14 fevereiro 2014

BLOCO DE NOTAS

 
1. O Estado português, mediante o seu governo, deveria exigir uma grande indemnização à Toika, pois ela própria confessa que a receita da austeridade aplicada prejudicou muitos sectores da economia nacional. Se um médico prescreve uma receita, é para curar uma doença. Se ele se enganar e, sobretudo, se avisado persistir na receita, pode ser obrigado a pagar uma indemnização à vítima. Os representantes do FMI, da CE e do BCE, em Portugal, solidarizaram-se com a auto-crítica da senhora C. Lagarde. E não acontece nada?!

2. Os testes internacionais do PISA evidenciam excelentes melhorias nos resultados do nosso sistema escolar, desde o ano 2000. Avisam que alterações à linha seguida podem prejudicar estes bons resultados. As opções quanto à investigação científica e ao ensino superior revelam a sua boa orientação através dos muitos prémios nacionais e internacionais. As medidas da Troika podem prejudicar o caminho percorrido. A grande emigração de jovens diplomados afecta o futuro do país.

3. O desemprego jovem, ou de longa duração, não encoraja a vontade de pôr crianças neste mundo. Este é, talvez, a pior das austeridades.

4. A privatização de empresas fundamentais e lucrativas não é a melhor forma de arranjar dinheiro para pagar a dívida.

5. A nível global, há 35 mil milhões de dólares estacionados em paraísos fiscais. Este montante, que é equivalente a toda a riqueza a criar em Portugal nos próximos 135 anos, mina o comércio internacional e cria uma bola de neve de batota fiscal, com consequências danosas para a economia mundial (João Pedro Martins).

6. A revista Time elegeu o Papa como a figura do ano. Como explicou o seu chefe de redacção, ele situou-se no centro dos mais importantes debates do nosso tempo: sobre a riqueza e a pobreza, equidade e justiça, transparência, modernidade, globalização, papel das mulheres, natureza do casamento e as tentações do poder. No programa Prós e Contras, do dia 9.12.2013, sobre as intervenções do Papa Francisco, com honrosas excepções, martelou-se a ideia de que ele não trouxe nada de novo. Além disso, não sabe nada de economia, doutro modo não diria que esta economia mata. Insistiu-se no facto da Igreja (creio que confundida com a hierarquia) ter um problema de comunicação. Esta Papa é um bom comunicador, mas é melhor ler as encíclicas de Bento XVI e espera-se que escreva um documento a sério sobre a pobreza.

Este método de desclassificação da mensagem e do mensageiro quando não nos agradam é muito velho. Vem direitinho em S. Lucas: (…) não podeis servir a Deus e ao Dinheiro. Os fariseus, amigos do dinheiro, ouviam tudo isto e zombavam dele. Jesus disse-lhes: vós sois como os que querem passar por justos diante dos homens, mas Deus conhece os corações; O que é elevado para os homens, é abominável diante de Deus (Lc 16, 13-15).

7. No já referido programa surgiu outro tema, que tem tanto de interessante como de aberrante. Refere-se às motivações do Papa, ao preocupar-se com os pobres, os excluídos, as vítimas da história. Insistiu-se que era por causa de Cristo que o Papa chamava a atenção para esse mundo. Não era por causa dos excluídos. Era por razões teológicas e cristãs, por motivos sobrenaturais.

Eu já tinha conhecido um professor de teologia moral que sustentava, perante os alunos, que o amor dos pais pelos filhos só tinha mérito se os amasse por amor a Deus. Os filhos não contavam por serem filhos. Agora, o amor, a dedicação, o socorro dos aflitos só valem se forem uma prática em nome de Cristo. Sem Cristo isso não vale nada.

Espero que o Papa tenha excelentes motivações sobrenaturais. Mas este socorrismo sobrenatural tem, pelo menos, o inconveniente de contradizer o capítulo 25 de S. Mateus e a parábola do Samaritano. Sem nenhum motivo teológico invocado, o Senhor da história diz que aqueles que socorreram os que precisavam, só porque precisavam, sem outro motivo, foi ao próprio Deus que serviram. Jesus escolheu o exemplo de um samaritano – membro do povo adversário de Israel – para o contrapor ao comportamento do sacerdote e do levita, que viram a vítima de um assalto na valeta e passaram adiante.

8. O Papa Francisco, desde o começo das suas atitudes e intervenções até à recente Exortação Apostólica tem proposto a revisão da teologia, da pastoral e das espiritualidades mais recentes e mais em voga. Em muitos casos, tem sido um universo de clérigos e leigos de olhos fechados. Por causa de Deus não vêem o mundo. De facto, nem é por causa de Deus. Já no Genesis, Deus fazia perguntas aborrecidas: que fizeste ao teu irmão? Segundo o Novo Testamento, todo o bem que se faz - só porque o outro precisa - é o encontro com o Absoluto. E até se pode invocar o nome de Deus em vão: não é quem diz Senhor, Senhor que entrará no Reino dos Céus. O seguimento de Jesus nem sempre é por bons motivos: os filhos de Zebedeu, que tinham largado tudo para o seguirem, procuravam fazer carreira política. Desconfio muito de uma religião despreocupada com a transformação dos mundos da injustiça. É uma religião sem ética. É miserável a religião que não é afectada pela miséria daqueles que nada podem fazer pelo seu futuro. A solidariedade que favorece a preguiça é um roubo.

Bom ano!

Frei Bento Domingues, O.P.

12.12.2013

in Mensageiro de Santo António

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