26 outubro 2020

P / INFO: Crónicas, As declarações do Papa mudam (…), Grupos de estudo da Encíclica Fratelli Tutti & Capela do Rato, horários das celebrações

Frei Bento: Ninguém pode salvar-se sozinho

Pe. Anselmo: Fratelli tutti (3). Uma política sã

Cardeal Tolentino: O livro como património

Pe. Vítor Gonçalves: O amor é um projecto

 

NINGUÉM PODE SALVAR-SE SOZINHO

Frei Bento Domingues, O.P.

 

Neste tempo de desorientação não é nada enganosa a publicidade que repete: cuidar de si é cuidar de todos!

 

1. Estes não são tempos de euforia. As festas que a pretendem imitar acabam sempre em redobrada tristeza. Às loucuras das guerras e novas ameaças de guerras veio juntar-se a devastação mundial provocada pela Covid-19 que, além das pessoas que mata e dos recursos que consome, vai deixar muita gente abandonada à miséria. Por isso, não é nada enganosa a publicidade que repete: cuidar de si é cuidar de todos!

É verdade que o incómodo da máscara, da etiqueta respiratória, da limpeza das mãos, da distância física, etc. é muito irritante. Recorrer a sofismas, para dizer que não está cientificamente demonstrada a eficácia desses cuidados, não passa de um exercício de banal e oca retórica.

     Ver em todas as medidas governamentais, que tentam impedir o alastramento da pandemia, um atentado à liberdade e aos direitos humanos é uma reacção que roça a paranóia. O coronavírus não costuma respeitar as nossas reais ou fictícias arrelias.

O bom senso, que não precisa de receita médica, aconselha a boa distância entre o pânico imobilizador e o desleixo fatal. O sentido da responsabilidade, pessoal e social, fica mais barato do que o confinamento ou o internamento hospitalar.

Resta um desafio para a nossa imaginação: como reinventar e multiplicar as manifestações de afecto e de bom humor que anulem o mau distanciamento e a indiferença, sobretudo em datas de reunião familiar, como as do Natal religioso ou agnóstico?

Não está bem atribuir sempre à Covid-19 o mau costume de substituir razões e argumentos pela agressividade assassina nos meios de comunicação social e na própria Assembleia da República, considerada a pátria da democracia.

O diálogo vigoroso não precisa nem de ser açucarado nem azedo. A amizade política favorece a verdade da informação e o rigor da argumentação, nos debates que visam o bem comum entre os proponentes de projectos diferentes de sociedade. O dissenso entre esses projectos não deveria impedir os consensos, sobretudo, quando calamidades impostas geram graves crises sociais que afectam os mais pobres e débeis.

Com diz M. Correia Fernandes, director da Voz Portucalense, «a nossa imprensa, quer a mais vista lida quer a mais lida (o que não é bem a mesma coisa) tem vindo a assumir um vocabulário que pretende ser apelativo ou pretensamente expressivo, mas que apenas esconde uma mentalidade eivada de violência escondida ou disfarçada. (…) Com palavras construímos e com elas aniquilamos. Com elas apaziguamos e com elas criamos conflitos e guerras. Com o seu mau uso, podemos destruir tanto trabalho feito, tanta proximidade aniquilada, tantas relações construtivas. Quanto relacionamento humano se perdeu por palavras mal ditas!»[1].

Francisco Louçã mostra que, nos dias de hoje, a necropolítica condiciona e transforma a razão democrática de várias formas: «porventura a mais poderosa e que tenho vindo a sublinhar, é a que levanta uma cultura de ódio para se sobrepor à experiência da vida das pessoas. É a necropolítica no sentido puro: o racismo (…) Esta cultura de ódio é social quando é racial, e é sempre social mesmo quando não é racial. O racismo pode ser o seu enunciado mais poderoso, porque mobiliza o recalcado e fornece uma autodesculpabilização dos cúmplices, mas todo o discurso odioso tem por objectivo criar medo e instalar o impensável»[2].

2. A liturgia deste Domingo começa com um eloquente texto do Antigo Testamento, cheio de lições para o nosso tempo de xenofobia: «Não usarás de violência contra o estrangeiro residente nem o oprimirás, porque foste estrangeiro residente na terra do Egipto. Não maltratarás nenhuma viúva nem nenhum órfão. Se tu o maltratares, e se ele clamar por mim, hei-de ouvir o seu clamor (…). Se emprestares dinheiro a alguém do meu povo, ao indigente que está contigo, não serás para ele como um usurário: não lhe imporás juros. Se penhorares o manto do teu próximo, devolver-lho-ás até ao pôr-do-sol, porque a capa é tudo o que ele tem para cobrir a pele. Com que dormiria? E se vier a clamar por mim, ouvi-lo-ei, porque Eu sou misericordioso»[3].

Através de gerações e gerações, esquecemos algo elementar: o mundo todo foi e é feito de migrantes. Não fomos os primeiros a ocupar o território em que hoje vivemos. O desprezo ou o ódio pelo estrangeiro, em nome de um nacionalismo cego, tem tanto de antigo como de errado.

Ao pôr limites às fronteiras que o mundo ergueu, o Papa Francisco repete que os nossos esforços, a favor das pessoas migrantes que chegam, podem resumir-se em quatro verbos: acolher, proteger, promover e integrar. Devemos oferecer aos migrantes a possibilidade dum novo desenvolvimento pois, se forem ajudados a integrar-se, eles são uma bênção, uma riqueza e um novo dom que convida a sociedade a crescer.

A paz social é muito trabalhosa, artesanal. Integrar realidades diferentes é muito difícil e lento, embora seja a garantia de uma paz real e sólida. O que conta é gerar processos de encontro, processos que possam construir um povo capaz de recolher as diferenças. Armemos os nossos filhos com as armas do diálogo. Ensinemos-lhes a boa batalha do encontro[4]!

3. Da Segunda Guerra Mundial, Franz Kafka deixou-nos o seu testemunho: «A guerra, a revolução russa e a miséria do mundo inteiro, afiguram-se-me uma espécie de dilúvio do Mal. É uma inundação. A guerra abriu as comportas do Mal. As escoras, que sustentavam a existência humana, partiram-se. O porvir histórico já não repousa no indivíduo e sim nas massas. Atropelam-nos, empurram-nos, varrem-nos. Sofremos a história… Perdemos o conhecimento sem perdermos a vida. O marquês de Sade é o verdadeiro patrono da nossa época, pois não pode alcançar a alegria de viver a não ser através do sofrimento alheio, do mesmo modo que o luxo dos ricos tem de ser pago pela miséria dos pobres»[5].

No Encontro internacional em prol da paz no espírito de Assis, realizado na Praça do Capitólio (Roma), no dia 20 deste mês, foi lido um grande Apelo de Paz:

Nesta Praça do Capitólio, pouco tempo depois do maior conflito bélico de que há memória na história, as nações que se guerrearam estabeleceram um Pacto, fundado sobre um sonho de unidade que em seguida se realizou: uma Europa unida. Hoje, neste tempo de desorientação, açoitados pelas consequências da pandemia Covid-19, que ameaça a paz ao aumentar as desigualdades e os medos, digamos com força: Ninguém pode salvar-se sozinho, nenhum povo, ninguém!

Os que pensam que se podem salvar sozinhos perderam a memória desse Pacto histórico.

in Público 25.10.2020



[1] Voz Portucalense de 07.10.2020

[2] Cf. Francisco Louça, Choque e pavor serão o futuro da política? Revista Expresso de 17.10.2020

[3] Ex 22, 20-26

[4] Cf. Fratelli Tutti, nº 129-135 e 217

[5] Cf. Charles Mœller, Literatura do século XX e cristianismo, Vol. III, Esperança dos Homens, Flamboyant, São Paulo, 1959, pp. 346-347

 

 

 

Premium Fratelli tutti (3). Uma política sã

Anselmo Borges

1 É evidente que é necessário defender o princípio essencial da liberdade, mas é igualmente necessário defender os outros dois princípios, o da igualdade e o da fraternidade. É a tríade que tem de estar sempre vinculada: liberdade, igualdade, fraternidade.

Se toda a pessoa tem dignidade inviolável e, portanto, o direito de viver com dignidade e desenvolver-se e realizar-se integralmente, impõe-se que o Estado não seja apenas o garante da liberdade, nomeadamente da liberdade de empresa e de mercado. Quem nasceu em boas condições económicas, quem recebeu uma boa educação, quem é bem alimentado, quem possui por natureza grandes capacidades... esses "seguramente não precisarão de um Estado activo, e apenas pedirão liberdade. Mas, obviamente, não se aplica a mesma regra a uma pessoa com deficiência, a alguém que nasceu num lar extremamente pobre, a alguém que cresceu com uma educação de baixa qualidade e com reduzidas possibilidades para cuidar adequadamente das suas enfermidades. Se a sociedade se reger primariamente pelos critérios da liberdade de mercado e da eficiência, não há lugar para essas pessoas, e a fraternidade não passará de uma palavra romântica".

2. Aí está, portanto, a necessidade de uma política sã e melhor. Quando hoje muitos têm uma má ideia da politica, e isso também por causa da corrupção, das mentiras, da ineficiência de muitos políticos, Francisco pergunta: “Mas poderá o mundo funcionar sem política?”, para insistir que não é possível “encontrar um caminho eficaz para a fraternidade universal e a paz social sem uma boa política”, e uma política transnacional, verdadeiramente global, para defesa do bem comum, salvaguarda da paz, preservação da natureza. Aliás, “hoje nenhum Estado nacional isolado é capaz de garantir o bem comum da própria população.” Exige-se pensar numa possível forma de autoridade mundial regulada pelo direito, que “deveria prever pelo menos a criação de organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial, a erradicação da fome e da miséria e a justa defesa dos direitos humanos fundamentais”. Neste sentido, “é necessária uma reforma quer das Nações Unidas quer da arquitectura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações.”

3. Neste quadro, Francisco apela ao exercício da grande  caridade, “a caridade política”, que  gera processos sociais de fraternidade e justiça para todos: “Convido uma vez mais a revalorizar a política, que é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum.” O amor não se exprime só nas relações íntimas e de proximidade, “também nas macrorrelações como relacionamentos sociais, económicos e políticos”. O amor implica a amabilidade no trato, que leva alguém a dizer uma palavra de ânimo e também palavras como “com licença”, “desculpe”, “obrigado”; o amor está vivo na proximidade de “alguém que ajuda um idoso a atravessar um rio, e isto é caridade primorosa; mas o politico constrói-lhe uma ponte, e isto é também caridade. É caridade se alguém ajuda outra pessoa fornecendo-lhe comida, mas o político cria-lhe um emprego, exercendo uma forma sublime de caridade que enobrece a sua acção política.” 

Para honrarem actividade tão nobre, os políticos não podem pensar só nas sondagens e numa mera busca de poder. Precisam de amor, coragem, lucidez, a favor de uma política da “globalização dos direitos humanos mais essenciais”, para uma humanidade justa, livre, num mundo onde todos possam viver em paz e realizar adequadamente a sua dignidade. Para isso, ajudará também que façam a si mesmos “estas perguntas, talvez dolorosas: Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Quanta paz social semeei? Que produzi no lugar que me foi confiado?”

4. Na impossibilidade de apresentar todos os domínios sobre os quais deve incidir esta actividade da “amizade social” universal, indico sumariamente alguns.

4. 1. Francisco não se cansa de insistir na necessidade primeira de “assinar um pacto educativo global para fazer frente à virulenta pandemia do descarte”.

4. 2. Não se assegura a dignidade das pessoas através de subsídios. “Ajudar os pobres com dinheiro deve ser sempre uma solução provisória para resolver uma urgência. O grande objectivo deveria ser sempre permitir-lhes uma vida digna através do trabalho”. Porque “não existe pior pobreza do que a que priva do trabalho e da dignidade do trabalho”. O verdadeiro caminho para a paz: terra, tecto e trabalho para todos.

4. 3. Contra a lógica da guerra, impõe-se um “diálogo perseverante e corajoso”. “É muito difícil hoje defender  critérios racionais, amadurecidos noutros tempos, para falar de uma possível ‘guerra justa’”. Com Paulo VI na ONU Francisco clama: “Nunca mais a guerra!”. E pede que com o dinheiro gasto em armas se crie um Fundo Mundial contra a fome, que é uma tragédia e uma vergonha. A pena de morte deve ser abolida em todo o mundo.

4. 4. “O ideal seria evitar as migrações inúteis e, para isso, seria necessário criar nos países de origem a possibilidade efectiva de viver e realizar-se na dignidade.” Quando isso não é possível, é necessário avançar com os quatro verbos: “acolher, proteger, promover e integrar”.

4. 5. É essencial o conceito de ecologia integral, para entender a conexão desta encíclica com a Laudato Sí. (Continua).

Padre e Professor de Filosofia

in DN 24.10.2020

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/17-out-2020/fratelli-tutti-2-uma-outra-economia-12926786.html

As declarações do Papa mudam a posição da Igreja sobre a homossexualidade?

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

 

SIM 1. Dá que pensar: Francisco publicou uma encíclica histórica, “Fratelli Tutti” (todos irmãos), com orientações proféticas para o futuro de uma Humanidade ameaçada e desorientada, e ela passou quase despercebida; veio agora declarar que os casais homossexuais têm direito a uma cobertura legal, e isso é uma das maiores notícias. Entre outras coisas, isto revela bem a obsessão sexual com que a Igreja tem vivido e, por isso, a necessidade de pôr fim a essa obsessão, para deixar de ser notícia fundamentalmente por causa do sexo: o celibato (quando acaba essa lei que não vem de Jesus?), a misoginia (como se pode continuar a negar a igualdade de direitos às mulheres?), divorciados recasados (felizmente, Francisco abriu já a porta à possibilidade da comunhão), pedofilia (como foi possível tolerar essa infâmia?). É claro que não vale tudo, mas, com o fim desta obsessão, a Igreja ficará liberta para o anúncio e prática do essencial: o Evangelho, a maior mensagem de felicidade, libertação e dignificação.

 

2. Para mim, não foi notícia inesperada esta defesa de proteção legal da união civil de pessoas do mesmo sexo. Francisco quer uma Igreja de inclusão, que não discrimina, mas acolhe e alivia no sofrimento. Aliás, trata-se de união civil, não do sacramento católico do matrimónio. E penso que Francisco não é, em princípio, favorável à adoção por casais homossexuais, muito menos, a ter filhos através de barrigas de aluguer.

 

3. Não fiquei surpreendido, mas reconheço que foi uma notícia que trouxe grande alegria e felicidade a muitos com essa tendência, porque se sentiam excluídos, sem lugar na Igreja. Também são filhos de Deus e muitos pais vão sentir-se mais confortados.

 

Trata-se de um passo gigantesco, quando se pensa na doutrina oficial da Igreja, expressa no Catecismo e no Direito Canónico e no que disseram Papas anteriores, excluindo explicitamente a legalização das uniões homossexuais. É claro que as declarações de Francisco mudam e ajudarão a mudar a posição da Igreja em relação a este tema, nomeadamente quando se pensa em Conferências Episcopais que pretendem a cura homossexual com pseudoterapias ou em bispos, como na Polónia, duríssimos contra os homossexuais ou, pior, no Uganda, onde bispos estão ao lado de leis que penalizam a homossexualidade...

Julgo que, com os bispos alemães, se deveria pensar numa bênção da Igreja para estas uniões civis.

 

José Maria Brito

Padre jesuíta

 

NÃO Vendo as reações ao que o Papa disse sobre as uniões civis homossexuais, recordava o paradoxo do elixir da eterna juventude cantado por Sérgio Godinho: “Esse que quer que tudo mude para que tudo fique igual.”

 

Pensava ainda que talvez se passe algo inverso com o elixir da tradição cristã, que entende que nada deve mudar para que nem tudo fique igual.

 

O que é que não muda? Não muda o pensamento do Papa Francisco, nem a doutrina da Igreja. Como arcebispo de Buenos Aires, Bergoglio admitiu que fossem reguladas as “convivências civis”. Tal expressão foi usada no contexto da discussão da lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo e com o intuito de marcar uma diferença entre aquelas uniões e o casamento civil ou religioso, garantindo proteção a essas pessoas.

 

Bergoglio era claro: o casamento deveria ficar reservado para a relação entre homem e mulher. Já como Papa reafirmou o mesmo numa entrevista ao sociólogo Dominique Wolton publicada em livro (“Um Futuro de Fé”, 2018). Francisco mostra-se também contrário à adoção por parte de uniões homossexuais.

 

E o que é que não fica igual? Na entrevista a Wolton, Francisco refere-se à forma como avança a doutrina: “Na tradição dinâmica, o essencial permanece, não se altera, antes cresce. Cresce na explicitação e na compreensão.” Para o Papa esse crescimento dá-se através do diálogo. O diálogo tem passado no seu pontificado por uma intencional atitude de acolhimento que não é mera simpatia. Acolher implica expor a proposta da Igreja à realidade, deixando-se interpelar por ela, promovendo em cada situação o bem possível. Não é um exercício teórico, é uma prática, um modo de proceder que o Papa encarna nos seus gestos.

 

No documentário “Francesco” em que surgem as declarações de Francisco, é dada a conhecer a história de Andrea Rubera que com o parceiro adotou três crianças.

 

Numa carta entregue ao Papa, Andrea expôs o desejo de educar as crianças como católicas na paróquia e o seu receio de não serem acolhidos. Francisco telefonou-lhe comovido pedindo que levassem as crianças à paróquia. Segundo a experiência de Rubera, não mudando a doutrina, o Papa convida a uma mudança de olhar sobre os homossexuais, não os metendo numa categoria. O Papa expõe assim a proposta da Igreja à realidade das pessoas, permitindo que a doutrina toque essa realidade e seja tocada por ela. É neste diálogo que a doutrina cresce e nem tudo fica igual.

É um passo gigantesco, quando se pensa na doutrina da Igreja e no que disseram Papas anteriores

Não muda o pensamento do Papa Francisco nem a doutrina da Igreja

in Expresso, 24.10.2020 pg2

pdf.leitor.expresso.pt/html5/reader/production/default.aspx?pubname=&pubid=225434b9-290e-4627-9341-cffb4d1fc475

 

 

QUE COISA
SÃO AS NUVENS

JOSÉ
TOLENTINO
MENDONÇA

O LIVRO COMO PATRIMÓNIO

QUEM INVENTOU O LIVRO INVENTOU UMA CERTA FORMA DE PRODUZIR HISTÓRIA E TAMBÉM A FIGURA DE LEITOR QUE AINDA SOMOS

Estamos, diz-se, a chegar ao fim da era do livro. E não porque os livros deixaram ou deixarão de existir de uma hora para outra, no período histórico das nossas vidas: esperamos que eles se continuem a escrever e a ler, a publicar, a apoiar e a conservar por longo tempo. O que acontece, porém, é que, quer como artefactos, quer como transmissores de uma determinada conceptualização moral da vida, os livros deixaram de representar, como defendia George Steiner já nos anos 60 do século passado, o principal foco de energia da nossa civilização. Nessa função, o livro foi substituído pelo ecrã. Efetivamente, cada um de nós passa hoje mais tempo diante de um ecrã que diante de um livro. E são múltiplos os ecrãs que massivamente se disseminam nos nossos quotidianos e os moldam, veiculando assim o impacto da revolução digital na nossa época e a interferência, sempre maior, da tecnologia na comunicação humana. Ora, esse foi o lugar que, por séculos, esteve reservado à página e ao texto, manuscrito ou impresso. Na autorrepresentação que o mundo contemporâneo faz de si, o livro, por exemplo, já não é a grande metáfora, como era no século XII, quando o teólogo e místico Hugo de São Vítor defendia que toda a criatura deste mundo é como um livro; ou como era ainda no final do século XIX, quando Mallarmé imaginava o livro como uma estrutura omnicompreensiva, uma espécie de coágulo total das escrituras decifráveis e indecifráveis do homem e do universo.

Uma bicicleta acaba por ter duas rodas e um eixo. Do mesmo modo, por mais variações que se introduzam, o que teremos entre as mãos continuará a ser um livro

É verdade que há quem diga que mais do que falar em crepúsculo, deveríamos falar de transformação, pois o que está em ato é simplesmente uma alteração do suporte em que o livro é transmitido e não do livro propriamente dito. A forma atual do livro em papel é uma etapa de uma história mais longa que começou pelos textos gravados em pedras, em tábuas de argila e em rótulos, história que continuará o seu caminho. Nesse sentido, Umberto Eco mostrava-se confiante dizendo que o livro integrava aquela tecnologia irremovível representada pela roda, pela faca, pela colher, pelo martelo, pela panela ou pela bicicleta. Por mais que os designers invistam em transformar este ou aquele particular será sempre possível reconhecer o que é uma faca ou o que é uma colher. Uma bicicleta acaba por ter duas rodas e um eixo. Do mesmo modo, por mais variações que se introduzam, o que teremos entre as mãos continuará a ser um livro.

Não podemos esquecer, porém, que a civilização que inventou o livro tal como até aqui o conhecemos, inventou também as condições requeridas para a sua leitura e que essas nos modelaram antropologicamente durante séculos e constituem um património cultural que precisamos de preservar. Pois quem inventou o livro inventou o silêncio da leitura; inventou essa forma íntima de temporalidade que torna o encontro com o livro indissociável do encontro connosco próprios; inventou a atenção e a curiosidade; inventou um regime social onde a atividade intelectual era admitida; inventou o direito universal à alfabetização; inventou o indivíduo e a vida privada; inventou a confiança na consistência da linguagem e as bibliotecas; inventou os sistemas críticos e hermenêuticos que garantem não só a legibilidade dos livros, mas a compreensão do mundo; inventou o humanismo e a liberdade de expressão, que é sempre inseparável da liberdade de ser. O livro acompanhou o nascimento e expansão das línguas modernas do Ocidente, e assistiu ao desenvolvimento das suas possibilidades expressivas. Quem inventou o livro inventou uma certa forma de produzir história e também a figura de leitor que ainda somos. Temo-nos de perguntar o que podemos fazer para valorizar este extraordinário património.

in semanário Expresso, 24.10.2020 Pg 170

https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2504/html/revista-e/que-coisa-sao-as-nuvens/o-livro-como-patrimonio

 

 

À PROCURA DA PALAVRA

Pe. Vítor Gonçalves

DOMINGO XXX COMUM

“Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração…

Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”

Mt 22, 37.39

 

O amor é um projecto

 

Há um diálogo no musical “Um violino no telhado”, entre um casal judeu a propósito das suas filhas porem em causa a tradição dos casamentos, que os leva a descobrir, passados 25 anos, que se amam. Nunca é tarde para descobrir que os gestos simples de cada dia, a fidelidade nos bons e nos maus momentos, são o amor em acto; que podíamos dizer mais frequentemente, mas o importante viver constantemente. De facto, o amor como palavra e como ideia pode ser bonita, contudo, ele só existe como verbo, feito dádiva e entrega, corpo e alma que sai de quem ama para quem é amado. Como dizia Pedro Casaldáliga, o bispo brasileiro recentemente falecido: “No final do caminho perguntar-me-ão: “Viveste?”, “Amaste?”… E eu, sem dizer nada, abrirei o coração cheio de nomes…”.

Não encontraremos no mais fundo de cada pessoa infeliz a falta de sentir-se amado e de amar? E se a primeira experiência nos unifica e fortalece, ela não depende substancialmente de nós. É dom daqueles que nos rodeiam, do nascer ao morrer, de muitas circunstâncias que não dominamos. Mas quanto a amar, essa é uma escolha que depende de cada um, por vezes natural como respirar, ou encantarmo-nos com a beleza que nos rodeia, mas por vezes a exigir escolhas difíceis e comprometedoras. Pode educar-se para amar? Sim, e não será esse o maior objectivo da educação? E quem não é amado não é capaz de amar? Não; porque o amor é semeado no íntimo de todos. É mesmo o maior dom que é oferecido a todos, capaz de se multiplicar sempre que o damos a outros.

Jesus ao unir o amor a Deus ao amor ao próximo, sintetizando a extensa lista de mandamentos e preceitos judaicos, ainda hoje nos interpela. Amar o próximo que vemos é o modo de amar Deus que não vemos. É aprender com o próprio Jesus que deu cada instante da sua vida ao Pai e aos irmãos, até no-la dar totalmente na cruz. Como Ele não podemos ficar numa atitude de indiferença, despreocupação ou esquecimento dos outros. Diante de qualquer pessoa a atitude fundamental é amá-la. O amor do próximo é um apelo, uma necessidade, uma urgência. Sem perder tempo em estabelecer uma “lista de próximos”, como nos desafia o “bom samaritano”; antes, criando disponibilidade para “os mais pequeninos” com quem Jesus se identifica.

Mais do que um “slogan”, o amor é um projecto. É o maior projecto de Deus, que é a fonte do Amor. Aprovado na generalidade e na especialidade, com todos os meios para se erguer em cada dia e em cada situação. Basta que nos demos a ele. E recordo outra imagem cinéfila: o discurso de Charlie Chaplin no final do filme “O Grande Ditador”. Sem nunca falar de amor, concretiza-o repetidamente: “Todos nos queremos ajudar uns aos outros. O ser humano é assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo — não para seu sofrimento.[…] Mais do que de inteligência, precisamos de gentileza e bondade.[…]Você tem o amor da humanidade no coração.”

in Voz da Verdade, 25.10.2020

http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=9285&cont_=ver2

 

Grupos de estudo da Encíclica Fratelli Tutti

 

Uma comunidade feita de pequenas comunidades

O tempo que vivemos foi propício ao afastamento e isolamento das pessoas que, em virtude do confinamento, se recolheram nas suas casas e famílias, defendendo-se e protegendo-se de um vírus que viria a impor uma mudança tão radical nas nossas vidas.

Esta situação inesperada teve um impacto directo nas comunidades, nomeadamente na nossa, com consequências ao nível do crescimento da solidão, dispersão e aparecimento de muitas mais fragilidades…

O surgimento da Encíclica Fratelli Tutti veio no momento certo: início do ano pastoral, apresentando-se assim como proposta de trabalho, ótimo programa, não só pelo conteúdo em si, a fraternidade, mas também porque poderá ser um potencial projeto de crescimento pessoal/ comunitário.

Nesta conjuntura, e na tentativa de nos adaptarmos aos tempos que vivemos, procurando ultrapassar a dificuldade de nos juntarmos em grande grupo, e tendo em mão uma nova Encíclica, surgiu a ideia de nos organizarmos de uma outra forma, para refletir sobre este documento que tão oportunamente nos é oferecido.

Uma vida mais fraterna para todos é a proposta do Papa Francisco. Uma tarefa tão importante requer da nossa parte um tempo de leitura e de maturação diferentes.

Numa tentativa de fazermos o caminho certo, podemos adotar um modelo de trabalho mais adequado, o de Círculos de Estudo, baseado na formação de pequenos grupos que se organizam com o propósito de reflexão conjunta, mais ativa.

Sabendo da importância desta carta, para uma reavaliação do modo como temos vivido, os Círculos de Estudo são uma metodologia de funcionamento que pode permitir uma melhor apropriação do seu conteúdo, através de uma reflexão mais aprofundada, no sentido de um processo de mudança interior. Acresce dizer que este modelo possibilita em simultâneo o desenvolvimento pessoal e o envolvimento de toda a comunidade, não deixando ninguém de fora, e ajudando ao seu crescimento.

Nos tempos atuais, este modo de organização pode ter uma importância acrescida porque promove a aproximação das pessoas que se encontram mais isoladas, ajudando a criar um sentido de pertença…

Não será esse um dos objetivos da Encíclica? Apresentar novos caminhos, mais voltados para os outros e mais inclusivos, começando pelos que nos são mais próximos, porque não tentar?

Para facilitar a organização dos grupos apresentam-se algumas sugestões:

Os grupos podem ter entre 4 a 8 participantes. A sua formação pode ser feita pelos próprios elementos, de forma espontânea. No caso de haver dificuldade de encontro, pede-se o envio do nome, assim como respetivo contacto, para o email da Capela (capeladorato@gmail.com), para que se possa apoiar na formação dos grupos. Importante mesmo é que ninguém fique de fora…

Finalmente, pede-se a informação da existência do grupo, para contacto futuro.

Inscreva-se aqui para receber as notícias da Capela do Rato no seu email. | Consulte aqui a nossa Política de Proteção de Dados.

Inscrições para as Eucaristias da Solenidade de

Todos os Santos

 Para permitir uma maior participação de fiéis, passam a ser celebradas, na Capela do Rato, duas eucaristias na manhã de domingo. 

A primeira eucaristia é celebrada às 11h; a segunda às 12.30h. 

Para melhor controle do número de presenças, pede-se que se faça uma inscrição prévia no formulário disponível aqui, para as celebrações na Capela do Rato (11h00 e 12h30) no próximo dia 1 de novembro.


www.capeladorato.org/2020/10/25/inscricoes-para-as-eucaristias-da-solenidade-de-todos-os-santos/?utm_term=Inscricoes+para+as+Eucaristias+da+Solenidade+de+Todos+os+Santos&utm_campaign=Capela+do+Rato&utm_source=e-goi&utm_medium=email&eg_sub=5f23d43415&eg_cam=3176fac683a26c2e56ef3b9ad320caf7&eg_list=4

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