Frei Bento
Domingues, o.p.
1. A
conversa de taxista sobre política e políticos generalizou-se. Faz deles os
responsáveis por todos os males. Está decretado que são e serão todos iguais.
Pela ausência de pensamento crítico, esta atitude é preguiçosa e
perigosa. Certeiro é o aforismo: as mãos mais puras são as de quem as não tem. Não
querer nada com a política é esquecer que ela, desde que nascemos até ao
cemitério, nunca nos larga.
Descobri há 60 anos, com algum espanto, a apologia da política, precisamente
ao começar o estudo da obra filosófica de S. Tomás de Aquino. No proémio do seu
comentário à Política de Aristóteles observa: se a ciência mais importante é
aquela que estuda o que há de mais nobre e mais perfeito, é necessário que seja
a política a principal das ciências práticas e a matriz arquitectónica de todas
as outras.
S. Tomás distinguia a política da religião, mas não a separava da ética,
da “vida boa”, fruto da virtude e que exige instituições justas. Ele coordenava
a ética e a política mediante a noção de justiça geral orientada para o bem
comum, de todos e cada um. Ela exige a virtude da prudência no governante -
virtude do recto agir nas decisões concretas – a qual também não dispensa
nenhum cidadão.
Tudo isto exige mais do que os princípios comuns da chamada “lei da
natureza”, pois eles não podem ser aplicados do mesmo modo a todos, devido à
grande variedade das realidades humanas. A diversidade da lei positiva é
exigida pela diversidade dos povos[1].
Em geral, com um misto de medo e
desprezo, os cristãos - de modo especial os católicos - inclinam-se para a passividade
política.
O Papa Francisco, no seu programa pastoral, ”A Alegria do Evangelho” (n.
205), assume uma posição completamente diferente. Depois de avisar que não
podemos confiar nas forças cegas e na mão invisível do mercado, pede a Deus “que
cresça o número de políticos capazes de entrar num autêntico diálogo, que vise
efectivamente sanar as raízes profundas e não a aparência dos males do nosso mundo.
A política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais
preciosas da caridade, porque busca o bem comum. Temos de nos convencer que a
caridade é o princípio, não só das micro-relações estabelecidas entre amigos,
na família, no pequeno grupo, mas também das macro-relações, como
relacionamentos sociais, económicos, políticos”.
Depois desta referência teológica, aponta, na mesma passagem,
indicações para uma espiritualidade da militância política.
2. A
fraqueza, a insignificância, a esterilidade actual da Europa resulta, em parte,
de ter esquecido o sobressalto da sua alma, antiga e moderna, depois da vergonha
de duas guerras loucas.
Desaparecidas as grandes figuras inspiradoras do projecto europeu,
entramos numa época de vazio, de imaginações adormecidas. Não se trata de
propor qualquer “partido católico”, mas de perguntar, como Bergoglio fez
perante os membros do Conselho da Europa: “Onde está o teu vigor? Onde está
aquela tensão ideal que animou e fez grande a tua história? Onde está o teu
espírito de curiosidade e empreendimento? Onde está a tua sede de verdade, que
comunicaste, com paixão, até agora?”
É da resposta a estas perguntas, segundo o Papa, que dependerá o futuro
do continente.
Para renovar a sua fisionomia é preciso retomar a nossa história
política e espiritual, curada das suas patologias, em diálogo activo com todos
os povos e culturas, presentes entre nós e atirados para a clamorosa injustiça
dos “guetos”.
Hoje, a promoção dos direitos humanos ocupa um papel central no empenho
da União Europeia. Visa promover a dignidade da pessoa, tanto no âmbito interno
como nas relações com os outros países. Trata-se de um compromisso importante e
admirável, porque persistem ainda muitas situações onde os seres humanos são
tratados como objectos, dos quais se pode programar a concepção, a configuração
e a utilidade, podendo depois ser dispensados, quando já não servem por se
terem tornado frágeis, doentes ou velhos[2].
3. Durante
muito tempo, as questões mais fracturantes da moral familiar foram silenciadas.
Depois da Humanae Vitae, reduziam-se
às questões dos anti-conceptivos. Antes, durante e depois da III Assembleia do
Sínodo dos Bispos[3],
os desafios pastorais exigiram o fim dos tabus, mas inflacionaram tanto o discurso
que já não se aguenta. O Papa, na mensagem aos participantes no Festival da
Família (05.12.2014), optou por mudar de registo. É a própria família que se
deve tornar, no plano social, cultural e político, protagonista dos seus
interesses que são os do futuro da humanidade.
A família, tendo como centro o bem de cada uma das pessoas, não é um
apêndice da política, nem apenas o seu objecto. As famílias têm de se tornar
protagonistas das políticas desejáveis para todos.
Não temos de resolver os problemas da Sagrada Família, de há dois mil
anos. Mas hoje, que desafios representa o Natal para a família humana?
Público, 14.12.2014
[1] Summa theol. I-II, q.95 a. 2. ad 3.
[2] Entre
dignidade e transcendência, Parlamento
Europeu, 25.11.2014
[3] III
Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, Paulinas, 2014
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