21 setembro 2012

Missão da Igreja num país em crise


Finalmente a Igreja portuguesa pela voz coletiva dos seus Bispos disse uma palavra relevante e sobre a situação de crise económica e social que o país está a viver.
Vozes dispersas e solitárias de vários quadrantes eclesiais, alguns Bispos, alguns responsáveis de organismos eclesiais como a Caritas e dos movimentos operários da Ação Católica, e ainda alguns leigos reconhecidamente católicos, tinham alertado para a gravidade da situação presente.

O silêncio incómodo da Comissão Nacional Justiça e Paz que apenas agora prepara uma posição pública, mostra bem como o jogo de forças e contradições em que estamos todos envolvidos, como cidadãos e como cristãos leva a opções distintas de interpretação do sentido dos sacrifícios que estamos a viver.

Retomemos pois o que é fundamental na Doutrina Social da Igreja (DSI); esta não é uma receita milagrosa para a solução dos problemas (bem jeito daria talvez), não é uma ideologia política com uma agenda de transformação imediata da sociedade, mas é apenas e isso é muito o relembrar dos princípios e dos valores fundamentais que toda a intervenção política, económica e social deve ter em conta se quer permanecer no nível básico de respeito pelos direitos humanos. Embora estes últimos sejam o fruto imediato da revolução francesa, na realidade mais não são do que as concretizações dos princípios cristãos do amor ao próximo e da proteção aos mais necessitados tendo como horizonte a condição de igualdade humana que todos partilhamos, a mesma família humana, una e diversa, mas fraterna.

Deixar-se levar na onda do capitalismo financeiro sem rosto nem legitimidade democrática que assola grande parte do mundo, procurando manter-se na crista da onda, qual surfista em equilíbrio instável, corre-se o risco de mergulhar de vez ou pelo contrário e com muita sorte passar os tempos de borrasca e sobreviver.

Só que os países, os Estados, são menos homogéneos do que a metáfora usada, não é a liderança política apenas que vive no mar encapelado, é o povo todo que procura não se afogar na situação. Gerir esse equilíbrio que é não só resultado de medidas económicas e financeiras para saldar parte da dívida aos nossos credores mas é igualmente o procurar consensos sociais que são um dos pontos nevrálgicos de qualquer política que evite o abismo.

Nos últimos dias a coligação mostrou claramente as suas fragilidades, com discursos distintos sobre a bondade ou iniquidade da Taxa Social Única (TSU) a par da contestação dos barões de ambos os partidos sobre as medidas económicas e do seu efeito social, nas ruas foi o que se viu; uma manifestação só comparável aos tempos da revolução dos cravos. Já não se trata apenas das oposições do costume, com a contestação habitual de quem está quase sempre do contra porque não está no poder na ocasião.

A função simbólica do efeito da anunciada subida da contribuição dos trabalhadores para TSU, a par da sua correspondente diminuição para os empregadores, pensada pelo governo como benéfica para a economia (o que falta provar), é mais ou menos vista pelo comum dos cidadãos como “tirar o pão do pobre Zé Povinho para dar ao rico”, além do rombo financeiro no salário real dos trabalhadores que é obviamente muito pesado.

Ora este simbolismo tocou num ponto sensível da nossa condição de portugueses e, mais fundo ainda, na questão da equidade (ou falta dela) que se revela na situação atual. E estamos zangados, muito zangados, pois é a nossa dignidade de seres humanos que está em causa. Este estado de espírito não é bom sinal para ninguém, nem para as pessoas singulares nem para grande parte do povo.

Assim a DSI, como vem bem explicado na Nota pastoral remete para a reflexão de áreas sensíveis, de valores éticos, que todas as medidas políticas devem respeitar, a saber;

“Prioridade na busca do bem-comum
Direito ao trabalho
Estabilidade política
Respeito pela verdade
Generosidade na honestidade”

Em suma são os valores da “dignidade da pessoa humana, a solidariedade como vitória sobre os diversos egoísmos, a equidade nas soluções e na distribuição dos sacrifícios, atendendo aos mais desfavorecidos, a verdade nas afirmações e análises, a coragem para aceitar que momentos difíceis podem ser a semente de novas etapas de convivência e de sentido coletivo da vida.” 
Se conseguirmos respeitar estes princípios, talvez se recomponha o equilíbrio instável em que vivemos e o nosso tecido social, económico e político não se estilhace de vez.

Temos pois muito que fazer!

AFF

3 comentários:

  1. A Comissão Nacional Justiça e Paz pronunciou-se finalmente, e de forma mais contundente que a Conferência Episcopal: ver o documento Os Números e as Pessoas.

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  2. No dia em que escrevi o post a CNJP ainda não tinha tomado nenhuma posição sobre a situação o que veio a fazer (e muito bem) logo depois, daí a referência ao silêncio da CNJ no dia 18!
    AFF

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  3. Deixo aqui o meu comentário à Nota do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa.

    http://asaladecima.blogspot.pt/2012/09/os-bispos-e-crise.html

    Paulo Bateira

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