa conhecer e estudar.

No dia 11 de Setembro de 2016, quando passavam 15 anos, sobre os atentados de 2001, a Fundação ADFP, de Miranda do Corvo, inaugurou um equipamento que procura ser uma peça dinâmica e significativa na criação de pontes entre as religiões e na difusão de uma cultura de paz, um lugar onde todos são acolhidos, tratados como iguais, num ambiente onde o conhecimento e a quebra e abandono de todos os preconceitos é a única regra. É o Templo Ecuménico Universalista.

No Google, existe uma reportagem pormenorizada e muito ilustrada da significação das construções minimalistas dessa realização, no cume da serra da Lousã.

É uma bela ideia. Reunir pessoas de culturas e religiões diferentes, convocadas para viverem e exprimirem umas às outras as misteriosas fontes de paz, pode tornar-se mais um caminho de esperança, num mundo mergulhado em violências e guerras de todo o género.

2. Aproxima-se o Natal. Celebra o nascimento de Jesus Cristo, uma pessoa que, pelo que viveu, fez e disse, testemunhou para sempre que o mais importante, em qualquer vida humana e seja onde for, é o cuidado com quem mais precisa de manifestações de acolhimento afectuoso e de ajuda. A sua família é constituída por quem consente no processo de conversão à fraternidade ilimitada: fratelli tutti, como repete o Papa Francisco.

  A escolha do dia 25 de Dezembro para celebrar o nascimento de Jesus não obedeceu a critérios históricos, mas a razões de celebração da originalidade da fé cristã, no contexto das festas pagãs ao deus sol invictus, do Império Romano. O verdadeiro Sol invencível da vida verdadeira é Cristo que enfrentou uma morte infame e a venceu. É ele o sol da esperança.

 O primeiro Presépio do mundo foi obra da imaginação poética de Francisco de Assis, em 1223, em Itália. Teve depois, muitas recriações originais. Não me refiro ao Pai-Natal porque não sou apreciador de Coca-Cola.

Neste Domingo que antecede o Natal, somos acompanhados por uma narrativa bíblica na qual o rei David parece sentir-se mal a viver num palácio de cedro, enquanto a Arca de Deus continua abrigada numa tenda[1]. Deus manifestou ao profeta Natã que não está nada interessado num palácio de iniciativa do rei David. Sentia-se bem a viver em tenda na companhia do povo. Será Salomão a construir o glorioso Templo de Jerusalém.

O Novo Testamento – escrito vários anos depois dos acontecimentos narrados – não mostra nenhuma devoção pela religião do templo, luxuosamente reconstruído por Herodes e destruído nos anos 70.

 No diálogo com a samaritana[2], Jesus diz que «chegou o tempo em que nem neste monte [Garizim] nem em Jerusalém adorareis o Pai. (…) Vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade; pois tais são os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade».

Segundo o Evangelho de João, Jesus mostrou-se verdadeiramente indignado com a religião do Templo, transformada numa organização comercial, como ainda acontece em muitos santuários.

Ao querer impedir, de forma drástica essa situação, é interrogado: com que autoridade procedes assim? A resposta é dupla. Por um lado, o templo só tem sentido como lugar de oração e não de negócios; por outro, desafia-os de forma simbólica e provocatória: «destruí este templo e em três dias o levantarei».

 Referia-se ao seu próprio corpo. Aproximava-se a sua condenação à morte que não terá a última palavra sobre a sua vida. Mas de quem recebeu Jesus esse corpo mortal destinado à ressurreição? Por aí, entramos no Natal.

3. S. Lucas não era um biólogo. Não se lhe deve pedir um tratado de biologia quando fala da intervenção do Espírito Santo na gestação humana de Deus. É apenas um competente praticante de teologia narrativa. A humanização de Deus aconteceu, como a de qualquer ser humano, num processo que dura aproximadamente 9 meses, no corpo de uma mulher, templo de Deus.

Nenhum ser humano nasce pronto para a vida. Demora anos a tornar-se alguém independente com um projecto próprio. Este, para além da herança genética, depende da formação recebida e das circunstâncias familiares, sociais, económicas e políticas do mundo onde lhe for possível desenvolver-se. Foi também o que aconteceu com Jesus.

O Evangelho segundo S. Marcos não se interessou nada com a infância e a adolescência de Jesus, mas com o seu projecto. O mesmo aconteceu com S. João. S. Mateus e S. Lucas, embora de forma diferente, interessaram-se pela significação do seu nascimento. Quem se tinha mostrado, na vida adulta, como incarnação de um projecto inédito de Deus ser Deus e do ser humano ser humano, não podia ser fruto do acaso. Construíram aquilo que se chama Evangelhos da Infância. São belas e profundas construções teológicas que transpõem para a infância as manifestações de uma rara vida adulta.

S. Paulo, dirigindo-se aos cristãos, precedeu estas narrativas com uma proposta muito ousada e muito esquecida[3]: Não sabeis que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?

Deus pode ter casa posta no coração de qualquer ser humano. Este pode não O reconhecer, mas é sempre imagem de Deus, reconhecida ou atraiçoada.

Não podemos obrigar ninguém a reconhecer estas convicções, mas na interpretação cristã, o amor de Deus por nós não depende do nosso amor por ele. A vida humana, por ser humana, é reconhecida por Deus como a sua tenda. O mais belo nome de Jesus é Emmanuel, Deus-connosco[4].

O arquitecto João Alves da Cunha tem procurado dar a conhecer a história do Movimento de Renovação da Arte Religiosa (MRAR), desde a década de 1950. Procura-se, agora, uma arquitectura pobre para uma Igreja pobre, norteada por um cristianismo repensado como movimento para as periferias, para que sejam elas o centro da missão da Igreja. É neste horizonte que são acolhidas as propostas eclesiológicas e pastorais, abertas por João XXIII, pelo Vaticano II e retomadas de forma original pelo Papa Francisco. 

Não se procura um templo para Deus, mas uma casa que reúna a comunidade cristã aberta ao mundo, para que não se esqueça do verdadeiro Natal, Deus-connosco, Deus com os pobres e abandonados pelo nosso egoísmo, pelas desigualdades aberrantes entre os seres humanos, nossos irmãos.

Boas Festas!

in Público 20.12.2020

https://www.publico.pt/2020/12/20/opiniao/opiniao/deus-nao-precisa-templo-1943303

 



[1] 2Sm 7, 1-16

[2] Jo 4, 19-24

[3] 1Cor 3, 16-23

[4] Mt 1, 18-25. v. 23

Natal: Deus sem máscara

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

 

 

1. Ia eu na rua e uma jovem interpelou-me: “Já não se lembra de mim? Até me baptizou...”. E eu: “Puxa um pouquinho a máscara”, e ela puxou. “Continuas linda, Susana!...”.

Se eu algum dia imaginei que havíamos todos de andar de máscara! Antes também havia muita gente mascarada, mas as máscaras eram outras... Agora, impomo-nos o uso da máscara a nós próprios, por causa de nós e dos outros: para nos protegermos a todos, ao mesmo tempo que nos desprotegemos, porque ficamos sem a presença dos outros. Como faz falta vermo-nos cara a cara, falar cara a cara, tocarmo-nos, sorrir, rir, colocar os sentidos todos alerta na presença viva dos outros. Passámos a vida a dizer às crianças: “Dá um beijo ao avô, um beijo à avó, um beijo à tia...”. Agora, de repente, é tudo ao contrário, como se os outros fossem inimigos, pois até viramos as costas... Apertávamos as mãos, porque apertar as mãos é um gesto de encontro na paz: as mãos livres de armas vão ao encontro do outro, sem medo. Abraçávamo-nos de alegria pelo reencontro ou chorando pelo luto ou antecipando a saudade pela despedida. Agora, não há proximidade, até nos mandam, e bem, manter a distância (e até se dizia: “a distância social”, mas eu espero que seja só a distância física, espero que a outra — a espiritual, a afectiva — se mantenha e aprofunde).

Foi precisa a pandemia para que se nos tornasse inválida a afirmação de Sartre: “O inferno são os outros”. Afinal, é o contrário: a falta dos outros é que é o inferno, a solidão é um inferno.

2. Não é só, mas também, pela ausência ou pela perda que tomamos verdadeira consciência do valor das coisas e das pessoas. A falta que nos fazem os outros! Só quando alguém se nos morre é que verdadeiramente nos apercebemos da importância e valor dessa pessoa na nossa vida. A falta que nos faz o Natal, o Natal que dizemos normal! Mas essa falta também pode e deve ser uma oportunidade para um Natal melhor, mais verdadeiro, mais autêntico, mais íntimo, mais solidário. Afinal, esfalfávamo-nos na correria ditatorial das compras e esquecíamo-nos do essencial!

E o que é o essencial? Talvez já tivéssemos esquecido, mas o Natal é, antes de mais, a celebração deste acontecimento determinante da História: o nascimento de Jesus, o nascimento do ser humano bom, verdadeiro. Seja como for, não há figura histórica mais estudada (ainda há dias o especialista em cristianismo primitivo, que é agnóstico, Antonio Piñero, lembrava que continuam a ser publicados anualmente uns mil novos livros sobre Jesus) nem mais amada.

O que há neste homem, nascido há mais de dois mil anos, para arrastar multidões e ser uma referência determinante para a Humanidade? Segundo o ateu Ernst Bloch, Jesus agiu como um homem “pura e simplesmente bom, algo que ainda não tinha acontecido”, e Umberto Eco, que se dizia agnóstico, escreveu que, se fosse um viajante proveniente de galáxias longínquas, ao encontrar-se frente a uma Humanidade que soube propor o modelo de Cristo, com o amor universal, o perdão dos inimigos, a vida oferecida em holocausto pela salvação dos outros, “consideraria esta espécie miserável e infame, que cometeu tantos horrores, redimida pelo simples facto de ter conseguido desejar e crer que tudo isto é a Verdade”. Eduardo Lourenço, recentemente falecido, disse: “Não há nada superior a Jesus”. Até Nietzsche reconheceu, no seu O Anticristo, que no fundo só houve um cristão, mas esse morreu na cruz, e acrescentou: “Só uma vida como a daquele que morreu na cruz é cristã”.

Que vida foi essa? Porque é que o mataram?

Foi morto como blasfemo. Ergueu-se contra o Templo e a religião oficial que, em vez de libertarem o Homem, o esmagavam. Levantou-se contra o Sábado. “O Sábado é para o Homem e não o Homem para o Sábado” constitui talvez a afirmação mais revolucionária da história da consciência humana, pois coloca como critério último dos mandamentos do próprio Deus a realização e o bem-estar do ser humano.  Não era um asceta, e foi apelidado de “comilão e beberrão”: a salvação e a alegria são desde já e aqui, para todos.

Foi morto como subversivo sócio-político. Os seres humanos têm todos igualdade radical na dignidade inviolável, porque divina: já não há judeu nem grego nem homem nem mulher nem branco nem negro nem adulto nem criança nem livre nem escravo nem religioso nem ateu. Rebeldemente livre, Jesus não prestou culto nem a César nem ao Dinheiro, e o Deus a quem tratava terna e filialmente por Pai (também pode ser tratado por Mãe) não quer sacrifícios, mas misericórdia, e não se adora nem em Jerusalém nem em Guerizim, mas em espírito e verdade. A sua Boa Nova é o Reino de Deus da filadélfia, um Reino de amigos e irmãos.

A história das revoluções que têm Jesus na sua base está ainda por escrever. A maior delas é a revolução da ideia de Deus. Quereríamos um Deus-Poder que justificasse o nosso poderio de mando e subordinação. Mas o Deus de Jesus não se confunde com o Poder da dominação, Ele é omnipotente, não no sentido de dominar, mas como Força infinita de criar e promover. Por isso, no Natal, não veio em poder e glória, mas humilde, revelou-se num rosto de criança, que chora, que ri, que se pode tocar. Um Deus que não está longe, mas próximo dos homens e das mulheres, dos jovens e das crianças, um Deus bom, amigo, amável e misericordioso para todos.

Para os cristãos, a Transcendência divina tem um rosto reconhecível, sem máscara: o homem Jesus, confessado como o Cristo e Filho de Deus.

Bom Natal!

in DN 19.12.2020

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/19-dez-2020/natal-deus-sem-mascara-13146429.html?target=conteudo_fechado

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QUE COISA
SÃO AS NUVENS

JOSÉ
TOLENTINO
MENDONÇA

 

ENSAIO SOBRE A DÁDIVA

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O MIÚDO FICOU ALI POR MUITO, MUITO TEMPO, OBSERVANDO O ESPAÇO E A NOITE PROFUNDA COM BILIÕES DE LUZINHAS BRANCAS QUE CINTILAVAM

Seria importante, é claro, que o Natal não ficasse reduzido à sua expressão sociológica, mas para isso precisamos iluminar criticamente algumas das nossas práticas. Um texto referencial do século XX, o “Ensaio sobre a Dádiva”, de Marcel Mauss, deixou explicado que o fio condutor de todo o sistema de trocas é a noção de “aliança”. Para Mauss, a argamassa concreta das sociedades é essa constante transação do dar-e-receber e do receber-e-retribuir. Ora, uma manifestação sazonal desse postulado são as prendas de Natal. Lidamos, no fundo, com elas como dispositivos simbólicos capazes de produzir ou de sedimentar alianças, e de fazê-lo talvez mais eficazmente (ou, pelo menos, mais rapidamente) do que outros fatigantes recursos existenciais que experimentamos. Mas felizmente o exercício da dádiva rompe por vezes com o básico esquema binário. O dom nem sempre se esgota na previsibilidade da troca: pode tornar-se uma atividade pura, uma excedência que transcende o cálculo. É o próprio Marcel Mauss que recorda que a dádiva reclama a disponibilidade para, em algum momento, cedermos ao outro uma parte de nós mesmos.

Um dos mais inesquecíveis contos de Natal foi escrito por Ray Bradbury creio que para dizer isso. A cena passa-se a 24 de dezembro de 2052, numa nave espacial, a caminho de Marte, quando essas viagens se tornaram populares. Um casal nova-iorquino leva o filho pequeno pela primeira vez nesse vaivém interplanetário. No terminal terrestre surge, porém, um contratempo aborrecido: traziam uma árvore de Natal com belas luzinhas brancas e um presente para o filho (sabiam já que passariam o Natal algures no espaço, ainda distantes do seu destino), mas na alfândega os funcionários mostraram-se intransigentes. A mãe estava inconsolável, o pai furioso, mas decidiram não partilhar essa notícia com o rapaz. Embarcariam e alguma ideia lhes ocorreria. Com este pensamento adormeceram na nave.

O dom nem sempre se esgota na previsibilidade da troca: pode tornar-se uma atividade pura, uma excedência que transcende o cálculo

Era quase meia-noite — pelo menos os relógios regulados pela hora de Nova Iorque assim o diziam — quando o miúdo os acordou: “Quero ver o espaço através da escotilha... Quero saber onde estamos.” A escotilha era o único óculo da nave, uma janela ampla de cristal com uma espessura impressionante. Mas o pai, que não parara de matutar na árvore de Natal e no presente apreendidos, trava o filho: “Deixa-me ir primeiro tratar de um assunto e venho depois buscar-vos.” E continuou: “É que faltam 30 minutos para o Natal.” A mulher olhou-o atónita, sem compreender. O miúdo vibrou: “Sim, sim. Mal posso esperar pela árvore que me prometeram e pelo presente.” Os olhos da mãe redobraram de aflição, mas o pai levantou-se e subiu em direção à ponte. Deixou-os a sós cerca de 20 minutos e regressou a sorrir: “Vamos. É quase hora.” Percorreram um corredor até estacionar perante uma porta fechada. O pai bateu três vezes, e depois duas, segundo um sinal previamente combinado, e, quando a porta se abriu, alguém apagou as luzes da cabina. “Entra, filho” — disse o pai. “Está escuro” — retorquiu o rapaz. “Segura as nossas mãos.” E assim foi. Entraram naquele compartimento. Estava realmente muito escuro. Diante deles apenas o grande óculo de cristal através do qual podiam olhar a vastidão. No compartimento às escuras uma voz, que não a deles, começou então a entoar uma velha canção ligada à quadra. “Bom Natal, meu filho” — sussurrou-lhe o pai. O miúdo avançou lentamente até colar a cara ao cristal frio da escotilha. E ficou ali por muito, muito tempo, observando o espaço e a noite profunda com biliões de luzinhas brancas que cintilavam.

in Expresso 18.12.2020 pg 182

https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2512/html/revista-e/que-coisa-sao-as-nuvens/ensaio-sobre-a-dadiva

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À PROCURA DA PALAVRA

P. Vitor Gonçalves

DOMINGO IV DO ADVENTO Ano B

“Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo:

«Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo».”

Lc 1, 27

Para Deus e com Deus

 

“Mas, como dizer-lhe “não”? / Como negar ao sol o ser direito de ser luz e iluminar? / Como regatear com Ele, / pôr-Lhe condições, pedir-Lhe garantias? / O amor é assim: eleger sem eleição. // E “faça-se” Lhe disse. / E recordo que o anjo sorriu / como se acabasse de tirar-lhe um grande peso de cima, / como se agora pudesse já atrever-se a regressar ao céu. / E um pássaro cruzou por trás da janela. / E a tarde pôs-se como se o sol sangrasse. / E o ar encheu-se de sinos / como se o próprio Deus estivesse contente.” (tradução livre de um poema de José Luís Martin Descalzo.)

 

 Há um encanto e uma intimidade no encontro da Anunciação a Maria que só os poetas e os artistas conseguem captar profundamente. Não há melhor meditação do que contemplar a beleza das numerosas “anunciações” que podemos até visitar num écran de computador. De Fra Angelico a Grão Vasco, de Leonardo a El Greco, pelos traços de todos passa a delicadeza de um mistério que pede novos olhos e novos corações. Deus já não precisa de perguntar “onde estás?”, como no jardim do Éden, e em tantos outros lugares dos homens onde nos escondemos. Maria está, não é preciso chamá-la, e deseja em nome de todos nós ser encontrada. E o diálogo acontece, com o sabor do que é novo e primeiro: Deus totalmente a dar-se e a humanidade totalmente a recebê-l’O. E um suspense paira no ar, preso aos lábios de Maria antes de ela dizer: Ecce…Fiat”!

Gostaríamos de fazer muitas coisas para Deus. Assim o exprimiu o rei David, acabando por ser lembrado de tudo o que Deus fez por ele. E connosco acontece o mesmo quando fazemos memória de tudo o que Deus já fez por nós. Maria deixa Deus entrar nela. Consente activamente e num abandono total que as obras de Deus se realizem nela e por ela. Se deixamos que Ele entre em nossa casa, mesmo que esteja desarrumada, é para que Ele viva em nós e nos transforme. Não se trata de trabalhar para Deus, mas maravilharmo-nos que Ele queira fazer tudo connosco. Não é tão diferente “fazer para” e “fazer com”? Lembra o cuidado com aqueles que amamos: se são pequenos e frágeis, fazemos “para”, mas quando crescem e se robustecem, fazemos “com”. Assim também nos projectos e empreendimentos humanos, na vida das famílias e das comunidades, na resolução de problemas e na ousadia de sonhar: tudo é mais de todos e para todos quanto mais é feito com todos! E Deus não exclui ninguém da sua empresa!

Ao “faça-se” de Maria queremos juntar os nossos. Mesmo frágeis e inconstantes, é sempre possível renová-los. Acreditando que “a Deus nada é impossível” e que Ele conta com os nossos “possíveis”. Como que parafraseando uma expressão de um movimento cristão: “Cristo com(igo), maioria absoluta”!

in Voz da Verdade, 20.12.20

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