29 setembro 2019

P / INFO: Crónicas & Pope laments countries that sell weapons but refuse to take in refugees from conflicts
Frei Bento: Estudar antes de pregar
Pe. Anselmo: Sobre pessoas e animais quem decide?
Pe. Tolentino: Arte involuntária
Pe. Vitor: Um coração com olhos

  ESTUDAR ANTES DE PREGAR
Frei Bento Domingues, O.P.

Não basta a ortodoxia do Credo. A sua repetição não produz saber. Sem a pergunta essencial, fica a cabeça vazia.

1. Em Serralves, no passado dia 19, fui convidado a participar numa conferência com Lídia Jorge, sobre O pensamento como pré-escrita. A moderadora, Luísa Meireles, lembrou que o assunto envolve múltiplas vertentes – literárias, filosóficas, religiosas, semânticas, etc. – com a liberdade de tudo o que cada um quisesse abordar. A conferência foi aberta por Paulo Mendes Pinto e pela música de Pedro Abrunhosa. Não me pertence, a mim, fazer qualquer juízo sobre o que, ali, aconteceu.
Escrever, escrevo, mas não sou escritor nem ficaria infeliz se nada tivesse escrito. Tive de escrever, no âmbito da teologia, muitos textos que me pediram para várias revistas ou de colaboração em obras colectivas, assim como introduções e prefácios sem conta. Fui solicitado por muitas instituições culturais do país, para conferências e debates sobre A Religião dos Portugueses, publicada em 1988, corrigida e aumentada na reedição de 2018, organizada por António Marujo e Maria Julieta Mendes Dias. Desde os inícios do Público, fui convidado para escrever, ao Domingo, uma crónica que se tem mantido até hoje. Deu origem a vários livros, editados pela Figueirinhas e, depois, pela Temas e Debates.
Como disse, não sou escritor nem pertenço à Ordem dos Escritores, mas à Ordem dos Pregadores. É esse o sentido de acrescentar, à assinatura de tudo o que escrevo, O.P. o que ainda intriga alguns leitores.
Até ao século XIII, a Ordem dos Pregadores era identificada com a Ordem dos Bispos. Houve, por isso, resistências a dar este nome a uma Ordem Religiosa. A própria Bula pontifícia, que recomendava a Fundação de S. Domingos (1170-1221), foi corrigida de “Ordem dos que pregam” para Ordem dos Pregadores, aqueles que são “totalmente dedicados ao anúncio da palavra de Deus”.
Este acontecimento revelou-se extremamente fecundo. Fez com que, muitos párocos e várias Congregações religiosas se convertessem a esta missão que é responsabilidade de toda a Igreja.
     Porque será que a chamada Ordem dos Pregadores produziu, muito cedo, grandes teólogos escritores – basta pensar em Alberto Magno e Tomás de Aquino – e a escrita de místicos famosos, como Mestre Eckhart e Catarina de Sena?
      Existe uma resposta óbvia, cunhada pela expressão: verba volant, scripta manent (as palavras voam, os escritos permanecem).
O acto de escrever é paradoxal: por um lado, procura reter a palavra para que ela atravesse o tempo e o espaço; por outro, ao ser fixada, por vários processos, em signos inalteráveis, perde a voz, o som, a vida. Ficam apenas letras, como traços da passagem de um vivente desaparecido. É uma morte à espera de leitores que a provoquem, a interroguem, a ressuscitem. Um escrito é um morto que pode sobreviver ao seu autor pela energia que transmitir. Um texto não fala se não for provocado.
Antes da palavra e antes da escrita existem várias formas de pensamento fecundado por experiências e emoções vitais. Costumamos dizer que, no começo, era a Palavra: Logos. Poder-se-ia dizer também que, no começo, era o Silêncio. Este, porém, está carregado de palavras. Só sabemos o que os outros pensam se eles o disserem ou escreverem, o resto é “adivinhação”. Diz-se que os tagarelas falam antes de pensar, umas vezes arrependem-se disso, outras não.
Seja como for, só se conhece a distinção entre ser humano e simples animal pela palavra. Existem animais que podem ser treinados para repetir o que os humanos lhes ensinam. Apesar de todo o animalismo reinante, ainda não se conhece nenhuma biblioteca organizada pelos habitantes dos jardins zoológicos ou da selva. Tudo o que é escrito sobre os animais é feito por uns animais que falam e escrevem, organizando sistemas de signos convencionais, em línguas muito diferentes e em registos linguísticos muito diversos.
2. Não sei o que se passa com os escritores e artistas criativos antes da obra que colocam ao nosso dispor. Sei o que muitos deles disseram. No campo da teologia, conheço a recomendação de S. Pedro: estai sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la pede; fazei-o, porém, com mansidão e respeito[1]. Não é uma tarefa especializada. É a situação para a qual todo o cristão se deve preparar.
Um pregador, aquele que faz da sua vida o testemunho do Evangelho, não se deveria atrever a pregar sem perguntar, primeiro, se recebeu a graça da pregação, graça do Espírito Santo, o único verdadeiramente entendido no que a Deus diz respeito[2]. A seguir, pertence-lhe estudar. O conhecimento por afinidade espiritual não dispensa as filosofias e as diversas ciências, pois tem de mostrar como é que é verdade aquilo que confessa, na fé, ser verdade[3]. Não basta a ortodoxia do Credo. A sua repetição não produz saber. Sem a pergunta essencial, fica a cabeça vazia. Tem de investigar, cogitar, contemplar ferverosamente, antes de falar, pregar ou escrever.
Humberto de Romans, O.P. ( ca. 1200 -1277)[4] observou: foi com a Ordem dos Pregadores que, pela primeira vez, estudo e vida religiosa se uniram, numa união sempre frágil que precisa de ser assumida, diariamente, como tarefa prioritária.
Acerca da teologia, Bento XVI recordou uma anedota dos seus primeiros anos como professor na Universidade de Bonn: em cada semestre, havia um dia académico, no qual, os professores de todas as Faculdades se apresentavam aos alunos. Nessa altura, a Universidade sentia-se orgulhosa das suas duas Faculdades de Teologia (uma católica e outra protestante), ainda que nem todos os professores partilhassem a fé cristã. Esta situação não se alterou mesmo quando, em certa ocasião, um dos professores tivesse dito que, nessa Universidade, havia algo de estranho, pois tinha duas Faculdades que se ocupavam de algo que não existia: Deus.
Desde a Idade Média, o mundo cultural mudou muito. Nessa altura, o pregador tinha de estar preparado não só para testemunhar Aquele em quem acreditava, mas para dialogar com os judeus e os muçulmanos. Hoje, o diálogo inter-religioso é muito mais vasto e não pode esquecer os agnósticos, os ateus e os indiferentes.
3. O catolicismo convencional gera um pensamento rotineiro que não se deixa interrogar nem pode questionar o status quo da vida da Igreja nas homilias, na administração dos sacramentos, na catequese, etc. etc.. É o maior obstáculo à nova e antiga evangelização.
Veio o Papa Francisco e desconstruiu esse mundo convencional e, daí o grito: ai que ele está a dar cabo da Igreja na sua vida interna e na sua relação com o mundo. É verdade! O vinho novo da sua intervenção, pelo exemplo e pela palavra, rebenta com os odres velhos do conformismo.
in Público, 29.09.19


[1] 1Pd 3, 15-16
[2] Rm 8, 23-27
[3] S. Tomás, Questiones Quodlibetales, 4. q. 9. a. 3.
[4] A Pregação, Tenacitas, 2012  

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Sobre pessoas e animais quem decide?
Anselmo Borges
Padre e Professor de Filosofia
1. Eu sei que o tema é hoje muito sensível e complexo. Já aqui escrevi várias vezes sobre ele, mas volto a ele, sobretudo porque penso que é fundamental ter conceitos claros, contra a confusão que quer impor-se neste e noutros domínios. Dentro da confusão, é fácil perder-se quanto ao essencial.

Dou exemplos de confusionismo. Contou-me uma pessoa amiga que, durante uma volta a pé, ouviu uma senhora aflita a chamar: "Anda à mãe, anda à mãe." Até se afligiu, pensando que uma criança se tinha perdido. Afinal, era um cãozinho. Outra pessoa contou-me que viu na televisão uma senhora grávida num supermercado com o cãozito num carrinho e, à pergunta para quando o nascimento do bebé, disse a data prevista na qual o cão iria ter um irmão. Segundo o Expresso, André Silva declarou: "Há mais características humanas num chimpanzé ou num cão do que numa pessoa em coma". E já se pede um SNS para cães e gatos. E há jardins públicos infrequentáveis por crianças, tanta é a porcaria largada por cães, com os donos regalados a observar o alívio dos bichos. E tem havido ataques graves de cães e perturbações sem conta por outros animais que destroem colheitas inteiras, mas nada acontece...


A afirmação acima está na continuidade da de Peter Singer, professor da Universidade de Princeton, que escreveu em Ética Prática: "Devemos rejeitar a doutrina que coloca a vida dos membros da nossa espécie acima da vida dos membros de outras espécies. Alguns membros de outras espécies são pessoas; alguns membros da nossa não o são. De modo que matar um chimpanzé, por exemplo, é pior do que matar um ser humano que, devido a uma deficiência mental congénita, não é capaz nem pode vir a ser pessoa." Quem faz estas afirmações fá-lo baseado em que a desigualdade de tratamento que damos às pessoas humanas e aos outros animais deriva do chamado especismo, que consiste na preferência que damos aos seres humanos sem qualquer outra razão que não a pertença a uma espécie, no caso, a espécie humana.

2. Oponho-me veementemente a esta tese, que é a tese animalista, uma das teses mais deletérias e ameaçadoras contra o humanismo. E estou à-vontade, por várias razões. Na universidade, sempre falei aos estudantes da Animal Liberation (Libertação animal), de Peter Singer, e há muito que defendi que se deveria encontrar, do ponto de vista jurídico, uma denominação para os animais, que não são coisas. Aliás, isso encontra-se também num livro que coordenei juntamente com Alexandre Manuel, Desafios à Igreja de Bento XVI, no qual o constitucionalista J. Gomes Canotilho perguntava se precisamente um desses desafios não era desenvolver uma ecologia em que "as diferenças entre "algo e alguém" não remetam para o domínio das coisas a problemática humana dos outros seres vivos da Terra." E sempre fui a favor do valor da vida, do cuidado a dar à Criação e de que aos animais é devido tratamento adequado, recusando sofrimentos cruéis e inúteis.

Para mim, de qualquer forma, há uma distinção entre a pessoa humana e os outros animais - e quando se fala em animais, é preciso distinguir entre animais e animais: não é a mesma coisa falar de cães e gatos e falar de pulgas, piolhos, carraças, percevejos, vespa asiática... e, por outros motivos, de leões, tigres, crocodilos, hipopótamos...-, distinção que é não só de grau ou quantitativa, mas essencial, qualitativa, ontológica. Bastará estar atento às diferenças, de que dou apenas exemplos. Neste tema como noutros, o problema é o fundamentalismo e a falta de racionalidade.

Como escreveu Edgar Morin, "embora muito próximo dos chamados chimpanzés e gorilas, tendo 98% de genes idênticos, o ser humano traz uma novidade à animalidade". Há, apesar de tudo, entre etólogos e antropólogos, convergência bastante no reconhecimento de que entre o animal e o homem se deu um salto qualitativo essencial. Esse salto manifesta-se, em termos gerais, na autoconsciência (consciência de que se é consciente), na autoposse de si mesmo como único e centro de identidade, na linguagem simbólica e reflexiva, na capacidade de abstrair e formar conceitos, na transcendência em relação ao espaço e ao tempo, na criação e assunção de valores éticos e estéticos, no pré-saber da morte própria vinculada às crenças religiosas e à angústia frente ao nada, na pergunta pelo ser e pelo seu ser...

O homem não se encontra na simples continuidade da vida no sentido biológico. Como escreveu Max Scheler, o homem é "o asceta da vida", pois é capaz de dizer não aos impulsos instintivos, vendo aí o célebre biólogo F. J. Ayala "a base biológica da conduta moral da espécie humana, nota essencialmente específica dela". Porque é capaz de renunciar, abster-se, deliberar, optar, o homem é um animal livre e moral.

Os outros animais também comunicam, mas o homem tem linguagem duplamente articulada. Aristóteles viu bem, ao definir o homem como animal que tem lógos (razão e linguagem), e, assim, político: "Só o homem, entre os animais, possui fala. A voz é uma indicação da dor e do prazer; por isso, têm-na também os outros animais. Pelo contrário, a palavra existe para manifestar o conveniente e o inconveniente bem como o justo e o injusto. E isto é o próprio dos humanos frente aos outros animais: possuir, de modo exclusivo, o sentido do bem e do mal, do justo e do injusto e das demais apreciações. A participação comunitária nestas funda a casa familiar e a pólis."

O Pensador, de Rodin, diz-nos bem o que é o ensimesmamento: entrada dentro de si próprio, descida à sua intimidade única, à subjectividade pessoal: o ser humano vem a si mesmo como único, tem a experiência de eu enquanto própria e exclusiva, face ao outro, que é outro eu, outro como eu, mas simultaneamente um eu que não sou eu: um eu outro impenetrável. Disse o famoso psicanalista Jacques Lacan: "Possuir um Eu na sua representação: este poder eleva o homem infinitamente acima de todos os outros seres vivos sobre a Terra. Por isso, é uma pessoa". Sabe que sabe, é autoconsciente, consciente de ser consciente.

O homem é um ser inquieto, nunca satisfeito (satis-factus: feito suficientemente), acabado. Por isso, é o ser do transcendimento, como escreveu Pascal, ao dizer que o homem mora algures entre "le néant et l"infini" (o nada e o infinito), aberto ao Infinito, à Transcendência. É o ser da pergunta e, de pergunta em pergunta, chega a perguntar ao infinito pelo Infinito, isto é, por Deus. Neste sentido, é constitutivamente metafísico e religioso. E tem dignidade, é fim e não meio, como defendeu Immanuel Kant, pois há nele algo de infinito, precisamente esta sua capacidade e necessidade de perguntar pelo Infinito, pelo Fundamento e pelo Sentido último.

E há o riso e o sorriso, a contemplação e a criação de beleza (quando é que um animal vai compor uma sinfonia?), o amor de autodoação, erguer edifícios jurídicos com o estabelecimento da lei e da igualdade de todos perante a lei, a sepultura, a esperança...

E, no final de tudo, se estas notas características e capacidades específicas e outras não convencessem, há uma que é definitiva: nesta questão de saber se a distinção entre os humanos e os outros animais é meramente de grau ou, pelo contrário, qualitativa, essencial, quem é convocado é o homem. É ele e só ele que debate. Alguém se lembra de convocar uma assembleia de outros animais para dirimir a questão?
É preciso tomar consciência do perigo da indiferenciação e da ameaça da animalização da sociedade.

3. Há uma pergunta inevitável. E os membros da nossa espécie que não podem de facto exercer essas capacidades, como os deficientes mentais profundos? Estou com a filósofa Adela Cortina: "Isso não os torna membros de outras espécies, mas pessoas que é preciso ajudar para poderem viver ao máximo essas capacidades, o que só conseguirão numa comunidade humana que cuide deles e os promova na medida do possível."
in DN, 29.09.19
https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-borges/interior/sobre-pessoas-e-animais-quem-decide-11345772.html
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QUE COISA SÃO AS NUVENS
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA

ARTE INVOLUNTÁRIA

A VIDA É UM TAPETE QUE VOA, É UMA ALIADA DO ESPANTO, TEM MAIS IMAGINAÇÃO DO QUE SUPOMOS, UMA ARTE TODA SUA

Em rigor não existe uma arte involuntária. Leonardo da Vinci recordava, com razão, o óbvio: que esta é coisa mental. A arte supõe o gesto deliberado, o processo, a reflexividade, a dimensão laboratorial, a instigante e consciente procura, a experimentação. Mas o olhar e o coração de cada um de nós sabem, no entanto, que existe também uma arte involuntária. Sabem que há insustentáveis imagens perfeitas que não foram construídas de modo deliberado e nos atravessam; que essas podem ser flagrantemente aleatórias e, ao mesmo tempo, incrivelmente reais; que pertencem porventura à natureza mais do que à manufatura humana; que são um encontro de formas sem motivo, mas que depois se tornam um património que não nos larga mais. Num livro recente do paisagista Gilles Clément, intitulado “Tratado Sucinto da Arte Involuntária”, o autor situa-a justamente numa zona indefinida, numa espécie de encruzilhada contingente entre o domínio elementar da natureza e a expressão informal da nossa humanidade. E fornece esta definição: “Considero como arte involuntária o feliz resultado de uma combinação de situações ou de objetos, organizados por regras de harmonia ditadas pelo imprevisto.” Os exemplos que avança, recorrendo a dezenas de fotografias, mostram aqueles rodopios súbitos de vento que tornam aérea uma inteira população de folhas ou então esculturas de gelo nos cimos mais silenciosos ou aqueles caprichos que o litoral repetidamente nos oferece. E há também fotografias que registam a vida no labirinto das cidades; o emaranhado dos fios que, por quilómetros e quilómetros, nos interligam; as fachadas revistas em sucessão onde o tempo declina não a cor, mas a erosão da cor: quando o azul, o magenta ou o laranja parecem mais do que nunca o assobio do mundo em passagem. E, nessa linha, o livro aposta num levantamento do que se poderiam chamar instalações (mesmo se precárias), epifanias (mesmo se momentâneas) e vestígios (mesmo se destinados a um apagamento mais vertiginoso do que aquele que nós próprios conhecemos). Porém, devo dizer que o que mais me comoveu nesta incursão de Gilles Clément pela arte involuntária foi o exercício de atenção ao que nos rodeia e aos seus humildes detalhes. Por vezes, sentimo-nos a caminhar entre monótonas paredes que se prolongam ou numa cartografia exausta, que é sempre igual. Mas a vida é — voluntária e involuntariamente — outra coisa. A vida é um tapete que voa, é uma aliada do espanto, tem mais imaginação do que supomos, uma arte toda sua. Mas tal depende também do olhar que lhe dedicamos. Aprender a contemplar: que tarefa interminável!

A arte supõe o gesto deliberado, o processo, a reflexividade, a dimensão laboratorial, a instigante e consciente procura, a experimentação

Creio que nós humanos somos mestres desta arte involuntária. As imagens que mais profundamente se gravam, aqueles farrapos de existência que mais tarde nos assombram, nos resgatam e resumem têm essa música. E, por isso, todos recordamos coisas de nada, que, contudo, nos sustentam: um gesto, um silêncio, um sorriso, uma certa hora, uma certa confidência, um rastro, um retrato. Por exemplo, este verão revi o filme de Roberto Rossellini, “Stromboli”, e fiquei siderado com a cena da pesca do atum, mostrada ali como uma coreografia primitiva, intensíssima, até pungente. Durante essa longa cena só me recordava de meu pai, que foi também pescador. Eu fixava-o, com nitidez, de barco em barco, entre as personagens de Rossellini. Vestia uma camisa verde como há muitos anos, na última vez que o vi.
in Semanário Expresso, p 157, 28.09.2019
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À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves
DOMINGO XXVI COMUM Ano C
“Um pobre, chamado Lázaro,
jazia junto do seu portão, coberto de chagas.”
Lc 16, 20

Um coração com olhos

A educadora tinha convidado os meninos e meninas da sua sala a desenharem, ao seu gosto, um coração. Umas das mais pequenitas, embrenhou-se na tarefa e foi das últimas a acabar. Apareceram corações muito diferentes e qual deles o mais ricamente decorado, alguns até com brilhantes e missangas. Por fim, a tal pequenita mostrou também o seu desenho: era um coração simples, grande e vermelho, mas com olhos, pés, mãos e uma boca sorridente! E ela explicou: “Tem olhos para ver os outros e tudo, mãos para estender e abraçar, pés para ir ao encontro de todos, e um sorriso porque assim é que é feliz!”

O drama de quem é rico é não ver o pobre. Ou ver e nada fazer. Na única parábola contada por Jesus em que um personagem tem nome, somos todos alertados para a cegueira que a riqueza provoca. Não é feito um juízo sobre o comportamento moral do rico ou do Lázaro: não se conhecem boas ou más acções de um ou do outro. O abismo após a vida é idêntico ao desta: quem podia fazer alguma coisa nada fez. Terá pensado: que adianta ajudar um se são tantos? Como se pode resolver o problema da pobreza? Cimeiras, reuniões planetárias, assembleias faustosas e vistosas continuam a realizar-se no nosso tempo, a produzir declarações admiráveis que pouco se cumprem. A pobreza é dos outros, pouco interessa que esteja à nossa porta ou lá longe onde não nos afeta. Irónica a pretensão do rico da parábola que, mesmo na mansão dos mortos, ainda tenta pôr Lázaro ao seu serviço! É o paradigma: Rico que continua a pensar só nos ricos e a usar os pobres!

É preciso dizê-lo: haver ricos e pobres é contra o projecto de Deus. Os bens da criação e o desenvolvimento humano não podem ser só para alguns. Santo Ambrósio, comentando esta parábola, dizia: “Quando dás alguma coisa ao pobre, não lhe dás o que é teu, restituis-lhe apenas o que já é seu, porque a terra e os bens deste mundo são de todos, não dos ricos.” Um progresso económico, técnico e cultural que não beneficia todos os níveis da sociedade cava abismos de desumanidade. É preciso mudar o “coração de rico” que trazemos connosco. Agarrado a tudo o que julgamos que é nosso e obcecado por aquilo que ainda que ainda nos falta possuir! E por isso tantas vezes infeliz: cego à realidade de quem sofre, sem pés para sair ao seu encontro, sem mãos para partilhar e sem sorriso que nos ilumine o rosto!

“Sair com Cristo ao encontro de todas as periferias” é o programa deste ano na nossa Diocese de Lisboa. São periferias e pessoas com nome. Não vamos inventar “a solução” mas conhecer, melhorar e estimular “as soluções”; não vamos “fazer para” mas “criar com”; não vamos só “dar” mas valorizar o quanto precisamos de todos. À maneira de S. Vicente de Paulo, celebrado por estes dias, fundador dos Padres Lazaristas (hoje, Vicentinos) e que dizia: “A caridade é inventiva até ao infinito”. Como Jesus Cristo faz e ensina a fazer. E que tal começar por abrir os olhos do coração?
in Voz da Verdade, 29.09.19
http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=8409&cont_=ver2
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Pope laments countries that sell weapons but refuse to take in refugees from conflicts
Inés San Martín
ROME BUREAU CHIEF
ROME - Pope Francis on Sunday said that Christians cannot be indifferent and insensitive to the “tragedy” of poverty, “our hearts deadened” before the misery of innocent people.
“We must not fail to weep,” Francis said. “We must not fail to respond.”
Francis, the son of immigrants himself, also lamented that today’s world is increasingly “more elitist and crueler towards the excluded,” because developing countries are drained of their best resources - natural and human - to benefit “a few privileged markets.”
In addition, he said, “wars only affect some regions of the world, yet weapons of war are produced and sold in other regions which are then unwilling to take in the refugees generated by these conflicts. Those who pay the price are always the little ones, the poor, the most vulnerable, who are prevented from sitting at the table and are left with the ‘crumbs’ of the banquet.”
Francis’s words came in St. Peter’s Square during the Mass for the 105th World Day of Migrants and Refugees. The theme of this year’s message, released by the Vatican in May, is “It is not Just about Migrants.”
According to the United Nations Refugees office (UNHCR), over 70 million people around the world have been forced to leave their homes. Among them are nearly 25.9 million refugees, over half of whom are under the age of 18. The UN agency says one person is forcibly displaced every two seconds as a result of conflict or persecution.
In addition, according to the United Nations Migration office (IOM) there are an estimated 244 million international migrants globally, around 3.3 percent of the world’s population.
Francis said that the commandment is to “love God and love our neighbor,” and that these cannot be separated.
“Loving our neighbor as ourselves means being firmly committed to building a more just world, in which everyone has access to the goods of the earth, in which all can develop as individuals and as families, and in which fundamental rights and dignity are guaranteed to all,” the pope said.
Loving our neighbor, he continued, means to manifest concretely God’s love for them by drawing close to those who are mistreated and abandoned on the streets, soothing their wounds and bringing them to the nearest shelter.
Speaking about the theme for the message, Francis said that loving one’s neighbor and the day for migrants and refugees is not only about foreigners but “about all those in existential peripheries who, together with migrants and refugees, are victims of the throwaway culture.”
The pope began his homily by speaking about the many times in which God calls on those who follow him to care for the widow, the orphan and the foreigner, saying that even twenty-eight centuries later, the warnings of prophet Amos are relevant: Those who are at ease and seek pleasure without worrying about the ruin of God’s people should worry about not being invited to God’s banquet.
The widow, the orphan and foreigners, Francis said, are “often forgotten and subject to oppression. The Lord has a particular concern for foreigners, widows and orphans, for they are without rights, excluded and marginalized.”
For this reason, in the books of Psalms, Deuteronomy and Exodus God “warns” the Israelites to give them special care: “The reason for that warning is explained clearly in the same book: The God of Israel is the one who ‘executes justice for the fatherless and the widow, and loves the sojourner, giving him food and clothing’” he said.
Loving those who are less privileged, Francis argued, is “required, as a moral duty, of all those who would belong” to the people of the God of Israel.
At the end of the Mass, accompanied by four migrants, Francis unveiled a recently installed sculpture depicting 140 migrants of all generations and different times in history. At the center, the wings of an angel are visible, which gives the name of the piece: “Angels Unaware.”
The sculpture was requested by the Vatican’s Migrants and Refugee section. Timothy Schmalz, the Canadian artist responsible for the 20-foot piece, told Crux that he was inspired by the Bible, more specifically, Hebrews 13:2 - Be welcoming to strangers and many have entertained angels unaware.
“What is being installed is not just bronze nor is it just art,” he said. “It’s an idea. An idea of welcoming. If you think about the whole design of St. Peter’s Square, with two extended arms reaching out, historically, the whole concept was considered that they were welcoming arms to welcome not only the pilgrims, but also for the tourists.”
Schmalz said he had strategically placed figures that are rarely seen in artwork in Rome, such as the African, the Jew, the Muslims or Sikhs. People from all over the world and from different religions, he said, are represented, and the sculpture is meant to remind the thousands who visit the square that they too are welcomed, no
After the unveiling, Francis spent several minutes contemplating the sculpture, before greeting the migrants who revealed the sculpture, the artists, and the benefactors who made it possible.
Follow Inés San Martín on Twitter: @inesanma

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in Crux, Sep 29, 2019
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É no dia 19 de Outubro às 15.30 a
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