28 setembro 2020

                P/INFO: Crónicas & Capela do Rato

Frei Bento: Deus onde está?

Pe. Anselmo Borges:  Os prazeres da comida e do sexo

Cardeal Tolentino: O interruptor

Pe. Vítor Gonçalves: É preciso mudar

 

DEUS ONDE ESTÁ?

Frei Bento Domingues, O.P.

 

1. De Fátima a Meca ou a Jerusalém, o desconsolo é evidente em quem deseja e não consegue participar nas grandes celebrações da fé a que se estava habituado. As assembleias reduzidas, com observância rigorosa do novo ritual que impõe distâncias, uso obrigatório de máscara e um ritmo marcado de purificações das mãos, acentuam um clima de desconfiança mútua num cenário de catacumba.

Não é por causa de qualquer medida contra a liberdade religiosa, mas para defesa das ameaças de um vírus que não pergunta aos seus hóspedes se são crentes, agnósticos ou ateus.

A ciência tem-se mostrado muito lenta, como é normal, a encontrar remédios para o vencer e não surgem milagres disponíveis para a substituir. A oração intensa – nas suas inumeráveis formas – pode ajudar-nos a criar em nós um espírito de resistência e de esperança. Precisamos de abrir os olhos para todas as possibilidades de trabalhar por um mundo, onde a busca da justiça, banhada de sabedoria política dos cidadãos, se torne o nosso pão de cada dia.  

O director executivo do Programa Alimentar Mundial, David Beasley informou, perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas, que há 138 milhões de pessoas a passar fome, mas em breve serão 270 milhões a precisar de ajuda alimentar e 30 milhões morrerão se não receberem auxílio de emergência. Este Programa não tem recursos para continuar o seu trabalho. Por contraste, no mundo inteiro há mais de dois mil multimilionários que, até com a própria pandemia, ganham milhões de dólares[1].

Como não pertencemos aos multimilionários nem sabemos como os convencer a partilhar o seu grande roubo à humanidade, a informação sobre esse horror pode indignar-nos, mas deixa-nos paralisados.

2. Não tem que ser assim[2]. Há ricos que podem ouvir a voz da consciência – voz de Deus silencioso – e, em vez de se servirem do dinheiro da iniquidade para aprofundarem os abismos sociais, usem o seu talento para abrir novos caminhos para uma economia solidária. Como diz o Evangelho, é raro, mas não é impossível. Por outro lado, como esquecer as pessoas que a nível familiar, profissional, político, associativo, cultural, lúdico, resistem à mentira, à corrupção, à maldade e se prontificam a ajudar, sem alarde, quem é vítima de tantas formas de exclusão? É essa santidade anónima que é a alma do mundo.

Os crentes continuarão a pedir a Deus que não se esqueça dos esquecidos de todos, mas faziam melhor se pedissem à assembleia orante que não se esqueça da primeira e última pergunta de Deus[3]: Que fizeste do teu irmão? É pela resposta prática a esta questão que nos tornamos humanos e divinos, responsáveis uns pelos outros, ou inumanos, quando nos auto-excluímos da verdadeira humanidade.

Cristo não sacralizou a pobreza. Pelo contrário. Ao centrar o seu olhar e os seus cuidados nos marginalizados, abriu o caminho aos seus discípulos: fazei tudo para eliminar as periferias, trazendo as suas vítimas para o centro das vossas preocupações.

Não é pedir o impossível à imaginação económica e política que não suporte ver uns poucos à mesa e a maioria à porta. Cristo deixou-nos uma parábola de fogo sobre esse escândalo[4]. Segundo o Papa Francisco, as desigualdades brotam de um sistema que tem o capital como prioridade e não os direitos humanos.

Não me parece boa ideia reservar o encontro com Deus apenas para as celebrações litúrgicas. Cristo avisou-nos: Nem todo o que me diz Senhor, Senhor entrará no Reino de Deus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai. (…) Afastai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade[5]. S. Tiago não podia ser mais sintético: a fé sem obras não é nada[6].

Para S. Paulo, o verdadeiro culto é a vida inconformada com a situação desumana do mundo: Por isso, vos exorto, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que vos ofereçais como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus. Este é que é o verdadeiro culto segundo o Espírito: Não vos acomodeis a este mundo. Pelo contrário, deixai-vos transformar, adquirindo uma nova mentalidade, para poderdes discernir qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que lhe é agradável, o que é perfeito[7].

Jesus, em conversa com a samaritana, altera os lugares do culto: não é em Jerusalém nem em Garizim, mas chega a hora – e é já – em que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em espírito e verdade, pois são assim os adoradores que o Pai pretende[8].

Quando fui professor de Teologia das Realidades Terrestres, procurei, com os alunos, descobrir a significação divina, cristã, das tarefas – ditas profanas – nas quais, as pessoas gastam a maior parte do seu tempo. Não se podia continuar a desvalorizar a vida doméstica, profissional, cultural, lúdica, social e política. Era necessário encontrar a alteração que Jesus Cristo introduziu na questão das relações entre sagrado e profano.

       3. O Papa Francisco[9] não me parece muito assustado com os agnósticos, que tanto podem significar uma atitude humilde, em face do mistério do mundo, como uma interrupção apressada da pergunta essencial. Denunciou, pelo contrário, uma espiritualidade desencarnada: os gnósticos concebem uma mente sem encarnação, incapaz de tocar a carne sofredora de Cristo nos outros, engessada numa enciclopédia de abstracções. Ao desencarnar o mistério, em última análise, preferem um Deus sem Cristo, um Cristo sem Igreja, uma Igreja sem povo.

Se quisermos saber onde está Deus, um bom caminho talvez seja o de perguntar onde estão os seres humanos: Deus é sempre novidade, que nos impele a partir sem cessar e a mover-nos para ir mais além do conhecido, rumo às periferias e aos confins. Leva-nos aonde se encontra a humanidade mais ferida e aonde os seres humanos, sob a aparência da superficialidade e do conformismo, continuam à procura de resposta para a questão do sentido da vida.

Deus não tem medo! Não tem medo! Ultrapassa sempre os nossos esquemas e não Lhe metem medo as periferias. Ele próprio Se fez periferia[10].

Por isso, se ousarmos ir às periferias, lá O encontraremos. Jesus antecipa-nos no coração daquele irmão, na sua carne ferida, na sua vida oprimida, na sua alma sombria. Ele já está lá.

É difícil e incómodo acolher essa presença real. Pensávamos que era um exclusivo da Missa.

in Público 27.09.2020

https://www.publico.pt/2020/09/27/opiniao/opiniao/deus-onde-1932881



[1] Cf. 7Margens, 19.09.2020

[2] Cf. Gaudete et exsultate, Exortação Apostólica, 2018, nº 137

[3] Gn 4, 9-10; Mt 25, 31-46

[4] Lc 16,19-31

[5] Mt 7, 21-23

[6] Tg 2

[7] Rm 12, 1-2

[8] Jo 4, 23

[9] Cf. Gaudete et exsultate, Exortação Apostólica, 2018.

[10] Cf. Flp 2, 6-8; Jo 1, 14 e nota 2

OS PRAZERES DA COMIDA E DO SEXO: “DIVINOS”

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

 

1. Quando se fala da Igreja e do sexo, entra-se numa história muito complexa e pouco edificante.

Significativamente, não é com a Bíblia que há dificuldades. De facto, no Antigo Testamento, lê-se, logo no primeiro livro, o Génesis, que Deus criou também a sexualidade e viu que era boa. Do mesmo Antigo Testamento faz parte um dos livros mais belos a cantar o amor erótico: o Cântico dos Cânticos.

Já no Novo Testamento, Jesus raramente se referiu ao sexo, aliás nunca por iniciativa própria, mas para responder a perguntas que lhe foram feitas a propósito do divórcio e para defender a mulher.

2. Factor decisivo para o envenenamento da relação foi a gnose, a primeira grande heresia com que o cristianismo teve de confrontar-se e que, desgraçadamente, não terminou. Segundo a gnose ou gnosticismo, a salvação não se alcança pela fé, mas pelo conhecimento, que é secreto e, em última análise, acessível apenas aos iniciados. Elemento essencial desta doutrina é que o Deus do Antigo Testamento, que é o criador do mundo, não é o mesmo que o Pai de Jesus Cristo. Este mundo, que é o mundo material, procede de uma queda e é mau. Os membros desta heresia insistiam concretamente, na continuação do platonismo, num dualismo radical de alma e corpo, matéria e espírito, sendo o corpo apenas uma espécie de “contentor” da alma: necessário, mas sempre inferior e indesejável.

A gnose pretendia essencialmente explicar a existência do mal no mundo. O maniqueísmo situa-se neste mesmo quadro de compreensão, distinguindo no fundamento de tudo um duplo princípio, um princípio do bem e um princípio do mal; a História é uma luta entre estes dois princípios, com a esperança do triunfo final do Bem. Santo Agostinho era maniqueu, mas, ao tornar-se cristão, teve de abandonar o maniqueísmo, pois, segundo o cristianismo, Deus é o único princípio e fundamento de tudo e tudo fez bem. Ficava um problema gigantesco: como explicar o mal no mundo, se Deus é bom? Santo Agostinho, a partir de uma experiência pessoal negativa da sexualidade e de uma exegese errada — ele não sabia grego e, por isso, seguiu a tradução latina de um passo célebre da Carta de São Paulo aos Romanos, capítulo V, versículo 12: Adão, “no qual” todos pecaram, quando o original grego diz “porque” todos pecaram —, apresentou como solução para o problema do mal a doutrina do pecado original, embora os Evangelhos não falem dele. O que é facto é que, com esta doutrina, Santo Agostinho, que é, por outro lado, um dos maiores génios da Humanidade, envenenou a sexualidade e tudo quanto de um modo ou outro com ela se relaciona. De facto, esse pecado foi entendido não como o primeiro de todos os pecados, porque todos os seres humanos são pecadores, mas como um pecado herdado de Adão e transmitido por geração, portanto, no acto sexual.

A lei do celibato obrigatório para o clero e sobretudo a misoginia têm também aqui assento. As mulheres são, por um lado, fonte da tentação e, por outro, devem ter filhos, mas sabendo que durante nove meses transportam consigo o pecado. A confissão dos pecados ficou quase exclusivamente centrada no sexo, de tal modo que o confessionário em vez de ser o lugar da libertação se transformou na realidade em câmara de tortura. Segundo o historiador Guy Bechtel na sua obra A carne, o diabo e o confessor, desde o século XVIII muitos terão iniciado o abandono da Igreja, precisamente porque a confissão, patologicamente centrada no pecado sexual, esmiuçado até à exaustão, começou a ser sentida como invasão indevida da intimidade de cada um, ferindo inclusivamente os direitos humanos, de que se começava a ter uma consciência mais viva.

3. Foi neste contexto que provocaram a merecida atenção da opinião pública mundial declarações do Papa Francisco sobre o tema do prazer da comida e do sexo, que vem de Deus, feitas a Carlo Petrini, um jornalista e gastrónomo italiano, e publicadas recentemente no seu livro Terrafutura. Dialoghi con Papa Francesco sull’ecologia integrale (Terra futura. Diálogos com o Papa Francisco sobre a ecologia integral).

O jornalista provocou o Papa, dizendo-lhe que “a Igreja católica sempre anulou o prazer, como se fosse algo a evitar”. Francisco não está de acordo e respondeu que “a Igreja condenou os prazeres desumanos, grosseiros e vulgares, mas sempre aceitou os prazeres humanos, sóbrios, morais”. Francisco opõe-se a “uma moralidade beata, fanática”, que rejeita o prazer. Essa rejeição existiu na história da Igreja, mas constitui “uma má interpretação da mensagem cristã” e “causou enormes danos, que ainda hoje se fazem sentir fortemente em alguns casos.” E, para que não houvesse equívocos, declarou textualmente: ”O prazer vem directamente de Deus. Não é católico, não é cristão ou outra coisa, é simplesmente divino. O prazer de comer serve para que ao comer se mantenha uma boa saúde, tal como o prazer sexual existe para tornar o amor mais belo e garantir a continuação da espécie.”

4. Não nos vivemos dualisticamente: de um lado o corpo, do outro a alma; mesmo se em tensão, o ser humano é uma unidade corpóreo-espiritual. Dada a complexidade do Homem, que pode até levar a confundir a felicidade com a soma de prazeres e a anomia, não é fácil levar uma vida humana na dignidade livre e na liberdade com dignidade para todos. Mas saúda-se a intervenção de Francisco, abençoando o prazer, que não pode ser nem  tabu nem ídolo, um deus falso e enganador. “Simplesmente divino”.

in DN 26.09.2020

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/26-set-2020/os-prazeres-da-comida-e-do-sexo-divinos--12755950.html?target=conteudo_fechado

     

QUE COISA SÃO AS NUVENS

JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA

O Interruptor

O MEDO FAZ PARTE DE TODA A CONSTRUÇÃO VERDADEIRA DA ESPERANÇA. COMO ESCREVEU SÉNECA, “SE EU CESSAR DE TEMER, CESSAREI TAMBÉM DE ESPERAR”

A diferença entre a esperança e o desânimo é mínima: é como ligar um interruptor. Coisa tão estranha, a esperança! Por um processo surpreendente de vida interna, aquilo que antes parecia apenas um copo já meio vazio nós conseguimos vê-lo como um copo meio cheio. Quem o diz é a filósofa Martha C. Nussbaum, que não se conforma que, sendo a esperança uma experiência humana decisiva, seja tão pouco conversada e refletida.

Segundo Nussbaum, há três coisas essenciais que todos temos a aprender (ou a reaprender) sobre a esperança. A primeira é que ela não é um discurso sobre probabilidades. Nem podemos fazer depender a legitimidade da esperança do facto de ter um desfecho provável. Pelo contrário, quando aumenta a probabilidade de um resultado positivo, falar de esperança torna-se supérfluo. Melhor seria, nesse caso, falar de expectativas, e de boas expectativas. É quando nada parece garantido que a esperança joga um papel fundamental, mobilizando-nos para não cruzarmos os braços nem nos darmos por derrotados. Renunciar à esperança é aceitar coincidir com a realidade sem mais, enquanto agarrar-se a ela é introduzir uma tensão inconformada entre nós e a morfologia do presente. Essa tensão insufla no tempo uma coragem que desconhecíamos; motiva-nos a uma ousadia e resiliência inéditas; coloca em marcha estratégias que, contra todas as expectativas, se revelam acertadas.

Renunciar à esperança é aceitar coincidir com a realidade sem mais, enquanto agarrar-se a ela é introduzir uma tensão inconformada entre nós e a morfologia do presente

 

A segunda coisa é que a esperança não é um discurso sobre desejos. Um dos erros frequentes é associar a esperança à satisfação de desejos imediatos, não raro tremendamente banais e infantis. Ora, só podemos falar de esperança quando estão em causa coisas grandes, superiores às nossas possibilidades; quando há uma confirmada incerteza sobre os resultados; e, por fim, quando face ao objeto da esperança percebemos uma impotência e uma falta de controlo da nossa parte. Além disso, a esperança não é uma experiência existencialmente neutra. Ter esperança não nos isenta de experimentar o medo, de sofrer violentamente com o abalo de terra de certos confrontos nossos com a fragilidade, de atravessar o ordálio das dúvidas. Numa das cenas mais extraordinárias dos evangelhos, Jesus consegue que também Pedro caminhe sobre as águas. É verdade que este depois se enche de medo e começa a afundar-se no lago. Mas o espantoso não é este facto. O espantoso é Jesus ter dito “Vem” e Pedro ter ido (Mateus, 14:22-36). Aliás, o medo faz parte de toda a construção verdadeira da esperança. Como escreveu Séneca, “se eu cessar de temer, cessarei também de esperar”.

 

A terceira coisa é que a esperança não é apenas um discurso dirigido à prática. Na verdade, mais do que uma simples atitude ou um estado emocional delimitado, a esperança é semelhante a uma síndrome. Inclui tudo: lógica e imaginação, preparativos práticos para a ação e fantasia criativa, racionalidade e fé. Existe uma “esperança prática” mas inseparável daquela que Martha C. Nussbaum chama uma “esperança ociosa”. A primeira é aquela que nos serve de combustível para a ação concreta e que nos cola a um objetivo determinado como um prego à parede. Essa modalidade, porém, não esgota a esperança. Acontece, por vezes, que censuramos a esperança por ela se parecer a uma miragem lenta e indulgente que nos deixa como que a pairar. Contudo, não nos convém ser demasiado rígidos nesta avaliação: mesmo quando a esperança se desenha como uma viagem solitária num fio de arame, ela acaba por ter um papel mais determinante do que supomos nesta nossa travessia.

in Semanário Expresso, 26.09.2020 pg. 188

https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2500/html/revista-e/que-coisa-sao-as-nuvens/o-interruptor

À PROCURA DA PALAVRA

DOMINGO XXVI COMUM

“Os publicanos e as mulheres de má vida

irão diante de vós para o reino de Deus.”

 

Mt 21, 31

 

É preciso mudar

As escolas e as vindimas parecem andar de mãos-dadas: as primeiras iniciam, por estes dias, o grande tempo de sementeira e adubagem do conhecimento para que chegue o tempo dos frutos lá para o Verão; as segundas reclamam a colheita rápida dos frutos rubros e dourados para o trabalho escondido que produzirá néctares deliciosos. Entramos num novo ano escolar com prudência e responsabilidade que a pandemia obriga. A dureza do último confinamento exige avaliação constante sobre as melhores opções escolares, e capacidade de rever objectivamente as decisões tomadas. E como nas vindimas é preciso um esforço conjunto para que o maior bem, que são as pessoas, seja salvaguardado.

Regressamos às vindimas como imagem do Reino e ao trabalho como compromisso humano, numa pequena parábola de Jesus. Na figura de dois irmãos, nas suas respostas e atitudes revemo-nos na coerência entre o que dizemos e fazemos. E se o importante é o trabalho da vinha, a lição maior é a possibilidade de mudança; em termos evangélicos, de conversão. Para lá da tentação imediata de dividir o mundo entre justos e injustos, bons e maus, somos convidados a olhar a realidade humana na sua complexidade, nos muitos matizes que cada pessoa pode tomar. Afinal, o mundo é a cores, e quem vê tudo a preto e branco é quase cego.

Um reino comparado ao trabalho na vinha e necessitado de trabalhadores apaixonados fala-nos muito do coração de Deus. Mais do que a eficácia da produção, o que parece alegrar o Pai é o entusiasmo dos trabalhadores. Não as boas intenções nem as aparências. O entusiasmo que nasce até do arrependimento, da consciência de que é sempre possível mudar as escolhas erradas, dará ao vinho um sabor renovado. E por isso, porque todos somos filhos, ninguém é excluído da vindima e do trabalho que irá produzir o bom vinho da alegria e da festa.

No mundo que “é composto de mudança” como escrevia Camões, é importante nunca perder a esperança, nem desistir de tentar. Não seremos julgados por nos termos enganado, mas pelas vezes em que não quisemos, nem tentámos, mudar de caminho. É talvez uma espiritualidade da mudança, aquela que Cristo oferece à sua Igreja. Mudança porque o hábito e a instalação apagam o ardor evangelizador; mudança porque o Espírito Santo é vento que sopra e não se pode engaiolar; mudança porque quem disse “não” pode vir a fazer “sim”; mudança porque só Deus não muda, mas tudo o resto pode ser melhor!

in Voz da Verdade, 27.09.2020

http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=9222&cont_=ver2

Inscrições para a Eucaristia do XXVII Domingo do Tempo Comum

Já estão disponíveis as inscrições para a Eucaristia na Capela do Rato no dia 4 de outubro.  

O atual contexto de contingência sanitária vai continuar a condicionar as nossas atividades e relações; não se prevê, nem é desejável, aligeiramento. Vamos aprendendo a viver assim em família, em sociedade e em Igreja, aliando risco e a prudência, numa tensão que nos pode inibir mas também suscitar criatividade.Recomeçámos as celebrações dominicais da eucaristia no dia 13 de setembro. Vamos manter o sistema de inscrições prévias, através do site da Capela, para controle de lugares, dadas as nossas limitações espaciais.

 

Para melhor controle do número de presenças, pede-se que se faça uma inscrição prévia no formulário em baixo.

 

INSCRIÇÃO PARA A EUCARISTIA - 4 DE OUTUBRO DE 2020


https://www.capeladorato.org/2020/09/25/inscricoes-para-a-eucaristia-do-xxvii-domingo-do-tempo-comum/

 

2ª 20.09  P/INFO: Crónicas & Cardeal D. José Tolentino vai receber o hábito dominicano

Frei Bento: A conversão do Papa Francisco

Pe. Anselmo Borges: Conversa com Hans Küng .2

Cardeal Tolentino: Capacidade negativa

Pe. Vítor  Gonçalves: Primeiros e últimos

 

A CONVERSÃO DO PAPA FRANCISCO

Frei Bento Domingues, O.P.

Da incredulidade ecológica inicial de Bergoglio à sua conversão e ao processo de elaboração da encíclica Laudato si’.

1. Para muitos dos baptizados em criança, só fica o seu registo paroquial. Em certos casos, a própria fé de quem apresentava a criança à comunidade cristã não era uma realidade vivida, pensada e celebrada. Era, por vezes, um gesto de memória familiar dissolvido numa festa de interesses, sem confronto e compromisso actuantes com a mensagem e a prática de Jesus Cristo. É talvez uma das fontes da expressão ambígua dos chamados “católicos não praticantes”. Não praticantes de quê? De certas práticas rituais ou das exigências concretas do Evangelho que se inscrevem na vida pessoal, familiar, social, cultural e política? 

Note-se que os que foram apresentados, em criança, ao Baptismo por famílias de fé vivida e pensada, celebraram a gratuidade do amor de Deus que não espera que ela seja adulta para a inscrever no seu coração, seja baptizada ou não.

 A celebração não é, de modo nenhum, um gesto humanamente absurdo. Os pais também não esperam que os seus filhos cresçam para gostar deles, para os rodear de manifestações de afecto e de todos os cuidados. O rito cristão do baptismo das crianças, em comunidades crentes, não é um abuso nem um acto de magia. Não é um destino imposto, mas um itinerário cristão a ser assumindo, de modo pessoal e livre, ao longo de toda a vida, mediante conversões que marcam cada uma das suas etapas. Mas que também pode ser esquecido ou até renegado.

2. Suponho que Jorge Mario Bergoglio (17.12.1936) tenha sido baptizado em criança, em Buenos Aires. Não consta que o seu baptismo tenha sido acompanhado de qualquer revelação divina de que, depois de muitas peripécias, viria a ser ordenado padre, sagrado bispo e eleito Papa Francisco!

No passado dia 3 de Setembro, confessou a um grupo de peregrinos franceses a sua incredulidade ecológica, a sua conversão e o processo da elaboração da encíclica Laudato Sí (LS), há cinco anos! O melhor é dar-lhe a palavra:

«Gostaria de começar com um fragmento de história. Em 2007, teve lugar a Conferência do Episcopado Latino-Americano no Brasil, em Aparecida. Fiz parte do grupo de redactores do documento final, e chegavam propostas sobre a Amazónia. Eu dizia: Estes brasileiros já aborrecem com esta Amazónia! Que tem a Amazónia a ver com a evangelização? Eu era assim em 2007. Depois, em 2015, saiu a Laudato si’. Percorri um caminho de conversão, de compreensão do problema ecológico. Antes eu não entendia nada!»

Não relatou apenas o facto, mas também o processo, a conjuntura e as mediações que estão na base desse texto, a muitos títulos, admirável:

«Quando fui a Estrasburgo, à União Europeia, o Presidente Hollande pediu à Ministra do Meio Ambiente, Ségolène Royale, que me recebesse. Falamos no aeroporto... No início um pouco, porque já havia o programa, mas depois, no final, antes de partir, tivemos de esperar um pouco e falamos mais. E a senhora Ségolène Royale disse-me o seguinte: É verdade que o Senhor está a escrever algo sobre a ecologia? — c’était vrai! — Por favor, publique-a antes do encontro de Paris!».

O Papa não podia falhar esta ocasião extraordinária, tão oportunamente oferecida: «Chamei o grupo de pessoas que a redigia — para que saibais que não a escrevi sozinho, mas com um grupo de cientistas, um grupo de teólogos, e todos juntos fizemos esta reflexão — chamei o grupo e disse: Tem de sair antes do encontro de Paris - Mas porquê? — Para fazer pressão. De Aparecida à Laudato si’, para mim, foi um caminho interior».

Por ser Papa, não sabe tudo e nem invocou a celebrada infabilidade pontifícia para vir em seu auxílio: «Quando comecei a pensar nesta Encíclica, chamei os cientistas — um bom grupo — e disse-lhes: Dizei-me coisas claras e comprovadas, não hipóteses, mas realidades. E eles trouxeram o que hoje vós ledes aqui. Em seguida, chamei um grupo de filósofos e teólogos [e disse-lhes]: Gostaria de fazer uma reflexão sobre isto. Trabalhai vós e dialogai comigo. E eles realizaram o primeiro trabalho, depois eu intervim. E, no final, fiz a redacção conclusiva. Essa é a origem».

Não narrou a sua conversão para recordar um momento importante. Como todos os verdadeiramente convertidos não podem guardar para si o que os encheu de alegria: «Quero frisar isto: da absoluta incompreensão, em Aparecida (2007) até à Encíclica. Gosto de dar testemunho disto. Temos de trabalhar para que todos percorram este caminho de conversão ecológica»[i].

Dizer que o Papa Francisco é um católico praticante significa que a sua fé é aberta a todos os mundos, é inclusiva. Por isso, não pode deixar de insistir neste sentido da inclusão universalista, que já era a marca da primeira geração cristã, proclamada nas celebrações do Baptismo. A exegese histórico-crítica verificou que não foi S. Paulo que a inventou. Ele recebeu-a de uma prática que lhe era anterior[ii]. Esta característica é incompatível com as práticas sociais, económicas e políticas que fomentem desigualdades, seja qual for o motivo.

3. A encíclica LS teve um eco significativo dentro e fora da Igreja Católica e entre crentes e não crentes. O Papa Francisco, no entanto, resolveu que, «anualmente, daqui em diante, o primeiro dia de Setembro assinala, para a família cristã, o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação; e com ele se abre o Tempo da Criação que conclui no dia 4 de Outubro, memória de São Francisco de Assis. Durante este período, os cristãos renovam, em todo o mundo, a fé em Deus criador e unem-se de maneira especial, na oração e na acção, pela preservação da Casa Comum».

Posta a questão ecológica nesses termos, podíamos ficar com a ideia de que o Papa Francisco se interessa, apenas, com a Igreja Católica. Mas não: «Alegro-me com o tema escolhido pela família ecuménica para a celebração do Tempo da Criação 2020, ou seja, um Jubileu pela Terra, tendo em vista que se celebra precisamente, este ano, o quinquagésimo aniversário do Dia da Terra»[iii]. 

Este ano ainda não chegou ao fim. Está prevista, para 3 de Outubro, a assinatura de uma 3ª encíclica Fratelli tutti (Todos irmãos), da qual ainda não sabemos o conteúdo, mas tem um precedente inter-religioso notável[iv]. Dada a pandemia, o encontro Economia de Francisco, realizar-se-á, de 19 a 21 de Novembro, através de plataformas on line. É urgente um novo paradigma económico se quisermos converter a expressão Todos Irmãos, mil vezes repetida, em realizações do nosso tempo, dilacerado por escandalosas desigualdades.

in Público de 20.09.2020

https://www.publico.pt/2020/09/20/opiniao/opiniao/conversao-papa-francisco-1932026

[i] Cf. Audiência do Papa Francisco a um grupo, Leigos Ecologistas, vindo de França, 03. 09. 2020, in www.vatican.va. Transcrevi apenas a primeira parte da “conversão”. Importa ler o texto na íntegra.

[ii] Michel Gourgues, Repères pour une exploration histórico-critique du Nouveau Testament, in Cahiers Évangile, 192 (Juin 2020), 6-7

[iii] Cf. Mensagem do Papa para a celebração do Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação (01.09.2020), in www.vatican.va

[iv] Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum, assinado por Papa Francisco e Grão Imame Ahmad Al-Tayyeb, a 14 de Fevereiro de 2019.

CONVERSA COM HANS KÜNG. 2

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

Continuo a conversa com Hans Küng em 1979, incidindo sobre a esperança para lá da morte.

Para si, Jesus Cristo é o determinante na vida e na morte, o Filho de Deus. Pergunto-lhe: é Deus que nos salva ou é Cristo?

É o próprio Deus que nos salva através de Cristo. Não podemos de modo nenhum ver Cristo sem Deus. De contrário, não teria sentido para nós. Como também não podemos, enquanto cristãos, ver Deus sem Cristo. Caso contrário, Deus torna-se vago para nós.

Mas somos nós, os cristãos, que somos salvos através de Cristo ou são todos os homens? Isto é, mesmo aqueles que pertencem a outras religiões são salvos através de Cristo?

É claro que os homens que pertencem a outras religiões se podem salvar. E é evidente que só se podem salvar através do único Deus, pois há um só Deus. Em terceiro lugar, só se podem salvar através do Deus que nos foi revelado em Cristo, que, portanto, é o Deus da misericórdia, o Deus da graça, que Cristo nos revelou.

A ressurreição de Cristo é essencial no cristianismo...

Se Cristo não tivesse ressuscitado, a nossa fé seria vã, diz o apóstolo Paulo. E esta é também a minha convicção.

Mas é necessário não tomar à letra e como narrações históricas todas as representações que se referem à vida nova de Cristo. O importante e decisivo é concentrar-se no essencial da Boa Nova da Ressurreição. Ora, o que é o essencial da Boa Nova da Ressurreição? A Boa Nova da Páscoa significa isto: este Crucificado, que realmente morreu, não morreu para o nada, mas foi assumido na vida eterna de Deus. Ele vive com Deus seu Pai, através dEle e nEle. E isto significa para nós uma esperança.

Ele vive como pessoa?

Ele vive como pessoa, ele vive enquanto identicamente o mesmo que viveu na Terra. Caso contrário, não significaria nada para nós.

Ele vive como esperança para nós: nós também enquanto pessoas continuaremos a viver. Todos os que o seguirem com perseverança viverão também. Ele vive como desafio e estímulo para nós. Daí que o nosso dever seja fazer com que o seu caminho seja o nosso caminho, o seu modo de viver e morrer seja o nosso.

Hoje, para nós, o problema da imortalidade torna-se muito complicado, pois tínhamos o esquema dualista, que era talvez simplista, mas servia de ajuda. Ora, hoje todos esses esquemas estão ultrapassados. Portanto, sobre que é que podemos apoiar a ressurreição e a vida eterna?

Eu diria que cada pessoa, crente ou não, está perante uma alternativa. Mesmo o não crente perguntar-se-á: o que é que significa para mim a morte? Significa que todo o meu pensamento, toda a minha acção, todo o meu sofrimento, todo o meu amor, tudo aquilo que realizei, tudo aquilo por que me bati, tudo isso vai parar ao nada? Esta é uma alternativa.

Frente a esta alternativa só há uma outra: esta realidade que nós aqui captamos, tudo aquilo que nós podemos captar e manipular, tudo isso não é a Realidade última. Há a possibilidade — eu acentuo: a possibilidade — que o Homem, em vez de morrer para o nada, morra para a Realidade última, que é também a Realidade primeiríssima.

Quando perguntamos qual é o fundamento para isso, eu digo: confio que é assim. Eu confio, pois não se pode provar. Mas quem diz que morre para o nada, também não pode prová-lo. Esse tem uma desconfiança radical no Fundamento último e Sentido último da realidade. Eu, pelo contrário, tenho uma confiança radical no Fundamento e no Sentido último da realidade. Eu posso apenas afirmar que a desconfiança radical não apresenta qualquer racionalidade, que, em última análise, ela é não racional, pois, sem esta confiança radical, tudo se torna não racional e absurdo.

A minha solução, a minha resposta é, pois, uma confiança radical racional. A racionalidade mostra-se no próprio acto de confiar: com ele e nele, tudo se torna mais razoável, iluminado. Eu tenho todas as razões para ter esta confiança. De facto, tudo aquilo que há milhares de milhões de anos acontece na História e que talvez ainda continue por milhares de milhões de anos para o futuro, tudo isso não provém do nada nem vai para o nada. Provém de um Fundamento último, que é também Fim último, não só do cosmos, mas também da minha vida.

A este Fundamento último e Fim último do cosmos e da nossa existência chamamos Deus.

Do ponto de vista antropológico-metafísico, não pode demonstrar que haja em si qualquer coisa que exija a imortalidade...

Eu não posso demonstrar nem o nada nem Deus. Se pudesse demonstrar Deus, já não seria Deus. A fé é como o amor. O amor não se pode demonstrar. Se um homem disser à mulher: tu deves demonstrar que me amas, então o amor não é possível. No amor, é necessário colocar em primeiro lugar a confiança. Na fé, passa-se a mesma coisa: é necessário avançar com a confiança. Eu devo confiar-me e, na medida em que confio, vejo que se trata de uma resposta plena de sentido e que a vida tem sentido.

Havia filósofos que através de argumentos filosóficos afirmavam que há em nós qualquer coisa que ontologicamente é imortal. Não pode dizê-lo...

Eu não me preocupo muito com essas coisas, com a ideia platónica da imortalidade da alma. Creio que são representações de algum modo simplistas, e hoje, com o avanço das ciências biológicas, antropológicas, etc., já não nos é permitido separar tão facilmente alma e corpo.

Como é que se deve esclarecer o problema da vida eterna não nos compete a nós. Isso é mistério para nós, como o próprio Deus é mistério, que nem com a ontologia podemos tornar claro.

in DN 19.09.2020

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/19-set-2020/conversa-com-hans-kung-2-12734294.html?target=conteudo_fechado

QUE COISA SÃO AS NUVENS

JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA

VENTOS DE INTOLERÂNCIA

IMIGRANTE TORNOU-SE O BODE EXPIATÓRIO PARA TODOS OS PROBLEMAS

No início deste mês de setembro, Willy Monteiro Duarte foi assassinado num bairro de Roma, a socos e a pontapés, por quatro jovens mais velhos do que ele. Willy, nascido já em Itália, é filho de emigrantes cabo-verdianos. Tinha 21 anos, mas nas fotografias que os jornais têm publicado parece ainda mais miúdo. Interveio numa discussão para defender um antigo colega de escola. Foi abatido sem piedade. O magistrado que colocou os agressores na prisão sublinhou o facto de se tratar de um ato de violência brutal onde a cor da pele da vítima influiu.

A comunidade cabo-verdiana formou-se em Roma entre os anos 60 e 70 do século passado. No início, era sobretudo constituída por mulheres que chegavam como empregadas domésticas, um trabalho para o qual era cada vez mais difícil encontrar mão de obra italiana. Como frequentemente acontece na história da imigração, nos primeiros tempos não existia o pensamento de uma integração na nova sociedade: a ideia era apenas trabalhar para comprar o bilhete de volta, levando consigo umas tantas economias que permitissem relançar a vida no arquipélago natal. Nos anos 80 as coisas mudam. A perspetiva de um regresso a médio prazo a Cabo Verde ia-se distanciando. Em vez de partir, aquelas mulheres ajudam à instalação em Roma das suas famílias, crescem em número e diversidade de profissões, organizam-se como comunidade. A jornalista Maria de Lourdes Jesus, tia de Willy, num impactante testemunho publicado esta semana no “Corriere della Sera”, recorda que a Itália desses anos era muito diferente daquela de hoje: a maioria da população e o consenso das forças políticas colocava-se então da parte dos mais desprotegidos e conseguia, por exemplo, exercer um forte controlo social em relação ao racismo. Foram os anos fortes das políticas de integração. A televisão pública iniciava um programa para retirar da invisibilidade as comunidades migrantes, apostava-se consistentemente na educação, fez-se o primeiro pacote legislativo que tinha em conta a sua dignidade e direitos. Sempre existiu, explica Maria de Lourdes Jesus, uma minoria que explorava a hostilidade e o ressentimento contra os imigrantes. Ora, o que aconteceu é que esse grupo, ao qual não se prestava grande atenção, “foi crescendo, ao mesmo tempo que cresciam os discursos drásticos contra os imigrantes, despudoradamente acusados de roubar o trabalho aos nacionais... O imigrante tornou-se o bode expiatório para todos os problemas”.

Não podemos partir daqui para nos perguntarmos se a Itália é um país racista. Mas (...) os países do projeto europeu não podem fazer de conta que não sentem soprar os ventos de intolerância

Certamente que não podemos partir daqui para nos perguntarmos se a Itália é um país racista. Seria injusto e abusivo. A questão que se impõe é, sim, comum aos países do projeto europeu que não podem fazer de conta que não sentem soprar os ventos de intolerância. E ela diz igualmente respeito aos cidadãos europeus — não só aos Estados — que são chamados a protagonizar práticas de inclusão social que reforcem o sentido comunitário. Fantástico testemunho deu a família Caló de Treviso (um casal e quatro filhos), que decidiu acolher em casa seis jovens africanos, com idades entre os 23 e os 34 anos, que haviam atravessado o Mediterrâneo numa casca de noz. Antonio Caló refere-se hoje a eles como “os meus filhos negros”. Em quatro anos de um percurso certamente árduo, ajudaram-nos como se ajudam os filhos a alcançar a própria autonomia, mas colocando em tudo o amor como chave. Um exemplo português que me toca é o que os padres da Consolata desenvolvem no seu seminário, em Rio de Mouro. Nos últimos anos, têm tido sempre refugiados a partilhar a vida comunitária deles. Claro que é exigente e trabalhoso. Mas é também um gesto que transforma o mundo. Já nos perguntámos o que podemos fazer?

in Semanário Expresso, 19.09.2020, p 170

https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2499/html/revista-e/que-coisa-sao-as-nuvens/ventos-de-intolerancia

À PROCURA DA PALAVRA

Pe. Vitor Gonçalves

DOMINGO XXV COMUM

“Os últimos serão os primeiros

e os primeiros serão os últimos.”

Mt 20, 16ª

 

Primeiros e últimos

Há quem goste de ganhar porque deu o seu melhor, bateu o seu recorde, ultrapassou um limite. E há quem goste de ganhar porque ficou à frente de todos, pode olhar de cima os demais, julga que vale mais do que os outros. Os primeiros conseguem partilhar a alegria, consolam os que ficaram em segundo ou em último, agradecem a todos os que os ajudaram. Os segundos inebriam-se com as palmas, acham-se mais merecedores do que os outros, e todos os louros são deles. Posso estar a fazer uma caricatura dos sentimentos de alguém vitorioso, mas até nas caricaturas há um pouco de verdade.

Escutamos, infelizmente, demasiadas vezes, desabafos deste tipo: “Já não sirvo para nada”; “O que é que ainda cá ando a fazer?”; “Deus esqueceu-se de mim!”. A exigência cega da economia tende a valorizar as pessoas pela sua utilidade e produtividade. E num tempo em que o valor do trabalho humano é talvez a maior questão social a resolver para o futuro da humanidade, o descarte das pessoas é profunda interpelação. A contingência do teletrabalho que a pandemia multiplicou, o desemprego avassalador de inumeráveis profissionais, a gritante desigualdade dos salários, as novas escravidões, os novos êxodos de pobres e esfomeados parecem significar pouco na necessária transformação dos modelos económicos. Cada vez mais, ou todos contam e participam no desenvolvimento, ou não há paz. Dizia-o em 1967 o Papa S. Paulo VI: “Desenvolvimento é o novo nome da paz”.

 Vem isto a propósito, ou a despropósito, da parábola dos trabalhadores da vinha que Jesus conta sobre o Reino dos Céus. Importa sublinhar isto, pois não se trata de um tratado de justiça social nem de princípios laborais. O salário não mede a quantidade de trabalho nem as horas significam um peso, antes sim a alegria de, desce cedo, “trabalhar na vinha do Senhor”, que é viver com Ele e dar sabor à vida. É, acima de tudo, a vida eterna, a totalidade de graça que Deus quer dar. A religião vivida em termos contabilísticos e os méritos que se acumulam para obter recompensa contrastam com a absoluta generosidade do dono da vinha. O “olhar mau” porque o Senhor “é bom” revela o espírito mesquinho de quem vive a fé para “ganhar aos outros”, “ficar à frente dos outros”, “ser mais perfeito que os outros”. É assim que primeiros e últimos só contam para nós: para Deus são todos importantes. E como Ele se alegra por todos terem ocupação na sua vinha!

Há tanto a aprender com esta parábola! Mesmo nas questões relativas ao trabalho enquanto realização pessoal e participação na sociedade. Também nas interpelações que esta pandemia faz às comunidades cristãs onde o trabalho para todos revoluciona hábitos e pequenos poderes que já não servem. Mesmo nas realidades familiares em que a entreajuda e a partilha são condição para uma alegria maior de todos. Lembro o desafio do Papa Francisco em “primeirear”, tomar a iniciativa de começar em algum lado, com alguns “primeiros”, sem esquecer nenhuns “últimos”!

in Voz da Verdade

http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=9210&cont_=ver2

Cardeal D. José Tolentino vai receber o hábito dominicano

Celebração vai decorrer no Convento de São Domingos, em Lisboa, no dia 14 de novembro

 


A Província Portuguesa da Ordem dos Pregadores disse à Agência ECCLESIA que o cardeal D. José Tolentino Mendonça vai receber o hábito dominicano, como Ordem Terceira, no dia 14 de novembro, no Convento de São Domingos, em Lisboa.

 

“A Província Portuguesa da Ordem dos Pregadores e a Ordem Dominicana em geral regozijam-se e acolhem com alegria este seu novo membro”, afirmou frei José Nunes, provincial dos Dominicanos em Portugal, à Agência ECCLESIA.

“O cardeal Tolentino é muito nosso amigo, há muitos anos: teve uma grande proximidade com dois dominicanos portugueses, o frei José Augusto Mourão e o Frei Mateus Peres, também durante muitos anos teve uma forte ligação às Monjas Dominicanas do Lumiar. Estes contactos e proximidade fizeram com que se sentisse identificado com o carisma dominicano”, explica à Agência ECCLESIA o frei Filipe Rodrigues, mestre de noviços e dos estudantes.

A família Dominicana tem vários ramos: as monjas, “tendo sido primeiras fundadas por São Domingos”, os frades e a chamada Terceira Ordem que, explica o Frei Filipe Rodrigues, oficialmente não existe mas é comummente aceite, onde todas as pessoas leigas ou sacerdotes se inserem, sem vínculo de obediência ao mestre da Ordem e indicação para viver como frade ou monja, mas identificando-se como monge e querendo fazer um caminho de espiritualidade com os Dominicanos.

O cardeal José Tolentino Mendonça, “sendo um padre diocesano, agora cardeal, entra nas Fraternidades Sacerdotais como forma de se vincular à Ordem Dominicana”.

O Frei Filipe Rodrigues evidencia uma sintonia na forma de pregação entre a Ordem e o cardeal José Tolentino Mendonça.

(…)

in Agência Ecclesia Set 18, 2020

https://agencia.ecclesia.pt/portal/igreja-portugal-cardeal-d-jose-tolentino-vai-receber-o-habito-dominicano/

 

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