Finalmente
a Igreja portuguesa pela voz coletiva dos seus Bispos disse uma palavra
relevante e sobre a situação de crise económica e social que o país
está a viver.
Vozes
dispersas e solitárias de vários quadrantes eclesiais, alguns Bispos,
alguns responsáveis de organismos eclesiais como a Caritas e dos
movimentos operários da Ação Católica, e ainda alguns leigos
reconhecidamente católicos, tinham alertado para a gravidade da situação
presente.
O
silêncio incómodo da Comissão Nacional Justiça e Paz que apenas agora
prepara uma posição pública, mostra bem como o jogo de forças e
contradições em que estamos todos envolvidos, como cidadãos e como
cristãos leva a opções distintas de interpretação do sentido dos
sacrifícios que estamos a viver.
Retomemos
pois o que é fundamental na Doutrina Social da Igreja (DSI); esta não é
uma receita milagrosa para a solução dos problemas (bem jeito daria
talvez), não é uma ideologia política com uma agenda de transformação
imediata da sociedade, mas é apenas e isso é muito
o relembrar dos princípios e dos valores fundamentais que toda a
intervenção política, económica e social deve ter em conta se quer
permanecer no nível básico de respeito pelos direitos humanos. Embora
estes últimos sejam o fruto imediato da revolução francesa, na realidade
mais não são do que as concretizações dos princípios cristãos do amor
ao próximo e da proteção aos mais necessitados tendo como horizonte a
condição de igualdade humana que todos partilhamos, a mesma família
humana, una e diversa, mas fraterna.
Deixar-se
levar na onda do capitalismo financeiro sem rosto nem legitimidade
democrática que assola grande parte do mundo, procurando manter-se na
crista da onda, qual surfista em equilíbrio instável, corre-se o risco
de mergulhar de vez ou pelo contrário e com muita sorte passar os tempos
de borrasca e sobreviver.
Só
que os países, os Estados, são menos homogéneos do que a metáfora
usada, não é a liderança política apenas que vive no mar encapelado, é o
povo todo que procura não se afogar na situação. Gerir esse equilíbrio
que é não só resultado de medidas económicas e financeiras para saldar
parte da dívida aos nossos credores mas é igualmente o procurar
consensos sociais que são um dos pontos nevrálgicos de qualquer política
que evite o abismo.
Nos
últimos dias a coligação mostrou claramente as suas fragilidades, com
discursos distintos sobre a bondade ou iniquidade da Taxa Social Única
(TSU) a par da contestação dos barões de ambos os partidos sobre as
medidas económicas e do seu efeito social, nas ruas foi o que se viu;
uma manifestação só comparável aos tempos da revolução dos cravos. Já
não se trata apenas das oposições do costume, com a contestação habitual
de quem está quase sempre do contra porque não está no poder na
ocasião.
A
função simbólica do efeito da anunciada subida da contribuição dos
trabalhadores para TSU, a par da sua correspondente diminuição para os
empregadores, pensada pelo governo como benéfica para a economia (o que
falta provar), é mais ou menos vista pelo comum dos cidadãos como “tirar
o pão do pobre Zé Povinho para dar ao rico”, além do rombo financeiro
no salário real dos trabalhadores que é obviamente muito pesado.
Ora
este simbolismo tocou num ponto sensível da nossa condição de
portugueses e, mais fundo ainda, na questão da equidade (ou falta dela)
que se revela na situação atual. E estamos zangados, muito zangados,
pois é a nossa dignidade de seres humanos que está em causa. Este estado
de espírito não é bom sinal para ninguém, nem para as pessoas
singulares nem para grande parte do povo.
Assim
a DSI, como vem bem explicado na Nota pastoral remete para a reflexão
de áreas sensíveis, de valores éticos, que todas as medidas políticas
devem respeitar, a saber;
“Prioridade na busca do bem-comum
Direito ao trabalho
Estabilidade política
Respeito pela verdade
Generosidade na honestidade”
Em
suma são os valores da “dignidade da pessoa humana, a solidariedade
como vitória sobre os diversos egoísmos, a equidade nas soluções e na
distribuição dos sacrifícios, atendendo aos mais desfavorecidos, a
verdade nas afirmações e análises, a coragem para aceitar que momentos
difíceis podem ser a semente de novas etapas de convivência e de sentido
coletivo da vida.”
Se
conseguirmos respeitar estes princípios, talvez se recomponha o
equilíbrio instável em que vivemos e o nosso tecido social, económico e
político não se estilhace de vez.
Temos pois muito que fazer!
A Comissão Nacional Justiça e Paz pronunciou-se finalmente, e de forma mais contundente que a Conferência Episcopal: ver o documento Os Números e as Pessoas.
ResponderEliminarNo dia em que escrevi o post a CNJP ainda não tinha tomado nenhuma posição sobre a situação o que veio a fazer (e muito bem) logo depois, daí a referência ao silêncio da CNJ no dia 18!
ResponderEliminarAFF
Deixo aqui o meu comentário à Nota do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa.
ResponderEliminarhttp://asaladecima.blogspot.pt/2012/09/os-bispos-e-crise.html
Paulo Bateira