1. No fim de
semana passado, esteve em Lisboa, um dos autores mais notáveis do pensamento
cristão contemporâneo, Frei Timothy Radcliffe, O.P., a convite do Nós Somos
Igreja Portugal e do Instituto S.
Tomás de Aquino (ISTA). Fez duas conferências muito concorridas, no
Convento de S. Domingos. A sua obra está traduzida em várias línguas. Em
Portugal, a Paulinas Editora já publicou seis dos seus títulos. O último, Na margem do mistério - Ter fé em tempos de
incerteza, foi lançado na sua presença, no dia 28.
Por formação, é um filho de Oxford e
de Paris. Foi Mestre Geral da Ordem dos Pregadores entre 1992-2001, o primeiro
dominicano inglês a ser eleito para essa responsabilidade. Actualmente,
desempenha funções de docente em Oxford e de consultor do Pontifício Conselho
Justiça e Paz, sendo muito solicitado para cursos e conferências em todos os
continentes. Pratica uma teologia narrativa, bem-humorada, ecuménica, rasgando
sempre novos horizontes, sem solenidade, deslocando a pseudo-ortodoxia de becos
sem saída, para espaços de liberdade criadora.
2. No fim das
conferências de Timothy, parti para a Semana Teológica Internacional de Luanda
(STIL), cujo tema geral foi A teologia
face aos desafios da África actual. Era a primeira vez que, em Angola, se
realizava um acontecimento desta dimensão. A iniciativa partiu do Arcebispo de
Luanda, D. Filomeno Vieira Dias em comunhão com a respectiva Conferência
Episcopal.
Pediu aos dominicanos, Fr. José
Sebastião Paulo (angolano) e a Fr. José Nunes (português), para desenharem o
projecto, selecionarem os convidados a intervir, angolanos e internacionais, e
garantirem as suas presenças desde o primeiro ao último dia. Quando me
contactaram, aderi com alegria à ideia, mas confesso que o projecto me parecia
megalómano e irrealizável pelo número de convidados e pela cobertura geográfica
que exigia. O facto é que a iniciativa teve uma adesão nacional e internacional
absolutamente espantosa. É inimaginável o que a logística deste encontro exigiu
para tudo ser cumprido como tinha sido idealizado.
Não compete às dimensões desta
crónica descrever o conteúdo de tantas conferências e debates. Existe algo a
destacar. O grande número de leigos, padres, seminaristas e religiosas não
estiveram a assistir passivamente às conferências das reconhecidas
celebridades. A grande questão era controlar o tempo das intervenções do
público. Todas e todos se transformavam em teólogas e teólogos. Não havia
apenas perguntas da assembleia. Havia propostas concordantes ou alternativas.
Não foi uma semana de teólogos para leigos, mas a distribuição da palavra aos
cristãos de diversas confissões para pensarem e exprimirem a sua própria fé no
seio dos desafios da África actual. O clima geral não era de ressentimentos,
mas de Igrejas que se acolhiam e questionavam de modo muito desinibido.
3. Não posso
deixar de referir um ponto que se transformou numa constante das observações admiradas
dos conferencistas internacionais: o comportamento permanente de D. Filomeno,
Arcebispo de Luanda. Esteve na origem de tudo, acompanhou todos os trabalhos,
como qualquer membro da assembleia, que habitualmente reunia 250 participantes,
tendo chegado aos 300. Não se preocupou em mostrar que era ele o Arcebispo e o
guarda da ortodoxia naquela realização inédita. Participava em liberdade para
dar liberdade a todos. Mostrava, com o ar mais normal do mundo, que estava ali
com a igreja e a igreja com ele a tentar ler os sinais do tempo da África
actual, à luz do Evangelho. Sentia-se feliz com o que estava a acontecer,
gostava de manifestar o reconhecimento a todos os participantes, especialmente
aos dominicanos, que lhe deram plena colaboração para que aquela semana
teológica fosse a primeira de muitas.
A pergunta que muitos faziam era
esta: porque desejaria ele, com tanto empenho, a realização de uma semana
teológica internacional de Luanda? A moda sugeria outra coisa: uma semana de
espiritualidade, de pastoral, de vida consagrada, de promoção laical, etc. A
teologia foi muito castigada em tempos não muito longínquos e os teólogos
receberam consignas para o seu bom comportamento na Igreja. Os catecismos que
dizem e explicam o que se deve pensar, dizer e praticar, para estar com a Igreja.
O Direito Canónico sabe sempre o que está certo ou errado. Tem assinaladas as
penas em que incorre quem violar o que prescreve. O teologicamente correcto, o
bom comportamento pastoral e litúrgico estão estabelecidos com muita clareza. A
prática teológica que cede ao método de Tomás de Aquino – como incendiário e
não como bombeiro (U. Ecco) - é um perigo. Guilherme de Tocco, o seu mais
antigo biógrafo, e que seguiu as suas aulas, diz: nas suas aulas levantava
problemas novos, descobria novos métodos, empregava novas redes de provas e, ao ouvi-lo
ensinar uma nova doutrina, com
argumentos novos, não se podia duvidar, pela irradiação desta nova luz e pela novidade desta
inspiração, que era Deus quem lhe concedeu ensinar desde o princípio com plena
consciência, por palavras e por escrito, novas
opiniões.
O Bispo de Paris, E. Tempier condenou
Tomás de Aquino. Não vi no Arcebispo de Luanda, D. Filomeno, na comunidade de
S. Tomás de Aquino, nenhuma vontade de condenar, mas de estimular a construção
de uma teologia responsável.
Frei Bento Domingues, O.P.
in Público, 12.02.2017
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