P / INFO: Pai nosso
para 2019, No novo ano:cuidar, A vida a nascer, Que estrela nos guia?,
Papa contra “escândalo” de católicos &, em anexo, Convite: Conversas sobre
Doutrina Social da Igreja
Frei
Bento Domingues, O.P.
1. Dizem-me que ando distraído das estatísticas das religiões que, na
Europa, manifestam um inquietante declínio. O cristianismo não revela qualquer
estratégia adequada para inverter essa situação. A laicidade do Estado, mal
entendida, teria conduzido a sociedade para os braços do maior adversário da fé
cristã: a indiferença.
O
Islão aposta nesse vazio. Estaria, ao que parece, cada vez mais dominado pelas
correntes e organizações islamitas, que, a bem ou a mal, pretendem ser a
religião europeia do futuro.
Por outro
lado, invocar o nome de Deus em vão era considerado um pecado grave. Acaba de
sagrar a tomada de posse do Presidente do Brasil. As chamadas “igrejas
evangélicas” têm abundantes passagens do Antigo Testamento para apoiar a sua
retórica banhada de propósitos guerreiros.
À
primeira vista, violência e religião nunca deveriam poder andar associadas. A
história mostrou e mostra que, por diversas loucuras, andaram e andam muito
juntas.
A religião é, por natureza, a dilatação
transcendente do ser humano. Mas também pode ser entendida como um mecanismo de
autoprotecção. Um indivíduo ou um grupo sentem-se mais seguros se alguém
superior – uma divindade, por exemplo – os proteger em todas as dimensões da
vida: espirituais e materiais. Nesse sentido, defender a sua religião é
defender todos os seus interesses. Quem a puser em causa ameaça toda a sua
vida. Daí nasce o elo entre violência e religião: defender-se do inimigo. A
melhor defesa é destruí-lo. Procura, por esse caminho, salvar a própria
identidade. É uma explicação simples para a história da violência ligada ao
fenómeno religioso e às suas expressões. Nessa perspectiva, a salvação de uns é
a perda dos outros.
Não é
inevitável que assim seja. A tolerância não é um desprezo pelas convicções de
cada pessoa ou grupo. É a atitude de quem reconhece que não é dono da verdade,
mas apenas um seu peregrino. Para erradicar as ligações entre religião e
violência, o melhor é a promoção da liberdade religiosa para todos, menos para
aquelas actividades que a procuram destruir.
Quem
deseja a liberdade religiosa não é um apóstolo da indiferença perante os
valores. Reconhecer o direito a ser ou não ser religioso é um apelo à seriedade
na busca livre do sentido da vida.
Procurar
a verdade e testemunhar essa busca não tem nada a ver com a violência.
Testemunha algo que é essencial à vida: nunca se acomodar aos passos já dados.
O infinito não tem limites.
2. A oração é uma atitude comum a todas as
religiões. A qualidade da oração diz muito acerca da natureza de uma
determinada religião. Se à crença numa divindade está ligado o prémio e o
castigo, tem de negociar com ela. Tem de evitar a sua ofensa e pedir perdão
pelo pecado cometido. É uma transposição para o sagrado do que se passa nas
relações humanas de inferior para superior. Em caso de muita incerteza, importa
contar com bons intermediários. Como se diz, quem tem amigos não morre na
cadeia.
Não
vou apresentar uma tipologia de todas as formas de oração nas diferentes
religiões ou das atitudes espontâneas de cada pessoa perante o mistério da
história pessoal e do mundo.
No
plano cristão, a oração mais prestigiada e mais comentada é o Pai-Nosso. Costuma dizer-se que é a
própria síntese do Evangelho de Cristo. Até está escrito que foi Ele que pediu
para se rezar assim.
Recomendo
a consulta da tradução e das notas de Frederico Lourenço aos textos de Mateus e
Lucas[i].
O
Papa Francisco, na 2ª catequese sobre o Pai
Nosso[ii], no seu inconfundível estilo, diz o mais
importante: «Jesus põe nos lábios dos
seus discípulos uma prece breve, audaz, formada por sete pedidos, um número que
na Bíblia não é casual, indica plenitude. Digo audaz, porque se Cristo não a
tivesse sugerido, provavelmente nenhum de nós — aliás, nenhum dos teólogos mais
famosos — ousaria rezar a Deus desta maneira.
«Com efeito, Jesus convida
os seus discípulos a aproximarem-se de Deus e a confidenciar-lhe alguns
pedidos: antes de tudo em relação a Ele e depois em relação a nós. Não há
prefácios no Pai Nosso. Jesus não
ensina fórmulas para adular o Senhor,
aliás, convida a pedir-lhe abatendo as barreiras da reverência e do medo. Não
diz para se dirigir a Deus chamando-lhe Omnipotente,
Altíssimo, Tu, que estás tão distante de nós, eu sou miserável: não, não diz
assim, mas simplesmente Pai, com toda
a simplicidade, como as crianças se dirigem ao pai. E esta palavra Pai, expressa a confidência e a
confiança filial».
3. O que talvez se esqueça,
nos comentários ao Pai Nosso, é a
raiz do contencioso de Jesus com a sua família de Nazaré, com a família dos
discípulos e com o facto de ele nunca ter constituído uma família pessoal[iii]. Procurou fazer família com quem não era da família.
Daí o escândalo que provocou.
O Pai Nosso exprime o mundo por que lutou e a missão que deixou aos
discípulos, a missão que nos cabe. Nada acontece de forma mágica. É uma forma
de viver e de intervir em relação ao que ainda falta, ao advento do Reino de
Deus no mundo.
Dizer
o Pai Nosso e julgar que as pessoas passam, automaticamente, a considerarem-se
como irmãs não seria milagre, mas um exercício ilusionista.
O
Pai-Nosso é um programa de missão para a Igreja e para todos os que trabalham
por uma humanidade una, com os mesmos direitos. Por não se encarnar o Pai-Nosso
como uma missão do dia-a-dia, semana-a-semana, ano-a-ano, uma ousadia pode
tornar-se banalidade verbal.
Foi o
que o Papa Francisco afirmou na quarta-feira passada: "Quantas vezes vemos
o escândalo dessas pessoas que passam o dia na igreja, ou que lá vão todos os
dias, e depois vivem a odiar ou a falar mal dos outros". Nesse caso, “o
melhor é nem ir à igreja”. "Se vais à igreja, então vive como filho, como
irmão, dá um verdadeiro exemplo". Os hipócritas rezam "para serem
vistos pelas pessoas". "Os pagãos acreditam que se reza a falar, a
falar, a falar. Eu penso em muitos cristãos que acreditam que rezar é falar com
Deus, salvo seja, como um papagaio. Não! Rezar faz-se com o coração, a partir do
interior".
Começamos
um novo ano. Os interesses dos cristãos de todo o mundo, para além do que as
ciências, as técnicas, a economia, as políticas e as criações artísticas
prometem, não podem esquecer a alma de tudo espelhada na oração que o Senhor
nos deixou. Um programa de vida a inventar como o pão nosso de cada dia.
in Público, 06. 01. 2019
https://www.publico.pt/2019/01/06/sociedade/opiniao/pai-2019-1856517
[i] Mt 6, 5-15; Lc 11, 2-4. Ver
também Xavier Léon-Dufour, Dictionnaire
du Nouveau Testament, na entrada père.
[ii] Audiência
de 12. 12. 2018
[iii] Já tentei explicitar, noutros textos, esta questão.
A A A A A A A A A A A A
NO NOVO ANO: CUIDAR
Anselmo
Borges
Padre e
professor de Filosofia
No início de um novo ano, 2019 da era cristã,
5779 do calendário hebraico, 5120 do hindu, 4715 do chinês, 2562 do budista,
1441 do muçulmano, deixo aí uma breve reflexão sobre um tema essencial, o
cuidado — cuidar e ser cuidado —, constitutivo do ser humano.
Entre as grandes obras do século XX, figura uma
do filósofo alemão Martin Heidegger: Sein und Zeit (Ser e Tempo). Nela, retoma
a célebre fábula sobre o Cuidado, de Higino, um escravo culto (64 a. C.-16 d.
C.). Fica aí, traduzida literalmente.
“Uma vez, ao atravessar um rio, ‘Cuidado’ viu
terra argilosa. Pensativo, tomou um pedaço de barro e começou a moldá-lo.
Enquanto contemplava o que tinha feito, apareceu Júpiter. ‘Cuidado’ pediu-lhe
que insuflasse espírito naquela figura, o que Júpiter fez de bom grado. Mas,
quando ‘Cuidado’ quis dar o próprio nome à criatura que havia formado, Júpiter
proibiu-lho, exigindo que lhe fosse dado o seu. Enquanto ‘Cuidado’ e Júpiter discutiam, surgiu também a Terra
(Tellus) e também ela quis conferir o seu nome à criatura, pois fora ela a
dar-lhe um pedaço do seu corpo. Os contendentes invocaram Saturno como juiz.
Este tomou a seguinte decisão, que pareceu justa: ‘Tu, Júpiter, deste-lhe o
espírito; por isso, receberás de volta o seu espírito por ocasião da sua morte.
Tu, Terra, deste-lhe o corpo; por isso, receberás de volta o seu corpo. Mas,
como foi ‘Cuidado’ a ter a ideia de moldar a criatura, ficará ela na sua posse
enquanto viver. E, uma vez que entre vós há discussão sobre o nome,
chamar-se-á ‘homo’ (Homem), já que foi
feita a partir do húmus (Terra)’.”
Martin Heidegger, um dos maiores filósofos do
século XX, retoma a fábula e reflecte sobre o cuidado enquanto estrutura
essencial do ser humano. Cuidar e ser cuidado são determinantes da sua
constituição. O que seria de nós, se, ainda dentro do ventre materno, não
houvesse cuidado, se, ao nascermos, não cuidassem de nós? O cuidado nunca nos
pode abandonar. Sem o cuidado ao longo da vida toda, do nascimento à morte, o
ser humano desestrutura-se, sente-se perdido, só, não encontra sentido e acaba
por morrer, entregue ao abandono.
O cuidado tem uma dupla vertente. Por um lado,
significa preocupação mais ou menos ansiosa e a consequente prevenção. É assim
que os pais dizem aos filhos, ameaçados por perigos: tem cuidado, filho; tem
cuidado, filha! E prevenimos os amigos que nos pedem conselho: eu não iria por
aí, tenha cuidado, acautele-se! Por outro lado, e sobretudo, tem a ver com a
entrega abnegada aos outros, cuidando deles em todas as dimensões, pois a
perfeição do ser humano na realização das suas possibilidades mais próprias é tarefa
do cuidado.
Cuidar de quem e de quê?
O cuidado é, pela sua própria natureza,
abrangente. Todos temos de cuidar. Cuidar de nós, cuidar de todos os outros,
pois só somos na inter-relação, cuidar da Natureza, cuidar da transcendência e
de Deus em nós. Sendo o ser humano um ser
bio-psico-social-espiritual-transcendente, terá de estender o cuidado a todas
as suas dimensões. Para poder ser e ser humano, autenticamente humano. Cuidar
por afectos, palavras — ah! a cura pela palavra! — e por obras.
Mas, se o cuidado — ser cuidado e cuidar — é
constitutivo do ser humano, de todo o ser humano, há pessoas cuja missão e até
profissão é cuidar, ser cuidador. Estão nesta situação, só para dar alguns
exemplos, pais, professores, padres, médicos, enfermeiros, assistentes sociais,
geriatras, profissionais e voluntários que cuidam da saúde e bem-estar de
doentes, acamados e idosos...
Então, a pergunta é: eles cuidam, são cuidadores.
Quem cuida deles? E como cuidam eles deles próprios? Como se previnem contra os
perigos do stress e do burnout?
Neste contexto, aparece também a necessidade da
espiritualidade. Realmente, há dados científicos que mostram a importância da
espiritualidade e da prática religiosa para a saúde e até para a esperança de
vida. Assim, na sua obra The Spiritual Brain, Beauregard cita 158 estudos
médicos sobre o efeito da religião na saúde, concluindo que 77 por cento fazem
menção de um efeito clínico positivo. Um estudo também mostrou que “os adultos
mais idosos que participam em actividades religiosas pessoais antes do
aparecimento dos primeiros sinais de incapacidade nas actividades do quotidiano
têm mais esperança de vida do que aqueles que o não fazem”. Neste sentido,
permita-se-me que cite também o neurocientista Miguel Castelo-Branco, da
Universidade de Coimbra, no livro Deus
Ainda Tem Futuro?, que coordenei: “A medicina baseada na evidência tem sugerido
que a religiosidade e a espiritualidade influenciam de forma efectiva o
desenlace em muitos domínios clínicos, incluindo a dependência de drogas. Koenig
e colegas estudaram em 1999 a taxa de sobrevida de cerca de 4000 pessoas com
mais de 65 anos durante um período de 6 anos. Concluíram que aquelas que foram
à igreja mais do que uma vez por semana tinham uma esperança média de vida
superior a 10 anos relativamente às que não a frequentaram. A experiência espiritual é benéfica para a
saúde humana e o tipo de bem-estar psicológico que proporciona pode ser
activamente procurado.”
Como dizia o famoso Bispo do Porto, D. António
Ferreira Gomes, é preciso prevenir-se contra “a agitação paralisante e a
paralisia agitante”. Esta agitação e paralisia constituem um perigo maior do
nosso tempo. Urge, pois, saber parar e repousar, como Jesus que, no meio da sua
missão de anúncio do Evangelho, parava para meditar e orar ou pura e
simplesmente para descansar. Afinal, cuidado, em latim, diz-se cura — não se
chamava ao padre nas aldeias o cura de almas? —, que, para lá de cuidado,
significa incumbência, tratamento, cura, inquietação amorosa, amor. Por esta
via, chegamos também à medicina, que provém do latim mederi — a raiz é med:
pensar, medir, julgar, tratar um doente —, que significa cuidar de, tratar,
medicar, curar e que está também na base de moderação e meditação, sendo deste
modo remetidos para um conceito holístico de saúde e de cura, que resultam e
têm no horizonte sempre um equilíbrio harmónico.
in DN 06.01.2019
www.dn.pt/edicao-do-dia/06-jan-2019/interior/no-novo-ano-cuidar-10401525.html
A A A A A A A A A A A A
A VIDA A NASCER
Padre José Tolentino Mendonça
FELIZES AQUELES QUE CULTIVAM MAIS O ESPANTO DO
QUE A DECEÇÃO OU OS QUE EXERCITAM MAIS A ACEITAÇÃO GENEROSA DO QUE O
RESSENTIMENTO
Não é só o ano que começa. Qualquer que seja a
nossa idade ou a estação em que nos encontremos a viver, a verdade é que somos,
até ao fim, uma coisa no seu começo, a verdade é que habitamos unicamente
começos. Nada mais. Não vimos outra coisa enquanto estivemos aqui. A nossa
estirpe é a dos recém-nascidos, portanto. Uma das mais belas frases que conheço
pertence a uma página bíblica, a Primeira Carta de Pedro. E a frase diz (ou
ordena) o seguinte: “Como crianças recém-nascidas, desejai” (1Pe2,2). Somos, mesmo
com dezenas, com centenas de anos e séculos em cima, “crianças recém-nascidas”.
E devemos muito à misteriosa fragilidade dos recém-nascidos que, no fundo,
ainda é a nossa, que, sabemos, será sempre a nossa. O nascimento deve ser
reconhecido como estrutura fundante da vida, a sua irremovível arquitetura
primária, e não apenas como uma das suas formas ocasionais, furtivas e
possíveis. Quanta sabedoria existe naquele poema de Lao Tsé: “Quando os homens
ingressam na vida são tenros e frágeis; quando morrem são hirtos e duros. Por
isso os hirtos e duros se tornam mensageiros da morte e os tenros e frágeis são
os mais credíveis mensageiros da vida.” Gosto de pensar que o verbo nascer é um
verbo incessante, que faz de nós “credíveis mensageiros da vida”. Se pensarmos
bem, conjugamos o verbo nascer milhares de vezes ao longo do nosso percurso. E
mesmo aquelas experiências que, pela sua exigência, esforço ou sofrimento, não
percebemos logo como itinerários de nascimento, se revelam depois uma etapa
desse parto perene que é a nossa condição. A vida é fluxo, circulação
espantosa, sucessão no aberto. A vida é interminável ação de nascer. Há um
paciente e necessário trabalho a realizar para passar da tentação de fixar a
vida em momentos determinados, cristalizando-a em imagens tanto euforicamente
utópicas como desalentadamente distópicas, à capacidade de hospedar a
correnteza da vida como ela nos assoma, o que requer de nós um amor muito mais
rico e difícil. Um amor sem expectativas, nem julgamentos. No fundo, aquele amor
que não nos coloca a amar a vida hipoteticamente pelo que dela se espera, mas a
amá-la incondicionalmente pelo que ela é, muitas vezes na completa impotência
ou na extrema vulnerabilidade de vida recém-nascida. Por isso, felizes aqueles
que cultivam mais o espanto do que a deceção ou os que exercitam mais a
aceitação generosa do que o ressentimento. Felizes os que no incompleto e no
inacabado são capazes de ver a insinuação de uma promessa, mais do que uma
lacuna. O importante é assim saber, com uma força que jorre do fundo da própria
alma, se estamos dispostos a amar a vida como esta se apresenta e não como a
fantasiamos. Como recordava Françoise Dolto, a nossa hora de maturidade só
chega “quando, como qualquer outro ser humano, sentimos um desejo suficientemente
forte para assumir todos os riscos do nosso próprio ser. Aí estaremos prontos a
honrar o nascimento de que somos portadores”.
Gosto de pensar que o verbo nascer faz de nós
“credíveis mensageiros da vida”. Conjugamos o verbo nascer milhares de vezes ao
longo do nosso percurso
Por vezes, cansados e confundidos, não
conseguimos compreender que certas etapas cambaleantes nos servem para um
reencontro benéfico com o nosso próprio passo. E podemos dizer que a alegria
que provámos no caminho não passou de um relâmpago breve, que nos precipitou em
seguida no escuro. Ou da esperança podemos pensar que só nos iluminou porque
ignorávamos que também ela era transitória. E da leveza, da gentileza ou da
amizade podemos temer: chegará o outono e também elas voarão. Que injustiça,
porém. O que vimos todo o tempo foi a vida a nascer.
in Expresso, 05.01.2019
A A A A A A A A A A A A
P. Vítor Gonçalves
EPIFANIA DO
SENHOR Ano C
“Nós vimos a
sua estrela no Oriente
e viemos
adorá-l’O.”
Mt 2, 2
Que estrela nos guia?
São modelo
para quem explora e quem busca os magos que foram a Belém. Homens de olhares
erguidos aos céus, desejosos de conhecer os mistérios da vida. Não se prenderam
a amarras e partiram, simplesmente porque uma estrela os convidava a ir. Não
eram solitários e nem desistiram de fazer perguntas que lhe podia dar a morte.
Interpelam todas as procuras humanas, e fazem-nos pensar que estrelas nos
convidam a sair de prisões ou de condomínios que nos adormecem e atrofiam. Nas
diferenças com que as tradições os vestiram, aprendemos como a verdade só se
descobre se nos abrirmos aos outros, que podem não pensar nem viver como nós,
mas também procuram mais luz, com honestidade e sem mentira. As divisões, os
grupos fechados, os “clubes de fé ou de ciência” impedem de nos pormos a
caminho: em vez de ir adorar o Menino, adoramo-nos a nós próprios!
A pergunta
dos magos sobressaltou Herodes e os escribas, o poder político e o religioso
sempre tentadoramente unidos. Eles até conheciam a resposta, mas foram
incapazes de assumir um compromisso. Tiveram medo de perder o poder, de deixar
de dominar o povo pela força e pelos ritos e sacrifícios. É a tentação política
de deixar de servir o povo para servir as castas governantes. Não alerta para
esse perigo o Papa Francisco na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste
ano? Partilho dela uma citação do Cardeal vietnamita Francisco Xavier Nguyen
Van Thuan, falecido em 2002 que escreveu “as bem-aventuranças do político”:
Bem-aventurado o político que tem uma alta noção e uma profunda consciência do
seu papel; de cuja pessoa irradia a credibilidade; que trabalha para o bem
comum e não para os próprios interesses; que permanece fielmente coerente; que
realiza a unidade; que está comprometido na realização duma mudança radical;
que sabe escutar; que não tem medo” (texto adaptado).
Os magos
convidam a sair e a deixar outros entrar. Invertem as noções de fora e de
dentro. Fazem o distante próximo e alargam os horizontes da salvação. Ensinam a
ler sinais que nos levam às alegrias surpreendentes que Deus gosta de oferecer.
Com eles aprendemos a grandeza de adorar, a alegria de caminhar juntos, a
inteligência de ler os sinais, a esperança de procurar, o poder do que é fraco,
a riqueza do que é pobre, a sabedoria de caminhos novos. Todos somos chamados a
ser um pouco como eles. Na nossa procura, nos nossos desânimos, nas perguntas e
na leitura dos sinais e da Palavra de Deus, na adoração de Jesus e nos caminhos
novos que se abrem a seguir. E nem é preciso ir longe, como Sophia de Melo
Breyner Andresen descreveu num poema: “[…]Ao lado do hospital e da prisão /
Entre o agiota e o templo profanado / Onde a rua é mais triste e mais sozinha /
E onde tudo parece abandonado / Um lugar pela estrela foi marcado // Nesse
lugar pensei: «Quanto deserto / Atravessei para encontrar aquilo / Que morava
entre os homens e tão perto»”.
in Voz da
Verdade, 06.01.2019
http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=7838&cont_=ver2
A A A A A A A A A A A A
Papa contra “escândalo” de católicos
TEXTO ROSA PEDROSO LIMA
Primeira mensagem do ano vai direta ao
interior da Igreja. “Radicalidade” da mensagem do Papa é aplaudida no terreno
O Papa Francisco aproveitou a primeira
mensagem de 2019 para se dirigir àqueles que “vão todos os dias à Igreja e que
depois vivem odiando os outros”. “É um escândalo”, disse e repetiu o Papa.
Diretamente para o interior do seu rebanho, Francisco deixou claro que “rezar
não é falar com Deus como um papagaio” e que, nestes casos, “é melhor viver
como ateus”. Eugénio Fonseca, dirigente da Caritas portuguesa, acha que a
mensagem tem tanto de forte como de necessária. “O Papa diz com palavras
simples aquilo que é um apelo de grande radicalidade: que é preciso regressar
ao Evangelho e aos fundamentos do cristianismo.”
Na primeira audiência geral concedida em 2019,
Francisco foi direto ao “escândalo” do comportamento de alguns católicos e as
suas palavras tornaram-se um soundbyte, reproduzido nos media e nas redes
sociais com alta intensidade. “Rezar é falar do coração. Os pagãos acham que
falando, falando, se está a rezar”, disse o Papa. Mas, para quem acompanha de
perto o pontificado, não existe aqui qualquer novidade, muito menos uma mudança
por parte de Francisco. Para Octávio Carmo, da agência Ecclesia, “esta mensagem
é recorrente, nas várias intervenções do Papa, nomeadamente nas homilias
diárias que faz em Santa Marta”. “Diria até que é uma marca do seu pontificado:
uma crítica à religiosidade cristalizada e um apelo à intervenção concreta dos
católicos na vida económica, social ou política.”
Na verdade, já há dois anos, Francisco tinha dito
praticamente o mesmo. Numa homilia, proferida em fevereiro de 2017 em Santa
Marta, o Papa questionava: “Quantas vezes ouvimos, no nosso bairro e noutras
partes, ‘para ser um católico como esse, era melhor ser ateu’? É esse o
escândalo, destrói-nos, deita-nos por terra”, lastimou.
Eugénio Fonseca trabalha no terreno e acha relevante
que o Papa “envie estas mensagens para o interior da Igreja, recorrendo a casos
concretos”. “Com palavras simples, deixa uma mensagem forte e de grande
radicalidade”, diz ao Expresso.
O Papa “vai à raiz do cristianismo e pede que sejamos
zelosos na nossa coerência. As palavras que proferimos não podem ficar à porta
do templo”, diz Eugénio Fonseca. O facto de o Papa se tornar uma voz incómoda
para certos sectores da própria Igreja faz parte desse “regresso às origens”,
segundo o dirigente da Caritas. “Um dos grandes conflitos de Jesus Cristo foi
mantido com a religião do seu tempo”, afirma, “e até usou palavras bem mais
duras para descrever a sua Igreja do que as usadas agora por Francisco”,
conclui.
in Jornal Expresso 05.01.2019
https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2410/html/primeiro-caderno/em-destaque/Papa-contra-escandalo-de-catolicos
A A A A A A A A A A A A
Conversas sobre Doutrina Social da Igreja
21.01.2019 Dignidade da Pessoa
Oradoras: Teresa Toldy e Lisa Matos
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