P / INFO: Crónicas de Frei Bento Domingues,
O.P., Pe. Anselmo Borges, Pe Tolentino Mendonça, Pe. Vítor Gonçalves & Cardinal Kasper says Francis will allow married priests, if bishops request it
Pentecostes:
só a muitas vozes!
Frei Bento Domingues, O.P.
Muitas
vezes se contrapôs o mito do Pentecostes ao da Torre de Babel quando, de modo
diferente, são ambos a apologia da diversidade.
1. É muito bela a narrativa mítica da Torre de Babel e, a meu ver, muito
mal interpretada. A diversidade das línguas e a dificuldade que ela representa,
para a chamada comunicação, é um dado da experiência universal. O desejo/sonho
de uma só língua, para ser realizado, precisa de um poder dominador universal
que elimine todas as outras. No referido mito, é a intervenção de Deus que se
opõe a esse imperialismo de destruição da diversidade linguística para a
realização de projectos megalómanos [1]. Muitas vezes se contrapôs o mito do
Pentecostes [2] ao da Torre de Babel quando, de modo diferente, são ambos a
apologia da diversidade. No Pentecostes, cada qual os ouvia falar na sua
própria língua. Estupefactos e surpreendidos diziam: Não são todos galileus,
esses que estão a falar? Como é que cada um de nós os ouve na sua própria
língua materna?
O universalismo do movimento cristão não é uma razia da diversidade
cultural e linguística. O desejo de catecismos universais e de um direito
canónico, onde está tudo previsto, são incapazes de se converterem à
diversidade na História da Igreja. Apesar do Vaticano II, a unicidade nas expressões
da Fé cristã continua a contrariar a pluralidade cultural, mesmo dentro de um
só país.
2. Este Pentecostes foi preparado por alguns acontecimentos
significativos em relação ao desejado pluralismo.
O célebre historiador José Mattoso, ao receber o Prémio Árvore da Vida,
reconheceu que um conjunto de personalidades tem feito da fé cristã o
fundamento da sua obra cultural. “Em vez de oporem a fé à racionalidade,
inspiram-se nela para produzir cultura. Houve tempos e lugares em que esta
associação se considerava impossível. A fé opunha-se à ciência, à razão e à
cultura. Hoje o diálogo tornou-se pacífico, e a crença é, para muitos, fonte
verdadeira de inspiração cultural.”
Lembrou ainda que “a obsessão uniformizadora do catolicismo quinhentista
e seiscentista persistiu durante os séculos seguintes e levou, por exemplo, a
proibir a leitura de Erasmo, a condenar Copérnico, a criar a Inquisição, a
legitimar a tortura, a proibir a leitura da Bíblia em língua vulgar, a fazer
abortar os primeiros ensaios do Liberalismo Católico”.
"Creio que temos alguma coisa a aprender com a História, sobretudo
com a história da espiritualidade e das ordens religiosas. Tal como no século
XV, procuramos conciliar a pluralidade das iniciativas e experiências, com a
necessária firmeza e unidade da Igreja. Creio que só um pluralismo de raiz
evangélica, fruto da Palavra única de Jesus Cristo, pode conciliar a imensidade
e a multiplicidade das suas incarnações, no tempo e no espaço.” [3]
Realizou-se, em Lisboa, na Faculdade de Letras, na Universidade Nova e no
Convento de S. Domingos, de 20 a 22 de Maio de 2019, um Simpósio Internacional
de exegetas, em homenagem a Frei Francolino Gonçalves, O.P. (1943-2017),
investigador e professor da Escola Bíblica de Jerusalém. Só um simpósio deste
nível podia celebrar o seu contributo inovador na exegese bíblica. A sua teoria
dos dois Iaveísmos – o universalista e o nacionalista – permite uma leitura
libertadora, do Antigo Testamento, com novas perspectivas, tanto no campo da
exegese bíblica como no da teologia e da acção pastoral da Igreja.
Eduardo Lourenço, autor de uma imensa obra inaugurada pela publicação de
Heterodoxia (1949), recebeu, no seu dia de anos, o Prémio Livraria Lello. O
papel desta obra, para a sociedade portuguesa, foi incomparável. Se a nossa
hierarquia eclesiástica a tivesse acolhido, muitos dos Vencidos do Catolicismo,
evocados por Ruy Belo, teriam sido vozes múltiplas do Pentecostes que muitos
esperaram em vão.
Quem poderia imaginar, nesse tempo, o que o actual Bispo do Porto disse no
funeral de Agustina Bessa-Luís? São palavras suas: “Obrigado, Deus, porque nos
deste uma pessoa de tão alta categoria intelectual, religiosa, cristã; e
obrigado Agustina, por esta extraordinária lição de teologia que a tua vida
acabou por nos dar.” [4]
3. No âmbito da programação desenhada para 3.º Ciclo, do Núcleo Parque
dos Poetas/Templo da Poesia, da Câmara Municipal de Oeiras, depois de os
anteriores dedicados a Camões e a Fernando Pessoa, chegou a vez de Sophia de
Mello Breyner Andresen. Entre as múltiplas perguntas acerca desta grande poeta,
fui convidado para responder a uma pouco usual: Sophia foi crente?
No longo Prefácio [Pórtico] aos Contos Exemplares, o célebre Bispo do
Porto, António Ferreira Gomes, escreveu: “Cristã e mesmo quase litúrgica é a
vivência poética de Sophia nos seus Contos (dizemos bem, poética, porquanto de
prosa aqui não há mais que o aspecto gráfico, íamos a dizer tipográfico). (...)
E que melhor liturgia natalícia da Palavra se poderia desejar do que essa
extraordinária parábola de Os Três Reis do Oriente?” [5]
Na sua notável obra, Helena Malheiro dedicou um capítulo à Viagem Sagrada
de Sophia [6]. Eu próprio me referi, em dois pequenos textos, à dimensão
original da sua concepção religiosa e cristã [7].
Não disponho de espaço para mostrar, através dos seus poemas, a
originalidade da sua fé. Não era panteísta nem ateia. A grande tarefa de Sophia
foi a de não desqualificar a realidade imanente em nome da transcendência de
Deus. Não eclipsar o mundo para encontrar o divino: Senhor sempre Te adiei/
embora sempre soubesse que me vias/ Quis ver o mundo em si e não em ti/ E
embora nunca te negasse te apartei.
O seu longo poema, A casa de Deus, assume as ciências, as técnicas, as
artes: Os homens a constroem na terra/ Situada no tempo/ Para habitação da
eternidade.
Como ela própria diz, nesta casa celebramos a Páscoa porque Deus nos
criou para a alegria.
in Público
9.06.2019
[1] Gn 11, 1-9
[2] Act 2 1-13
[3] Ver o texto na íntegra no site do Secretariado Nacional da Pastoral
da Cultura.
[4] Quem desejar conhecer a sua atitude de católica militante, algo
heterodoxa, veja A Educação na Fé, in Agustina Bessa-Luís, Contemplação
carinhosa da Angústia, Guimarães Editores, 2000, 335-348; Maria Luiza Sarsfield
Cabral, A dimensão religiosa na obra de Agustina Bessa-Luís, in Frei Bento
Domingues e o Incómodo da Coerência, 419-445
[5] Sophia de Mello Breyner Andresen, Contos Exemplares, Figueirinhas,
35.ª edição, 2004 (1962), pág. 35
[6] Helena Malheiro, O Enigma de Sophia. Da Sombra à Claridade, Oficina
do Livro, Lisboa, 2008, 239-274
[7] Frei Bento Domingues, O.P., Sophia: Uma poesia do limiar, in
Homenagem a Sophia de Mello Breyner Andresen. Actas. 3 e 4 de Maio de 2000,
Areal Editores, 12-16; Não eclipsar o mundo para encontrar o divino, in JL de 8
a 21 de Maio. 2019, 11
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'O Filho de Maria'
Anselmo
Borges
Padre e
professor de Filosofia
1. Um dia,
num debate, perguntei ao eurodeputado Paulo Rangel sobre a crítica e até
hostilidade à Igreja Católica, também no meio político, a nível europeu. Ele
respondeu que essa crítica existe e que a hostilidade se estende também à
Igreja ortodoxa, menos às Igrejas protestantes. Mas sublinhou: “Nunca ouvi
alguém dizer mal de Jesus”.
Jesus é uma
das figuras “decisivas, determinantes”, da História, como sublinhou o grande
filósofo Karl Jaspers. Penso mesmo que é, quando se pensa fundo, a figura mais
revolucionária. A partir da revelação de que Deus é Amor e de que todos os
seres humanos valem para Deus, a ponto de o critério último que decide da
salvação definitiva ser determinado pelo que se faz pelos outros nas
necessidades mais imediatas, porque é a Deus, mesmo sem o saber, que se faz —
“destes-me de comer, de beber, vestistes-me, foste ver-me ao hospital e à
cadeia... —, independentemente do sexo,
género, religião, cor, etnia, opção filosófica ou política, foi
germinando a ideia da igual dignidade de todos.
Os grandes
pensadores tiveram consciência disso. O próprio conceito de pessoa apareceu no
contexto dos debates teológicos à volta da compreensão da pessoa de Jesus. Hegel
reflectiu bem que a consciência da liberdade, da igualdade e da dignidade veio
ao mundo pelo cristianismo. Ouvi o filósofo ateu Ernst Bloch declarar: “Nenhum
ser humano pode ser tratado como gado, e isso sabemo-lo pelo cristianismo”.
Também escreveu: Jesus agiu como um homem “pura e simplesmente bom, algo que
ainda não tinha acontecido”. Jürgen Habermas, o filósofo vivo mais influente,
reflectiu que a democracia, que se expressa em eleições livres com igual valor
dos votos — “um homem, um voto” —, é a transposição para a política da ideia
cristã de que cada homem e cada mulher são filhos de Deus. A liberdade, a
igualdade, a fraternidade assentam no Evangelho. Aliás, a consciência dos
direitos humanos e a sua proclamação
deram-se em contexto judaico-cristão. Onde é que nasceu a Declaração dos
Direitos Humanos? Foi na China? Foi na Arábia? Mesmo se, desgraçadamente, foi e
vai sendo preciso impô-la também à própria Igreja enquanto instituição...
Mahatma Gandhi deixou estas palavras: Jesus “foi um dos maiores mestres da
Humanidade.” “Não sei de ninguém que tenha feito mais pela Humanidade do que
Jesus. De facto, nada há de mau no cristianismo.” Mas acrescentou: “O problema
está em vós, os cristãos, pois não viveis em conformidade com o que ensinais.”
E tem razão.
É necessário
confessar e denunciar os erros, fragilidades, exploração brutal, até obscena,
por parte da hierarquia eclesiástica, crimes do cristianismo histórico, mas é
indubitável que da compreensão dos direitos humanos e da democracia, da tomada
de consciência da dignidade inviolável de todo o ser humano, homens e mulheres,
da ideia de História e do progresso, da separação da Igreja e do Estado,
portanto, da laicidade, de modo que crentes e ateus têm os mesmos direitos, faz
parte inalienável a mensagem originária do cristianismo.
O
cristianismo tem no seu activo também, e sobretudo, o maior impulso para a
esperança no sentido último da existência. Mais uma vez, Ernst Bloch, o
filósofo ateu da esperança, viu bem, ao escrever: “O cristianismo, na concorrência
com outros profetas da imortalidade e da sobrevivência, venceu em grande parte
graças à proclamação de Cristo: ‘Eu sou a Ressurreição e a Vida’. No século
primeiro depois do acontecimento do Gólgota, a ressurreição foi referida ao
Gólgota de uma forma inteiramente pessoal, de tal modo que pelo baptismo na
morte de Cristo se experiencia a ressurreição com ele. Imperava então um
desespero apaixonado, que hoje nos parece incompreensível.” De facto, hoje,
face ao Além e à vida eterna, o que parece estar em vigência é a indiferença.
Mas Bloch prevenia: “Nada impede que dentro de 50 ou 100 anos volte essa
neurose ou psicose de angústia da morte, de tipo metafísico, com a pergunta
radical: para quê o esforço da nossa existência, se morremos completamente, vamos
para a cova e, em última instância, não nos resta nada?”
2.
Recentemente, também Juan José Tamayo chamou a atenção para a influência de
Jesus: “Toda a gente coincide em que Jesus foi uma pessoa eticamente sem
mácula”. E apresentou vários testemunhos de cristãos, mas também de não
cristãos e até de ateus. Gandhi escreveu: “O espírito do Sermão da Montanha
exerce em mim quase o mesmo fascínio que a Bhagavad Gita. Este sermão é a
origem do meu afecto por Jesus.” A filósofa Simon Weil: “Antes de ser Cristo, é
a verdade. Se nos desviarmos dele para ir ao encontro da verdade, não andaremos
muito até cair nos seus braços”. J.-J. Rousseau confessava: “Se a vida e a
morte de Sócrates são as de um sábio, a vida e a morte de Jesus são as de um
Deus”. Albert Camus: “Eu não creio na sua ressurreição, mas não esconderei a
emoção que sinto perante Jesus e o seu ensinamento. Diante dele e da sua
história, só sinto respeito e veneração”. Nietzsche, que proclamou a morte de
Deus, define Jesus como o “bom mensageiro”, que “morreu como viveu, como
ensinou, não para ‘redimir os homens’, mas para mostrar como se deve viver. O
que ele legou à Humanidade é a prática: o seu comportamento perante os juízes,
perante os verdugos, perante os acusadores e toda a espécie de calúnia e mentira,
o seu comportamento na cruz.”
3. Sobre
Jesus há um consenso universal. E poderíamos citar escritores, filósofos,
teólogos, poetas, artistas, romancistas, realizadores de cinema, cientistas,
representantes das várias religiões...
Para citar
um português, fica aí o testemunho da escritora Lídia Jorge, que acaba de
publicar na sua obra O Livro das Tréguas este belíssimo e comovente diálogo de
Maria com o Filho, Jesus, num poema pregnante, intitulado precisamente “O Filho
de Maria”:
“Filho,
enquanto eu ordenho as cabras, porque não te sentas/
à sombra da
videira e não entranças as gavinhas como os outros/
meninos
fazem? Não imitas o canto do galo, não desenhas
o burro na
areia?/
- Mãezinha,
eu estou a ler as escrituras para amanhã/
ir discutir
com os sábios./
Filho,
gostava que carpinteirasses uma mesinha, quatro cadeiras/
um leito
alto, e cativasses uma rapariga como a filha da vizinha/
a linda
Madalena, para a aninhares à noite/
na tua
túnica./
- Mãe, eu
estou guardado para o indizível, não posso/
envolver-me
com descendência humana./
Filho, a lua
apareceu vermelha, pressinto perigos. Não acompanhes/
o teu primo
João, aquele que vive das ervas do deserto e prega contra o rei/
como se
fosse um guarda. Podem ferir-te, podem matar-te/
meu
estremecido filho./
- Mulher,
falas demais, o meu tempo não é este tempo/
melhor é
afastares-te do meu caminho./
Filho meu,
batido, cruxificado, desfalecido, aqui tens a tua mãe/
mais o José
de Arimateia, e azeite morno para suavizar as tuas feridas./
Para lavar
os teus pés, as minhas lágrimas, e antes que te dêem/
vinagre e
fel, um púcaro de água. Estou no chão, a minha alma/
está de
rastos. Ainda me ouves?/
- Pai
distante, meu pai, só penso em subir ao céu, para me sentar/
à tua
direita, além das nuvens e dos astros.
in DN,
09.06.2019
www.dn.pt/edicao-do-dia/09-jun-2019/interior/o-filho-de-maria-10991324.html?target=conteudo_fechado
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QUE COISA SÃO AS NUVENS
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
DANIEL
VINTE ANOS APÓS A SUA
MORTE, SERÁ QUE NÃO CHEGOU O MOMENTO DA SUA LUZ SER ENTREVISTA, COM A LIMPIDEZ
HISTÓRICA E ESPIRITUAL QUE A SUA POESIA MERECE?
“A lei das
coisas é tombar/ Interrogando-se”
Daniel Faria
Há vinte
anos morria Daniel Faria. Morreu no dia 9 de junho de 1999, aos 28 anos de
idade, no Hospital de São João, no Porto. Nessa altura, poucos sabiam o que
hoje se tornou claro: que aquele discreto rapaz, que terminava o seu noviciado
beneditino no mosteiro de Singeverga, foi um dos mais importantes poetas
portugueses nascidos no século XX, e que caberá ao século XXI a tarefa de
descobri-lo. De facto, a “hora de legibilidade” de uma obra ou de autor, não é
necessariamente coincidente com o momento histórico da sua origem. Refere, a
esse propósito, Walter Benjamin: “O índice histórico das imagens diz, de facto,
que não só elas pertencem a uma época específica, mas sobretudo que alcançam
apenas a sua legibilidade numa época determinada.” Decorridos vinte anos da sua
morte, será que não chegou o momento da sua luz ser entrevista, com a limpidez
histórica e espiritual que a sua poesia merece?
Eu avançaria
três razões para a sua urgente leitura. A primeira prende-se, paradoxalmente,
com a sua inatualidade. De facto, um dos traços desassombrados da obra de
Daniel Faria é o desta intransigente inatualidade, como se ele resistisse a
integrar a sociedade do espetáculo, onde tudo parece estar submetido ao primado
do imediato, do simultâneo, do comunicável. Daniel Faria reivindica a vida do
espírito, seja na sua expressão artística ou religiosa, como “espaço não
comunicante”, ligando-se ao que Lévinas escreveu sobre a arte: “A arte não
pertence à ordem da comunicação.” Este obscuro que só pelo obscuro se toca,
aproxima-nos justamente do conhecimento de natureza mística. Por isso, Daniel
Faria vai explicando: “Deus sobe os degraus com a noite nos braços.” Ou: “A
noite ativa a noite — é um motor imenso.” Ou ainda: “O amante tece da pobreza o
vestido novo.”
Daniel Faria reivindica a vida do
espírito, seja na sua expressão artística ou religiosa, como “espaço não
comunicante”
A segunda
razão é esta: do mesmo modo que a tradição insiste em dizer que o monge André
Rubliev não pintou, mas escreveu os ícones, nós poderemos dizer que o monge
Daniel Faria não escreveu, mas pintou os poemas. De facto, mais do que
comprometido com a tarefa do dizer (“A união/ É desposarmo-nos brancos/ Sem
palavras”), Daniel esteve vitalmente empenhado em redesenhar o ícone (“Que te veja
— ó incêndio”), restituindo à poesia a sua vocação litúrgica. O que é o ícone?
O ícone é a pulsação do vasto invisível, espelho metafísico, lençol que fixa
“espetáculos misteriosos e sobrenaturais”, como uma máxima de Dionísio, o
Areopagita, refere. Mas não só: o ícone acaba por constituir também uma espécie
de onda propagadora da própria realidade divina. A representação faz emergir
misteriosamente a presença. A tarefa do poeta é, assim, equivalente à de Moisés
diante da sarça ardente: “Perceber que tudo se incendeia/ Ao estender do
corpo.”
Por fim, a
terceira razão é constatar como a sua poesia nos coloca na esfera do drama:
“Tenho medo de morrer depois da morte/ Tenho medo de morrer antes da vida.”
Numa época onde parece não haver nada a esperar ou a perder, o drama
extinguiu-se. A vida torna-se progressivamente indolor. Contrariando essas
derivas, Daniel Faria recorda que há em nós um divino drama em curso:
“Transforma o coração na coisa desamada/ No vaso a transbordar que quebras com
a boca/ E asperge/ a tua pulsação no meu sangue.” É difícil encontrar na poesia
portuguesa contemporânea outra evocação tão constante do sangue, da ferida, da
nudez, da lâmina, da solidão ou da morte. Mas também é difícil outra evocação
tão jubilosa da condição nupcial da vida.
in Semanário
Expresso, 058.06.2019
leitor.expresso.pt/semanario/semanario2432/html/revista-e/que-coisas-sao-as-nuvens/daniel
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À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves
DOMINGO DE PENTECOSTES Ano C
“A paz esteja convosco.
Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós.”
Jo 20, 21
Pequenas flores de jacarandá
Contamos com eles e sempre nos surpreendem.
Por entre os prédios, num jardim desconhecido,
numa esquina habitual, em grupo ao longe, ou apenas um, a
dizer “ergue o olhar!”,
florescem os jacarandás de Lisboa em explosões de azul, roxo
e lilás.
Antes de brotarem as folhas, as flores anunciam o verão,
meio confundidas com os ritmos baralhados das estações,
e há quem sempre alguém desperto para apontar o primeiro a
florir.
São os meus amigos do Pentecostes,
do céu que desce à terra e traz a paz,
no sopro renovador de Jesus vivo a desafiar portas fechadas
e a convocar para a explosão do amor que nem o mal nem a
morte podem impedir.
Irrompe no cinzento da vida, contra a medição escrupulosa do
coração,
a surpresa da sua presença provocadora e pacífica,
(será o Espírito, serão as flores…?),
que convida a parar, a receber a graça de
e a provocar outros a levantar os olhos ou a saltar da
engrenagem.
O que era promessa é agora verdade, e só dói o tempo
desperdiçado
em insignificantes ilusões de bons funcionários;
o tempo em que não soubemos estar
por haver tantas coisas a fazer.
Na ousadia do novo e na coragem do inesperado
há uma beleza que nos desperta (serão as flores, será o
Espírito…?)
a contemplar o que julgamos ver,
a estar atentos ao que julgamos insignificante ou provocador,
a reconciliar o que parecia perdido.
As palavras e o sopro dos lábios de Jesus,
sabem a nova criação, ao Deus-connosco até ao fim dos tempos.
É Ele que na lenta descoberta da grandeza que somos,
em incontáveis e subtis sinais do seu Espírito,
quais pequenas flores de jacarandá,
nos desinstala para belezas maiores e mais intensas.
Contamos com Ele e sempre nos surpreende.
in Voz da Verdade,
09.06.2019
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Cardinal Kasper says Francis will allow married
priests, if bishops request it
Inés San
Martín
ROME BUREAU
CHIEF
ROME - German
Cardinal Walter Kasper, considered a close theological adviser to Pope Francis,
said that if during an upcoming meeting of bishops on the Amazon region the
prelates asked for the ordination of married men, the Argentine pontiff would
grant the request.
He also said that the
ordination of women, even to the diaconate, is out of the question, as it would
undermine a “millennia old tradition,” noting, however, that the Catholic
Church would “collapse” without women.
“If the bishops agreed
through mutual consent to ordained married men - those called viri
probati - it’s my judgement that the pope would accept it,” said
Kasper, former president of the Vatican’s Council for the Promotion of
Christian unity. “Celibacy isn’t a dogma, it’s not an unalterable practice.”
“Personally, I’m very
much in favor of maintaining celibacy as an obligatory way of life with a
commitment to the cause of Jesus Christ, but this doesn’t exclude that a
married man can carry a priestly service in special situations,” Kasper said.
The question of ordaining
married men could be discussed during the Synod of Bishops on the Amazon, that
will take place this October in Rome.
Francis addressed the
issue of possibly ordaining married men at length in January, during the in-flight press conference on the way back to Rome from
Panama.
“I would rather give my
life than to change the law on celibacy,” Francis said, quoting St. Paul VI,
who as the Argentine pontiff noted, was speaking “when times were tougher than
now, in 1968-1970.”
“I’m not in agreement
with allowing optional celibacy. No,” he said.
Francis did add, however,
that he believes theologians should study the possibility of “older married
men” being ordained, in “far, faraway places,” such as the islands in the
Pacific, but even then, ordained only to celebrate Mass, hear confessions and
anoint the sick.
The pope cited Bishop
Fritz Lobinger from South Africa, who’s written on this issue. Yet, he
insisted, this is a matter to be “prayed on” and discussed by theologians, and
one he personally hasn’t meditated on enough.
“It’s not for me to
decide. My decision is, optional celibacy before the diaconate, no,” referring
to the fact that future priests typically are first ordained as deacons. “I
will not do this. I don’t feel like standing in front of God with this
decision,” Francis said.
Speaking in particular
about female deacons, Kasper said that women today do “ten times more than what
female deacons did” as they were described in the Bible.
Francis instituted a
commission in 2016 to look into the historical role women deacons had in the
early church. The result of their study, according to the pontiff, is so far
inconclusive.
“On the basis of the New
Testament, there’s an uninterrupted tradition not only in the Catholic Church
but in all the churches of the first millennium, according to which ordination
and consecration are reserved only to men,” Kasper said in his interview with
the German newspaper Frankfurter Rundschau, which was also
posted on the website of the German bishops’ conference.
He also said that,
despite the fact that there’s “little movement” right now on the matter of
ordaining women to the diaconate, women are doing a lot in the Church, and the
institution has to do a better job at acknowledging that without their work,
any diocese or parish would “collapse tomorrow.”
“It seems to me that it’s
more important that today, women- pastoral assistants, ministers, teachers,
Caritas workers, catechists, doing theology and in administrative roles - do
tenfold the things the female deacons did,” he said.
The Church, Kasper
continued, must answer to women’s “legitimate” requests for a more leading role
and “give these steps as quickly as possible.” However, he also said that the
solution cannot be the so-called Eucharistic strikes, such as the German “Maria
2.0,” that called for women to stay away from church for a week in May.
Follow Inés San Martín on Twitter: @inesanma
in CRUX Jun 5, 2019
cruxnow.com/church-in-europe/2019/06/05/cardinal-kasper-says-francis-will-allow-married-priests-if-bishops-request-it/
http://nsi-pt.blogspot.com
https://twitter.com/nsi_pt
http://www.facebook.com/nossomosigreja
www.we-are-church.org/
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