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INFO: Crónicas &, em anexo, 2 artigos de Rosa Pedroso Lima sobre o Padre
Tolentino Mendonça
Frei Bento Domingues, De Agosto para
Setembro, Deus mudou?
Pe. Anselmo Borges, Sobre a
campanha eleitoral
Pe Vitor Gonçalves, O desprendimento
DE AGOSTO PARA SETEMBRO, DEUS MUDOU?
Frei Bento Domingues O.P.
Contrariamente à opinião comum, a fé na criação não é um
elemento recente, mas constitui a vaga de fundo do universo religioso do Antigo
Testamento.
1. Quando
interrompi estas crónicas, as preocupações dos meios de comunicação, acerca do
fenómeno religioso, estavam centradas em algumas sondagens, nomeadamente numa
realizada na Alemanha, revelando que 52% dos inquiridos acreditava em Deus, mas
só 22% se declarava religioso e comprometido com alguma instituição religiosa.
Saiu daí o slogan: “espiritualidade sim, religião não”! Uma minoria mais
jovem designava-se a si própria como “crente sem religião”.
Não vou regressar hoje a essa problemática. Com a
modernidade, a religião deixou, em alguns países, de estruturar o Estado e a
sociedade, mas só por miopia se poderia julgar que iria desaparecer. Foi-se
reconfigurando, de modos diferentes, segundo as geografias culturais. As
medições estatísticas são importantes para detectar alguns sinais de mudança. O
futuro é, no entanto, o tempo das surpresas. Por razões que não irei
explicitar, suponho que haverá muitas mudanças e eclipses, mas não me parece
que o fim da religião, mesmo no Ocidente secularizado, esteja para breve.
Parece-me que o diálogo inter-religioso, no qual os
participantes sejam capazes de rever as respectivas posições, no que poderão
ter de agressivo, será um caminho com futuro. S. Pedro deixou uma boa regra
para os cristãos: estai sempre prontos a dar a razão da vossa esperança a todo
aquele que vo-la pede; fazei-o, porém, com mansidão e respeito[i].
S. Pedro tocou no essencial: convicção, razão e bons modos
são o caminho do cristão e, se o diálogo correr mal, mais vale sofrer do que
fazer sofrer.
2.
No mês de Agosto, ao ler e ouvir ler alguns textos do Antigo Testamento (AT),
indicados para a celebração diária da missa, senti-me arrepiado perante o ódio
que os inspirava. Apesar da sua beleza literária, eram insuportáveis: Iavé
mata e manda matar.
Deixo, aqui, apenas alguns exemplos: «Atravessastes o Jordão
e chegastes a Jericó. Combateram contra vós os homens de Jericó, os amorreus,
os perizeus, os cananeus, os hititas, os guirgaseus, os heveus e os jebuseus; mas
Eu [Iavé] entreguei-os nas vossas mãos. Mandei diante de vós insectos
venenosos que expulsaram os dois reis dos amorreus. Não foi com a vossa espada,
nem com o vosso arco. Dei-vos, pois, uma terra que não lavrastes, cidades que
não edificastes e que agora habitais, vinhas e oliveiras que não plantastes e
de cujos frutos vos alimentais»[ii].
«Jefté marchou contra os amonitas e travou combate contra
eles; Iavé entregou-os nas suas mãos. Derrotou-os desde Aroer até às
proximidades de Minit, tomando-lhes vinte cidades, e até Abel-Queramim; foi uma
derrota muito grande; deste modo, os amonitas foram humilhados pelos filhos de
Israel»[iii].
Os filhos de Israel «abandonaram Iavé e adoraram Baal e os
ídolos de Astarté. Inflamou-se a ira de Iavé contra Israel e entregou-os nas
mãos de salteadores que os espoliaram e vendeu-os aos inimigos que os rodeavam.
Eles já não foram capazes de lhes resistir. Para onde quer que saíssem, pesava
sobre eles a mão de Iavé como um flagelo, conforme lhes havia dito e jurado; e
foi muito grande a sua angústia»[iv].
Com a entrada no mês de Setembro, parece que mudamos de Deus
e de mundo. São textos tirados da tradição sapiencial. Frei Francolino
Gonçalves, exegeta dominicano, membro da Comissão Bíblica Pontifícia e
professor da Escola Bíblica de Jerusalém, faleceu há dois anos. Deixou-nos
textos essenciais para ler a Bíblia com inteligência, para não cedermos a
nenhuma espécie de fundamentalismo. Hoje, evoco um que aborda, precisamente, a
distinção de dois iaveísmos. Diria, por conveniência fundada, que se trata de Iavé
de Agosto diferente de Iavé de Setembro. O melhor, porém, abstraindo
desta circunstância, é ouvir o próprio autor, mediante um fragmento de
uma grande elaboração que pode ser lida, na íntegra, nos Cadernos ISTA
acessíveis na Internet.
Na Bíblia, Deus não é apresentado só com uma pluralidade de
nomes, mas também com uma multiplicidade de retratos. O que a Bíblia põe na
boca de Deus, ou diz dele, sugere um grande número de imagens muito variadas,
contrastadas e, nalguns casos, aparentemente contraditórias. A grande maioria é
de uma grande beleza, mas também as há que são de uma notável fealdade, ou até
assustadoras[v].
Francolino Gonçalves defendeu a ideia de que não devemos
atribuir esse mundo bíblico apenas à corrente nacionalista, cujo centro é a
eleição de Israel como povo de Deus e a aliança entre ambos. Já havia alguns
autores que tinham discordado dessa amálgama. Segundo ele, os exegetas não
prestaram a estas vozes discordantes a atenção que mereciam. A esmagadora
maioria parece nem as ter ouvido. Por isso ficaram sem eco, não tendo chegado
ao conhecimento dos teólogos, dos pastores nem, por maioria de razão, do
público cristão. As minhas pesquisas nesta matéria confirmaram, essencialmente,
os resultados dos estudos que referi e, além disso, levaram-me a propor uma
hipótese de interpretação do conjunto dos fenómenos religiosos do AT, que é
nova. A meu ver, o AT documenta a existência de dois sistemas iaveístas
diferentes: um fundamenta-se no mito da criação e o outro na história da
relação de Iavé com Israel. Simplificando, poderia chamar-se iaveísmo cósmico
ao primeiro e iaveísmo histórico ao segundo. Contrariamente à opinião comum, a
fé na criação não é um elemento recente, mas constitui a vaga de fundo do
universo religioso do AT[vi].
3.
Dei a palavra a Francolino Gonçalves. Na Homenagem Internacional que lhe foi
prestada, na Universidade de Lisboa e no Convento de S. Domingos, no passado
mês de Maio, a questão dos dois sistemas iaveístas foi objecto de várias
intervenções. Eu próprio, na homilia que me pediram, tentei mostrar o alcance
pastoral desta distinção: quando um Deus se apresenta como tendo escolhido um
povo, com o qual estabeleceu uma aliança, e este povo se considera o eleito,
o povo de Deus, estamos perante um Deus nacionalista. A causa de Deus e a
causa da Nação passam a ser uma só, embora, de vez em quando, Deus manifeste
que o povo depende dele, mas ele não depende do povo.
O nacionalismo continua a revelar-se como pouco recomendável
para o bem da humanidade. Um nacionalismo divinizado é a peste das pestes.
[i] 1Pd 3,
13-17
[ii] Josué 24,
11-13
[iii] Juízes 11, 32-33
[iv]
Juízes 2, 13-15
[v] Cf. Frei
Francolino J. Gonçalves, Iavé, Deus de Justiça e de Bênção, Cadernos
ISTA 22 (2009), pp. 107-152.
[vi] Cf. nota
1, pág. 115
in Público,
08.09.2019
https://www.publico.pt/2019/09/08/sociedade/opiniao/agosto-setembro-deus-mudou-1885660
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Sobre a
campanha eleitoral
Anselmo
Borges
Padre e
professor de Filosofia
1. É
evidente que estou contente com o crescimento económico, com as notas positivas
das agências de rating, com a diminuição do desemprego... Significa esse meu
contentamento que participo da aparente euforia nacional sobre a situação do
país? Não, infelizmente, não. E vou tentar explicar.
Com a dívida
pública que temos, com o endividamento privado para o consumo, dentro do
fascínio causado pela percepção de que a situação económico-financeira está
como nunca, com a recessão que se anuncia para a economia mundial (a Alemanha
estagna, estão aí a “guerra” comercial entre os Estados Unidos e a China, o
Brexit, a instabilidade na Itália...), e dado que vivemos internamente mais de
uma situação conjuntural favorável do que de investimentos sólidos para um desenvolvimento
estrutural sustentável, receio que o país venha a confrontar-se com percalços
inesperados.
Tenho a
sensação de que a aparente euforia tenha na sua fonte um manto de mentira e
ilusão que se foi abatendo sobre o país. Porventura acabou a austeridade?
Veja-se o preço dos combustíveis, a carga de impostos e taxas e mais taxas, não
sem sublinhar os impostos indirectos, que são os mais injustos porque cegos. E
as famosas cativações? A saúde está bem? Quem é que o pode dizer e garantir com
verdade? A educação está bem? Sinceramente, com louváveis excepções até de
excelência, não creio: falo com professores, autênticos e dedicados
profissionais, e dizem-me que não; pessoalmente, temo que, com alguns novos
métodos já superados noutros países, o permanente experimentalismo e o imenso
facilitismo reinante, entre outras coisas, estejamos a contribuir para o
apagamento do pensamento crítico e o que o escritor Pérez-Reverte denunciou
recentemente: “nunca o ser humano foi tão estúpido como agora”; em relação aos professores,
veja-se a instabilidade em que vivem: há antigos alunos meus da Faculdade que
andam há anos de escola em escola, percorrendo o país de norte a sul,
dificilmente podendo constituir família ou ter filhos, e instala-se a
desmotivação; no ensino superior, reconheço manchas de excelência também, mas
não sei se está, no seu todo, a contribuir para que o nível de conhecimento
real e crítico se mantenha, e é necessário apoiar harmonicamente tanto as
ciências ditas exactas e as tecnologias como as ciências humanas, pois, sem
ética e humanismo, para onde pode levar-nos o progresso tecnológico? E ainda:
em vez de se acabar com as propinas para todos, atribua-se bolsas aos mais
frágeis economicamente, mas capazes.
Ainda neste
domínio da educação, seja-me permitido um reparo a um recente despacho
ministerial. Conheço casos dramáticos de transexuais que passaram e passam por
imenso sofrimento. Por isso, é preciso, na educação, preparar para o respeito
de todos. No entanto, por causa da orientação sexual, não se pode cair na
desorientação de todos. Com o bom senso dos professores, o conselho de médicos
e atendendo aos direitos dos pais no que à educação dos filhos se refere, as
escolas são capazes de encontrar soluções adequadas para casos concretos, sem a
necessidade de despachos eivados de ideologia que só podem levar à confusão
universal. Quem está interessado nessas e outras confusões?
2. Está aí a
campanha para novas eleições. Impõe-se que os Partidos sejam claros em pontos
essenciais nos programas e nos debates. Por exemplo:
2. 1.
Recentemente, a anterior procuradora-geral da República afirmou que o Estado
está “capturado” por redes de corrupção e compadrio. Joana Marques Vidal
lamentou concretamente: “Se nós pensarmos um pouco naquilo que são as redes de
corrupção e de compadrio, nas áreas da contratação pública, que se espalham às
vezes por vários organismos de vários ministérios, autarquias e serviços
directos ou indirectos do Estado, infelizmente nós estamos sempre a verificar
isso.” Muita gente tem denunciado esta situação como um cancro. Pergunta-se:
que compromisso assumem os Partidos neste domínio gravíssimo?
2. 2. Contra
o contexto do manto de mentira que desceu sobre o país, os Partidos devem
assumir claramente as promessas que fazem, com datas claras de cumprimento e
com que verbas. Tudo claro. Deixem-se, por favor, de arruadas e argumentem com
números, pois, se lhes explicarem, os portugueses perceberão e poderão assumir
escolhas racionais. Não se pode é continuar com promessas e mais promessas, algumas
repetidas ao longo de anos e nunca cumpridas. Por exemplo, o que se vai fazer
pela ferrovia — meu Deus, como foi possível chegar à presente situação? Por
favor, não façam promessas que sabem que não vão cumprir, porque não podem. Vão
fazer o quê pelo interior? Os que falam disso sabem o que é o interior?
2. 3. Ponto
decisivo: esclareçam o que pretendem fazer em relação à justiça, não só em
relação à justiça social — há muita miséria ainda no país, nada de ilusões —,
mas à justiça-poder judicial, órgão de soberania, independente. A justiça
continua lenta e, por isso, pouco eficaz, e, se se ler e ouvir a opinião
pública: que foi atingida pelo véu de alguma desconfiança. Lembro o Presidente
da República referindo-se, no passado 10 de Junho, às “falências na justiça”:
Portugal não pode “minimizar cansaço, corrupções, falências na justiça.”
2. 4. Neste
contexto, a Banca. Uma catástrofe! Há anos que o Estado, isto é, os
contribuintes, andam a pagar, a tapar buracos com milhares de milhões de euros,
e não há consequências para as más administrações e os desvios?... Neste país,
é necessário repor setenta cêntimos ao fisco — e eu acho bem —, mas desaparecem
milhares de milhões de euros, e não acontece nada? E os responsáveis maiores
chamados a juízo... tornaram-se entretanto amnésicos?! Os Partidos devem dizer
o que se propõem fazer para acabar com esta falta de vergonha.
2. 5. O que
vão fazer para que haja transparência na política e com os políticos?
Sinceramente, atendendo às suas responsabilidades, penso que os políticos são
mal pagos e até pergunto: será essa uma das razões por que para as tarefas
políticas a maior parte das vezes não vão os melhores e estamos cheios de
incompetentes? Mas, por outro lado, verifico que imensa gente se bate por, como
diz o povo, “ir para lá” — para onde? Para o poder. Há muita sedução pelo
poder, pois ele é “o maior afrodisíaco” (Henry Kissinger dixit). Mas também
deve haver muitos privilégios que moram para essas bandas. Que haja, portanto,
transparência. É preciso acabar com o exemplo inacreditável de deputados que
faltam descaradamente às sessões do Parlamento. E donde vêm tantas regalias e
privilégios auto-concedidos? Já não há vergonha em Portugal? Leio que
subvenções vitalícias para políticos custam milhões de euros (mais de seis
milhões este ano), que extras quase duplicam o salário dos deputados (milhões
só para cobrir as viagens para casa ou em trabalho político no seu círculo),
para não falar no caso dos deputados insulares... E a maior parte dos deputados
não morrerão de cansaço, a trabalhar no e para o Parlamento, como Macário
Correia denunciou numa entrevista recente: “Metade dos deputados no Parlamento
não fazem nada de concreto ou sequer útil, anda lá só a ocupar o tempo.” E
ficam sempre aberturas para contactos presentes e sobretudo futuros, numa
ligação in-transparente de política e negócios...
Aí está a
razão por que já falei aqui uma vez de uma proposta, embora sabendo que é
irrealizável: que os votos em branco formassem o “partido da cadeira vazia” no
Parlamento. Sinceramente, não acredito que, tirando dignas e honrosas
excepções, a maior parte dos candidatos andem por aí, na campanha, lutando por
todos os meios para serem eleitos, porque querem realmente servir o bem comum.
Lamentável, pois considero a política uma das actividades humanas mais nobres
e, do ponto de vista cristão, uma das formas mais altas de amor, de amor
social.
2. 6. A
actual Presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen, entre muitos
outros cargos políticos, foi também Ministra da Família. Há muito que admiro
que na Alemanha haja um Ministério da Família. Dado o tsunami demográfico de
Portugal, quero que os Partidos digam claramente o que se propõem fazer a favor
da natalidade e da família.
2. 7. Na
campanha, os Partidos são obrigados a dizer claramente aos cidadãos quais são
as suas posições sobre a eutanásia (e digam-no sem eufemismos, porque “morte
medicamente assistida” todos querem, eu incluído), sobre se pensam em legalizar
drogas com fins recreativos, se têm em mente alargar os prazos para o aborto
legal, e qual é a sua posição sobre a gravidez de substituição (vulgarmente
conhecida como “barrigas de aluguer”); a propósito: porque quiseram os
deputados enfrentar o Tribunal Constitucional na recente lei, face à qual ao
Presidente da República não restava outra alternativa que não fosse a
fiscalização preventiva desse Tribunal? Não venham, por favor, mais tarde, já
no Parlamento, com surpresas quanto a estas questões. Seria inqualificável em
matérias tão delicadas.
2. 8. Também
estudei filosofia política e, portanto, tenho obrigação de saber que a política
não é uma ciência exacta (se o fosse, entregava-se a simples tecnocratas), é
uma ciência prática, dificílima, talvez sobretudo uma arte, a arte do possível,
com muito de lúdico, de espectáculo, no bom sentido, que tem de jogar com
interesses muitas vezes contraditórios, com a complexidade do humano e as suas
paixões e, hoje, na complexidade de um mundo globalizado e cada vez mais
interdependente, o que faz com que, também no quadro da democracia com prazos
curtos de governação, a política fique atenazada: é necessário decidir
rapidamente e para um tempo curto o que pode ter consequências dramáticas no
tempo longo... Também por isso é essencial a racionalidade política em ordem ao
bem comum, bem para lá dos interesses próprios e partidários. E a competência.
Aqui, é necessário pensar sempre mais longe e determinar um consenso mínimo
nacional, com duração suficiente para a sua avaliação, sobre a educação, a
justiça, a saúde, a segurança social. Numa hierarquia de valores, que anda
muitas vezes, desgraçadamente, transtornada. Para evitar o sobressalto
permanente. E com que geoestratégia?
in DN,
08.09.2019
https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-borges/interior/sobre-a-campanha-eleitoral-11279599.html
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À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves
DOMINGO XXIII COMUM Ano C
“Quem de entre vós não renunciar a todos os
seus bens,
não pode ser meu discípulo.”
Lc 14, 33
O desprendimento
É a caminho
que mais gosto de imaginar Jesus. Quer nas caminhadas que faço, quer nos ritmos
de renovação que os tempos proporcionam, com Ele ou, por vezes, meio perdido ou
com medo de seguir adiante, quero ir a seu lado. Cada caminho abre sempre o
mundo em forma de cruz: para a frente, para trás, e para os lados. Revela as
escolhas, os cortes, tantas vezes difíceis, e o que é possível levar ou tem de
se deixar. Inscrevemos um “mais” na linha do tempo e do espaço, e esse é o
sinal da vida plena com Cristo.
A cruz
implica uma radicalidade que dói. Dói desligarmo-nos dos laços de sangue, das
formas habituais de construir o mundo com base na riqueza e no domínio dos mais
fracos, da ambígua relação da religião com o poder, da tentação do estatuto e
do nome sonante, da “família” e da “terra”, dos “nossos” que serão sempre mais
importantes que os “outros”. Dói parar para pensar, e resistir à tentação do
orgulho que cega e não ajuda a ver claro se é possível a obra megalómana que
nos vai envaidecer. Dói ainda ser humilde para não entrar em guerras em que
tanta vida se perderá; ter a coragem do diálogo e trabalhar pela paz; desistir
de nos julgarmos superiores aos outros para reconhecer a riqueza dos dons de
cada pessoa.
A caminho de
Jerusalém, Jesus interpela a multidão que O segue. Ao contrário dos populismos
não Lhe interessa ter recordes de audiências, nem manipular ou enganar as
pessoas. A Boa Nova que traz implica converter a vida toda, a começar nas
ideias e escolhas sobre Deus, as relações humanas e o sentido da vida. Aponta,
por isso, a exigência do desprendimento. É preciso passar do local ao
universal, da aparência à realidade, da guerra à paz. Se as famílias são
prisões, se o que conta neste mundo é a riqueza e a ostentação, se alimentamos
inimizades e a primeira solução é a guerra, é preciso renunciar a tudo isso
para seguir Jesus. E assim, ninguém o segue ao engano!
É verdade
que tal exigência influenciou certamente a falsa distinção entre “seguidores
perfeitos” e “seguidores imperfeitos” de Jesus. Os primeiros seriam os
consagrados, padres e religiosos que deixam bens, família, terras, “tudo” por
causa de Cristo e da Igreja. Os outros seriam os que “não conseguem” esse
despreendimento, e, por isso, têm a sua vida “no mundo”, as suas famílias e
profissões, os seus bens e, naturalmente, “não estão tão perto de Deus”. Os
primeiros seriam “mais facilmente” santos! Será que já se ultrapassou esta
ideia falsa?
Jesus vem ao
encontro de todos, em todas as condições de vida. Chama-nos a todos à mesma
radicalidade: viver como filhos de Deus e irmãos de todos. Com as consequências
difíceis e as alegrias inerentes. A cruz que desenhamos com os nossos passos
não nos deixa acomodar!
in Voz da
Verdade 08.09.2019
http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=8360&cont_=ver2
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