1. Durante este verão, as
televisões mostraram Portugal como um país condenado ao inferno. O que sobrou
de matas e florestas ficará para o fogo do próximo ano. Teremos um inverno para
esquecer o que aconteceu e uma primavera para nos explicarem que estão a ser
tomadas todas as medidas possíveis de prevenção e com instrumentos terrestres e
aéreos para dominar eventuais incêndios. Ficaremos a saber quantos milhões
foram disponibilizados para a prevenção e para o combate às chamas.
Por
outro lado, será repetido que nem os privados nem o Estado estão a cumprir as
suas obrigações: limpar as suas matas, abrir linhas de corta-fogo, caminhos de
acesso a viaturas de socorros e disponibilizar meios de vigilância permanente.
Os
interessados apenas na lógica comercial, perante uma eventual nova
reflorestação, tentarão mostrar que as espécies que ardem melhor não podem ser
discriminadas, pois as outras levam muito tempo a crescer. Precisamos de
soluções rápidas e competitivas, mais importantes do que as teorias
ambientais.
Garantida estará pois a continuação das
conhecidas retóricas de ataque, defesa e subterfúgios. A selecção de bodes
expiatórios será suficiente para tornar a sociedade civil dispensada de se
organizar e de se responsabilizar pela “casa comum” do povo português.
2. Já esgotei a paciência para a
conversa de que o português tem grande capacidade para o desenrasque repentino,
mas pouca paciência para planear, organizar, ser rigoroso e persistente na
execução dos seus projectos. A pendular exaltação megalómana e a autoflagelação
colectiva precisam de ser tratadas como doenças e não como a nossa mais
respeitável característica antropológica.
Com
esta preocupação estava a escrever uma proposta que suspendo para outro
parágrafo, ao deparar com a notícia de que o Departamento
de Ciências Florestais e Arquitetura Paisagista da Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), conjuntamente com a Ordem dos Engenheiros iniciou,
na passada 3ª feira, no
Teatro de Vila Real, um ciclo de debates subordinado ao tema A
floresta portuguesa em causa. Não é preciso dizer que este é um dos
caminhos da cura. Não é exaltante nem deprimente. É o alargamento realista de
um trabalho para continuar.
A mesma notícia[i] informava
que apenas 23 alunos escolheram engenharia florestal. A imagem criada na
sociedade fez da floresta uma causa perdida e não um convite a uma carreira
académica e profissional aliciante. É urgente reagir e criar, através de todos
os canais possíveis, o sentimento e a convicção colectiva de que temos a
obrigação de zelar pela causa mais comum a todo o país. A qualidade do ambiente
não pode ser encarada como luxo de um condomínio privado. É a própria
respiração da nossa terra. Não deveria ser um dos principais assuntos da
educação, desde o jardim-de-infância até à universidade? Não será também uma
questão religiosa? Saber dos frutos da terra apenas pelo supermercado será
suficiente? Será que os canais de televisão estão interessados em criar repúdio
pelos incêndios ou em transmitir espectáculos para pirómanos? Não haverá
pedagogia televisiva capaz de suscitar paixão pela natureza? Porque não mostrar
o silêncio da natureza destruída?
3. O Papa
Francisco fez do cuidado pela casa comum uma questão religiosa, um
desafio ecuménico e a tarefa pastoral de uma Igreja de saída das sacristias.
Na encíclica Laudato Si evocou a voz dos
seus predecessores, a começar por João XXIII, que recolheram a reflexão de inúmeros
cientistas, filósofos, teólogos e organizações sociais. Não esqueceu as outras
Igrejas, comunidades cristãs e religiões. Destacou, de forma especial, a
palavra incisiva do Patriarca ecuménico Bartolomeu. Cada um tem de se arrepender
pelo modo como maltrata o planeta. De modo firme e corajoso, intimou-nos
a reconhecer os pecados contra a criação. Quando os seres humanos destroem a
biodiversidade, comprometem a integridade da terra, contribuem para a mudança
climática, desnudam a terra das suas florestas naturais, destruindo as suas
zonas húmidas e contaminando as águas, o solo, o ar... tudo isso é pecado, o
nosso pecado. Porque um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos
e um pecado contra Deus.
Surge então uma pergunta inevitável: como e até que
ponto a Laudato Si interpelou a pastoral da Igreja portuguesa? Quais são
os guiões elaborados para que, a nível das paróquias, dioceses, movimentos,
congregações religiosas, Conferência Episcopal, se construa uma consciência
comum, católica, perante as catástrofes ecológicas? Mais, que medidas foram
tomadas para que o respeito pela natureza faça parte da educação cristã? Que
consciência ecológica é desenvolvida, em todas as faculdades da Universidade
Católica? Que lugar ocupa a Laudato Si nas celebrações, nas homilias,
nas catequeses?
A Igreja católica, embora de forma diferenciada,
está presente em todo o país. Não é um privilégio. É uma missão ecuménica,
inter-religiosa e social em relação ao futuro do respeito pela natureza em
Portugal.
Frei Bento Domingues O.P.
in Público 18.09.2016
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