27 dezembro 2020

 

P / INFO: Crónicas

Frei Bento: Uma distância caritativa

Padre Anselmo: Entre o Ano Velho e o Ano Novo

Cardeal Tolentino: Para não matarmos a alma

                   

 

UMA DISTÂNCIA CARITATIVA?

Frei Bento Domingues, O.P.

Se o Natal cristão existe como a festa da proximidade, donde poderá vir a alegria com a afirmação pública e ostensiva da distância?

1. Comecei por não achar graça nenhuma à expressão que acabei por escolher para título desta crónica, embora de forma interrogativa. A história é simples. Recebi, como os dominicanos de todo o mundo, uma mensagem de Natal de um irmão filipino muito jovem, eleito Mestre Geral da Ordem dos Pregadores, em 2019, no Capítulo geral, realizado no Vietname, no qual também participaram dois delegados portugueses como eleitores.

O Mestre Geral chama-se Gerard Francisco Timoner III. Gostei muito da sua carta extremamente fraterna, orientada pela pergunta: Como pode haver alegria natalícia nesta época de pandemia?

Passámos a Páscoa ansiosos a lutar contra o medo. Agora, celebramos o Natal ameaçados pelo mesmo vírus, com a obrigação de nos protegermos a nós e aos outros, mantendo o que ele chama uma distância caritativa. Mas, se o Natal cristão existe como a festa da proximidade, donde poderá vir a alegria com a afirmação pública e ostensiva da distância?

 S. Paulo exorta-nos a contemplar a glória de Deus a rosto descoberto[i]. Ora, quando as celebrações eucarísticas são possíveis, a conta-gotas e com números clausus, as máscaras e as abluções tornaram-se parte da paramentaria litúrgica! As novas tecnologias passaram a ser também, em muitos casos, abençoadas alfaias do culto.

No entanto, o Natal deve continuar a ser a celebração do nascimento do Emmanuel, Deus-connosco em carne viva. Valha-nos Santo Agostinho para nos lembrar o clandestino que tão frequentemente esquecemos: Ele está mais próximo de nós do que nós de nós mesmos. Mas com que linguagem, com que gestos poderemos evocar essa intimíssima proximidade?

A expressão distância caritativa, que escolhi para título desta crónica, procura dar sentido à imposta distância social ou física. É uma expressão admirável. Para entender e sentir o seu alcance, talvez fosse preferível chamar-lhe distância amorosa. É o afecto, o amor recíproco, que exige esta distância física. Deve simbolizar uma intensificação da proximidade afectiva e as expressões criativas que a testemunhem. Doutro modo, a distância física acaba por fazer esquecer a presença real.

A bela palavra caridade (em latim, caritas e em grego, agapé) significa o amor de pura gratuidade, que é a própria realidade de Deus e do amor recíproco, quando a sua manifestação não encobre segundas intenções. Foi, no entanto, tão adulterada pela esmola humilhante da pessoa pobre que, no próprio hino da Primeira Carta aos Coríntios, usado frequentemente nas celebrações cristãs de casamento, é substituída pela palavra amor que intensifica e excede qualitativamente o amor erótico.

Nos últimos tempos, ainda antes da pandemia, a proximidade e o toque eram vistos, em certas circunstâncias, com suspeita: poderiam ser sinais de abuso ou assédio. Com a ameaça da Covid-19, converteram-se em ameaças de contágio e de risco. A malícia contaminou o toque e fez com que a proximidade seja arriscada e imprudente; a caridade táctil tornou-se tabu. Paradoxalmente, manter uma distância segura, como protecção e prevenção da transmissão viral, transformou-se em sinal sincero da nossa "proximidade" e de uma preocupação genuína pela saúde e segurança dos outros.

O Mestre Geral da Ordem dos Pregadores, perante tantos condicionamentos, alegra-se ao verificar que, por toda a parte, nestes tempos difíceis, os seus irmãos e irmãs dominicanas multiplicaram a sua pregação e as suas obras de solidariedade que tocaram e alegraram a vida e o coração dos mais aflitos.

2. Neste Domingo, continuamos a proclamar que o Natal, com todas as suas limitações, traições, dolorosas separações, loucos sofrimentos, guerras e mortes, é a grande festa da família, mesmo quando é impossível manifestá-la. É o Domingo da Sagrada Família, porque todas as famílias, na sua grande diversidade, são realidades sagradas. Deus tornou-se ser humano numa família atribulada, como tantas que conhecemos em nossos dias.

Espanta, por isso, que Jesus tenha manifestado, ao longo da sua vida, um estranho contencioso com a sua própria família e com as famílias dos seus discípulos. Porquê?

Conta o Evangelho de S. Marcos que Jesus, depois dos primeiros tempos de actuação e de ter convocado um número simbólico de seguidores, voltou para casa. Mas, de novo, a multidão era tanta que nem se podiam alimentar. Quando os seus familiares observaram tudo isto, saíram para o deter, porque diziam: enlouqueceu[ii].

S. João não esconde que os próprios irmãos de Jesus não acreditavam nele e até se divertiam a provocá-lo com piadas afrontosas sobre as suas intervenções públicas[iii].

   Voltemos, porém, a S. Marcos. Se os seus familiares julgavam que ele estava doido, os escribas, que tinham vindo de Jerusalém para estudar a sua duvidosa actividade terapêutica, sentenciaram: ele expulsa demónios porque está ao serviço do príncipe dos demónios, Beelzebu. Jesus procurou rebater esse absurdo, mas nada feito, pois continuaram: nele habita um espírito imundo.

Isto deixou a sua família ainda mais intrigada. Chegaram, então, a sua mãe e os seus irmãos e, ficando do lado de fora, mandaram-no chamar. Havia uma multidão sentada em torno dele. Disseram-lhe: A tua mãe, os teus irmãos e as tuas irmãs estão lá fora e procuram-te. Ele perguntou: quem é minha mãe e meus irmãos? E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados ao seu redor, disse: Eis a minha mãe e os meus irmãos. Quem fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe[iv].

Tocamos, aqui, na maior revolução cristã sobre a família. Não é negada a sua composição de pais, filhos, irmãos e primos ou outras combinações, segundo a diversidade de culturas. Jesus nasceu nesse quadro, mas deu-se conta de que a família é tentada a fechar-se sobre si mesma e sobre os seus interesses egoístas. O resto não conta. Jesus, pelo gesto provocatório narrado por S. Marcos, não pretende destruir a família, mas que esta se torne o espaço e o tempo em que aprendemos o mundo todo como nossa família. Quando, agora, muita gente católica, bem situada, julga que o Papa Francisco, com a Fratelli Tutti, está a ser ingénuo e simplista, de facto, está apenas, no contexto contemporâneo, a ser fiel à revolução, inaugurada e traída, de Jesus Cristo. O mundo cristão não devia aceitar o mundo que temos construído à base de uma economia anti fraterna.

3. Estamos a chegar ao fim do ano 2020 e já surgem julgamentos políticos sobre ele e prognósticos sobre as dificuldades de 2021.

Quando, numa entrevista, perguntaram a Sophia de Mello Breyner Andresen, o que gostaria de ver realizado, em Portugal neste novo século, respondeu: «Gostaria que se realizasse a justiça social, a diminuição das diferenças entre ricos e pobres. Mais justiça para os pobres e menos ambições para os ricos. O resto é-me indiferente».

Não me ocorre nada de mais adequado para 2021.

in Público 27.12.2020

https://www.publico.pt/2020/12/27/opiniao/opiniao/distancia-caritativa-1944056


[i] 2 Corintios 3,18

[ii] Mc 3, 20-21.

[iii] Jo 7, 1-24

[iv] Mc 3, 31-35

 

Entre o Ano Velho e o Ano Novo

 

Anselmo Borges

Padre e professor de Filosofia

 

A passagem de ano é sempre, mesmo nesta nossa presente circunstância triste e confinada, um tempo especial: balanço do ano que passou, perspectivação do ano novo que chega.

1. Agora, percebemos melhor que é preciso programar, mas há também o imprevisível. Quem poderia prever há um ano que iria cair sobre nós, nós todos, globalmente, esta catástrofe de uma pandemia: um vírus invisível, com sofrimentos indizíveis por todo o lado, que nos traz a todos em sobressalto permanente? Tivemos de aprender por experiência dura o que não conhecíamos: palavras como covid-19, confinamento, desconfinamento, reconfinamento, “distância social”, máscaras (sabíamos, mas era tudo em abstracto)... Sobretudo: que muitos, no fim do ano de 2020, já cá não estão, e foram-se sem uma despedida, como se tivessem desaparecido numa noite de breu, no meio de uma tempestade...

Ficámos a saber — será que ficámos? —, nós que nos julgávamos omnipotentes, que afinal somos frágeis, terrivelmente frágeis. E oxalá tenhamos aprendido que somos todos interdependentes, para o melhor e para o pior. E esta desgraça pandémica também nos mostrou à saciedade que o ser humano é de uma inaudita complexidade e de terríveis contradições: somos capazes de generosidade heróica para salvar pessoas, mas também está aí a nossa loucura e brutalidade: apesar da pandemia, que esperaria uma trégua no meio do horror, guerras brutais, terrorismos hediondos, assassinatos arrepiantes, violações repugnantes, exploração clamorosa dos mais fracos... continuaram. Já Sófocles constatou: “Coisas terríveis há, mas nenhuma mais terrível que o Homem.”

Daqui a alguns anos, quando se voltar ao “normal” — o que é isso? —, o que se dirá desta desgraça? O que ficará na memória? A memória humana é curta e talvez só quando vier outra pandemia — ela virá com certeza, sobretudo se não houver a necessária conversão quanto ao modelo de desenvolvimento, que atenda ao meio ambiente e à justiça para toda a Humanidade, no quadro de uma racionalidade dialógica global, como propugna J. Habermas — é que aqueles que cá estiverem recordarão... Quem se lembrava de que, no século XIV, a peste negra fez 100 milhões de mortos e que há cem anos a gripe espanhola ceifou uns 50 milhões de vidas, incluindo os dois pastorinhos de Fátima, Francisco e Jacinta?

2. Perante um ano novo que está aí à nossa frente, os sentimentos misturam-se: perplexidade, entusiasmo, dúvida, expectativa, temor, temores, esperança. Que é que nos reserva 2021? Para mim, para a minha família, para os meus amigos, para o país, para a Europa, para o mundo? Será melhor, será pior que o ano que passou?

Ele está aí novo, pela primeira vez, como criança acabada de nascer. E exactamente como a criança está aí com confiança. Todos nós, individual e colectivamente, enfrentamos o novo ano essencialmente com confiança: se reflectirmos bem, esperamos, evidentemente com realismo, também com algum ou muito temor, mas essencialmente esperamos confiadamente, tanto mais quanto está aí a vacina. O ser humano é um ser constitutivamente esperante, apesar da dureza toda com que a vida nos vai confrontando.

Porque é que os homens e as mulheres, apesar de todos os fracassos, horrores, sofrimentos e cinismos, ainda não desistimos de lutar e esperar? Porque é que continuamos a ter filhos? Porque é que depois de guerras destruidoras e pestes e terramotos devoradores, recomeçamos sempre de novo? Perguntava, com razão, o célebre teólogo Johann Baptist Metz: “Porque é que recomeçamos sempre de novo, apesar de todas as lembranças que temos do fracasso e das seduções enganadoras das nossas esperanças? Porque é que sonhamos sempre de novo com uma felicidade futura da liberdade”, embora saibamos que os mortos não participarão nela? Porque é que não renunciamos à luta pelo Homem novo? Porque é que o Homem se levanta sempre de novo, “numa rebelião impotente”, contra o sofrimento que não pode ser sanado? “Porque é que o Homem institui sempre de novo novas medidas para a justiça universal, apesar de saber que a morte as desautoriza outra vez” e que na geração seguinte de novo a maioria não participará nelas? Donde é que vem ao Homem “o seu poder de resistência contra a apatia e o desespero? Porque é que o Homem se recusa a pactuar com o absurdo, presente na experiência de todo o sofrimento não reparado? Donde é que vem a força da revolta, da rebelião?”

Neste movimento incontível. ilimitado, do combate da esperança, pode ver-se um aceno do Infinito, um sinal de Deus. Como se não cansou de repetir o ateu Ernst Bloch, um dos filósofos maiores do século XX: “Onde há esperança, há religião”.

3. Um propósito bom para o novo ano: prometer a si mesmo, a si mesma, no meio do turbilhão da vida, do barulho e da  agitação, alguns momentos diários de meditação, de silêncio, para o aparentemente inútil, que é o mais necessário: ouvir o Silêncio, ouvir a voz da consciência e da razão, falar com o Mistério, talvez mudar de rumo. Neste contexto, permita-se-me evocar Maradona, a quem chamaram “deus”, um dos mais famosos a desaparecer em 2020: um ano antes, confessou que “não era exemplo para ninguém”, que  tinha cometido “muitos erros”, mas também tinha feito “coisas boas”, que “o regresso à Igreja fora inspirado pela vida e a fé da sua mãe” — “uma das coisas que aprendeu dela foi a fé simples”, “tinha orgulho nela e no seu pai também” —, que “queria paz para o tempo de vida que Deus ainda lhe concedesse.”

Bom ano!

in DN 26.12.2020

 

www.dn.pt/edicao-do-dia/26-dez-2020/entre-o-ano-velho-e-o-ano-novo-13166911.html?target=conteudo_fechado

 

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QUE COISA
SÃO AS NUVENS

JOSÉ
TOLENTINO
MENDONÇA

 

 

PARA NÃO MATARMOS A ALMA

ALGUNS DICIONÁRIOS COLOCAM COMO SINÓNIMOS DE PRODUZIR OS VERBOS GERAR E CRIAR, O QUE É UM EQUÍVOCO. NÃO SE DIZ “PRODUZIR UM FILHO”, MAS SIM GERAR, POIS UM FILHO É FRUTO DO AMOR

O verbo produzir, que se tornou nas nossas sociedades um parâmetro obrigatório de avaliação da atividade humana, é, no fundo, um verbo parcial e pobre para descrever aquilo de que se pretende avizinhar. Produção, produtividade, produtivo, produto podem ser termos úteis para a elaboração estatística ou para a composição do arsenal de gráficos e grelhas com que se tenta capturar a morfologia da vida, mas não tocam, nem de longe, a vida no seu âmago. Há nessas palavras — na verdade, mais apropriadas para a máquina do que para a pessoa —, uma deliberada supressão da complexidade da nossa experiência sobre este mundo, um cinzento camuflado de neutralidade face àquilo que a vida é. Por isso, que esse vocabulário seja hoje triunfante, e sonambulamente disseminado como modelo de compreensão do real, diz muito sobre a redução de sentido que aceitamos viver. Recordo o que escreveu a filósofa Simone Weil, partindo da sua experiência como operária numa fábrica, onde sentiu na pele o que significa ver-se reduzido a peça anónima da cadeia de produção: “Vi a consciência da minha dignidade e o respeito por mim mesma serem sistematicamente estilhaçados aos golpes de uma construção brutal e quotidiana. Custa-me confessá-lo, mas para meter-se diante de uma máquina, é necessário matar a própria alma oito horas por dia.” Seguramente, não se trata apenas de um caso singular, mas de um sintoma epocal. A aceleração extrema da vida e a sua desumanização, o crescimento de fenómenos como a industrialização, a computadorização, a conceção global do mundo como mercado (e não mais do que isso), conduziram-nos a este estranho estatuto de vivos-mortos, de gente que está viva mas amputada na sua humanidade.

O presépio desautoriza o conformismo com que lidamos com a amputação da nossa própria existência e da dos nossos semelhantes

Penso que é disto — e não de enfeites e berloques — que nos fala o Natal. De facto, um dos textos inesquecíveis do cânone cristão, a Primeira Carta de João, afirma o seguinte: “O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas mãos palparam acerca do Verbo da Vida. Pois a Vida se manifestou, nós a vimos e dela damos testemunho” (1 João 1,1-2). O presépio é uma representação radical da vida, em contraciclo com a maior parte do nosso presente, e não só porque a vida é colocada no centro em vez de ser desclassificada e remetida para um lugar secundaríssimo, mas também porque ela se escreve com maiúscula. O presépio desautoriza o conformismo com que lidamos com a amputação da nossa própria existência e da dos nossos semelhantes. Obriga-nos a querer mais do que isto. Revela o ser humano a si mesmo e fá-lo descobrir a sua vocação sublime. Quem o diz é o Concílio Vaticano II, que acrescenta: “Na realidade, só no mistério do Verbo Encarnado, se esclarece verdadeiramente o mistério do homem” (Gaudium et spes, 22).

Alguns dicionários colocam como sinónimos de produzir os verbos gerar e criar, o que é um equívoco. Não se diz “produzir um filho”, mas sim gerar, pois um filho é fruto do amor. Não se produz um abraço, nem a profusão de luz de um sorriso, nem um silêncio, nem a escrita sem letras de um pranto, nem uma amizade, nem o cuidado solidário, nem aquela arquitetura íntima de relações que é o miolo de uma casa; não se produz a indagação sem fim e o espanto sobre o qual a vida constantemente nos debruça, nem o desejo e o encontro que o excede, nem o repouso de certos instantes e a dança para a qual ele nos sonha, nem o convite ou a chegada à festa. Não se produz aquilo que o presépio significa. O Evangelho de João explica-o antes assim: “Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu próprio Filho” (Jo 3,16).

in Semanário Expresso 24.12.2020 pg 166

https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2513/html/_index?p=/semanario/semanario2513/html/revista-e/que-coisa-sao-as-nuvens/para-nao-matarmos-a-alma

 

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20 dezembro 2020

 

P / INFO: Crónicas

Frei Bento: Deus não precisa de um templo

Padre Anselmo: Natal: Deus sem máscara

Cardeal Tolentino: Ensaio sobre a dádiva

 Padre Vitor:  Para Deus e com Deus

 

DEUS NÃO PRECISA DE UM TEMPLO

Frei Bento Domingues, O.P.

1. Calcula-se que o turismo religioso movimenta por ano, a nível mundial, entre 300 a 330 milhões de pessoas à procura de locais considerados sagrados e, sobretudo, daqueles que se tornaram mais significativos para a religião que cada um professa. São os templos monumentais ou santuários que nasceram de visões ou acontecimentos ditos milagrosos que atraem mais peregrinos.

Paulo Mendes Pinto deu a conhecer uma nova versão do fenómeno inter-religioso muito original e, ao que parece, único no mundo. Excede a pura curiosidade turística, mas com virtualidades que importa conhecer e estudar.

No dia 11 de Setembro de 2016, quando passavam 15 anos, sobre os atentados de 2001, a Fundação ADFP, de Miranda do Corvo, inaugurou um equipamento que procura ser uma peça dinâmica e significativa na criação de pontes entre as religiões e na difusão de uma cultura de paz, um lugar onde todos são acolhidos, tratados como iguais, num ambiente onde o conhecimento e a quebra e abandono de todos os preconceitos é a única regra. É o Templo Ecuménico Universalista.

No Google, existe uma reportagem pormenorizada e muito ilustrada da significação das construções minimalistas dessa realização, no cume da serra da Lousã.

É uma bela ideia. Reunir pessoas de culturas e religiões diferentes, convocadas para viverem e exprimirem umas às outras as misteriosas fontes de paz, pode tornar-se mais um caminho de esperança, num mundo mergulhado em violências e guerras de todo o género.

2. Aproxima-se o Natal. Celebra o nascimento de Jesus Cristo, uma pessoa que, pelo que viveu, fez e disse, testemunhou para sempre que o mais importante, em qualquer vida humana e seja onde for, é o cuidado com quem mais precisa de manifestações de acolhimento afectuoso e de ajuda. A sua família é constituída por quem consente no processo de conversão à fraternidade ilimitada: fratelli tutti, como repete o Papa Francisco.

  A escolha do dia 25 de Dezembro para celebrar o nascimento de Jesus não obedeceu a critérios históricos, mas a razões de celebração da originalidade da fé cristã, no contexto das festas pagãs ao deus sol invictus, do Império Romano. O verdadeiro Sol invencível da vida verdadeira é Cristo que enfrentou uma morte infame e a venceu. É ele o sol da esperança.

 O primeiro Presépio do mundo foi obra da imaginação poética de Francisco de Assis, em 1223, em Itália. Teve depois, muitas recriações originais. Não me refiro ao Pai-Natal porque não sou apreciador de Coca-Cola.

Neste Domingo que antecede o Natal, somos acompanhados por uma narrativa bíblica na qual o rei David parece sentir-se mal a viver num palácio de cedro, enquanto a Arca de Deus continua abrigada numa tenda[1]. Deus manifestou ao profeta Natã que não está nada interessado num palácio de iniciativa do rei David. Sentia-se bem a viver em tenda na companhia do povo. Será Salomão a construir o glorioso Templo de Jerusalém.

O Novo Testamento – escrito vários anos depois dos acontecimentos narrados – não mostra nenhuma devoção pela religião do templo, luxuosamente reconstruído por Herodes e destruído nos anos 70.

 No diálogo com a samaritana[2], Jesus diz que «chegou o tempo em que nem neste monte [Garizim] nem em Jerusalém adorareis o Pai. (…) Vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade; pois tais são os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade».

Segundo o Evangelho de João, Jesus mostrou-se verdadeiramente indignado com a religião do Templo, transformada numa organização comercial, como ainda acontece em muitos santuários.

Ao querer impedir, de forma drástica essa situação, é interrogado: com que autoridade procedes assim? A resposta é dupla. Por um lado, o templo só tem sentido como lugar de oração e não de negócios; por outro, desafia-os de forma simbólica e provocatória: «destruí este templo e em três dias o levantarei».

 Referia-se ao seu próprio corpo. Aproximava-se a sua condenação à morte que não terá a última palavra sobre a sua vida. Mas de quem recebeu Jesus esse corpo mortal destinado à ressurreição? Por aí, entramos no Natal.

3. S. Lucas não era um biólogo. Não se lhe deve pedir um tratado de biologia quando fala da intervenção do Espírito Santo na gestação humana de Deus. É apenas um competente praticante de teologia narrativa. A humanização de Deus aconteceu, como a de qualquer ser humano, num processo que dura aproximadamente 9 meses, no corpo de uma mulher, templo de Deus.

Nenhum ser humano nasce pronto para a vida. Demora anos a tornar-se alguém independente com um projecto próprio. Este, para além da herança genética, depende da formação recebida e das circunstâncias familiares, sociais, económicas e políticas do mundo onde lhe for possível desenvolver-se. Foi também o que aconteceu com Jesus.

O Evangelho segundo S. Marcos não se interessou nada com a infância e a adolescência de Jesus, mas com o seu projecto. O mesmo aconteceu com S. João. S. Mateus e S. Lucas, embora de forma diferente, interessaram-se pela significação do seu nascimento. Quem se tinha mostrado, na vida adulta, como incarnação de um projecto inédito de Deus ser Deus e do ser humano ser humano, não podia ser fruto do acaso. Construíram aquilo que se chama Evangelhos da Infância. São belas e profundas construções teológicas que transpõem para a infância as manifestações de uma rara vida adulta.

S. Paulo, dirigindo-se aos cristãos, precedeu estas narrativas com uma proposta muito ousada e muito esquecida[3]: Não sabeis que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?

Deus pode ter casa posta no coração de qualquer ser humano. Este pode não O reconhecer, mas é sempre imagem de Deus, reconhecida ou atraiçoada.

Não podemos obrigar ninguém a reconhecer estas convicções, mas na interpretação cristã, o amor de Deus por nós não depende do nosso amor por ele. A vida humana, por ser humana, é reconhecida por Deus como a sua tenda. O mais belo nome de Jesus é Emmanuel, Deus-connosco[4].

O arquitecto João Alves da Cunha tem procurado dar a conhecer a história do Movimento de Renovação da Arte Religiosa (MRAR), desde a década de 1950. Procura-se, agora, uma arquitectura pobre para uma Igreja pobre, norteada por um cristianismo repensado como movimento para as periferias, para que sejam elas o centro da missão da Igreja. É neste horizonte que são acolhidas as propostas eclesiológicas e pastorais, abertas por João XXIII, pelo Vaticano II e retomadas de forma original pelo Papa Francisco. 

Não se procura um templo para Deus, mas uma casa que reúna a comunidade cristã aberta ao mundo, para que não se esqueça do verdadeiro Natal, Deus-connosco, Deus com os pobres e abandonados pelo nosso egoísmo, pelas desigualdades aberrantes entre os seres humanos, nossos irmãos.

Boas Festas!

in Público 20.12.2020

https://www.publico.pt/2020/12/20/opiniao/opiniao/deus-nao-precisa-templo-1943303

 



[1] 2Sm 7, 1-16

[2] Jo 4, 19-24

[3] 1Cor 3, 16-23

[4] Mt 1, 18-25. v. 23

Natal: Deus sem máscara

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

 

 

1. Ia eu na rua e uma jovem interpelou-me: “Já não se lembra de mim? Até me baptizou...”. E eu: “Puxa um pouquinho a máscara”, e ela puxou. “Continuas linda, Susana!...”.

Se eu algum dia imaginei que havíamos todos de andar de máscara! Antes também havia muita gente mascarada, mas as máscaras eram outras... Agora, impomo-nos o uso da máscara a nós próprios, por causa de nós e dos outros: para nos protegermos a todos, ao mesmo tempo que nos desprotegemos, porque ficamos sem a presença dos outros. Como faz falta vermo-nos cara a cara, falar cara a cara, tocarmo-nos, sorrir, rir, colocar os sentidos todos alerta na presença viva dos outros. Passámos a vida a dizer às crianças: “Dá um beijo ao avô, um beijo à avó, um beijo à tia...”. Agora, de repente, é tudo ao contrário, como se os outros fossem inimigos, pois até viramos as costas... Apertávamos as mãos, porque apertar as mãos é um gesto de encontro na paz: as mãos livres de armas vão ao encontro do outro, sem medo. Abraçávamo-nos de alegria pelo reencontro ou chorando pelo luto ou antecipando a saudade pela despedida. Agora, não há proximidade, até nos mandam, e bem, manter a distância (e até se dizia: “a distância social”, mas eu espero que seja só a distância física, espero que a outra — a espiritual, a afectiva — se mantenha e aprofunde).

Foi precisa a pandemia para que se nos tornasse inválida a afirmação de Sartre: “O inferno são os outros”. Afinal, é o contrário: a falta dos outros é que é o inferno, a solidão é um inferno.

2. Não é só, mas também, pela ausência ou pela perda que tomamos verdadeira consciência do valor das coisas e das pessoas. A falta que nos fazem os outros! Só quando alguém se nos morre é que verdadeiramente nos apercebemos da importância e valor dessa pessoa na nossa vida. A falta que nos faz o Natal, o Natal que dizemos normal! Mas essa falta também pode e deve ser uma oportunidade para um Natal melhor, mais verdadeiro, mais autêntico, mais íntimo, mais solidário. Afinal, esfalfávamo-nos na correria ditatorial das compras e esquecíamo-nos do essencial!

E o que é o essencial? Talvez já tivéssemos esquecido, mas o Natal é, antes de mais, a celebração deste acontecimento determinante da História: o nascimento de Jesus, o nascimento do ser humano bom, verdadeiro. Seja como for, não há figura histórica mais estudada (ainda há dias o especialista em cristianismo primitivo, que é agnóstico, Antonio Piñero, lembrava que continuam a ser publicados anualmente uns mil novos livros sobre Jesus) nem mais amada.

O que há neste homem, nascido há mais de dois mil anos, para arrastar multidões e ser uma referência determinante para a Humanidade? Segundo o ateu Ernst Bloch, Jesus agiu como um homem “pura e simplesmente bom, algo que ainda não tinha acontecido”, e Umberto Eco, que se dizia agnóstico, escreveu que, se fosse um viajante proveniente de galáxias longínquas, ao encontrar-se frente a uma Humanidade que soube propor o modelo de Cristo, com o amor universal, o perdão dos inimigos, a vida oferecida em holocausto pela salvação dos outros, “consideraria esta espécie miserável e infame, que cometeu tantos horrores, redimida pelo simples facto de ter conseguido desejar e crer que tudo isto é a Verdade”. Eduardo Lourenço, recentemente falecido, disse: “Não há nada superior a Jesus”. Até Nietzsche reconheceu, no seu O Anticristo, que no fundo só houve um cristão, mas esse morreu na cruz, e acrescentou: “Só uma vida como a daquele que morreu na cruz é cristã”.

Que vida foi essa? Porque é que o mataram?

Foi morto como blasfemo. Ergueu-se contra o Templo e a religião oficial que, em vez de libertarem o Homem, o esmagavam. Levantou-se contra o Sábado. “O Sábado é para o Homem e não o Homem para o Sábado” constitui talvez a afirmação mais revolucionária da história da consciência humana, pois coloca como critério último dos mandamentos do próprio Deus a realização e o bem-estar do ser humano.  Não era um asceta, e foi apelidado de “comilão e beberrão”: a salvação e a alegria são desde já e aqui, para todos.

Foi morto como subversivo sócio-político. Os seres humanos têm todos igualdade radical na dignidade inviolável, porque divina: já não há judeu nem grego nem homem nem mulher nem branco nem negro nem adulto nem criança nem livre nem escravo nem religioso nem ateu. Rebeldemente livre, Jesus não prestou culto nem a César nem ao Dinheiro, e o Deus a quem tratava terna e filialmente por Pai (também pode ser tratado por Mãe) não quer sacrifícios, mas misericórdia, e não se adora nem em Jerusalém nem em Guerizim, mas em espírito e verdade. A sua Boa Nova é o Reino de Deus da filadélfia, um Reino de amigos e irmãos.

A história das revoluções que têm Jesus na sua base está ainda por escrever. A maior delas é a revolução da ideia de Deus. Quereríamos um Deus-Poder que justificasse o nosso poderio de mando e subordinação. Mas o Deus de Jesus não se confunde com o Poder da dominação, Ele é omnipotente, não no sentido de dominar, mas como Força infinita de criar e promover. Por isso, no Natal, não veio em poder e glória, mas humilde, revelou-se num rosto de criança, que chora, que ri, que se pode tocar. Um Deus que não está longe, mas próximo dos homens e das mulheres, dos jovens e das crianças, um Deus bom, amigo, amável e misericordioso para todos.

Para os cristãos, a Transcendência divina tem um rosto reconhecível, sem máscara: o homem Jesus, confessado como o Cristo e Filho de Deus.

Bom Natal!

in DN 19.12.2020

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/19-dez-2020/natal-deus-sem-mascara-13146429.html?target=conteudo_fechado

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QUE COISA
SÃO AS NUVENS

JOSÉ
TOLENTINO
MENDONÇA

 

ENSAIO SOBRE A DÁDIVA

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O MIÚDO FICOU ALI POR MUITO, MUITO TEMPO, OBSERVANDO O ESPAÇO E A NOITE PROFUNDA COM BILIÕES DE LUZINHAS BRANCAS QUE CINTILAVAM

Seria importante, é claro, que o Natal não ficasse reduzido à sua expressão sociológica, mas para isso precisamos iluminar criticamente algumas das nossas práticas. Um texto referencial do século XX, o “Ensaio sobre a Dádiva”, de Marcel Mauss, deixou explicado que o fio condutor de todo o sistema de trocas é a noção de “aliança”. Para Mauss, a argamassa concreta das sociedades é essa constante transação do dar-e-receber e do receber-e-retribuir. Ora, uma manifestação sazonal desse postulado são as prendas de Natal. Lidamos, no fundo, com elas como dispositivos simbólicos capazes de produzir ou de sedimentar alianças, e de fazê-lo talvez mais eficazmente (ou, pelo menos, mais rapidamente) do que outros fatigantes recursos existenciais que experimentamos. Mas felizmente o exercício da dádiva rompe por vezes com o básico esquema binário. O dom nem sempre se esgota na previsibilidade da troca: pode tornar-se uma atividade pura, uma excedência que transcende o cálculo. É o próprio Marcel Mauss que recorda que a dádiva reclama a disponibilidade para, em algum momento, cedermos ao outro uma parte de nós mesmos.

Um dos mais inesquecíveis contos de Natal foi escrito por Ray Bradbury creio que para dizer isso. A cena passa-se a 24 de dezembro de 2052, numa nave espacial, a caminho de Marte, quando essas viagens se tornaram populares. Um casal nova-iorquino leva o filho pequeno pela primeira vez nesse vaivém interplanetário. No terminal terrestre surge, porém, um contratempo aborrecido: traziam uma árvore de Natal com belas luzinhas brancas e um presente para o filho (sabiam já que passariam o Natal algures no espaço, ainda distantes do seu destino), mas na alfândega os funcionários mostraram-se intransigentes. A mãe estava inconsolável, o pai furioso, mas decidiram não partilhar essa notícia com o rapaz. Embarcariam e alguma ideia lhes ocorreria. Com este pensamento adormeceram na nave.

O dom nem sempre se esgota na previsibilidade da troca: pode tornar-se uma atividade pura, uma excedência que transcende o cálculo

Era quase meia-noite — pelo menos os relógios regulados pela hora de Nova Iorque assim o diziam — quando o miúdo os acordou: “Quero ver o espaço através da escotilha... Quero saber onde estamos.” A escotilha era o único óculo da nave, uma janela ampla de cristal com uma espessura impressionante. Mas o pai, que não parara de matutar na árvore de Natal e no presente apreendidos, trava o filho: “Deixa-me ir primeiro tratar de um assunto e venho depois buscar-vos.” E continuou: “É que faltam 30 minutos para o Natal.” A mulher olhou-o atónita, sem compreender. O miúdo vibrou: “Sim, sim. Mal posso esperar pela árvore que me prometeram e pelo presente.” Os olhos da mãe redobraram de aflição, mas o pai levantou-se e subiu em direção à ponte. Deixou-os a sós cerca de 20 minutos e regressou a sorrir: “Vamos. É quase hora.” Percorreram um corredor até estacionar perante uma porta fechada. O pai bateu três vezes, e depois duas, segundo um sinal previamente combinado, e, quando a porta se abriu, alguém apagou as luzes da cabina. “Entra, filho” — disse o pai. “Está escuro” — retorquiu o rapaz. “Segura as nossas mãos.” E assim foi. Entraram naquele compartimento. Estava realmente muito escuro. Diante deles apenas o grande óculo de cristal através do qual podiam olhar a vastidão. No compartimento às escuras uma voz, que não a deles, começou então a entoar uma velha canção ligada à quadra. “Bom Natal, meu filho” — sussurrou-lhe o pai. O miúdo avançou lentamente até colar a cara ao cristal frio da escotilha. E ficou ali por muito, muito tempo, observando o espaço e a noite profunda com biliões de luzinhas brancas que cintilavam.

in Expresso 18.12.2020 pg 182

https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2512/html/revista-e/que-coisa-sao-as-nuvens/ensaio-sobre-a-dadiva

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À PROCURA DA PALAVRA

P. Vitor Gonçalves

DOMINGO IV DO ADVENTO Ano B

“Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo:

«Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo».”

Lc 1, 27

Para Deus e com Deus

 

“Mas, como dizer-lhe “não”? / Como negar ao sol o ser direito de ser luz e iluminar? / Como regatear com Ele, / pôr-Lhe condições, pedir-Lhe garantias? / O amor é assim: eleger sem eleição. // E “faça-se” Lhe disse. / E recordo que o anjo sorriu / como se acabasse de tirar-lhe um grande peso de cima, / como se agora pudesse já atrever-se a regressar ao céu. / E um pássaro cruzou por trás da janela. / E a tarde pôs-se como se o sol sangrasse. / E o ar encheu-se de sinos / como se o próprio Deus estivesse contente.” (tradução livre de um poema de José Luís Martin Descalzo.)

 

 Há um encanto e uma intimidade no encontro da Anunciação a Maria que só os poetas e os artistas conseguem captar profundamente. Não há melhor meditação do que contemplar a beleza das numerosas “anunciações” que podemos até visitar num écran de computador. De Fra Angelico a Grão Vasco, de Leonardo a El Greco, pelos traços de todos passa a delicadeza de um mistério que pede novos olhos e novos corações. Deus já não precisa de perguntar “onde estás?”, como no jardim do Éden, e em tantos outros lugares dos homens onde nos escondemos. Maria está, não é preciso chamá-la, e deseja em nome de todos nós ser encontrada. E o diálogo acontece, com o sabor do que é novo e primeiro: Deus totalmente a dar-se e a humanidade totalmente a recebê-l’O. E um suspense paira no ar, preso aos lábios de Maria antes de ela dizer: Ecce…Fiat”!

Gostaríamos de fazer muitas coisas para Deus. Assim o exprimiu o rei David, acabando por ser lembrado de tudo o que Deus fez por ele. E connosco acontece o mesmo quando fazemos memória de tudo o que Deus já fez por nós. Maria deixa Deus entrar nela. Consente activamente e num abandono total que as obras de Deus se realizem nela e por ela. Se deixamos que Ele entre em nossa casa, mesmo que esteja desarrumada, é para que Ele viva em nós e nos transforme. Não se trata de trabalhar para Deus, mas maravilharmo-nos que Ele queira fazer tudo connosco. Não é tão diferente “fazer para” e “fazer com”? Lembra o cuidado com aqueles que amamos: se são pequenos e frágeis, fazemos “para”, mas quando crescem e se robustecem, fazemos “com”. Assim também nos projectos e empreendimentos humanos, na vida das famílias e das comunidades, na resolução de problemas e na ousadia de sonhar: tudo é mais de todos e para todos quanto mais é feito com todos! E Deus não exclui ninguém da sua empresa!

Ao “faça-se” de Maria queremos juntar os nossos. Mesmo frágeis e inconstantes, é sempre possível renová-los. Acreditando que “a Deus nada é impossível” e que Ele conta com os nossos “possíveis”. Como que parafraseando uma expressão de um movimento cristão: “Cristo com(igo), maioria absoluta”!

in Voz da Verdade, 20.12.20

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