P / Info: Crónicas de Frei Bento Domingues, Pe. Anselmo Borges, Pe.
Tolentino Mendonça e Pe. Vitor Gonçalves, Mulheres “não teriam consentido esta loucura” dos
abusos sexuais na Igreja, entrevista de Natália Faria a Phyllis Zagano & Theologians concerned
about newly engaged role of Benedict, pope emeritus, artigo de Joshua J.
McElwee
SEMANA
SANTA? QUE TENHO EU A VER COM ISSO?
Frei
Bento Domingues, O.P.
O
ser humano não pode ser um escravo do trabalho. Há muitas outras dimensões da
vida que é preciso atender.
1. Creio que toda a gente tem muito a ver com a Semana Santa.
Explico: os católicos fervorosos podem lamentar que, num país onde a maioria da
população se exprime como católica (cerca de 80%), aproveite o Natal, a Páscoa,
os Domingos e festas de santos para descanso, desporto, viagens, segundo as
possibilidades económicas de cada um, e muito pouco para celebrar e aprofundar
o conhecimento da sua própria fé.
Esses
católicos só têm razão até certo ponto. Não esqueçamos que o Novo Testamento
estabeleceu uma grande polémica em torno da prática judaica sacralizada do sábado. Uma das narrativas míticas da
criação está organizada para que, no sétimo dia, até Deus descanse
[1]. Não podia haver táctica melhor do que
esta: colocar o seu Deus como exemplo do que todos os crentes deviam cumprir.
Se os textos do Novo Testamento são tão duros com essa sacralização, não era
por causa de serem dias de descanso e oração. O que levou o judeu, Jesus de
Nazaré, a provocar os seus concidadãos, fazendo o que estava proibido ao
sábado, não era por desprezo do dia consagrado ao descanso, mas por terem
transformado, numa prisão, um marco civilizacional da liberdade.
O ser
humano não pode ser um escravo do trabalho. Há muitas outras dimensões da vida
que é preciso atender e às quais é preciso dar oportunidades. Não esqueçamos
que o projecto de Jesus surge como projecto de libertação, sobretudo dos
doentes, dos pobres e das mulheres que não contavam para nada na sociedade do
seu tempo.
Essa
actividade de Jesus tinha, também, uma motivação teológica: o sábado não podia
ser o dia de tolher a vida humana e as expressões da sua liberdade. Se era o
dia de Deus, tinha de ser o melhor dia do ser humano, a festa da humanidade.
Deus não podia tolerar que, em seu nome, se impedisse a alegria.
Se
Jesus escolhia, sobretudo, esse dia e a Sinagoga para as curas, não era para
aborrecer os judeus mais ortodoxos e ritualistas. Era para que esse dia, ao
fazer bem aos seres humanos, revelasse o que era a verdadeira glória de Deus, o
seu autêntico louvor.
Os
fariseus insistiam em dizer que Jesus não podia ser um homem de Deus, pois não
observava o sábado. O Quarto Evangelho, dito de S. João, vai ao ponto de
colocar na boca do Nazareno algo de terrível, de blasfemo: o meu Pai trabalha sempre e eu também[2]. O
texto acrescenta: por isto os judeus ainda mais o procuravam matar porque não
só anulava o sábado, mas até se atrevia a chamar a Deus seu próprio pai,
fazendo-se, assim, igual a Deus. Em S. Marcos, declara o sentido antropológico
desta instituição religiosa: o sábado foi
feito para o ser humano e não o ser humano para o sábado[3].
Deus é glorificado na alegria das suas criaturas.
A
chamada Semana Santa é a transformação de uma semana criminosa, assassina, no
testemunho maior da existência humana: Pai,
perdoai-lhes porque não sabem o que fazem. Jesus, ao pedir vida para os que
lhe davam a morte, ressuscitou-os na sua própria alma.
2. António Marujo[4]
fez uma magnífica reportagem sobre alguns assuntos debatidos no Terra Justa – Encontro Internacional de Causas e Valores da
Humanidade –, em Fafe (3-6 de Abril.2019),
destacando a campanha pelo domingo livre de trabalho e pela saúde como direito
humano.
A presidente do
Movimento Mundial de Trabalhadores Cristãos (MMTC), Fátima Almeida, defendeu
que é preciso voltar a fazer campanha pelo domingo livre, para trabalhos e
serviços que não são necessários nesse dia. Não se trata de fazer isso por
causa da missa, mas “pelo encontro, pela família e os amigos, para dedicar
tempo à cultura, à vida para além do trabalho, como diz o Papa”.
Ao dizer isto,
não é contra a missa, mas para destacar o valor humano de uma festa religiosa
para religiosos e não religiosos. A verdadeira religião não abafa, pelo
contrário, expande a vida e os verdadeiros valores de todos. Na interpretação
cristã, é desta forma que se dá glória a Deus.
Como já
dissemos, o projecto de Jesus implicava a libertação da doença, o dom da saúde
para todos. Ora, neste encontro, o dia 5, tinha sido dedicado à homenagem ao
Serviço Nacional de Saúde (SNS), através de dois dos seus rostos mais
importantes: António Arnaut, que o criou há 40 anos e morreu em 2018, e
Francisco George que, enquanto director-geral de Saúde, foi um dos seus
principais responsáveis nestes 40 anos. Hoje, tudo mudou e as estatísticas
colocaram Portugal entre os 12 melhores do mundo nos cuidados de saúde, mas o
sistema sofre as dores do crescimento. Numa das Conversas, Francisco George
destacou: “É preciso reduzir desigualdades, mas a principal desigualdade e o
risco mais importante no acesso à saúde é a pobreza. Estamos muito melhor do
que em 1974, mas é preciso distribuir melhor”.
3.
Com a exaltação do valor humano da religião autêntica e do alcance divino dos
valores verdadeiramente humanos não se está a desvalorizar as expressões
simbólicas e rituais das religiões. O que se pretende é que estas não estraguem
o que pretendem e devem defender. As instituições religiosas não são por causa
da religião, mas por causa de certas dimensões da vida humana que o quotidiano
tende a esquecer. Voltamos à sentença de Cristo: o sábado foi feito para o ser
humano e não o ser humano para o sábado.
Uma das
grandes tarefas das lideranças da Igreja – bispos, párocos e congregações
religiosas – consiste em ajudar as
pessoas a perceber o que perdem se não aprofundarem o sentido das celebrações
da fé e o que ganham quando são fiéis ao seu espírito e finalidade.
Não
adianta muito insistir no que está mandado ou proibido, quanto a práticas
religiosas. Importa que se tornem apetecíveis pela sua beleza e sobriedade. Que
falem à sensibilidade, ao coração e à inteligência. Que nos comovam.
Quanto
à Semana Santa, existem vários tipos de recuperação das tradições e da
qualidade das celebrações marcadas pelas exigências do Vaticano II. O turismo
religioso explora tradições. A liturgia viva procura uma linguagem de beleza
que mostre a urgência de nascer de novo[5]. Só
podemos saber se celebramos a Páscoa, se crescer em nós a vontade de servir
aqueles que precisam da nossa dedicação: sabemos
que passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos[6].
in Público 14.04.2019
https://www.publico.pt/2019/04/14/sociedade/opiniao/semana-santa-1868822
[1]
Gn 2, 1-3
[2]
Jo 5, 1-17
[3]
Mc 2, 27-28
[4]
7Margens (jornal online),
07.Abril.2019
[5]
Jo 3
[6]
1Jo 3, 14
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A Paixão do mundo
Anselmo Borges
Pascal, o matemático, um dos maiores de sempre e também um
dos mais profundos cristãos de sempre, observou, nos Pensamentos: "Jesus
estará em agonia até ao fim do mundo; é preciso não dormir durante esse
tempo."
Sim, a Paixão de Cristo continua e é preciso estar acordado e
atento. Na Paixão de Cristo estamos todos.
1. Com uma vida a anunciar, por palavras e obras, o Deus que
é Amor incondicional, Pai e Mãe, cujo único interesse é a realização plena de
todos os seus filhos, a alegria e a felicidade de todos, a começar pelos mais
pobres, humildes, abandonados, oprimidos, o que o colocava em confronto com os
poderes opressores, religiosos, económicos, políticos..., Jesus, sabendo o que
o esperava, ofereceu uma ceia, a Última Ceia, dizendo: "Isto é o meu Corpo,
isto é o meu Sangue, a minha vida entregue por vós." Aquele pão e aquele
vinho são a sua pessoa entregue para dar testemunho da Verdade e do Amor.
Quando se reunissem, deveriam fazer isso em sua memória, lembrando o que ele
fez e é.
2. A religião sacrificial e ritual do Templo teve papel
decisivo neste enfrentamento. Quem primeiro o condenou foi a religião oficial,
cujos sacerdotes não toleravam ver os seus privilégios postos em causa:
"Ide aprender o que isto quer dizer: eu não quero sacrifícios, mas justiça
e misericórdia", diz Deus. Do mais indigno que há: viver de e para uma
religião que humilha e oprime em nome de Deus.
3. No Getsémani, Jesus entrou em pavor e angústia,
"pôs-se a rezar mais instantemente, e o suor tornou-se-lhe como grossas
gotas de sangue, que caíam na terra". Deus não atendeu a sua súplica e até
os discípulos mais íntimos adormeceram. "Porque dormis? Levantai-vos e
orai, para que não entreis na tentação." Todos passámos ou passaremos, de
um modo ou outro, por horas de dúvidas, de horror e de solidão atroz.
4. Judas era discípulo de Jesus, mas incorreu num equívoco:
esperava um Messias político, que Jesus não era. Assim, não o entregou com a
intenção de traí-lo e obter dinheiro. Estava era convicto de que Jesus, no
confronto directo com os poderes vigentes, iria ele próprio tomar o poder, para
libertar o povo. Por isso, quando viu o sucedido, foi, desesperado, entregar as
moedas de prata. No meio do seu desespero, ninguém o compreendeu nem ajudou:
"Isso é lá contigo", disseram os sacerdotes. E ele enforcou-se.
Ninguém lhe deu a mão.
5. Com medo de que a relação com os romanos se agravasse por
causa da actuação de Jesus, o sumo sacerdote Caifás dera este conselho:
"Interessa que morra um só homem pelo povo." Aí está a presença de
tantos inocentes que ao longo dos séculos foram vítimas da razão de Estado.
6. Pedro era um homem bom, amigo e generoso. Tinha prometido
ir com Jesus fosse para onde fosse e nunca o abandonar. Mas bastou uma criada
dar a entender, por causa da fala de galileu, que ele também devia ser um
discípulo, para logo negar. Acobardou-se e negou o Mestre três vezes. Depois, o
galo cantou e ele lembrou-se das palavras de Jesus: "Antes de o galo
cantar, negar-me-ás três vezes." "E, vindo para fora, chorou
amargamente." Até onde chega a nossa amizade e a nossa cobardia? São Pedro
foi o primeiro Papa, mas ainda hoje a torre das igrejas católicas é encimada
por um galo, a lembrar como a Igreja, assente na fé de Pedro, está sempre
ameaçada por perigos sem conta e traições.
7. O conselho dos anciãos do povo, sumos sacerdotes e
escribas julgaram e condenaram Jesus, mas não tinham poder para executá-lo.
Entregaram-no, portanto, a Pilatos, representante do Império. Ele ter-se-á
apercebido da inocência de Jesus, mas também teve medo de perder o poder, pois
o povo clamava e podiam acusá-lo ao imperador. Então, lavou as mãos e mandou
que Jesus fosse crucificado. Pilatos: outra vítima da cobardia. E sempre por
causa do poder. O seu nome é dos nomes mais pronunciados ao longo da história,
por causa do Credo: "Crucificado sob Pôncio Pilatos." Mas ainda hoje,
para referir alguém que está num lugar que não é o seu, se diz: "Está ali
como Pilatos no Credo."
8. Ao tomar conhecimento de que Jesus era galileu, Pilatos
remeteu-o para Herodes, que naqueles dias também se encontrava em Jerusalém.
Jesus, tratado com desprezo, não respondeu a nenhuma das suas perguntas. Nesse
dia, "Herodes e Pilatos ficaram amigos, pois eram inimigos um do
outro." Em política, ou sempre que se trata de poder, seja ele qual for, é
o que mais se tem visto: interesses comuns, políticos, económicos, de
geoestratégia, tanto podem levar ao corte de relações como à amizade.
Evidentemente, amizade hipócrita, interesseira.
9. As multidões não são fiáveis, são volúveis, com facilidade
se submetem à manipulação. No julgamento de Jesus, a multidão gritava:
"Crucifica-o, crucifica-o." Os mesmos que no Domingo de Ramos o
tinham aclamado triunfalmente: "Hossana, hossana ao filho de David!"
10. Um tal Simão de Cirene foi obrigado a carregar com a cruz
de Jesus. O seu nome está associado a tantos cireneus que vamos encontrando na
vida. No meio da dor, da incompreensão, da cruz, pode haver um cireneu que
chega e apoia. Talvez forçado, mas apoia.
11. Os soldados riam-se, troçavam, fizeram chacota. Afinal,
eles próprios não tinham uma vida feliz. Já alguém se lembrou de perguntar a um
terrorista se alguma vez se sentiu amado?
12. Só as mulheres não fugiram, mantendo-se sem medo junto à
cruz. Talvez percebam mais da vida e das suas dores e também amem mais.
13. Mesmo no final da existência e no supremo sofrimento, os
comportamentos das pessoas não são necessariamente iguais. Com Jesus, foram
crucificados dois malfeitores, talvez dois terroristas. Um continuou a
blasfemar enquanto o outro reflectiu e pediu a Jesus que se lembrasse dele no
seu Reino. O centurião deu glória a Deus: "Verdadeiramente este Jesus era
um justo."
14. Quem preside no Calvário, no meio do abandono total, é
Jesus, que perdoou a quem o matava e que gritou, do alto da cruz, perguntando,
aquela oração que atravessa os séculos: "Meu Deus, meu Deus, porque é que
me abandonaste?" Deus não respondeu, mas Jesus continuou a confiar:
"Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito."
15. Jesus morreu crucificado, a morte que os romanos davam
aos rebeldes e aos escravos. Aparentemente, foi o fim. O enigma histórico do
cristianismo é que, pouco tempo depois, os discípulos voltaram a reunir-se e
foram anunciar ao mundo que aquele Jesus crucificado é realmente o Messias, o
Salvador. Fizeram a experiência avassaladora de fé, a começar por Maria
Madalena, de que esse Jesus crucificado está vivo em Deus para sempre, como
desafio e esperança para todos, e acreditaram porque Deus é Amor, e deram a
vida por essa fé, que chegou até nós. Mas, na expressão de George Steiner, é em
Sábado que vivemos: entre o horror da Sexta-Feira Santa e a esperança do
Domingo da Páscoa da ressurreição.
A fé é um combate, como dá testemunho também o teólogo
rebelde Hans Küng, a aproximar-se do seu próprio fim. Confessou recentemente
que uma das suas irmãs lhe perguntou com toda a seriedade: "Acreditas
realmente na vida depois da morte?" E ele: "Sim, respondi com
convicção. Não porque tenha demonstrado racionalmente essa vida depois da
morte, mas porque mantive a confiança racional em Deus e porque na confiança no
Deus eterno também posso confiar na minha própria vida eterna. Devo ou não ter
esperança em algo que seja a ultimidade de tudo? Uma vida eterna, um descanso
eterno, uma felicidade eterna? Isso é problema da confiança, mas de modo nenhum
de uma maneira irracional, mas de uma confiança responsável. É irracional a
confiança em Deus? Não. A mim parece-me a coisa mais racional de tudo quanto o
ser humano pode ser capaz. O que me parece absurdo é pensar que o ser humano
morre para o nada. A passagem à morte e a própria morte são apenas estações a
que se segue um novo futuro. A vida é mais forte do que a morte e o ser humano
morre entrando na Realidade primeira e última, inconcebível e inabarcável, que
não é o nada, mas sim a Realidade mais real. Vita mutatur non tollitur: a vida
transforma-se, não acaba. Eu defendo uma fé cristã em Deus e na vida eterna. Sem
Deus, a fé na vida eterna não teria razões, careceria de fundamento. E
vice-versa: a fé em Deus sem fé na vida eterna careceria de consequências, não
teria um objectivo."
in DN 14.04.2019
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QUE COISA SÃO AS NUVENS
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
SALVOS PELA FRAQUEZA
OS CRISTÃOS ACREDITAM NUM MESSIAS CRUCIFICADO, NUM SALVADOR QUE SALVA NÃO
ATRAVÉS DA FORÇA, MAS DA IMPOTÊNCIA
Entrar
numa igreja em dia de sexta-feira santa é uma experiência que só nos pode
deixar atónitos. Olhamos para o tabernáculo e está aberto e vazio, como se
tivesse sido espoliado. O altar não tem toalha nem adornos: apenas a pedra nua.
Se procurarmos uma cruz, não a encontramos: foi retirada ou oculta ao olhar com
um véu. Estamos ali como se estivéssemos num qualquer lugar perdido, rebuscando
entre silêncio e escombros. Encontramo-nos numa situação paralela àquela
descrita no Evangelho de João, quando os mensageiros vestidos de branco
perguntam a Madalena: “Mulher, porque choras?” E ela responde: “Levaram o meu
Senhor e não sei onde o puseram” (Jo 20:13). É verdade que demasiadas vezes o
cristianismo (pelo menos, o nosso) corre o risco do excesso: demasiadas
palavras, amontoação de símbolos e de ritualismos... Em dia de sexta-feira
santa é o contrário: ocorre uma dramática redução. O espaço religioso
esvazia-se até ao osso; torna-se simplesmente anónimo; nada o distingue de
qualquer outro lugar desolado da terra. A liturgia, que nessa ocasião se
celebra, principia em estrito silêncio e quando os presbíteros chegarem à zona
do altar vão atirar-se por terra, longamente jazentes, como que inanimados,
mimetizando com o próprio corpo o abandono que toda a comunidade é chamada a
experimentar. Que espesso enigma é este? Onde nos conduz este tatear
cambaleante, esta celebração assim desprovida, esta radical privação? A única
resposta é esta: conduz-nos ao âmago ardente dos mistérios cristãos que, na
verdade, são puro escândalo, aturdimento e loucura, pois os cristãos acreditam
num Messias crucificado, num Salvador que salva não através da força, mas da
impotência. Isso que São Paulo explicitou na Primeira Carta aos Coríntios: “Nós
pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo... e loucura” (1 Cor 1:22).
Em dia de Sexta-feira santa (...) o espaço religioso
esvazia-se até ao osso; nada o distingue de qualquer outro lugar desolado da
terra
Um dos
mais importantes teólogos do século XX, o pastor-mártir Dietrich Bonhoeffer,
rebelava-se contra o recurso que, na prática, os crentes fazem a um deus ex
machina, a um Deus “tapa-buracos”, que se assemelha a uma solução mágica para
todos os dilemas humanos. De facto, o cristianismo opera uma corajosa inversão
de paradigma: enquanto que a religiosidade natural leva a que o homem procure o
Deus poderoso como auxílio para a sua vulnerabilidade, o cristianismo reenvia
continuamente o homem à impotência e ao sofrimento de Deus. Segundo Bonhoeffer,
“é absolutamente evidente que Cristo não nos socorre em razão da sua
omnipotência, mas em razão da sua fraqueza”, pois “Deus se deixa expulsar do
mundo no alto da cruz; Deus revela-se aí impotente e frágil, e só dessa maneira
está a nosso lado e nos ajuda”. Neste caso, o que é a fé? Para Dietrich
Bonhoeffer, a fé é tomar parte no sofrimento de Deus no mundo, abraçando e
cuidando de cada pessoa que sofre, responsabilizando-se solidariamente com esta
história, fincando nela os dois pés. Se vivermos agora a difícil história
humana, com as suas emergências e apelos, apenas com um pé colocado no chão,
teremos depois também apenas um pé colocado no paraíso.
Outra
mártir do século XX, a escritora Etty Hillesum, abre-nos para um intenso
desafio existencial quando diz: “Eu compreendi que tenho de ajudar Deus.” No
diário que redigiu no campo de concentração, deixou escritas estas palavras:
“São tempos temerosos, meu Deus. Esta noite, pela primeira vez, passei-a
deitada no escuro de olhos abertos e a arder, e muitas imagens do sofrimento
humano desfilavam perante mim. Mas torna-se-me cada vez mais claro o seguinte: que
tu não nos podes ajudar, mas nós é que temos de ajudar-te, e, ajudando-te,
ajudamo-nos a nós mesmos.”
in
Semanário Expresso 13.04.2019 p150
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À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves
Domingo de Ramos Ano C
«Bendito o Rei que vem em nome do Senhor.
Paz no Céu e glória nas alturas!»
Lc 19, 38
O Rei diferente
Falar de “rei” e de “reino” provoca um incómodo “monárquico”
ao recordar lutas de poder e guerras, domínio e exploração, “famílias” e
descendências, classes privilegiadas e desfavorecidas, esplendor de uns e
miséria de muitos. São certamente redutoras estas ideias e o mundo desenvolvido
e democrático em que vivemos já as ultrapassou! É também desse imaginário que
vive a série “A Guerra dos Tronos” que entra na sua última série por estes dias,
aguardando-se a revelação de quem se irá sentar no “trono de ferro”!
O Reino de Deus que Jesus anunciou e mostrou estar já
presente no mundo com a sua vinda, é essencialmente outro. Correndo o risco de
utilizar categorias já gastas pelas “realezas” humanas, Jesus desmontou as
ideias habituais de “realeza”. Ele é o “rei diferente”, que o profeta Zacarias
(9, 9-10) anunciou: o rei pobre, pacífico e universal. É o rei que vem até nós,
em vez de esperar que todos venham até ele.
Ele é o pobre, rei dos pobres, que entra em Jerusalém sentado
num jumento que não lhe pertence. Não vem tomar o poder, nem encabeçar uma
revolução. Aceita as aclamações da multidão, das crianças e dos discípulos pois
conhece o seu desejo de esperança, a sua fome e sede de justiça. Não traz
riquezas para distribuir nem promessas ilusórias de paraísos na terra. Ele é o
rei dos crentes e humildes das bem-aventuranças, que não vai fazer “em vez de”
mas convoca todos à conversão, à mudança de vida, à aceitação das suas palavras
e dos seus gestos de amor, a deixarmo-nos orientar por Deus. É com a pobreza da
sua vida dada por amor que Ele vai enriquecer a humanidade.
É também o rei da paz. Proclama o escândalo e a desumanidade
da guerra, da destruição dos outros e do mundo, da escalada de conflitos e da
invenção de armamentos mais sofisticados. A batalha contra o egoísmo e a
soberba implica reconciliação e perdão. Desafia a não amar só os que nos amam e
fazer o bem aos nossos: é preciso amar os inimigos e fazer bem a quem nos
odeia. Revela como a vida se perde quando se tenta ganhar mais bens, mais
riqueza, quando cresce a indiferença ao sofrimento e à injustiça, mesmo às
portas de casa, tão perto do coração. Dá-nos uma única arma: a cruz, sinal
perdão e de amor, da vida que se ganha quando é dada por amor, da paz que é a
felicidade partilhada.
Ele é o rei universal, sem família nem dinastia privilegiada
a quem oferecer lugares de honra, mas fazendo de toda a humanidade a família
única. Todos filhos do mesmo Pai que ama incondicionalmente, e irmãos de todas
as raças, línguas e feitios. O seu reino não tem fronteiras, nem muros, nem
ricos nem pobres, nem privilegiados nem excluídos. Na maravilhosa diversidade
de dons e culturas, revela a grandeza do coração humano que pode alargar-se ao
infinito. E o seu poder é dar vida, fazer Páscoa, tornar-se nosso alimento. Pão
que comemos para construir o seu Reino, para vivermos com Ele e como Ele.
É este o Rei que aclamamos e amamos? É o seu Reino que vamos
edificando?
in Voz da Verdade
14.04.2019
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Mulheres
“não teriam consentido esta loucura” dos abusos sexuais na Igreja
Entrevista
de Natália Faria
Phyllis Zagano, membro da comissão formada pelo Papa
para estudar o diaconado das mulheres e uma das autoridades mundiais nesta
matéria, alerta que a Igreja corre o risco de não ser levada a sério na
denúncia das desigualdades e da violência exercida contra as mulheres ao não
lhes conferir estatuto clerical.
Os abusos sexuais de menores dentro da Igreja não
teriam avançado tanto, se houvesse mulheres com estatuto clerical e funções
governativas na Igreja Católica, defende Phyllis Zagano. Professora e
investigadora na Universidade de Hofstra, em Nova Iorque, foi convidada, em
2016, a integrar a Pontifícia Comissão para o Estudo do Diaconado das Mulheres.
Esta semana, passou por Lisboa, a convite do Centro de Investigação em Teologia
e Estudos da Religião, da Faculdade de Teologia da Universidade Católica, para
apresentar o livro Mulheres diáconos – passado, presente e futuro [2019,
Paulinas Editora], de que é co-autora. Nesta entrevista, recua séculos para
lembrar que eram as diáconos que baptizavam as mulheres, ungiam as doentes e
reportavam aos bispos casos de violência doméstica. E avisa que a Igreja tem de
avançar para a ordenação de mulheres diáconos, sob pena de não ser levada a
sério na denúncia das desigualdades e da violência exercida contra as mulheres.
A sua investigação comprova que já houve mulheres
diáconos na Igreja. Quando e como?
O que se sabe é que houve mulheres que serviram como
diáconos na igreja Católica em diferentes lugares e em diferentes alturas. No
Ocidente, as mulheres diácono existiram até ao século XII. E no Oriente ainda
durante mais tempo. Sabemos que há à volta de 60 lápides no Ocidente de
mulheres diáconos. E havia muitas liturgias para ordenar as mulheres como
diáconos. E, até ao século XVI, as liturgias destinadas a ordenar as mulheres
como diáconos, estavam nos livros usados na Igreja. Basicamente, isso
permite-nos dizer que as mulheres diáconos eram ordenadas. Isso é muito
importante. Na missa, a mulher que iria ser diácono era chamada ao altar, o
bispo punha as mãos sobre ela e invocava o Espírito Santo. Isso constituía um
sacramento. Mas o bispo fazia outras coisas: ele autorizava-a a pegar no cálice
e também colocava uma estola [veste litúrgica, em forma de faixa larga de
tecido] sobre os ombros. A estola significava que ela podia proclamar o
Evangelho. Mas o mais importante era que o bispo a tratava como diácono. Era um
título profissional.
Quais eram as suas funções?
Algumas ajudavam no baptismo por imersão das mulheres,
porque, no baptismo, as pessoas estavam despidas e eram esfregadas com óleo, ou
seja, precisavam de ajuda para entrar e sair da “piscina” baptismal e um homem
não o podia fazer. Nalgumas partes da Síria, toda a cerimónia do baptismo
desenrolava-se detrás de uma cortina e era uma mulher diácono que a conduzia.
Na altura certa, o bispo enfiava a sua mão pela cortina e abençoava a pessoa,
sem a ver. Outra coisa que faziam era ungir as doentes, porque nenhum homem
entrava no quarto de uma mulher doente e muito menos para lhe tocar. Por outro
lado, se um marido batia na mulher, era a diácono que, depois de observar a
mulher, reportava o caso ao bispo. Portanto, tínhamos o testemunho de uma
mulher a ser aceite por um bispo.
Abusos sexuais:
"Nenhuma mulher teria permitido que o problema assumisse as proporções que
assumiu. Você permitiria? Não. Punha-os todos a correr."
As pessoas podem alegar que as mulheres diácono não
eram realmente ordenadas, mas as suas funções e tarefas mostram que elas tinham
esta relação credível com o bispo que as autorizava a administrar sacramentos –
ungir e baptizar – e também a falar em nome deles, porque, se elas tinham a
estola, podiam proclamar o Evangelho. No século VI, a diácono Ana era tesoureira
de Roma. Ela tomava conta do dinheiro.
Porque desapareceram?
Os
diáconos eram muito poderosos. Principalmente os homens diáconos, que cuidavam
do ouro e do dinheiro. Os padres não gostavam disto. Então, não havendo
seminários nem universidades, instituiu-se que, para alguém se tornar padre,
tinha de percorrer as diferentes etapas do chamado cursus honorum, o que levou
a que ninguém pudesse ser ordenado diácono, a não ser que se preparasse para
ser padre, o que excluiu, à partida, todas as mulheres. Continuaram a existir
mulheres diáconos até ao século XII, mas relegadas para os mosteiros. E
acabaram-se os homens diáconos porque estes tornavam-se todos padres.
No Concílio Vaticano
II, Paulo VI restaurou o diaconado permanente dos homens. E porque não o das mulheres?
Nesse concílio houve
101 sugestões acerca do diaconado, duas das quais sobre o diaconado feminino.
Mas quando dois bispos levantaram a questão, o padre conciliar que estava a
dirigir os trabalhos decidiu “Está na hora do café”. Eles não queriam falar
sobre isso. Mas, em 1972, Paulo VI pediu a um liturgista famoso, Cipriano
Vagaggini, que estudasse a questão das mulheres diácono. E ele escreveu um
documento que confirmava que já tinham existido mulheres diáconos, que eram
ordenadas, concluindo que não havia grande problema, que se podia avançar.
E depois?
Nada. Porque a luta
estava acesa. Nessa altura, nos Estados Unidos, tínhamos as mulheres da Igreja
Episcopal, em Filadélfia, a serem ordenadas padres e também havia por todo o
lado mulheres católicas a reclamarem o direito de ser padres. Então, a palavra
que se ouvia era “padre, padre, padre”, e isso abafou a discussão sobre o
diaconado feminino. Apesar disso, a discussão prolongou-se. Roger Gryson
[investigador belga, autor do livro The Ministry of Women in the Early
Church] defendia que sim e entrou numa discussão com Aimé-Georges Martimort
que defendia que não. Mas a discussão que estava subjacente era a questão do
sacerdócio. O bispo alemão perguntava “E então o diaconado feminino?” e o
Vaticano respondia que as mulheres não podiam ser padres.
Que argumentos pesam
hoje a favor da restauração do diaconado feminino?
Não é uma questão de
argumentos. Se a Igreja tem essa necessidade do ministério feminino, esse é o
chamamento do povo de Deus. E penso que a Igreja sente essa necessidade de
vozes femininas, de olhares femininos, de ter mulheres sentadas à mesa. Na
comissão que integro, há seis homens e seis mulheres. Mas é a primeira vez, na
história da Igreja, que se criou um grupo em que as mulheres estão igualmente
representadas a olhar para uma questão em nome do Papa.
"A
Igreja diz que as mulheres são iguais e que são maravilhosas. Mas numa missa em
S. Pedro, o que se vê é um mar de homens; não há mulheres, talvez uma rapariga
de sete anos com um ramo de flores, mas mulheres, não."
O estudo que o Papa
vos encomendou já foi entregue. E agora?
A missão deste grupo não era apresentar uma
opinião ao Papa, mas relatar-lhe a situação em termos históricos. Mas em Maio,
entre os dias 6 e 10, a União Internacional das Superioras Gerais vai reunir-se
e o Papa vai falar com elas. E eu, se fosse o Papa, não entraria numa sala com
mil freiras sem uma resposta.
Muitos esperam ouvir o
Papa anunciar que o diaconado feminino vai ser recuperado, em Outubro, no
sínodo dedicado à Amazónia. Fará sentido?
O documento preparatório para
o sínodo refere a necessidade de identificar o tipo de ministério oficial que
pode ser conferido à mulher. Quando, estando em Indianápolis, Indiana, recebi
um telefonema de uma jornalista da Associated Press, em Roma, a
perguntar o que quer isto dizer, respondi-lhe que estas palavras significam que
a mulher poderá ser ordenada. Têm de significar. Além disso, no documento final do sínodo dedicado
aos jovens, há dois parágrafos dedicados às mulheres, apoiando a
necessidade de liderança e participação feminina na Igreja.
Que resistências
poderá Francisco enfrentar nesta matéria?
Depende. Não penso que
os bispos de África estejam particularmente interessados em ter mulheres
diáconos, embora as africanas o estejam. Nalgumas das nações mais pobres da
Ásia, como o Camboja, dizem que não têm problemas, mas a questão é que não têm
mulheres – nem sequer homens – suficientemente preparados para serem
diáconos. Mas os bispos e os cardeais com quem venho falando (da Europa, da
Austrália, do Reino Unido, da Irlanda…) estão muito confiantes. E, na América
do Sul, a reacção é: “Venham, mandem-nas para cá.”
Há então razão para
acreditar?
Eu fui a única
não-europeia a ser chamada a integrar esta comissão. E o presidente da minha
universidade, que é judeu, disse: “Se o Papa não quisesse as mulheres como
diáconos, não te teria feito viajar de Nova Iorque para Roma”.
"Em
Maio, entre os dias 6 e 10, a União Internacional das Superioras Gerais vai
reunir-se e o Papa vai falar com elas. E eu, se fosse o Papa, não entraria numa
sala com mil freiras sem uma resposta"
Quanto tempo até
vermos as mulheres reconhecidas como iguais na Igreja?
Dependerá de onde
estiver. Algumas culturas estão mais receptivas do que outras. Alguns clérigos
estão mais receptivos do que outros. O cardeal brasileiro Odilo Scherer, com
quem jantei há uns tempos, às tantas pegou no telefone e começou a mostrar-me
fotografias. Eram quilómetros de favelas. Perguntei-lhe quantos padres tinha e
ele disse: “Quatrocentos.” E quantos católicos? “Cinco milhões.” Perguntei-lhe
se ele gostaria de ter mulheres diáconos, e ele respondeu “Claro!” Caso não,
quem faz os baptismos, os casamentos, quem dá a catequese? Na América do Sul,
os evangélicos estão muito presentes e têm mulheres. E os católicos têm de
esperar um ano por um padre. É de loucos.
Se as mulheres
tivessem estatuto clerical e funções governativas, a Igreja teria sabido
refrear a confusão dos abusos sexuais cometidos pelos padres?
Antes de mais, elas
não teriam consentido esta loucura. E teriam visto o perigo. Penso que muitos
homens não foram capazes de compreender quão sério era o problema. Acho que o
consideraram um pecado, sem cuidarem de atender aos danos provocados nas
crianças. Penso que uma mulher, uma mãe, tê-lo-ia percebido muito mais cedo.
Não acha? As mulheres seriam as primeiras a dizer em relação ao abusador: “Não,
não o vão mudar de paróquia, vão despedi-lo.”
Eu
trabalhei para o cardeal [John] O’Connor em Nova Iorque e, perante um caso que
lhe chegou de um único abuso cometido por um clérigo, disse apenas: “Está
despedido. Processe-me se tiver problemas com isso.” Penso que foi uma atitude
típica de uma mulher. Nenhuma mulher teria permitido que o problema assumisse
as proporções que assumiu. Você permitiria? Não. Punha-os todos a correr.
Mas em relação ao estatuto clerical…
A
questão do estatuto clerical é que só um clérigo está autorizado a proferir a
homilia. Se tivessem esse estatuto, as mulheres seriam autorizadas a pregar. Agora,
pense: o que é que isto diria ao resto do mundo? A Igreja diz que as mulheres
são iguais e que são maravilhosas. Mas numa missa em S. Pedro, o que se vê é um
mar de homens; não há mulheres, talvez uma rapariga de sete anos com um ramo de
flores, mas mulheres, não. Se a Igreja tivesse uma mulher, investida, em S.
Pedro, a pregar o Evangelho, não seriam apenas os 2,2 mil milhões de católicos
espalhados pelo mundo a ver que as mulheres são iguais, mas o resto do mundo.
Temos mulheres no Nepal a morrer nas “cabanas menstruais” por inalação de fumo;
temos mulheres na Índia a morrer queimadas; mulheres em África a morrer de
mutilação genital feminina; mulheres que morrem porque os maridos lhes batem,
um pouco por todo o mundo. A Igreja tem que pregar que as mulheres são iguais
aos olhos do Senhor, mas tem, sobretudo, de fazer aquilo que prega. Só então a
Igreja terá o direito de dizer alguma coisa contra estas realidades.
in Público,13
de Abril de 2019
“Se um
homem casado quer ser padre, tudo bem, mas tem de arranjar emprego”
O primeiro passo em direcção à ordenação dos homens
casados poderá ser dado em Outubro, no sínodo dos bispos dedicado à Amazónia,
acredita Phyllis Zagano, para quem o que está em jogo é a sobrevivência da
Igreja em várias regiões do globo.
Entrevista
de Natália Faria
Membro
da comissão formada pelo Papa para estudar o diaconado das mulheres, e uma das
autoridades mundiais nesta matéria, Phyllis Zagano acredita que a ordenação de
homens de fé comprovada, mesmo casados, “é uma boa sugestão e que Francisco
tenderá para isso”.
Quando dará a Igreja os primeiros passos em relação à
ordenação de homens casados?
Já acontece, não vejo grande problema.
Mas não aqui [na Igreja Católica de rito Latino].
Não aqui, à excepção dos anglicanos. Nos Estados
Unidos, a primeira ordenação de um homem casado foi em 1923, um metodista.
Portanto, não é novo. E, das 22 ou 23 igrejas católicas de rito Oriental, 20
ordenam homens casados. E estão em comunhão total com Roma.
Por que não na Igreja Católica de rito Latino?
Por
algumas razões. Por mim, não tenho problema em ordenar homens casados mas não
tenho de o suportar financeiramente a ele e aos seus cinco filhos. Portanto, se
um homem casado quer ser um padre católico, tudo bem, mas tem de arranjar
emprego: pode ser professor universitário ou condutor de autocarro, não
importa. Penso que a questão financeira é uma das razões. Na Igreja primitiva,
se o padre fosse casado, não podia dormir com a sua mulher e celebrar a
eucaristia porque se ele lhe tocasse ficaria impuro. Isso não correu bem com as
mulheres que os puseram a correr. Mas havia também o problema do nepotismo,
isto é, o risco de o bispo conceder as melhores paróquias aos seus filhos,
fazendo-os herdar os seus bens e o seu dinheiro. Isso tornou-se difícil de
gerir.
Como funciona nas outras igrejas?
Entre grandes problemas financeiros e com dificuldades
em suportar as famílias. Muitos padres protestantes tentam tornar-se capelães
militares ou hospitalares, querem trabalhar a tempo inteiro, porque é-lhes muito
difícil dependerem financeiramente das dioceses. E isto mistura-se com a
questão dos evangélicos que fazem imenso dinheiro, sendo que, para mim, o
Evangelho não é de ninguém, logo não o podem vender. E há também a questão da
dedicação e da oração.
Mas penso
que a ordenação de viri probati [ordenação de homens de fé comprovada, mesmo
casados] é uma boa sugestão e que Francisco tenderá para isso. Mas note que na
República Checa vários homens casados que trabalhavam na Igreja foram ordenados
padres. A maioria aceitou tornar-se padre com a condição de tornar-se membro da
Igreja Católica Grega [de rito oriental, nascida de uma cisão ocorrida na
Igreja Ortodoxa Grega e que, sem abandonar os ritos litúrgicos orientais, se
uniu à Santa Sé e obedece à autoridade do Papa]. Mas houve um que disse que não
e foi ordenado padre católico. É, aliás, o vigário-geral da sua diocese.
Logo, é possível?
Sim, tecnicamente é uma derrogação da lei. Portanto,
se um bispo quiser ordenar discretamente um homem casado escreve para Roma e
pede uma derrogação da lei. Toda esta questão levará algum tempo a ser
decidida, mas penso que, no sínodo da Amazónia, vão discutir esta questão e
penso que acabarão por avançar com os viri probati. Homens casados de vida e fé
comprovada
Sim?
Terão de
o fazer. O que pode um bispo fazer quando tem 400 padres, metade dos quais com
mais 60 anos, para uma população de cinco milhões de católicos? Sem padres,
perderemos a eucaristia e sem a eucaristia, o que somos? Não se esqueça que a
Igreja está em muitos maus lençóis actualmente.
in Público
13.04.2019
www.publico.pt/2019/04/13/sociedade/entrevista/mulheres-governassem-igreja-nao-consentido-loucura-abusos-sexuais-1869060
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Theologians concerned about newly engaged role of
Benedict, pope emeritus
Apr 12, 2019
by Joshua J. McElwee Vatican
web 20190411T0721-25799-CNS-BENEDICT-ABUSE-ARTICLE.jpg
Retired Pope Benedict XVI greets cardinals before a
consistory for the creation of new cardinals in St. Peter's Basilica at the
Vatican in this Feb. 22, 2014, file photo. (CNS/Paul Haring)
VATICAN CITY — When Pope Benedict XVI shocked a
meeting of cardinals Feb. 10, 2013, with news he would be renouncing the papacy
at the end of that month, he promised that as the ex-pontiff he would retreat
from the public eye and serve the Catholic Church "through a life
dedicated to prayer."
But by the third anniversary of his resignation,
Benedict was taking on a more active role.
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First came a March 2016 interview with a Belgian
theologian that focused on the question of God's mercy, just as Pope Francis
was in the midst of celebrating an Extraordinary Jubilee Year, also focused on
mercy.
In November 2016 came a book-length interview with
German journalist Peter Seewald, where Benedict defended his 2005-13 papacy
against criticism. "I do not see myself as a failure," he said in the
book, titled Last Testament: In His Own Words. "For eight years I carried
out my work."
Now comes a letter blaming the continuing clergy abuse
crisis on the sexual revolution and theological developments after the Second
Vatican Council, weeks after Francis hosted a first-of-its-kind bishops' summit
on abuse that focused instead on the endemic structural issues that have abetted
cover-up in the church for decades.
What to make of this development of a pope emeritus
who emerges from the shadows unannounced from time to time to offer his
comments on current affairs, or even on issues being handled by his reigning
successor?
A number of noted theologians and church historians
are expressing serious concern that Benedict's choice to engage in such public
action undermines Francis and plays into narratives splitting Catholics between
two popes, one officially in power, and the other wielding influence as he
writes from a small monastery in the Vatican Gardens.
"Benedict told us he was going to live a life of
quiet contemplation," said Christopher Bellitto, a historian who has
written extensively on centuries of popes. "He has not. A former pope
should not be publishing or giving interviews."
Richard Gaillardetz, a theologian who focuses on the
church's structures of authority, called the precedent being set by Benedict's
latest letter "troubling."
The former pontiff, said the theologian, is offering
"a controversial analysis of a pressing pastoral and theological crisis,
and a set of concrete pastoral remedies."
"These are actions only appropriate for one who
actually holds a pastoral office," said Gaillardetz, a professor at Boston
College.
"So now we have a situation in which a former
pope is offering a parallel pastoral and theological assessment and a parallel
pastoral and theological agenda that cannot help but be viewed as an
alternative to the exercise pastoral leadership of the current and only bishop
of Rome," he said.
Even the Vatican appears to be struggling to
understand what to do with a former pope who wants to engage in public debate.
As Benedict's latest letter appeared on several right-wing Catholic websites
overnight April 10, the Holy See Press Office seemed unprepared, unable even to
respond to questions about whether the text was authentic.
In fact it was Archbishop Georg Ganswein, Benedict's
personal secretary, that confirmed for many journalists that the text was
indeed from the former pontiff.
"The institution of the pope emeritus in the age
of mass media and of social media must be regulated carefully," said
Massimo Faggioli, an Italian church historian and theologian who teaches at
Villanova University.
"This is something that must be done especially
about the papal entourage," he said. "The Vatican is a Renaissance
court and it is difficult enough to govern one court without having to deal
with a 'shadow papal court' — which is what we have today."
Gaillardetz and Bellitto, a professor of history at
Kean University in New Jersey, both said Benedict's decision to continue
wearing white after his resignation and to call himself the "pope
emeritus," instead of some other title such as the "emeritus bishop
of Rome," have not helped make clear that there is only one pope at a
time.
"These decisions have rather predictably fed
deeply troubling 'two pope' theories," said Gaillardetz.
"The Vatican is a Renaissance court and it is
difficult enough to govern one court without having to deal with a 'shadow
papal court' — which is what we have today."
— Massimo Faggioli
Shortly after the release of Benedict's letter, one
Italian journalist pointed to the official advice the Vatican gives to retired
bishops about how to manage their relationships with their reigning diocesan
prelates.
"The Bishop Emeritus will be careful not to
interfere in any way, directly or indirectly, in the governance of the
diocese," states Apostolorum Successores, the Congregation for Bishops
latest directory for bishops, released in 2004.
"He will want to avoid every attitude and
relationship that could even hint at some kind of parallel authority to that of
the diocesan Bishop, with damaging consequences for the pastoral life and unity
of the diocesan community," it continues.
"The Bishop Emeritus always carries out his
activity in full agreement with the diocesan Bishop and in deference to his
authority," it states. "In this way all will understand clearly that
the diocesan Bishop alone is the head of the diocese, responsible for its
governance."
Or, as theologian Natalia Imperatori-Lee put it about
Benedict: "It is crucial that he (and, perhaps more importantly those
around him) practice a ministry of silence lest it appear that he wants to
undermine the current, only, Bishop of Rome, who is Francis."
"To continue to speak on matters the pope is
working vigorously to correct in the global, complex reality … that is the
church is to encourage dissent [and] to flirt with schism," said
Imperatori-Lee, a professor at Manhattan College.
"Let the pope be the pope," she advised.
"And let the pope emeritus pray for him."
[Joshua J. McElwee is NCR Vatican correspondent. His
email address is jmcelwee@ncronline.org. Follow him on Twitter: @joshjmac.]
in NCR
12.04.2019
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