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Crónicas
Frei Bento – A fé cristã num colégio católico
Padre Anselmo – Decálogo para os núncios
Padre Tolentino - A diáspora portuguesa
Padre Vítor – Primeiro,
Maria; depois, Marta
A FÉ CRISTÃ NUM COLÉGIO
CATÓLICO
Frei
Bento Domingues, O.P.
A
procura da excelência no ensino tem de ser o cuidado de todos, seja qual for a
sua orientação.
1. Neste texto, não pretendo abordar as
questões gerais do ensino, em Portugal. Não é da minha competência. Pediram-me
para tratar do que exige a fé cristã de um Colégio Católico.
É
suposto estes colégios terem alguma referência ao Secretariado Nacional da Educação
Cristã. Isto não impede que as orientações de cada instituição, com as suas
tradições e práticas educativas, possam ser bastante diferentes.
As
escolas, segundo os habituais rankings,
são classificadas, bem ou mal, pelos resultados académicos. Nunca dei conta que
a Religião contasse para esse efeito. Falo de religião em sentido genérico sem,
para já, apreciar as tendências dentro deste fenómeno social que, no Ocidente e
nomeadamente em Portugal, é cada vez mais investigada pela Sociologia[1].
A
Igreja Católica, sobretudo em alguns países do Ocidente, vê-se confrontada com
a declaração: “espiritual sim, religioso não”. Uma sondagem do ano passado, na
Alemanha, referente ao ensino religioso e ético, dava os seguintes resultados:
52% acredita em Deus, mas só 22% se declara religioso. “Crentes” são o dobro. O
facto de haver pessoas que se definem “espirituais” e não “religiosas” ainda
não é um fenómeno de massas. É uma minoria, entre os 6 e 13%, mas é uma
tendência que se vai afirmando sobretudo entre os jovens.
É
preciso ter em conta que, quando, no Ocidente, se fala de religião, a maior
parte das pessoas pensa no Cristianismo, nas grandes Igrejas com os seus dogmas
e os seus ritos. A distinção entre espiritual
e religioso exprime a tentativa de
preferir formas de religiosidade que não têm uma conotação eclesial. As normas
respeitantes à fé, sentidas como obrigatórias, contam apenas para um número
cada vez menor de pessoas. Neste contexto, a expressão mais usada é a de mercado ou mosaico das religiões, seja qual for a sua origem[2].
A
Religião é considerada tão privada – cada um tem a sua ou não tem nenhuma –
que, mesmo nos colégios católicos, não conta para os seus rankings. Nestes existe, no entanto, uma disciplina, com carga
horária, chamada Educação Moral e
Religiosa Católica.
2. Quando os colégios tinham regime de
internato, ouvi dizer muitas vezes a quem viveu nesse quadro: já tenho missas
para o resto da vida. Como dizia o célebre Bispo de Viseu, D. António Alves
Martins, a religião deve ser como o sal na sopa: nem de mais nem de menos. Um remédio medíocre contra o
aborrecimento.
A
verdade é que encontrei, ao longo da vida, pessoas que frequentaram colégios e
seminários que conservavam más recordações da religião que lhes era imposta.
Isto não significa que não houvesse, também, pessoas agradecidas por essa
rigidez disciplinar. Essas reacções, por vezes, manifestavam temperamentos: as
alunas/os de carácter mais submisso ou mais rebelde.
Excepto
aqueles casos, que de educadores só tinham o nome, pois eram doentios com os
educandos, sempre ficou uma boa recordação dos mestres que o eram e da
qualidade do ensino e, sobretudo, do sentido da justiça[3].
O
que me impressiona é que, na escolha dos professores de Educação Moral e
Religiosa, não haja, pelo menos, o cuidado que existe com os professores de
matemática e de português.
Num
colégio católico devia existir – e em muitos casos talvez já exista – uma
equipa pastoral que reúna professores de psicologia, de ciências e literatura
para evitar o desfasamento entre o crescimento académico e o crescimento da fé
e das suas razões. De outro modo, quando os alunos ouvem nas aulas de Religião
narrativas bíblicas sobre a criação, por exemplo, e nas de ciências estudam as
teorias da evolução, quem fica a perder é a religião, a linguagem do
inverosímil. Parece que não se aprendeu nada com os embates entre a religião e
as ciências do passado. Galileu e a Inquisição! Esquece-se, porém, que a teoria
do Big-Bang é de um padre, professor
da Universidade Católica de Lovaina. A tão falada contradição entre religião e
ciência só pode ser fruto da ignorância nos dois campos.
A
procura da excelência no ensino tem de ser o cuidado de todos, seja qual for a
sua orientação. Esta procura não pode abrandar quando se trata do ensino
religioso. Convém não esquecer aquilo que S. Tomás dizia: se sei e digo de cor
o Credo, estou a confessar a fé católica, mas se não procuro saber como é verdade aquilo que confesso ser
verdade, estou certo, mas de cabeça vazia. Isto era da Idade Média! Agora, o
ambiente que se respira não é o da Cristandade. O dom da fé ou é cultivado ou
desaparece. Importa criar um ambiente em que a fé cristã surja como uma fonte
de alegria. Como dizia S. João[4],
isto vos escrevemos para que a vossa
alegria seja completa.
3. A educação cristã da fé exige a
descoberta progressiva de Jesus Cristo como sentido,
como beleza, como responsabilidade da vida e para a vida. Para realizar
essa descoberta progressiva, a filosofia, as ciências, a estética e a ética
devem andar bem casadas. Como os bons casamentos, também conhecerá as suas
turbulências amistosas.
A
linguagem simbólica da fé cristã não apaga o pensamento nem a investigação. A
linguagem simbólica nasce de fontes profundas. Não pode ser usada como um
calmante. Ela é um excitante de todas as manifestações da vida verdadeira. Dá
sempre muito que sonhar e pensar.
A
expressão estética dos símbolos da fé provocou e convocou, ao longo da
história, a grande música, a grande poesia, a grande pintura e a grande
arquitectura.
As
celebrações, as orações e as múltiplas expressões da espiritualidade, de um
colégio católico, devem merecer um tal cuidado, uma tal participação, que se
tornem apetecidas e interpelantes.
Um
colégio católico deve ser um laboratório da descoberta e da experimentação da
fé cristã. Esta exige o respeito prático do pluralismo religioso. A educação
para a tolerância, para o diálogo, para a descoberta do outro é o melhor clima
para esse laboratório.
[1] Cf. Alfredo Teixeira, Coord.,
Inquérito Identidades religiosas em
Portugal, CERC-CESOP (2011); Identidades
religiosas na Área Metropolitana de Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos
Santos, 2019; Alfredo Teixeira, Religião na Sociedade Portuguesa,
Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2019.
[2] Cf. Christoph Paul Hartmann, in
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, 13. 07. 2019.
[3] Cf. Agustina Bessa-Luís, Contemplação carinhosa da angústia, Guimarães
Editora, 2000; em sentido contrário, Miguel Sousa Tavares, Cebola Crua Com
Sal e Broa, 2018.
[4] 1Jo 1, 1-4
in Público, 21.07.2019
https://www.publico.pt/2019/07/21/sociedade/opiniao/fe-crista-colegio-catolico-1880224
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Decálogo para os núncios
Anselmo
Borges
Padre e
Professor de Filosofia
1. A Igreja
tem dentro dela, inevitavelmente, uma tensão que a conduz a um paradoxo. Esta
tensão e este paradoxo foram descritos de modo penetrante, preciso e límpido
pelo sociólogo Olivier Robineau, nestes termos: "A Igreja Católica é uma
junção paradoxal de dois elementos opostos por natureza: uma convicção - o
descentramento segundo o amor - e um chefe supremo dirigindo uma instituição
hierárquica e centralizada segundo um direito unificador, o direito canónico.
De um lado, a crença no invisível Deus-Amor; do outro, um aparelho político e
jurídico à procura de visibilidade. O Deus do descentramento dos corações que
caminha ao lado de uma máquina dogmática centralizadora. O discurso que
enaltece uma alteridade gratuita coexiste com o controlo social das almas da
civilização paroquial - de que a confissão é o arquétipo - colocado sob a
autoridade do Papa. Numa palavra, a antropologia católica tenta associar os
extremos: a graça abundante e o cálculo estratégico. Isso dá lugar tanto a São
Francisco de Assis como a Torquemada."
2. É com
este paradoxo que o Papa Francisco tem de conviver, ao mesmo tempo que tem
feito o seu melhor para dar o primado ao Evangelho, ao Deus-Amor, para que a
Igreja enquanto instituição - e é inevitável um mínimo de organização institucional
- não atraiçoe a Boa Nova de Jesus. Ele é cristão, no sentido mais profundo da
palavra: discípulo de Jesus, e quer que todos na Igreja se tornem cristãos, a
começar pela hierarquia.
Assim, tem
denunciado as doenças da Cúria, avisa os bispos e cardeais para que não sejam
príncipes, anuncia para breve uma nova Constituição para a Cúria, o governo
central da Igreja. Também neste contexto, convocou recentemente para o Vaticano
os núncios do mundo inteiro. As nunciaturas, embaixadas da Santa Sé junto dos
governos e das igrejas locais, são uma herança histórica discutível, mas podem
ter um papel decisivamente positivo no mundo para estabelecer pontes a favor da
justiça, do desenvolvimento, da paz.
Nesse
encontro, com a presença de núncios e delegados apostólicos em 193 países e
organizações internacionais, o Papa Francisco, dirigindo-se-lhes directamente,
avisou: "Estou contente por encontrar-vos de novo para ver convosco e
examinarmos com olhos de pastores a vida da Igreja e reflectirmos sobre a vossa
delicada e importante missão." Acrescentou: "Pensei partilhar hoje
convosco alguns preceitos simples e elementares; trata-se de uma espécie de
decálogo, que, na realidade, é dirigido, através de vós, também aos vossos
colaboradores e ainda a todos os bispos, sacerdotes e consagrados que
encontrais em todas as partes do mundo."
3. O que aí
fica é uma breve síntese desse decálogo.
3. 1. O
núncio é um homem de Deus.
Ser um homem
de Deus significa "seguir Deus em tudo e para tudo". O homem de Deus
"não engana nem defrauda o seu próximo".
3. 2. O
núncio é um homem de Igreja.
"Sendo
um representante pontifício, o núncio, não se representa a si mesmo, mas a
Igreja e em particular o sucessor de Pedro, o Papa." Por isso, "é
feio ver um núncio que procura o luxo, as vestimentas e os objectos 'de marca'
no meio de pessoas sem o necessário. É um contratestemunho. A maior honra para
um homem da Igreja é ser 'servo de todos'". "Ser um homem da Igreja
significa defender com coragem a Igreja perante as forças do mal que
permanentemente procuram desacreditá-la, difamá-la, caluniá-la."
3. 3. O
núncio é um homem de zelo apostólico.
Ele é
"o anunciador da boa-nova e, sendo apóstolo do Evangelho, tem a tarefa de
iluminar o mundo com a luz de Jesus ressuscitado, levando-o aos confins da
Terra". "Quem se encontra com ele deveria sentir-se interpelado de
alguma maneira." Não se pode esquecer de que "a indiferença é uma
doença quase epidémica que se está a propagar em várias formas, não só entre os
fiéis em geral mas também entre os membros dos institutos religiosos".
3. 4. O
núncio é um homem de reconciliação.
Parte
importante do trabalho de todo o núncio é "ser homem de mediação, de
comunhão, de diálogo e de reconciliação. O núncio deve procurar ser imparcial e
objectivo, para que todas as partes encontrem nele o árbitro correcto que
procura sinceramente defender e proteger só a justiça e a paz, sem se deixar
influenciar negativamente. Se um núncio se fechasse na sua nunciatura e
evitasse encontrar-se com as pessoas, atraiçoaria a sua missão e, em vez de ser
factor de comunhão e reconciliação, converter-se-ia em obstáculo e impedimento.
Não deve esquecer nunca que representa o rosto da catolicidade e a
universalidade da Igreja nas igrejas locais espalhadas por todo o mundo e
perante os governos".
3. 5. O
núncio é um homem do Papa.
Não se
representa a si mesmo, mas o sucessor de Pedro, o Papa, e "age em seu nome
perante a Igreja e os governos". Aqui, Francisco, certamente pensando
também no ex-núncio Viganò, concluiu: "Portanto, é irreconciliável ser um
representante pontifício e criticar o Papa por trás, ter blogues e unir-se,
inclusivamente, a grupos que lhe são hostis, a ele, à Cúria e à Igreja de
Roma."
3. 6. O
núncio é um homem de iniciativa.
"É
necessário ter e desenvolver a capacidade e a agilidade para promover e adoptar
um comportamento adequado às necessidades do momento, sem cair nunca na rigidez
mental, espiritual e humana ou na flexibilidade hipócrita e de camaleão. Não se
trata de ser oportunista", mas de saber passar do ideal à sua
implementação concreta, "tendo em conta o bem comum e a lealdade ao
mandato".
3. 7. O
núncio é um homem de obediência.
Sim, de
obediência, mas sabendo que "a obediência é inseparável da liberdade,
porque só em liberdade podemos obedecer realmente, e só obedecendo ao Evangelho
podemos entrar na plenitude da liberdade".
3. 8. O
núncio é um homem de oração.
"O
Senhor é o bem que não defrauda, o único que não defrauda. E isto requer um
desapego de si mesmo que só se pode conseguir com uma relação constante com Ele
e a unificação da vida à volta de Jesus Cristo."
3. 9. O
núncio é um homem de caridade activa.
É necessário
sublinhar permanentemente que "a oração, o caminho do discipulado de
Cristo e a conversão encontram na caridade actuante a prova da sua
autenticidade evangélica. E desta forma de vida deriva a alegria e a serenidade
mental, porque, nos outros, se toca com a mão a carne de Cristo".
A caridade
também é gratuita. Por isso, Francisco, aqui, adverte para "o perigo
permanente das regalias. A Bíblia define como iníquo o homem que 'aceita
presentes por debaixo da mesa para desviar o curso da justiça'. A caridade
activa deve levar-nos a ser prudentes na hora de aceitar os presentes que nos
oferecem para ofuscar a nossa objectividade e, nalguns casos, desgraçadamente,
para comprar a nossa liberdade. Que nenhum presente nos escravize! Recusai os
presentes demasiado caros e frequentemente inúteis ou enviai-os para obras de
caridade e nunca esqueçais que receber um presente caro nunca justifica o seu
uso."
3. 10. O
núncio é homem de humildade.
Francisco
concluiu, apelando para a virtude da humildade: "Jesus manso e humilde de
coração, faz o meu coração parecido com o teu."
in DN, 21 Julho 2019
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QUE COISA SÃO AS NUVENS
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
A diáspora
portuguesa
A diáspora acontece no encontro de duas perguntas: “de
onde vens?” e “onde estás agora?”
Diáspora é,
para todos os efeitos, uma palavra nova, pois só na transição do milénio
começámos a vê-la aplicada para descrever o fenómeno secular da emigração
portuguesa e cartografar a sua complexa morfologia histórica e humana. A
verdade é que quando as palavras de sempre nos parecem insuficientes, e se
torna perentória a necessidade de encontrar outra gramática, isso corresponde a
um movimento epocal, que tanto pode ser de curta como de longa duração — é
certo —, mas que precisamos de compreender, se quisermos ser fiéis àquilo que,
a cada momento, somos. A história das palavras conta a nossa história, mais do
que supomos. Naquela sua invulgar agudeza sobre a natureza humana, a escritora
Agustina Bessa-Luís escreveu: “As palavras não significam nada se não forem
recebidas como um eco da vontade de quem as ouve.” A palavra não é apenas,
portanto, um repositório dos sentidos estabelecidos, mas é um pertinente
espelho das mutações em curso, mutações que podem ser individuadas na vontade
ou na necessidade atual da nossa auscultação. Temos talvez de começar por isso,
por interrogar a nossa necessidade de palavras novas, e perguntar de onde
provém essa necessidade e o que é que ela significa.
Se a categoria
de “diáspora” se tende hoje a universalizar muito deve à publicação da obra do
sociólogo Robin Cohen, intitulada “Global Diasporas” (1997), que procurou
mostrar como a condição de diáspora (que começou por ser identificada com o
destino de Israel e apenas com ele) é afinal compartilhada por muitas culturas.
Basta para isso que uma determinada comunidade viva fora do seu território de
origem, mas continue vinculado a ele, através da língua, da identidade, das
tradições religiosas ou outras, e das práticas culturais.
A diáspora
acontece no encontro de duas perguntas: “de onde vens?” e “onde estás agora?”.
A condição que o emigrante testemunha é a deste habitar “entre”, entre cá e lá,
nem completamente cá, nem completamente lá, numa elaboração interior que
carrega consigo a impossibilidade de ser uma coisa só. A diáspora inaugura
efetivos espaços de negociação entre as culturas, iluminando de outra forma
aquilo que, de forma simplista, pareciam processos rápidos de deslocação ou de
assimilação. E traz um contributo essencial: mostra como a identidade de um
país não é simplesmente uma ontologia predeterminada, congelada no tempo e no
espaço, mas na fidelidade à sua história, é também um processo de atualização e
de reconfiguração.
A condição que
o emigrante testemunha é a deste habitar “entre”, entre cá e lá, nem completamente
cá nem completamente lá
Lembro-me, por
exemplo, de ter visitado há uns anos o Clube madeirense de New Bedford e ter
conversado com um homem da minha idade, um lusodescendente da terceira geração.
Ele não falava português, nem havia estado alguma vez na Madeira, terra dos
seus e dos meus avós. Mas tinha uma camisola com o emblema da Confraria do
Santíssimo Sacramento; falou-me longamente das festividades tradicionais da
Madeira que se celebram em New Bedford; brindamos com Vinho da Madeira. Foi um
encontro para mim comovente e impressivo, falar com este homem, ou ver em
seguida em Fall River, em tamanho real, uma réplica das Portas da Cidade de
Ponta Delgada. Mas claramente esse encontro foi parcial. A ideia de diáspora
obriga-nos a ir mais longe e a olhar para os emigrantes não apenas como
embaixadores da cultura portuguesa, mas como coprotagonistas e cocriadores
culturais, que nos revelam de Portugal não apenas aquilo que já sabemos. É
certamente importante reconhecer a persistência de traços vernaculares de uma
história, do imaginário e da tradição comuns. Contudo, torna-se necessário
introduzir antenas capazes de captar o que é diferente ou já é diferente, o que
é dialetal, transfronteiriço e inovador. Temos de escutar melhor a diáspora, se
quisermos compreender e potenciar o país que somos.
in Semanário Expresso, 20.07.2019, p. 157
leitor.expresso.pt/semanario/semanario2438/html/revista-e/que-coisas-sao-as-nuvens/a-diaspora-portuguesa
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À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves
DOMINGO XVI COMUM Ano C
“Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas
coisas,
quando uma só é necessária.”
Lc 10,41-42
Primeiro, Maria; depois, Marta
Demasiadas
vezes se olhou para o relato de Jesus em casa de Marta e Maria como uma
exaltação da vida contemplativa sobre a vida activa. Maria seria a figura de
todos os consagrados, privilegiados na proximidade de Deus, e Marta, a
representante de todos os que trabalham, e se preocupam com as coisas do dia a
dia. Sairia assim desvalorizado o trabalho humano e exaltado um misticismo
desencarnado!
Jesus é
apresentado em numerosas situações (e em especial por S. Lucas) à mesa, nas
casas mais improváveis. Com justos e fariseus, com publicanos e pecadores.
Hoje, na casa de duas irmãs. O que ainda é mais extraordinário pelo papel
secundário dado então às mulheres! No acolhimento e na intimidade da casa, a
presença de Jesus é o centro de qualquer encontro. Por isso, a atarefada Marta
não é censurada pelo trabalho mas pela agitação, a preocupação, o espírito de
funcionária cheia de “etiqueta de boas maneiras” que secundariza o convidado. O
seu agir é funcional e ao serviço da tradição, preocupada, certamente, em
oferecer coisas ao convidado em vez de companhia. Maria, ao contrário, sentada
aos pés de Jesus, como verdadeira discípula, escuta a sua palavra. Até apetece
chamá-la “sonsa”, mas será que havia assim tanto a fazer para que Marta não
tivesse a mesma atitude? Tão inquieta com o que queria oferecer a Jesus, não
acolheu o que Ele lhes queria oferecer. A “boa parte” (que é também “bela”) que
Maria escolheu não foi a preguiça ou o desinteresse, mas o alimento da palavra
que Jesus vinha trazer.
Há
tempo para tudo. E o importante é saber escolher. Quando Jesus vem à casa da
nossa vida, a casa torna-se d’Ele, e nós somos os hóspedes, sentados como Maria
a seus pés. Do acolhimento de Jesus à acção: é este o movimento do verdadeiro
serviço. Pois a actividade febril, o activismo e o excesso de trabalho, que não
se alimentam da Palavra que é Cristo, correm o risco de se tornarem
preocupação, problema, conflito e confusão, protagonismo excessivo de nós
mesmos. Escutar a Palavra é condição para estabelecer prioridades, organizar e
delegar trabalhos, reunir competências, e actuar em comunhão. Não em nome da
eficácia ou da tradição, ma sem nome d’Aquele que dá sentido a todas as coisas.
É de todos os tempos o que dizia um velho rabino acerca de um colega: “Anda tão
ocupado com as coisas de Deus, que até se esquece de que Ele existe!”
Habitam
em nós Marta e Maria. São o serviço e a escuta de Jesus. Acolher o céu para
melhor cuidar da terra, é deixarmo-nos assim guiar pela presença de Jesus, que
conta com as nossas mãos para fazer novas todas as coisas. Não é “uma ou
outra”, nem “uma contra a outra”, mas primeiro, Maria, e depois, Marta! E não
será então que todo o trabalho se torna criação e colaboração feliz com Deus?
in Voz da Verdade, 21.07.2019
http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=8330&cont_=ver2
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