1. Rui Osório, jornalista e pároco da Foz do Douro, na
sua pertinente coluna na Voz Portucalense
(2016.06.29) revela preocupações que não são exclusivas: “Se a minha
confidência de pastor vos parecer pessimista, peço-vos desculpa, mas deixem-me
desabafar: a prática do Crisma é uma das experiências pastorais mais
frustrantes que tenho encontrado.
“Em
tempos primitivos, os catecúmenos, depois de um longo crescimento na fé,
entravam na piscina e eram lavados; saíam e eram perfumados com óleo do crisma;
e acediam à mesa eucarística para serem alimentados.
“Hoje,
não é tanto assim e andamos, na longa e agitada onda da cristandade
sociológica, a surfar um pouco aturdidos entre o cansativo cristianismo de
tradição e o sedutor cristianismo de opção.
“Pastoralmente,
parece-me que, em vez da iniciação à fé cristã, o Crisma está em risco de se
tornar no sacramento que marca o fim de uma certa educação e de pertença cristã
construídas na areia.
“Já
lhe chamaram a «festa do adeus»! Os cristãos encontram-se no cais em despedida
para outras andanças que não acertam no norte do cristianismo!
“Tenho
boas razões para confirmar a «festa do adeus» de tantos a quem acompanhei na
preparação para o Crisma, sobretudo jovens que completaram com assiduidade os
seus dez anos de catequese e se despediram da Igreja ou a Igreja não lhes deu
um novo porto de abrigo.
“Será
o recém-ungido que abandona a Igreja ou a Igreja que já não tem mais nada a
dizer-lhe?”
Talvez
haja quem diga que uma citação tão longa é um abuso. Se abuso existe, é também
um agradecimento a Rui Osório que tocou, como pastor e de forma exemplar, numa
questão que outros, para não criar ondas, vão disfarçando o incómodo e
atamancando soluções que o não são. Diria que preferem tornar o Crisma no
grande sacramento da debandada.
Em certos
casos, há dificuldade em aceitar para padrinhos de Baptismo e Matrimónio
aqueles que são apresentados pelos pais ou pelos noivos. A escolha, por vezes,
tem pouco a ver com o acompanhamento que os padrinhos devem dar aos seus
afilhados. Em vez de se aproveitar a ocasião para refazer o caminho da fé
cristã, opta-se pela via administrativa. Em alguns lugares, até se acabou com
os padrinhos. Bastam testemunhas. Para não haver problemas desses no futuro, procura-se
apressar a idade para o sacramento incómodo.
2. Deixamos de viver em regime de cristandade. A vida das
comunidades cristãs já não é regulada pelo campanário nem pelo toque das
Trindades.
Vale
a pergunta: a orientação para receber o sacramento
da responsabilidade eclesial e social da Fé cristã não deveria ter em conta
a idade que, numa determinada cultura, se exige para assumir as exigências da
vida adulta, social e familiar? Não se trata apenas de uma questão de idade,
mas de um modo de entender o crescimento da responsabilidade de ser cristão,
pois chegou a altura de ajudar os outros a crescer, a serem adultos na Fé.
É
evidente que isto implica acabar com o hábito criado de julgar que a religião é
para crianças e para o começo da adolescência. Essa mentalidade esquece o tempo
das turbulências do crescimento humano. É esse tempo que deve ser evangelizado
como preparação para enfrentar a novidade que é a de ser responsável pelo seu
futuro e o dos outros, a nível familiar e profissional. Tempo de enfrentar o
futuro da Igreja ao serviço da evangelização do mundo. Será também a melhor
forma de combater o clericalismo tão denunciado pelo Papa Francisco. Não
poderão aceitar ser apenas clientela de uma paróquia ou de um movimento. São
chamados, por exigência sacramental, a descobrir os novos caminhos do Evangelho
nos sinais dos tempos, que eles próprios devem marcar.
3. O
que está em causa é a teologia dos sacramentos: antropologia sacramental ou sacramentologia antropogénica?, como pergunta
Domingo Salado[1]. As
normas litúrgicas e canónicas não bastam para uma pastoral lúcida da evolução
da vida cristã no devir da existência humana, pessoal e social.
Faz-se
o rito, está feito. Faz-se a cerimónia do Baptismo e está baptizado. Faz-se o
Crisma e está crismado. Faz a primeira Comunhão, pode comungar, etc.. É o
predomínio da causalidade mágica, do entendimento mecânico do célebre adágio ex opere operato[2].
O próprio
Tomás de Aquino realizou, no interior
da sua teologia, uma revolução muito esquecida. Passou do primado da causalidade ritual para o primado do signo. Os sacramentos inscrevem-se,
antes de mais, no vasto mundo da linguagem simbólica e do regime cristão da
incarnação, do Verbo na fragilidade humana. É propriedade dos sacramentos cristãos
causarem aquilo que significam, no interior do percurso da Fé pessoal e
eclesial.
Sem
inscrever a pastoral dos sacramentos no âmbito de uma teologia marcada pelas
ciências humanas, não há caminho para as trapalhadas que não são apenas as do
Crisma. Teremos de regressar a estas questões.
Frei
Bento Domingues, O.P.
in
Público 10.07.2016
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