27 março 2013

Celebrando o dia da Anunciação de Nossa Senhora


        Palavras de abertura na sessão de Poesia

Na minha qualidade de membro do Movimento Internacional Nós Somos Igreja, cabe-me agradecer muitíssimo ao Pe Tolentino de Mendonça, cuidador e animador deste espaço mítico conhecido como a Capela do Rato. Espaço aberto às muitas moradas que tem a Igreja e que o Pe Tolentino respeita e acolhe, estando sempre atento aos sinais dos tempos. Assim aceitou com entusiasmo a ideia que lhe foi proposta pela Leonor Xavier – ou seja organizar uma sessão de poesia em que evocamos e celebramos as mulheres como Povo de Deus - a sua criatividade, a sua liberdade, a sua capacidade. Também eu agradeço a todas as que aceitaram participar, crentes e não crentes, disponibilizando o seu tempo e o seu talento para nosso deleite, assim como a presença de quem veio para ouvir e desfrutar.
O Movimento Nós Somos Igreja escolheu o dia 25 de Março, quando se comemora a Anunciação a Nossa Senhora, como Dia Internacional de Oração pela Ordenação das Mulheres. Como sabemos, a reflexão de muitas teólogas e teólogos, indicam que o impedimento de admitir as mulheres ao sacramento da Ordem baseia-se na sociologia e na tradição. Aliás, todos os inquéritos de opinião feitos a católicos praticantes, em Portugal, ou noutros países, dão respostas largamente favoráveis a tal acolhimento das mulheres para o serviço – palavra que em boa hora tem sido repetidamente utilizada e interpretada pelo Papa Francisco. O poder é, evidentemente, serviço, repete o Papa. Fique bem claro que quando falamos da ordenação das mulheres pensamos que, antes, é essencial proceder a uma reforma profunda do próprio sacerdócio. É uma questão presente nas preocupações de incontáveis católicas e católicos e, embora, ainda ontem, o Pe Tolentino, numa entrevista ao jornal Público, tenha afirmado que «a questão está fechada» acrescentou que a «Igreja é fiel ao Espírito e ao que este lhe vai dizendo e vive num processo de renovação permanente.»
Para terminar sublinho que face ao novo papa, às suas palavras e gestos, tem havido um coro de aprovação e esperança, como não se via desde João XXIII (parecendo indicar que afinal todas e todos desejamos ardentemente reformas na instituição-Igreja). E já que temos um papa Jesuíta oiçam o que a 34ª Congregação da Ordem escreveu em 1995, em Roma: «Estamos conscientes do prejuízo que tem causado no Povo de Deus a alienação da mulher, a qual, nalgumas culturas, já não se sente à vontade na Igreja e não pode, por isso, transmitir plenamente os valores católicos às suas famílias, amigos e colegas. (….) Como resposta, primeiro pedimos a Deus a graça da conversão. Temos sido parte de uma tradição civil e eclesial que ofendeu a mulher. Como muitos outros homens, temos tendência a convencer-nos que o problema não existe.”
Tenho a certeza que este Papa vai perceber que o problema existe.        
Obrigada.
        Ana Vicente
        25 de Março 2013
Dia Internacional de Oração pela Ordenação das Mulheres

24 março 2013

SEMANA DAS ALIANÇAS MALDITAS

         
          1. Páscoa ou férias da Páscoa? Para uma minoria cristã, a Semana Santa significa a celebração do processo de transformação espiritual da vida humana. Para os mais idosos, acorda recordações inesquecíveis de infância, diferentes, segundo as tradições de cada zona do país. Para os marcados pela secularização, o turismo ainda pode aconselhar a Semana Santa em Braga ou em Sevilha, mas as “fugas” dependem das modelizações da crise na vida de cada um e nas famílias. A fuga mais geral é ficar em casa.
          Na Igreja Católica, embora sabendo que uma andorinha não faz a Primavera, vive-se um momento de esperança. A facilidade e a rapidez com que simples e breves sinais preanunciaram mudanças indispensáveis, mostram até que ponto estávamos e estamos saturados de “Inverno”. Dentro e fora Igreja, a urgência de um outro rumo global só a não deseja quem cresce à custa do afundamento dos outros. A miopia financeira nunca perceberá que não é o império do Dinheiro que salvará o mundo.
          2. Os cristãos estão avisados, desde há dois mil anos: para evitar as mudanças de rumo na sociedade, no estado e na religião são possíveis as alianças mais contraditórias. S. Lucas, depois de apresentar, no seu Evangelho, o desfecho do currículo de Jesus, escreveu um segundo volume, os Actos dos Apóstolos, para que a Igreja e o mundo não esqueçam o esquema de uma história exemplar: Verdadeiramente, coligaram-se nesta cidade contra o teu santo servo Jesus, que ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com as nações pagãs e os povos de Israel (Act 4, 27).
         Pedro, ao recolocar a verdade dos factos diante do Sinédrio de Jerusalém não é um vencido, é um judeu atrevido: sabei, todos vós, assim como todo o povo de Israel, que é pelo nome de Jesus Cristo Nazareno, aquele que vós crucificastes e que Deus ressuscitou de entre os mortos, é pelo seu nome e por nenhum outro que este homem está curado diante de vós. É ele a pedra que vós, os construtores rejeitastes e que se tornou a pedra angular. Pois não há sob o céu outro nome pelo qual possamos ser salvos (Act 4, 8-12). 
          O que terá levado S. Pedro a esta afirmação aparentemente tão exclusivista? Antes de Cristo, ao lado de Cristo e depois de Cristo não aconteceu nada para a salvação do sentido da vida dos seres humanos? A verdadeira história só tem 2000 anos?
          Jesus é, de facto, uma particularidade histórica contingente, com data e lugar de nascimento e, como tal, não pode ser considerada uma realidade absoluta. O ser humano pode encontrar o caminho para Deus, sem passar por Jesus de Nazaré. Na história humana nasceram muitas religiões sem qualquer referência cristã. Deus é absoluto, mas nenhuma religião pode pretender ser absoluta. Todas têm fronteiras. Então, de onde viria o atrevimento de S. Pedro, sempre preocupado em dar razão da sua esperança?
          É importante desfazer um equívoco grave, para não se cair numa interpretação que nega o próprio sentido das narrativas e das cristologias do Novo Testamento. Supõe-se que esses textos foram escritos para afirmar privilégios e fundar um povo, uma Igreja de privilegiados: Cristo é único e é nosso; se o quiserem encontrar têm de passar por nós!
          O que é particular à pessoa de Jesus, a sua absoluta característica, não tem nada a ver com esse equívoco: Jesus, na sua prática histórica, remete para um Deus que não é propriedade privada nem Dele nem de ninguém. É o Deus do livre amor por todos os seres humanos, sem restrição. O Deus de Jesus também não pode ser privatizado nem sequer pelos cristãos. Por outro lado, Jesus, na sua prática histórica, surge polarizado por todos os seres humanos, sejam ou não povo de Israel. É a partir da periferia que caminha para o centro. Tudo e em tudo, dentro e fora das religiões, só tem sentido se fôr para o bem de toda a humanidade.
         O itinerário de Jesus, testemunhado pelas narrativas evangélicas, é o de alguém que está, continuamente, voltado para o Deus de todos. Em Jesus não há rivalidade entre a dedicação a Deus e a entrega à libertação humana. É um Deus humanado.
          3. No século XX não foi possível superar, inteiramente, um cristianismo dolorista. A alternativa seria um cristianismo burguês ou hedonista. Perante judeus e gregos, S. Paulo não se cansou de repetir: Pois não quis saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado (1Cor 2, 2). Não haverá perguntas a fazer a esta declaração? Creio que sim.
          Jesus não morreu nem de acidente, nem de doença nem de velho. Foi condenado à pena capital, à morte na cruz, que não desejava. A celebração da Semana Santa, as narrativas da Paixão tentam explicar porque é que o crime aconteceu. Se Jesus não amava o sofrimento, se detestava a cruz, porque é que Ele não fugiu, não renegou? A sua fidelidade à emancipação humana era maior que a sua dor.
          O mais importante está, todavia, no que aconteceu na própria cruz. No momento em que é excluído da vida, Ele oferece futuro aos que lhe dão a morte. Ele morre com o mundo vivo no seu coração.
          A aliança de Jesus é com todos os que são contra a morte.
          Frei Bento Domingues, o. p.
          in Público 24.03.2013

OS 30 PEDIDOS QUE SÃO FRANCISCO FAZ AO NOVO PAPA FRANCISCO

1. Não deixe que as pessoas ou a mídia façam culto à sua personalidade;
2. Coloque o dinheiro do vaticano a serviço dos pobres;
3. Divulgue ao mundo o dinheiro que entra e que sai da Igreja – transparência total.
4. Resgate a dignidade das mulheres na Igreja de forma que elas também possam decidir e não só os homens.
5. Não faça pactos de privilégios com os poderes dominantes.
6. Não persiga teólogos e teólogas, como tem acontecido, mas incentive a liberdade de pensamento.
7. Peça perdão a Deus e à toda comunidade eclesial  pelas omissões que a  Igreja Argentina cometeu no tempo da ditadura;
8. Defenda  as pessoas perseguidas pelas ditaduras.
9. Peça perdão às pessoas homossexuais, caso as tenha ofendido.
10. Readmita padres casados nos seus ministérios.
11. Não tolere nem encubra casos de pedofilia e assédio sexual.
12. Abra as portas aos casais de segundo matrimônio.
13. Apoie moralmente e financeiramente os filhos e esposas (não reconhecidos),  de padres e bispos ativos no ministério.  
14. Não seja apenas pobre, mas faça radical opção prefencial pelos pobres, lembrando que 50 mil pessoas morrem diariamente, de fome e miséria.
15. Acabe com a disputa de poder na Cúria Romana – que seja um lugar que acolha, articule e responda os gritos da humanidade atual.
16. Não condene ou tenha preconceito com a religiosidade popular.
17. Escute mais e faça menos discursos
18. Não permaneça em palácios – vá aos presídios, países pobres, populações em situação de guerra, massas refugiadas – é lá que o Mestre está.
19. Não confie em grupos espiritualistas que lhe prometem muito dinheiro e representam elites.
20. Não exerça poder judicial sobre todas as igreja – lembre-se que de tua missão como pastor e servidor.
21. Trabalhe por uma Igreja mais participativa (colegialidade) – a atual está vertical e centralizada no poder
22. Não mantenha os leigos e leigas na condição de inferioridade na Igreja – não proíba de criar Conferências Nacionais de Leigos em seus países, como tem acontecido.
23. Reabra o debate sobre moral sexual na Igreja – o que vemos são, de um lado, escândalos sexuais e, de outro, discursos conservadores e moralistas.
24. Retire esta norma do celibato obrigatório, que está provocando tantos desvios na Igreja
25. Não se coloque como representante de uma  religião que se sinta superior às outras– isso prejudica o diálogo fraterno entre os diferentes.
26. Supere esta crise de identidade que faz com que a Igreja se pregue a si mesma – a identidade vem pelo testemunho e coerência de vida.
27. Produza menos documentos e use mais o estilo do Evangelho: simples, direto, desafiador, iluminador...
28. Não nomeie bispos e cardeais sem consulta ampla na Igreja local – essa prática secreta tem atentado contra igrejas locais vivas, contra caminhadas e histórias exemplares.
29. Faça mudança nas liturgias – elas estão se tornando ritos vazios, sacerdotais e pouco participativos e sem relação com os problemas da vida – o Mistério Pascal não mercê isso.
30. Não oculte a história da Igreja América Latina, seus profetas e mártires pela causa da libertação,  – foi um sinal do Reino de Deus entre nós.

(contribuição dos brasileiros e brasileiras) - 15.03.2013 
Texto enviado do Brasil por Roberval Freire

23 março 2013

How long will the honeymoon over Pope Francis last?

Since the moment of his election March 13, Pope Francis has been warmly embraced by his own flock and even the media and the wider public in a way his bookish predecessor, Benedict XVI, was not.
Polls show that anywhere from 73 percent to 88 percent of American Catholics say they are happy with the selection of Francis, as opposed to about 60 percent who were happy with the choice of Benedict -- and many of those are extremely pleased with the new pope.
Such an effusive welcome is especially good news for Catholic leaders who spent years fending off criticism of Vatican dysfunction under Benedict and a cloud of scandal and crisis at home. And the hot start for Francis is also crucial in building up a reservoir of good will that will be needed when the new pope refuses to bend on unpopular teachings or commits a gaffe of his own.
Yet even as the former Cardinal Jorge Bergoglio basks in this broad approval as Pope Francis, some constituencies in the Catholic church are cautious or even angry at his election, and their concern has only grown in the early days of his pontificate.
'Something is profoundly wrong'
Chief among the critics are the liturgical traditionalists who reveled in Benedict's exaltation of old-fashioned ways, and are now watching in horror as Francis rejects the extravagant vestments and high-church rituals that were in en vogue for the past eight years.
"Of all the unthinkable candidates, Jorge Mario Bergoglio is perhaps the worst," an Argentine Catholic wrote in a post at Rorate Caeli, a blog for aficionados of the old Latin Mass rites. "It really cannot be what Benedict wanted for the Church."
"Something is profoundly wrong when the winds of change can blow so swiftly through an immutable institution of God's own making," agreed Patrick Archbold at Creative Minority Report, another conservative site.
Given that traditionalists are some of the most devoted and vocal Catholics in the church and that they retain both contacts and influence in the upper ranks of the hierarchy, their pessimism could spell trouble for Francis.
'A Pope Francis problem'
The same could be said of politically conservative Catholics, especially those from the U.S. who have enjoyed access and approval in Rome for decades under both Benedict and the late John Paul II.
Their concerns, while expressed in more muted tones, are tied to a number of markers: Francis is a Jesuit, for one thing, and even though he is considered a relatively conservative member of the Society of Jesus, the Jesuits are considered notorious by the Catholic right.
Their list of alleged faults is long -- they advocate engagement with the world, they have shown a willingness to criticize the hierarchy, and they have embraced a radical commitment to the poor. That last one is a priority for Francis as he sharply critiqued unfettered capitalism and austerity politics, even taking on the name of St. Francis of Assisi, the patron saint of the poor.
Indeed, the new pope "would likely be considered too liberal for a prime time speaking slot at the 2016 (Democratic) convention," Charles Camosy, a theologian at Fordham University in New York, wrote in a Washington Post column titled, "Republicans have a Pope Francis problem."
St. Francis is also an icon of environmentalism, which the new pope has similarly embraced. That discomfits some conservatives, as does praise for Francis from liberation theologians like Leonardo Boff and Jon Sobrino. Rumors are already afoot that Francis might beatify slain Salvadoran Archbishop Oscar Romero, who was killed by a right-wing death squad for speaking out against injustice.
Not only that, but Francis allowed Vice President Joe Biden and former House Speaker Nancy Pelosi, both Democrats who support abortion rights, to receive Communion at his installation Mass.
While Francis is as orthodox as Benedict on the church's doctrines of sexual ethics, he has shown what is to some a disconcerting willingness to seek pragmatic solutions to difficult issues, such as when he supported civil unions for gay couples in Argentina in an unsuccessful bid to thwart a gay marriage law.
Skepticism on the left
On the other side of the spectrum, however, some left-wing Catholics are leery of Francis or openly criticize him for what they see as his antagonism to gay rights. They also question his track record on sex abuse by clergy and his disputed role during Argentina's "Dirty War" in the 1970s, when some say he was not sufficiently vocal in speaking out against the military junta.
"The election of a doctrinally conservative pope, even one with the winning simplicity of his namesake, is especially dangerous in today's media-saturated world where image too often trumps substance," the feminist theologian Mary Hunt wrote at Religion Dispatches.
"A kinder, gentler pope who puts the weight of the Roman Catholic hierarchical church behind efforts to prevent divorce, abortion, contraception, same-sex marriage -- as Mr. Bergoglio did in his country -- is ... scary," Hunt said.
By contrast, mainstream Catholics, and Catholic Democrats in particular, have welcomed Francis' election not only because of his appealing common touch but also because his statements on behalf of the poor may hold out a chance for leveling the playing field in the church's internal culture wars.
The new pope's words about fighting economic exploitation and "being a poor church, for the poor" are so insistent that they could put the church's social justice teachings back on par with its doctrines on abortion and sexual ethics, which have been so prominent for so long that some complain they outweigh any other tenets.
Still, even Catholic progressives could wind up disappointed as Francis begins to unveil his appointments and policies, just as traditionalists and conservatives could be cheered or at least reassured that all is not lost.
As Fr. James Keenan, a Boston College theologian, says, the Jesuits have an unwritten rule that a new superior should spend the first hundred days of his office learning about the community before making any changes. That means the critics need to make their voices heard now, because the clock is ticking.

A tempestade fustiga a barca de Pedro

         
Qualquer discurso sobre o Papa pode suscitar controvérsia
   
Causa alguma impressão o alarido à volta da resignação de Bento XVI. Porque se foge à realidade das coisas e há uma concentração em «doutrinas» para justificar as atitudes, mesmo que estejamos todos a ver claramente outras razões. Para a não renúncia do Papa João Paulo II inventou-se a «teologia» do sofrimento e da cruz até ao fim, mesmo que nos fizesse impressão ver um homem em degradação num cargo de alta responsabilidade.
Muitos dos que defenderam a não resignação de João Paulo II, choraram por ele e rezaram para que se mantivesse até ao fim, agora rezam e choram porque este Papa é o mais corajoso de todos, porque vai embora com a Igreja Católica mergulhada numa crise profunda. Em que ficamos perante estas incongruências ou «hipocrisias religiosas» como muito bem denunciou Bento XVI na homilia de Quarta Feira de Cinzas depois de já ter um pé fora do Papado.
 Porque se vai embora Bento XVI? - Porque a «barca de Pedro» está a ser fustigado pelo vento do tempo e ele não tem forças nem saúde. Compreende-se. Se Bento XVI mantivesse a teologia de quando era professor de Teologia antes de ser cardeal e se seguisse o espírito reformista do Concílio Vaticano II, talvez hoje ele pudesse acabar os seus dias neste mundo com mais tranquilidade e quiçá ficar até ao fim como Papa…
A sua recusa à mudança foi tal que fez da Igreja Católica uma «fortaleza», incentivando tudo o que fosse conservador e algumas formas de igreja de cariz integrista: Movimentos Carismáticos, cada um na sua capelinha; Comunidades Neocatecumenais; Cursilos; Movimento de Focolares; Comunhão e Libertação, Opus Dei... Estes e outros foram apoiados, eram geradores de «santos» contra qualquer manifestação reformista que intentasse alguma investida contra a «fortaleza» Igreja Católica. Por isso, foram esquecidos os movimentos - e perseguidos nalguns casos - das Comunidades Eclesiais de Base; os da Ação Católica; as congregações religiosas femininas que pensavam à luz do Vaticano II e empenhadas em levar adiante a sua opção preferencial pelos mais pobres.
 Tudo o que cheirasse a alguma reforma devia ser banido, condenado, porque fazia soprar a vela da «Barca de Pedro» e isso era inconcebível. A multidão de teólogos e teólogas silenciados/condenadas é bem revelador.
O Papa Bento XVI detestava os «tempos modernos», várias vezes se referia à «ditadura do relativismo» para ser combatido como inimigo da Igreja ao invés de tomar isso como um «sinal dos tempos» para ser rezado e interpretado à luz do Vaticano II. Tudo o que estivesse fora do seu programa restaurador recebia o rótulo de relativismo e era imediatamente condenado. A Teologia da Libertação, «coisa» de comunistas e marxistas para combater. Mas, salta dúvidas quanto a este aspeto, é a teologia da «opção preferencial pelos pobres», que mais mártires fez no século passado. Não interessa reparar nisso. Estes que derramaram o seu sangue na luta a favor dos marginalizados contra os poderosos deste mundo não o fizeram a sério? - Sejamos sérios na análise.
A par desta teologia emergiram outras para serem condenadas e combatidas só porque sim. A Teologia do Pluralismo religioso, a Teologia Feminista, a Teologia Moral renovada segundo o pensamento do padre Bernard Häring, a Teologia do Concílio Vaticano II, as várias congregações religiosas sobretudo femininas defensoras do sacramento da Ordem para a mulher (não é estranho existirem sete sacramentos e a mulher só pode receber 6, será esta a vontade de Jesus?).
         E foi-se um Papa concentrado em fazer da Igreja Católica uma «fortaleza» com «armas» restauracionistas para combater os inimigos, mas esqueceu-se que poderia rebentar por dentro. Venha o tempo novo com o Espírito Santo concertar o que a humanidade por si só não pode fazer.

        
José Luís Rodrigues, Padre
in dnotícias.pt

With New Pope, Spotlight Returns to a Mild but Rebellious Priest

WITH his gentle mien and deep blue eyes, the Rev. Helmut Schüller does not seem even remotely disobedient in person. He has the calm, reliable presence of the best parish priests whether in his vestments or, as on a recent afternoon, in street clothes.
But as one of the organizers behind a group of more than 400 priests and deacons who in 2011 issued an “Appeal to Disobedience,” Father Schüller, 60, has developed a reputation as one of the leading rebels within the Austrian church. That is no small feat in this small Alpine nation, which might well be the unruliest country in the Catholic world, a laboratory of liberal ideas and reform initiatives.
Among the seven points in the appeal, the group said it would “take every opportunity to speak up publicly for the admission of women and married people to the priesthood.” The group was rebuked by Pope Benedict XVI in a sermon last year, and Father Schüller was formally stripped of the honorific “monsignor” a few months later.
But unlike many priests who have found themselves in deep disagreement with the Vatican, he prefers to continue working from within the ranks of the priesthood. Once the vicar general of the archdiocese of Vienna, Father Schüller now works as a regular parish priest in Probstdorf, about half an hour’s drive east of St. Stephen’s Cathedral in Vienna’s old town.
The Preachers’ Initiative began, Father Schüller said, with a small group of priests, talking about the problems faced by their parishes, about the lack of successors to take their places, and about the fusing of congregations in response to declining numbers of priests and parishioners.
He almost seemed weary when the subject turned to ending mandatory celibacy, as though the news media always wanted to talk about sex when less lurid topics like the liturgy, ecumenism and allowing lay people to preach in parishes without enough priests were equally pressing.
“The church is built on the congregation,” Father Schüller said. “You can’t reduce the churchgoer to a consumer, receiving a service.”
THE election of the first pope from Latin America last week was greeted with excitement, a sign of change and tangible evidence that the global church had become a reality. While Pope Francis may plan to concentrate the efforts of his papacy on the fast-growing regions and the problems that preoccupy the poorer parishioners there, he will more than likely have to deal with new challenges from the dissenters in his own backyard, like Father Schüller.
Calls for a larger role for laypeople in church decision making, women in the priesthood and an end to mandatory celibacy for priests have grown in liberal corners of Europe and the United States. Pope Francis will have to deal with the divergent demands of a world church.
“In countries with extreme hunger and violence, where children are stolen, these questions are not paramount,” said Hans Peter Hurka, chairman of the lay initiative We Are Church in Austria. “But as soon as those needs can be met these questions come very, very quickly.” But he cautioned against the attention that has focused on Father Schüller. “It’s not just about one person,” Mr. Hurka said.
Experts trace the roots of Austria’s dissent as far back as the Reformation, which swept across Austrian territories only to be brutally repressed by the Habsburgs under the Counter-Reformation, turning the country Catholic again but leaving lingering resentment and distrust of church hierarchy and diktats. “We’ll make you Catholic again,” is an old expression still occasionally used for putting someone back in line.
Helmut Schüller felt the call of the church from an early age, perhaps influenced by his birthday on Christmas Eve. Born and raised here in Vienna, he was enchanted by the otherworldly quality, the sounds of the organ and the mellifluous prayers. He became an altar boy.
Under the beloved Cardinal Franz König, many Austrians were particularly enthusiastic about the changes under the Second Vatican Council. After decades of retrenchment, it is hard to remember the burst of fresh ideas that accompanied the council, which took place from 1962 to 1965, and the years immediately following.
AMONG the students who decided to enter the priesthood during this era of intellectual ferment was Father Schüller. The church was an intellectually stimulating place at the time, with debates not just on theological matters but about the future of the church and the questions of social justice raised by the movement known as liberation theology.
He was ordained in 1977, still expecting the reforms and modernizations in the church to continue. The following year the church would have three popes, following the back-to-back deaths of Pope Paul VI and Pope John Paul I, who was succeeded by Poland’s Cardinal Karol Wojtyla, who took the name John Paul II. “At the beginning I was fascinated,” Father Schüller said of John Paul II. “The great subject of Eastern Europe was the focal point.”
In addition to the new emphasis on the states behind the Iron Curtain, other shifts became apparent. There was a backlash against liberation theology and a move away from the spirit of reform embodied by the Second Vatican Council. The expectations of a modernized church were met instead by a traditionalist countermovement. The Vatican sent extremely conservative bishops to Austria, including Cardinal Hans Hermann Groër as the replacement for Cardinal König, creating significant discord.
Father Schüller occupied himself during these years working with youth and with the Catholic charity Caritas, where he happily spent roughly a decade, becoming the country director in 1991.
Even his role at the charity was not without controversy. He was outspoken in his support of migrants and asylum seekers and for his trouble was one of a group of prominent Austrians who received letter bombs in the mail.
THE spark that turned discontent into organized opposition came in 1995, when Cardinal Groër was accused of sexually abusing seminarians. Cardinal Groër never admitted guilt or faced charges, but thousands of Austrians left the church as a result of the affair. The abuse accusations against Cardinal Groër also led to the founding of We Are Church, which collected more than half a million signatures in a petition for a referendum on change in the church.
“Since 1995 the church in Austria has never quite found peace again,” said Heiner Boberski, a religion correspondent for the newspaper Wiener Zeitung and author of books about the Vatican.
In this moment of upheaval, Christoph Schönborn succeeded the disgraced Cardinal Groër as archbishop of Vienna. He asked Father Schüller to take over as his vicar general, a kind of chief operating officer for the diocese. Father Schüller had developed a reputation as a strong manager at the head of the charity and would have preferred to stay there for his entire career, but answered the call when it came.
The following year, in 1996, Father Schüller became the head of a new group handling allegations of abuse. He described the process of learning more about child abuse as significant for his overall understanding of the church, almost an awakening. His confrontation with sexual abuse also began to crystallize certain ideas about the centralized power of the church that had never found an outlet before.
“It’s not just sexual abuse, but a systematic abuse of power,” Father Schüller said. “It threw a harsh light on the system.”
Cardinal Schönborn abruptly fired Father Schüller as vicar general in 1999. The day-to-day problems of his parish church increasingly shaped Father Schüller’s thinking. In April 2006 he co-founded the Preachers’ Initiative, calling for church reforms.
The New York Times

22 março 2013

A Igreja não nos separa

Há uns tempos conheci na Galiza um pequeno movimento fronteiriço com o slogan: “o Miño no nos separa”. A referência é ao rio e, ali perto, faz parte da realidade envolvente uma “Ponte da Amizade” que liga as duas margens. Trata-se de uma vivência concreta que ao mesmo tempo pode servir de metáfora. Diz S. Paulo: “Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem coisas presentes, nem futuras, nem potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.” (Rom 8,38-39). Se criaturas tão importantes e assustadoras não o poderão fazer, ninguém o fará. Nem a Igreja, claro, só faltava. Não me refiro à Cúria romana, que essa tem-se comportado frequentemente como um campo de embondeiros (segundo a imagem do Principezinho). Refiro-me ao que é mesmo Igreja, e essa de modo algum poderá alguma vez separar-nos. Não pode porque isso seria a negação da sua natureza e ainda mais de uma realidade que é determinante em Jesus: a inclusão. O que poderá então separar-nos? Provavelmente os nossos diferentes entendimentos de ser Igreja. Provavelmente as opiniões diferentes ou divergentes sobre aspectos da estrutura eclesiástica, mais que eclesial, de costumes mais que de tradições, de leis mais que da fé. Se é assim nem chegamos a estar separados, uns e outros somos a Igreja ao largo dos vários continentes. Nós também. Não sei se alguém tem coragem de dizer que há gente na Igreja que não é Igreja. Penso que não, pois a diversidade das vivências da fé é da matriz do cristianismo, e quando alguém ousou empurrar outros para fora por se considerar a si mesmo detentor da verdade suprema foi esse alguém que ficou de fora. É claro que nem todos somos ouvidos, ou ouvidos com a mesma atenção, e devíamos ser. É claro que há cúpulas muito poderosas como em todas as comunidades humanas e não devia haver. É claro que há a tal Cúria romana com o seu funcionamento de máquina ronceira e viciada. Mas essas instâncias deverão saber a importância que têm na Igreja e nós a importância que lhes deve ser dada. Não é a Igreja que nos separa, não são as diferentes formas de ser Igreja que nos separam. Poderá ser o embate das razões, causas, interesses e opções que envolvem as nossas vidas e têm mais ou menos importância conforme são mais próximas ou mais distantes. Há um ditado, provavelmente das arábias, que diz: os cães ladram, mas a caravana passa. Mas se a caravana decide andar para trás e para a frente para manter os cães a ladrar, ao fim de uns tempos os pobrezinhos ficam exaustos. É preferível não nos cansarmos demasiado com certas coisas, porque elas irão mudar sem dúvida alguma. Parece mais razoável cada grupo, comunidade ou outra estrutura qualquer ir vivendo a mensagem de Jesus como deseja e é capaz. Se alguém se opuser a isso, nesse momento poderemos “dar razões da nossa esperança” e afirmar que nada, nem ninguém, nos pode separar do amor de Cristo, de Deus. Se “o Miño no nos separa”, como deixar que o faça uma coisa tão sem graça? Deus é grande e o seu amor não tem limites. No amor de Deus “que está em Cristo Jesus, nosso Senhor”, não há papão que nos faça tremer de medo nem diabo que nos leve ao pináculo do Templo.
Frei Matias, O.P.
         Março 2013

19 março 2013

É cedo para santificar o papa

É cedo para santificar o papa - Clóvis Rossi*


É compreensível que a massa de fiéis reunida na praça de São Pedro, durante a cerimônia fúnebre de João Paulo 2º, decretasse aos gritos: "Santo subito".

Afinal, o pontificado de João Paulo 2º durara 28 anos, tempo mais que suficiente para exibir ao mundo suas qualidades (defeitos também, mas, nessas horas, ninguém pensa em defeitos).

É um exagero, no entanto, a mídia, inclusive a do Vaticano, transformar o noticiário em torno do novo papa em culto à personalidade de Jorge Mario Bergoglio, como reproduzisse para ele o grito de "Santo subito" de oito anos atrás.

Cada detalhe de sua biografia e cada vírgula de suas palavras são apresentados em "odor de santidade", a fragrância que a tradição católica diz que emana dos santos.

Talvez o exagero se deva ao fato de que Bergoglio era um virtual desconhecido para o mundo, o que leva o jornalismo a procurar, em cada pequeno gesto e cada pequena fala, o rosto do novo pontificado.

Está sendo inútil até agora, a menos que se considere que a escolha do nome Francisco seja uma declaração de intenções, a de querer, como disse ontem, "uma igreja pobre, para os pobres". Não conheço um único religioso (ou político) que tenha defendido uma igreja (ou partido ou governo) para os ricos.

Entendo em todo o caso a carência de definições sobre a vasta e complexa agenda da igreja, que, segundo dom Cláudio Hummes, "precisa de uma reforma em todas as suas estruturas".

O papa explicou que "a igreja, embora sendo certamente também uma instituição humana, histórica, com tudo o que isso comporta, não tem uma natureza política, mas essencialmente espiritual".

Os mortais comuns aprendemos a lidar com a política, gostando ou não dela, mas o espiritual é para poucos escolhidos.

O problema é que temas essenciais da agenda da igreja, como o escândalo de pedofilia ou a polêmica em torno do casamento entre pessoas do mesmo sexo, são essencialmente humanos.

O papa precisará mesmo do odor de santidade para levar a cabo o que dom Cláudio definiu como "obra gigantesca" de renovação da igreja. Precisará também da coragem que lhe faltou durante a ditadura militar argentina, como depõe o prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel: "Não considero que Jorge Bergoglio tenha sido cúmplice da ditadura, mas creio que lhe faltou coragem para acompanhar nossa luta pelos direitos humanos nos momentos mais difíceis".

O passado, portanto, não permite sentir odor de santidade no novo papa, até porque santos se revelam exatamente nos momentos difíceis. No caso da Argentina, durante a ditadura, o que estava em jogo era condenar a barbárie, não calar-se.

Mas é hora de virar a página Bergoglio e abrir a página Francisco. O que começará a dar um rosto -santo ou não- ao novo papado serão as escolhas para os cargos vitais da Cúria, em especial a nomeação para a secretaria de Estado, o segundo cargo no Vaticano -escolha que será todo um programa de governo do novo papa e lhe dará (ou não) os primeiros "odores de santidade".

Fonte:

* Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno "Mundo". É autor, entre outras obras, de "Enviado
Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo" e "O Que é Jornalismo". Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa do caderno "Mundo" e às sextas no site.

17 março 2013

ECONOMIA DO BEM COMUM - MODELO ALTERNATIVO?

       
 1. Quando, perante uma situação insuportável, na Igreja ou na sociedade, no âmbito teológico ou político, se diz que não há alternativa, é sinal de que a ditadura não anda longe. Se não for passagem para uma possível superação, o simples jogo dos “prós e contras” não passa de um entretém. O importante é uma arquitectura que supere e integre o que existe de fecundo entre posições que enlouquecem no isolamento ou no choque frontal.
Na Doutrina Social da Igreja (DSI)[i], o tema do bem comum é incontornável. Para João Paulo II, constituía mesmo o seu ponto-chave.
Para Friedrich A. Hayek, o bem comum é um conceito primitivo que remonta aos instintos ancestrais de tribos de caçadores, no tempo em que as pulsões colectivistas dominavam a consciência humana.
Ao contrário deste célebre autor, a noção de justiça social e de bem comum têm outras fontes, bíblicas e greco-romanas, alimentadas por alguns Padres da Igreja. Tomás de Aquino, na linha de Aristóteles, deu a este conceito a função de princípio da sua arquitectura ético-política.
Já Sto Agostinho[ii] via que a questão social não se resolve com falsos elogios à caridade: “não devemos desejar que haja indigentes para poder exercitar as obras de caridade. Dás pão ao faminto, mas melhor seria que ninguém passasse fome e não fosse necessário socorrer ninguém. […] Todas estas acções são motivadas pela misericórdia. Esquece, porém, os indigentes e logo cessarão as obras de misericórdia; mas acaso se extinguirá a caridade? Mais autenticamente amas o homem feliz a quem não há necessidade de socorrer; mais puro será este amor e muito mais sincero. Porque, se socorres o necessitado, desejas elevar-te acima dele e que ele te fique sujeito, porque recebe de ti um benefício. O necessitado, tu o ajudaste por isso te crês como superior aquele a quem socorreste”.
No pensamento de Tomás de Aquino, recolhido na DSI, o princípio dos princípios é o destino universal dos bens, que não impede a propriedade privada, mas não faz dela um absoluto. É, precisamente, o conceito de bem comum que integra os direitos e os deveres das pessoas, num todo, sem excluir ninguém. Pertence à virtude da justiça garantir que os direitos e deveres de uns não neguem os direitos e deveres de outros.
2. Jacques Maritain[iii] teve o mérito de, nos anos 40, obrigar a debater as relações entre a pessoa e o bem comum, não como excluindo-se, mas como exigindo-se mutuamente. O primado da pessoa é o primado de todas as pessoas, não é o privilégio de algumas. Pertence aos governantes o cuidado do bem comum, para que a política não sirva privilégios, mas a justiça.
Michael Novak[iv], em pleno triunfo do liberalismo, lembrou que a democracia liberal tinha as suas raízes na tradição judaico-cristã e não na teoria racionalista do século XVIII. Pretende que a noção de bem comum é tão familiar aos antigos gregos, aos Padres da Igreja, como à democracia norte americana. Matéria de discussão. De qualquer modo, estamos longe de fazer da noção de bem comum um primitivismo sobrevivendo mal na DSI.
3. Christian Felber[v] é uma personalidade singular. Professor de economia na Universidade de Viena, escreve sobre economia e sociologia, sem deixar de ser bailarino de dança contemporânea. É membro fundador do movimento de justiça global Attac, na Áustria, e iniciador da denominada Banca Democrática. Com um grupo de empresários de sucesso, Felber desenvolveu um modelo conhecido como Economia do Bem Comum ou Economia do bem estar público, como alternativa teórica ao capitalismo de mercado e à economia planificada.
Este tipo de economia deve reger-se por uma série de princípios básicos: confiança, honestidade, responsabilidade, cooperação, solidariedade, generosidade e compaixão, entre outros. Para os seus defensores, as empresas que se guiarem por estes valores deveriam obter vantagens legais que lhes permitissem sobreviver onde imperam as leis do lucro e da competição.
Hoje em dia, mede-se o êxito económico por indicadores monetários: produto interno bruto e lucros que excluem os seres humanos e o seu meio ambiente. Estes indicadores não dizem se há guerra, ditadura, destruição do meio ambiente, etc. De igual modo, uma empresa que obtém lucros – e deve-os obter - não diz em que condições vivem os seus trabalhadores, o que produzem, ou como o produzem.
Pelo contrário, o balanço do bem comum de uma empresa mede-se pelo modo como nela se vive: a dignidade humana, a solidariedade, a justiça social, a sustentabilidade ecológica, a democracia com todos os que nela participam e com os seus clientes.
Tudo isto poderia ser apenas o mundo de boas intenções. As suas realizações em vários países mostram que são possíveis alternativas ao capitalismo de mercado e à economia planificada.
O que Felber diz das abissais desigualdades de salário na Alemanha, onde os altos executivos ganham 5.000 vezes mais do que o salário mínimo legal, deveria ser proibido por lei. Não só na Alemanha. (www.economia-del-bien-comun.org).
Frei Bento Domingues, O.P.
in Público


[i]  Compêndio da Doutrina Social da Igreja, Principia, 2005
[ii] Sobre a Epístola de S. João aos Partos, Tratado VIII, nº 5
[iii] La Personne et le Bien commun, 1946
[iv]  Free Persons and the Common Good, Madison Books, 1989
[v]  La economía del bien común, Versão Kindle, 2012

De volta ao sagrado

Acostumados com papas geograficamente distantes, mais figuras míticas do que figuras de carne e osso, a eleição de um papa argentino põe os católicos brasileiros em face de uma proximidade perturbadora. O Cardeal Jorge Mario Bergoglio, eleito com o nome profético de Francisco, é figura central da Igreja Católica na Argentina. Uma Igreja que tem débitos graves com a opinião política e a consciência de seu país pela falta de clareza no seu relacionamento com a ditadura militar, com as prisões, a tortura, os desaparecimentos e mortes até mesmo de religiosos. Uma Igreja de história oposta à da Igreja Católica no Brasil, que não raro abrigou os perseguidos e falou firmemente em nome das vítimas. Igreja que defendeu os índios contra a onda genocida na ocupação da Amazônia, em nome de sua condição humana e de sua diferença antropológica. Igreja que abrigou a causa dos posseiros e dos trabalhadores rurais, alcançados pela onda de desenraizamentos e miséria decorrentes de uma política fundiária perversa. Verso e reverso, a Igreja de lá e a Igreja de cá.
Lá não havia separação entre o Estado e a Igreja, o catolicismo foi religião oficial do Estado até a nova Constituição de 1994. Ao ser economicamente mantida pelo Estado, a Igreja argentina teve seu clero convertido em corpo de funcionários públicos disfarçados. Uma Igreja mutilada e cerceada na vocação profética. Aqui, a República teve a lucidez política de separar o Estado da Igreja.
Provavelmente, Francisco  carregará nos ombros o fardo imenso da falta de clareza de suas ações e omissões durante os anos medonhos da ditadura militar argentina. Mas carregará, também, o belo sentido evangélico da dura repreensão pública que dirigiu aos párocos que se recusam a batizar os bebês extramatrimoniais, os filhos de mães solteiras. Além da crítica aberta ao neoliberalismo e seus devastadores efeitos sociais.
É inútil um acerto de contas com a história pessoal de um homem que morreu ao fim do Conclave para renascer com outro nome na “loggia” da Basílica de São Pedro no começo da noite escura e chuvosa do dia 13 de março e para enfrentar o silêncio da multidão surpreendida pelo inesperado. Porque os papas não nascem papas. É nesses desencontros que se dá o chamamento, é por eles que o Espírito se manifesta, como certeza na contradição. A circunstância, o momento e até o acaso os elegem. Vi, na casa camponesa e pobre em que nascera Angelo Giuseppe Roncali, em Sotto-il-Monte, Bérgamo, Itália, o bilhete ferroviário de volta do Cardeal Patriarca de Veneza, que fora a Roma eleger o sucessor do gélido Pio XII. Descobriu na Capela Sistina que sua viagem era só de ida. Ficou em Roma como Papa João XXIII e ali está sepultado como beato. O Cardeal Albino Luciani, quando assomou ao balcão, minutos após sua inesperada eleição como João Paulo I, disse assustado: “tive medo”. Não fora para ficar.
Francisco é o que será e não apenas o que foi. A circunstância lhe abrirá o caminho desse renascimento. Cada papa se realiza em seu percurso, que é muito mais o da circunstância da História do que o da pessoa. De qualquer modo, leva consigo a herança de uma biografia que o ilumina ou persegue em sua nova identidade. Bergoglio é um cardeal de trajetória diferente: nascido e criado em cortiço, filho de ferroviário, estudou química antes da opção sacerdotal, namorou uma vizinha, lê Dostoiewski, faz sua própria comida, desloca-se em transporte público e esteve do lado errado durante a ditadura. Enfim, tem seus defeitos, o que deve ajudá-lo no destino que o surpreendeu, o de pastor do reencontro da Igreja com sua missão profética.
A adoção do nome do pobre de Assis é coerente com seu modo de vida franciscano. Sugere um retorno ao franciscanismo, à opção pelos pobres. No gesto promissor de inclinar a cabeça e pedir que o povo da praça orasse por ele, para que fosse abençoado, compartilhou a função sacerdotal com os fieis antes de abençoá-los. Indica, assim, sua concepção do sagrado, que pode mudar muita coisa.
Essas reorientações não são escolhas apenas suas. Quando do terremoto de Aquila, Bento XVI ali esteve e foi rezar no túmulo de Celestino V, o papa eremita e pobre que renunciara, escandalizado com os abusos na Igreja, e ali depositou o pálio papal. Uma antecipação fortemente simbólica de sua própria renúncia. Na escolha do Sacro Colégio, é possível ver uma inquietação. No embate entre o monarca e o profeta, entre o poder e o Espírito, aparentemente estamos vivendo mais um episódio histórico do reencontro da Igreja com o sagrado.
O sagrado tem se revelado uma necessidade radical da sociedade contemporânea, sobretudo dos jovens, uma atenuante para a brutalidade de um cotidiano demarcado pela anomia e pela alienação. É no espaço do sagrado que, historicamente, o homem tem se encontrado consigo mesmo. Despedaçado e aniquilado pelas irracionalidades e pela materialidade econômica da vida moderna, busca, conservadoramente, no sagrado a inteireza de um renascimento.

José de Souza Martins*

Publicado em O Estado de S. Paulo
[Caderno Aliás, A Semana Revista],
Domingo, 17 de março de 2013, p. J5.


* José de Souza Martins é sociólogo e Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP.
É autor de Exclusão Social e a Nova Desigualdade (Paulus, 2012); Reforma Agrária: o Impossível Diálogo (Edusp, 2002); A Sociedade Vista do Abismo - Novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais, (Vozes,  2012); A Política do Brasil Lúmpen e Místico (Contexto, 2011)

[Novo Papa] A geopolítica do segredo

Passadas as primeiras horas do impacto da eleição do Cardeal Bergoglio de Buenos Aires, das emoções primeiras de termos um papa latino-americano, com expressão amável e cordial a vida presente nos convida a refletir.
Apesar de seu valor, os meios de comunicação têm também o poder de amortizar as mentes e de impedir que perguntas críticas aflorem ao pensamento das pessoas. Nesses dois últimos dias que precederam a eleição papal, muitas pessoas no Brasil e no mundo foram tomadas pelas transmissões em direto de Roma. Sem dúvida um acontecimento histórico desses não se repete todos os meses! Mas, que interesses tiveram as grandes empresas de telecomunicações em transmitir os inúmeros detalhes da escolha do novo Papa? A quem servem os milhões de dólares gastos nas transmissões ininterruptas até a chegada da fumaça branca? Do lado de quem se situam esses interesses? Que interesses tem o Vaticano em abrir as possibilidades para essas transmissões? Essas perguntas talvez inúteis para muitos, continuam a ser significativas para alguns grupos preocupados com o crescimento da consciência humanista de muitos/as de nós.
São em grande parte as empresas de telecomunicações as responsáveis pela manutenção do segredo nas políticas eleitorais do Vaticano. O segredo, os juramentos e as penalidades por não respeitá-los são parte integrante do negócio. Criam impactos e fazem notícia. Não se trata de uma tradição secular sem conseqüências para a vida do mundo, mas de comportamentos que acabam viciando a busca de diálogo entre os grupos ou excluindo grupos de um necessário diálogo. Nenhuma crítica a esse sistema perverso que continua usando o Espírito Santo para a manutenção de posturas ultraconservadoras revestidas de ares de religiosidade e bondosa submissão é feito. Nenhum espaço para que vozes dissonantes possam se manifestar mesmo com o risco de serem apedrejadas é aberto na oficialidade das transmissões. Uma ou outra vez se percebe uma pequena ponta crítica se esboçando, mas logo é abafada pelo "status quo” imposto pela ideologia dominante. Do novo papa Francisco se contou que usava transportes públicos, estava próximo dos pobres, fazia sua comida e que a escolha desse nome o assemelhavam ao grande santo de Assis. Foi imediatamente apresentado como uma figura simples, cordial e simpática. Na imprensa católica nada se falou das suspeitas de muitos em relação a sua postura nos tempos da ditadura militar, de suas atuais posturas políticas, de suas posições contrárias ao matrimonio igualitário, ou mesmo contra o aborto legal. Nada se falou de suas conhecidas críticas em relação à teologia da libertação e de seu desinteresse pela teologia feminista. A figura bondosa e sem ostentação eleita pelos cardeais assistidos pelo Espírito Santo encobriu o homem real com suas inúmeras contradições. Hoje os jornais (Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo) delinearam perfis diferentes do novo papa e temos uma percepção mais realista de sua biografia. Além disso, foi possível intuir que sua eleição é sem dúvida parte de uma geopolítica de interesses divididos e de equilíbrio de forças no mundo católico. Um artigo de Julio C. Gambina da Argenpress publicado via internet ontem (13 de março de 2013) assim como outras informações enviadas por grupos alternativos da Nicarágua, Venezuela, Brasil e, sobretudo da Argentina confirmaram minhas suspeitas. A cátedra de Pedro e o Estado do Vaticano devem mover suas pedras no xadrez mundial para favorecer as forças dos projetos políticos do norte e dos seus aliados do sul. O sul foi de certa maneira co-optado pelo norte. Um chefe político da Igreja, vindo do sul vai equilibrar as pedras do xadrez mundial, bastante movimentadas nos últimos anos pelos governos populares da América latina e pelas lutas de muitos movimentos entre eles os movimentos feministas do continente com reivindicações que atormentam o Vaticano. Se, é no sul que alguma coisa nova está acontecendo politicamente nada melhor do que um papa do sul, um latino-americano para enfrentar esse novo momento político e conservar as tradições da família e da propriedade intactas. Sem dúvida uma afirmação desse tipo quebra o encanto do momento da eleição e a emoção de ver a multidão na Praça de São Pedro irrompendo em aplausos e gritos de alegria diante da figura do papa Francisco. Muitos dirão que essas críticas tiram a beleza de um acontecimento tão emocionante quanto a eleição de um papa. Talvez, mas creio que são críticas necessárias.
A tão badalada preservação da evangelização como prioridade da Igreja parece ser a preservação de uma ordem hierárquica do mundo onde as elites governam e os povos aplaudem nas grandes praças públicas, se emocionam, rezam e cantam para que as bênçãos divinas caiam sobre as cabeças dos novos governantes político-religiosos. O mesmo catecismo com poucas variações continua a ser reproduzido. Não há reflexão, não se despertam as consciências, não se convida ao pensamento, mas a conservação de uma doutrina quase mágica. Por um lado é a sociedade do espetáculo que nos invade para que entremos na disciplina da ordem/desordem contemporânea com certa dose de romantismo e por outro a sociedade assistencialista identificada à evangelização. Sair às ruas para dar de comer aos pobres e rezar com os prisioneiros embora tenha algo de humanitário não resolve o problema da exclusão social presente nos muitos países do mundo.
Escrever sobre a "geopolítica do segredo” em tempos de euforia mediática é como estragar a festa dos vendilhões do Templo felizes com suas barracas cheias de terços, escapulários, vidros de água benta e imagens grandes e pequenas de muitos santos. O problema é que se abrimos o segredo desmancha-se o charme da fumaça branca, se quebra o suspense de um conclave secreto que fecha ao povo católico o acesso às informações às quais temos direito, se desnudam os corpos purpurados com suas histórias tortuosas.
Quebrar o segredo é quebrar a falsidade do sistema político-religioso que governa a Igreja Católica Romana. É tirar as máscaras que nos sustentam para afinal abrir nossos corações para a real interdependência e responsabilidade entre todos nós. Os jogos de poder são cheios de astúcias, ilusões e até de boa fé. Somos capazes de nos impressionar com um gesto público de carinho ou de simpatia sem nos perguntarmos sobre o que de fato constituiu a história dessa pessoa. Nem nos perguntamos sobre as ações de seu passado, de seu presente e suas perspectivas de futuro. É apenas o momento da aparição da figura simpática vestida de branco que nos impressiona. Somos capazes de nos emocionarmos frente a um carinhoso "bona cerra” papal (boa noite) e irmos para cama como crianças bem comportadas abençoadas pelo bondoso papai. Já não somos mais órfãos visto que a orfandade paterna numa sociedade patriarcal é insuportável mesmo por poucos dias.
Nós somos cúmplices da manutenção desses poderes tenebrosos que nos encantam e nos oprimem ao mesmo tempo. Nós, sobretudo os que têm mais lucidez nos processos políticos e religiosos, somos responsáveis pela ilusão que esses poderes criam na vida de milhares de pessoas, sobretudo veiculadas pelos meios de comunicação religiosos. Somos capazes de nos enternecer de tal forma que nos esquecemos dos jogos do poder, das manipulações invisíveis, da arte teatral cultivada e tão importante nessas ocasiões.
Não podemos fazer previsões sobre os rumos do futuro da governança da Igreja Católica Romana. Mas à primeira vista não parece que podemos esperar grandes mudanças nas estruturas e políticas atuais. As mudanças significativas virão se as comunidades cristãs católicas assumirem de fato a direção do presente do cristianismo, ou seja, se elas forem capazes de dizer a partir das necessidades de suas vidas como o Evangelho de Jesus poderá ser traduzido e vivido em nossas vidas hoje.
A geopolítica do segredo tem interesses altíssimos a defender. É parte de um projeto mundial de poder aonde as forças da ordem se vêm ameaçadas pelas revoluções sociais e culturais em curso em nosso mundo. Manter o segredo é justificar que há forças superiores às forças históricas da vida e que estas são mais decisivas que os rumos que podemos dar à nossa luta coletiva por dignidade, pão, justiça e misericórdia em meio aos muitos reveses e tristezas que nos acometem em meio do caminho.
Termino essa breve reflexão na esperança de que possamos não apagar a luz da liberdade que vive em nós e seguirmos bebendo das fontes de nossos sonhos de dignidade com lucidez sem nos impressionarmos com as surpresas que podem parecer grandes novidades. Afinal é apenas mais um papa que inscreve seu nome nessa instituição que apesar de sua história de altos e baixos mereceria ser transformada e repensada para os dias de hoje.
Mudanças podem sempre acontecer e é preciso estar abertos aos pequenos sinais de esperança que irrompem por todos os lados mesmo das instituições as mais anacrônicas de nosso mundo.

14.03.13 - Mundo
Ivone Gebara
Escritora, filósofa e teóloga
Adital