23 fevereiro 2014

Há esperança de graça na praça

   
Chama-se Ana. Lembrei-me dela quando, no dia 2, ouvi na igreja falar da velha Ana e do velho Simeão. Uma pregação distante da realidade desta outra Ana mas, ainda assim, com possibilidades de alguma aproximação. Diz-se que a velha Ana tinha 84 anos, um número mágico formado por sete vezes doze. O número doze significaria o povo judeu e o número sete a universalidade. Como é evidente a Ana da praça não tem uma projeção tão importante, mas para um grande número de pessoas também representa muita esperança. Uma esperança em coisas talvez triviais mas sem as quais não há currículo que valha à vida. Por casualidade soube que esta Ana tem neste momento quarenta e nove anos, número que, fazendo as contas, é formado por sete vezes sete. É coisa engraçada a engenhoca dos números. Mas porque é que há esperança na praça e de graça? Porque a Ana vende na praça e porque, mais dia, menos dia, acaba por arranjar tudo aquilo que as pessoas desejam. Nunca deixa ninguém desalentado. Diz sempre: oh querida, hoje não tenho mas vem amanhã; oh filho, isso agora é difícil encontrar, mas vem cá para a semana; oh amor, hoje é quinta, não é? No sábado já podes levar. E diz estas coisas com uma voz tão carinhosa que impressiona. Às vezes apetece-me pedir qualquer coisa que ela não tenha só para ouvir as suas palavras doces e sentir a esperança da promessa que ela faz. Mas não o faço, apenas sorrio com satisfação. Em que é que esta Ana é parecida com a outra, a dois mil anos de distância? Se calhar em nada, ou então em tudo. As duas, como diz o nome, são cheias de graça ou queridas de Deus. E em ambas se destaca uma relação humana acima do que é comum, uma esperança que é animada e uma promessa que é cumprida. Bem sei que o negócio não é amigo do milagre, talvez até lhe seja hostil. Por isso, quando alguém, mesmo dentro do negócio, dá uma oportunidade ao milagre fico admirado. A primeira Ana apresentou o que é considerado o melhor caminho alternativo às injustiças, ao egoísmo, à inimizade, à religião como lugar de condenação. Esta Ana promove um relacionamento amável, um encontro de interesses, a esperança de se alcançar o que se pretende, uma religião que assenta na ligação entre as pessoas. É verdade que não se pode viver sem euros, dólares e todas as outras moedas, mas qual é o seu valor? Há quem as veja como pequenos deuses caseiros, coitados, a quem adoram sem reservas. Mas para que servem esses deuses? Na verdade só terão grandeza se, nas várias dimensões da vida, nos tornarem grandes em humanidade. Esta Ana, como qualquer outra pessoa, trabalha para ganhar a vida. Mas ela vai mais longe, procura satisfazer os desejos e aspirações de quem a procura e nela confia. Por isso, na praça, ela é uma esperança. E de graça. Alguém dirá que ela é sobretudo uma grande vedeta. Talvez, mas o resultado é benéfico para todos e aquilo que não tem preço é provavelmente o melhor. Prosaico? Importante? Sei lá, cada um é que sabe da sua salvação, da sua verdadeira felicidade. É por aí que anda o milagre mesmo por entre negócios.

Frei Matias, O.P.

20.02.2014
    
 

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