25 março 2018

JERUSALÉM, SÍMBOLO DA GUERRA OU DA PAZ?

          
       1. Nunca fui a Jerusalém. Um grande amigo que lá viveu 45 anos e lá morreu, Frei Francolino Gonçalves, nunca tentou convencer-me de que essa seria a peregrinação indispensável. Se não pudesse dispor pelo menos de um mês para observar e estudar as suas loucuras e contradições, era melhor não pôr lá os pés. Lamentava que as «peregrinações paroquiais» se esquecessem de visitar e apoiar as comunidades cristãs vivas, de língua árabe, e se fixassem apenas em pedras e lugares sagrados da memória, resgatados pela arqueologia.
Li narrativas, reportagens e obras sobre a chamada Terra Santa e os seus lugares de importância diferente para judeus, cristãos e muçulmanos.
       Sei que o conhecimento directo da geografia dos acontecimentos bíblicos, históricos ou lendários, pode ajudar a imaginação de um leitor da Bíblia. Não consigo, porém, entrar na ideologia dos lugares sagrados ou santos. Esta facilmente resvala para a idolatria e para a magia. Um bom negócio, em todo o mundo, contra o qual o próprio Jesus se insurgiu. Sagradas são as pessoas de todos os povos e culturas. Nem acho graça nenhuma que um povo, seja ele qual for, se possa chamar povo de Deus, como um privilégio. Os outros povos de quem são?
       Jesus teve um encontro inesperado com uma Samaritana. Um encontro fantástico. Entre outras questões, ela procurou tirar a limpo a dos lugares sagrados: os nossos pais adoraram neste Monte (Garizim), mas vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar. Jesus, depois de muitas considerações, concluiu: Vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; pois tais são os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade[1]. Deus não está preso a nenhum lugar.
       2. Começam hoje, Domingo de Ramos, as celebrações católicas da Páscoa. Nesta época, as televisões repõem filmes sobre a Paixão de Cristo, as instituições culturais promovem concertos de música sacra e as igrejas cristãs, cada uma com o seu estilo, tentam que a mensagem de Cristo não seja apenas uma memória do passado, mas um alimento transformante da vida. Nada disso sai fora do previsível, mas o que desejava que acontecesse seria um imprevisível concreto e para já: Paz em Jerusalém entre judeus, cristãos e muçulmanos.
      Nada disto é da ordem do impossível nem está fora das referências e horizontes das chamadas religiões monoteístas. José Ornelas Carvalho, actual bispo de Setúbal, escreveu um texto sobre A utopia da paz na Bíblia que considero uma informação exemplar[2].
       Em Israel, como em todo o antigo Médio Oriente, o ideal da sabedoria e da aprendizagem consistia em conseguir uma vida feliz, tendo em conta todas as dimensões da existência humana. Por isso, os sábios tratavam dos mais variados assuntos, como as questões da alimentação, da vida familiar, dos negócios, do relacionamento social, do cerimonial e do relacionamento com o mundo de Deus. Sábia era a pessoa que conseguia harmonizar todas estas dimensões da vida. Nesta perspectiva, o fruto da sabedoria é a paz.
       O Salmo 122 não pode ser mais entusiasta: «Que alegria quando me disseram vamos para a casa do Senhor! Os nossos pés estão já às tuas portas, ó Jerusalém (…) Nela estão os tribunais da justiça, os tribunais da casa de David. Pedi a paz para Jerusalém: Prosperem aqueles que te amam; haja paz dentro das tuas muralhas, tranquilidade nos teus palácios. Por amor dos meus irmãos e amigos, proclamarei: a paz esteja contigo! Por amor da casa do Senhor, nosso Deus, pedirei o bem-estar para ti».
       E os outros? Desta visão idílica, desta ideologia da paz, como privilégio étnico e divino de um povo, nasce a guerra santa contra os que a ameaçarem.
      O ideal da paz institucional, baseado nos dois pilares, a monarquia e o templo, foi manipulado pelos que dela beneficiavam. Israel conheceu, muitas vezes, uma situação de ditadura – defendida em nome de Deus – ao sacralizar as suas instituições políticas. Os profetas como Miqueias, Jeremias e Ezequiel denunciaram aqueles que usavam o nome de profetas para enganar o povo e justificar a injustiça. No entanto, apesar de todos os esforços, Deus não se julgou atrelado ao destino de Israel e da sua paz. Pelo contrário. A eleição de Deus não é nem ritual nem automática. Ao dom de Deus deve corresponder um compromisso ético e religioso. Por isso, bênçãos e maldições estão sempre misturadas.
        3. Jesus de Nazaré subiu muitas vezes a Jerusalém[3], a cidade dotada por Herodes, o Grande, de magníficas construções, que não o fascinavam. Foi lá que, pela última vez, confrontou os seus contemporâneos com a sua mensagem e a sua pessoa. Aí morreu cruxificado. Foi em Jerusalém que se formou a primeira comunidade cristã. Foi daí que a pregação do Evangelho partiu para o mundo.
       Foi também nesta cidade que se reuniu o primeiro concílio da Igreja[4] para dirimir questões entre duas tendências do movimento cristão. A que desejava que os gentios convertidos aceitassem também a lei e os costumes judaicos e a outra, liderada por S. Paulo, que não podia aceitar que para ser cristão fosse necessário adoptar essa lei e costumes. A graça de Deus não fazia distinção de pessoas ou povos. Essas novas comunidades mistas, de judeus e gentios, realizavam o começo do universalismo cristão. O espírito de Jesus Cristo sentia-se livre e actuante em toda a Terra. O cristianismo não era uma sucursal do judaísmo.
      A partir do que foi acontecendo em Antioquia, Éfeso e Roma, Jerusalém deixou de ser o centro do cristianismo[5].
    Os muçulmanos chamam a Jerusalém, Al-Qods, «a santa» em árabe. Acreditam que foi lá que aconteceu a ascensão de Maomé ao céu. Jerusalém é o terceiro lugar sagrado do Islão.
      Aqui, surge uma questão que muitos peregrinos levantam: é isto a «Terra Santa», é esta a cidade da paz? Haverá um só Deus para tantas guerras?
    As religiões que se reclamam de Jerusalém, pelo menos nominalmente, representam dois mil milhões de habitantes da Terra. O seu bom ou mau exemplo encerra uma responsabilidade mundial. Em vez de judeus, cristãos e muçulmanos continuarem a disputar, pedaço a pedaço, a ocupação desta cidade, não seria preferível estabelecerem uma aliança que faça de Jerusalém a cidade da paz, um símbolo real de que o convívio amigo, entre as religiões, é possível? Era, por isso, importante que a sua gestão municipal resultasse de um acordo entre judeus, cristãos e muçulmanos[6]. Um sonho?
      Santa Páscoa!
      Frei Bento Domingues, O.P.
      in Público 25.03.2018


[1] Jo 4
[2] José Ornelas Carvalho, A Utopia da Paz na Bíblia, Cadernos ISTA nº 9, Ano V 2000, pp.62-102
[3] Lc 13, 34s; Jo 2, 13. Sobre a situação de Jerusalém no tempo de Jesus, aconselho a longa Introdução de Xavier Léon-Dufour, ao Dictionaire du Nouveau Testament, Seuil, Paris 1975.
[4] Act 15
[5] Rm 15, 19
[6] Álvaro Vasconcelos, Jerusalém cidade aberta, Público, 10.12.2017

18 março 2018

QUANDO PERDER É GANHAR

     
1. Não fui eu que inventei o título desta crónica. Vem direitinho do Evangelho segundo S. João, com paralelo em S. Lucas, escolhido para ser proclamado na Missa deste Domingo. Quem, dentro ou fora dessa celebração, gastar algum tempo a meditar e a confrontar a sua vida com este texto, absolutamente espantoso, só tem a ganhar. A sua lógica é estranha, mais acertada, porém, do que qualquer outra lógica mundana, religiosa ou eclesiástica.
Começa numa conversa e vai acabar noutra. O contexto já é o da Páscoa judaica: seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde estava Lázaro que Jesus tinha arrancado da morte. Por esse motivo, a família de Lázaro ofereceu um jantar em sua casa. Pelos vistos, os discípulos também foram convidados.
Marta, como de costume, estava a preparar tudo e a servir à mesa. Maria, a irmã, era mais para o louco e foi buscar o melhor perfume para lavar os pés de Jesus. Enxugou-os com os seus cabelos. O seu reconhecimento por ver o irmão vivo era sem medida. Toda a casa ficou perfumada por aquela alegria.
Judas Iscariotes não gostou dessa extravagância. Aproveitou a cena para se mostrar o defensor dos pobres e marcar pontos aos olhos do Mestre: porque não se vendeu este perfume por trezentos denários – eram 300 dias de trabalho normal – para os dar aos mendigos? O narrador observa com malícia: ele disse isto, não porque se preocupasse com os mendigos, mas porque era ladrão e, como tinha a bolsa comum, metia a mão na massa; o “pobre” a beneficiar com a poupança seria ele próprio. Jesus cortou essa conversa e disse algo que teve consequências dramáticas: mendigos tendes sempre entre vós. Esta fala foi usada pelos exploradores para não se tocar nas injustas estruturas da sociedade. Jesus teria consagrado a desordem social. Se lermos bem, descobrimos que essa não era e não é o sentido da fatídica sentença. Verificaremos que Judas estava numa onda e Jesus noutra totalmente diferente. Pobres, desgraçadamente, nunca faltam. O que continua a faltar é a vontade de acabar com as causas da pobreza imposta.
Por outro lado, o autor do IV Evangelho não está a escrever uma reportagem jornalística, mas a fazer uma meditação retrospectiva, seleccionando enigmas e mistérios. A sua narrativa sabe que o fim trágico de Jesus estava a aproximar-se. Não iria morrer na cama rodeado de familiares e amigos. Daí, o seu empenho em defender a loucura de Maria, pois escreve para destacar a solidão imensa do Mestre - até os discípulos o abandonaram - e a paixão das mulheres por Aquele que lhes restituiu a dignidade humana e divina de filhas de Deus. Foram elas que acompanharam Jesus até ao fim e até depois do fim!
Isto para dizer que a situação externa daquele jantar estava carregada de tensões. Todos queriam ver Lázaro, o miraculado e Jesus, o autor do acontecimento. Os sumos-sacerdotes, os que viviam da religião oficial e do fluxo enorme de peregrinos naquela data, sentiram a ameaça. Muitos judeus estavam a passar-se para o lado de Jesus. Deliberaram matar os dois.
Entretanto, tudo se agravou. A multidão que tinha vindo para a Páscoa aproveitou o momento para uma ruidosa manifestação de apoio a Jesus, o Nazareno. Os discípulos, como sempre, não entendiam o que se estava a passar. Os fariseus estavam desesperados com aquele sucesso: todo o mundo vai atrás dele![i]
2. No meio daquela multidão, havia uns gregos simpatizantes do judaísmo (os «tementes a Deus»), intrigados com o que estava acontecer. Pediram, então, a um discípulo galileu, Filipe, nada menos do que isto: queremos ver Jesus.
O evangelista, como é sempre o seu costume, apresenta a resposta como se Jesus não tivesse percebido.
De facto, tinha chegado o momento sobre o qual já nenhuma ilusão era permitida. Jesus, no meio daquela confusão toda, talvez se interrogasse acerca do sentido do caminho percorrido com os discípulos, com as multidões e com os adversários cada vez mais agressivos e ameaçadores.
      Dada a sua teologia, S. João apresenta Jesus angustiado, mas não vencido. É chegada a hora em que o Filho do Homem será glorificado.
        A partir desse instante já não era possível recuar sem trair todo o sentido da sua vida e o Deus da sua paixão.Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só; mas se morrer, dará muito fruto. Quem ama a sua vida; perdê-la-á e quem a perder neste mundo conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém me quiser servir, que me siga. Onde eu estiver, estará também o meu servo. Se alguém me servir, meu Pai o honrará. Agora a minha alma está perturbada. E que hei-de dizer? Pai salva-me desta hora? Mas por causa disto é que eu cheguei a esta hora. Pai glorifica o teu nome”.
     S. João não está longe da versão de S. Lucas quanto à exigência libertadora no seguimento de Cristo: Aquele que quiser salvar a sua vida vai perdê-la, mas quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará[ii]. Realça: que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se ele se perder ou arruinar a sua humanidade?
3. Chegamos ao ponto essencial. Os discípulos de Jesus passaram o tempo a perguntar-lhe: que ganhamos nós em te seguir? A resposta foi sempre a mesma: a capacidade de servir alegria, de gastar a vida pela vida verdadeira de todos, a começar pelos mais abandonados. É por esse caminho que nos tornamos verdadeiramente humanos.
       Durante os tempos de Cristandade, perderam-se, na Igreja, muitas energias para conseguir e defender o poder de dominar. No entanto, em todos os momentos de verdadeira reforma, a referência incontornável continuou a mesma: é perdendo o poder de dominar que se ganha o gosto da vida como dom, a alegria verdadeira[iii].
Os Actos dos Apóstolos recolhem um aforismo de Jesus que não se encontra em mais lado nenhum. É referido por S. Paulo ao despedir-se dos anciãos de Éfeso: “Não desejei prata, ouro, nem o vestuário de ninguém. Vós próprios sabeis que às minhas necessidades e às dos meus companheiros valeram-me estas mãos. Mostrei-vos, de todos os modos, que trabalhando assim, devemos ajudar os fracos, lembrando as palavras do próprio Senhor Jesus: Há mais felicidade em dar do que em receber”[iv].
Dir-se-á que tudo isto está muito datado. Hoje, a economia, a política, as religiões já superaram essa ingenuidade e as suas ideologias globalizaram sistemas de dominação imperialista e de confronto bélico. Não valeria a pena interrogar as famílias, as instituições católicas de ensino a todos os níveis, a pastoral da Igreja nas suas diversas expressões, com a seguinte questão: será que nesses nichos católicos crescem pessoas com as “manias” de Jesus Cristo?
Frei Bento Domingues, O.P.
in Público 18.03.2018


[i] Jo 12, 1-19
[ii] Jo 12, 20-33; Lc 9, 23-26
[iii] Yves Congar, O.P., Igreja serva e pobre, Logos, Lisboa 1964; Javier Elzo,
   Quién manda en la Iglesia?, PPC, Madrid 2016
[iv] Act 20, 32-38.

11 março 2018

SALVAR OU CONDENAR?

      1. Nunca fui pároco, mas sempre aceitei com prazer celebrar o baptismo de crianças e, cada vez mais, de adolescentes e adultos. Estava eu, há muitos anos, a começar uma celebração e, como sugeria o ritual, convidei os pais e os padrinhos a fazerem o sinal da cruz na fronte da criança. Ouvi alguém sussurrar: a Igreja começa cedo a crucificar os seus fiéis.
Foi uma preciosa ajuda para nunca mais esquecer que os trabalhos da “descrucifixão” devem começar logo no primeiro momento da iniciação cristã. Urge transformar um símbolo do horror num programa de vida dedicado a tornar este mundo devastado em terra de alegria. Os textos do Novo Testamento, resultado de um processo de memória e escrita das primeiras quatro gerações cristãs, existem, no dizer de S. João, para que, conhecendo e seguindo Jesus Cristo, a nossa alegria seja completa[1]. É arriscado, nos limites duma crónica, procurar desfazer alguns equívocos sobre a transformação da simbólica da cruz, pois há o perigo de criar outros piores. É um risco que aceitei, neste espaço do Público, há vinte e oito anos.
2. Foi, em Nazaré, que Jesus apresentou as linhas fundamentais do programa da sua missão. Pela sua abrupta e enigmática ousadia teológica, recusando celebrar a ira de Deus, provocou a primeira ameaça de morte que, na altura, não o assustou nem o levou a alterar o seu caminho[2].
S. Paulo, que não terá conhecido o Nazareno na sua condição terrestre, teimou em fazer de Jesus crucificado o tema incontornável da sua pregação sem fronteiras. Ele próprio reconhece que a sua proposta era puro escândalo para os judeus e uma loucura para os gentios. Nunca desistiu de mostrar que Jesus crucificado é a subversão do messianismo judaico e da sabedoria mundana de todos os tempos. É estranho, mas aquele salto louco no escuro estava, para ele, cheio de misteriosa luz[3].
Nos Actos dos Apóstolos, S. Pedro, acusado e preso, atreve-se a dizer perante o Sinédrio: é Jesus Nazareno que vós crucificastes e que Deus ressuscitou de entre os mortos, o único nome, debaixo do céu, pelo qual devemos ser salvos.
Uma vez liberto, em oração com a comunidade, insiste no essencial: “Sim, coligaram-se verdadeiramente, nesta cidade, contra o teu santo servo Jesus, que ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos com as nações pagãs e os povos de Israel para executarem tudo o que, em teu poder e em tua sabedoria, havias predestinado”. Enquanto rezavam, o Espírito Santo tomou conta dos reunidos e investiu-os de coragem para anunciarem com firmeza a palavra interdita pelo Sinédrio. Deus continuava a escrever direito por linhas tortas[4].
A versão de S. Pedro concorda com a de S. Paulo, mas não fica claro se Jesus cumpriu um desígnio divino ou foi vítima de um crime político. Dada essa contínua interferência de planos na escrita, não seria preferível esquecer essa história de horror que deixa mal os judeus e os romanos, os apóstolos, Jesus e o próprio silêncio de Deus? Por outro lado, não estará já muito longe de nós, do nosso mundo e das nossas preocupações? E se a memória da cruz envenenou a história da cristologia, da pastoral, da espiritualidade, não será tempo de procurar beber noutras fontes o sentido da aventura humana? Se a cruz encheu as relações entre judeus e cristãos de mútuas acusações venenosas, não seria preferível agradecer a José Saramago a denúncia dessa torrente de sangue e passar adiante?
3. Talvez não! É verdade que os textos do Novo Testamento, em relação polémica e selectiva com os do Antigo e abertos a todos os mundos, estão inevitavelmente datados. Que os autores cristãos se tenham servido de textos, imagens, cenários e concepções da literatura judaica para configurar a personalidade notável e misteriosa de Jesus de Nazaré, é evidente[5]. O contrário é que seria de espantar. Mas sem a extraordinária originalidade e criatividade histórica daquele Nazareno nada disso seria possível. Teríamos apenas um artificial manequim de colagens.
Os cristãos sem colocarem em correlação crítica o nosso mundo, a nível pessoal, local e global, com o percurso histórico de Jesus – uma longa ponte cultural, tecida de muitas dimensões – não podem responder à pergunta fundamental: que tem Ele a ver connosco e que temos nós a ver com Ele?
As narrativas dos Evangelhos, ora directas ora em parábolas, insistem em que Jesus era conhecido por gostar da vida e “da vida em abundância” para todos. Nunca é apresentado como um modelo de ascetas. O que não suportava era um mundo em que tinha uns à mesa e outros à porta, uma religião de leis, fábrica de pecadores para condenar e de hipócritas para serem lisonjeados. Não suportava o desprezo pelos pobres e pelas vítimas das doenças físicas e psíquicas. É impossível servir a Deus e ao Dinheiro. O dinheiro é um instrumento, não pode ser um Senhor. A missão humana e divina de Jesus não era a de condenar, mas a de salvar o que parecia perdido. A sua ética e a sua mística são samaritanas.
Jesus não morreu de acidente, de doença ou de velhice. Foi morto porque preferiu ser crucificado a trair o projecto divino de libertação. Não cedeu à dominação económica, política e religiosa, expressões da teologia da opressão. Preferiu ser morto a trair o seu projecto de vida.
O que falta são homens humanos. O que temos hoje, à frente das chamadas grandes potências, são monstros a desenvolver projectos para se defenderem e atacarem com as armas mais sofisticadas. Consta que, em poucos dias, foram mortas em Ghouta (Síria) 800 pessoas. Como escreveu B. Pasternak, “o bem só pode ser alcançado pelo bem”. Esquecemos que a pessoa humana individual é história de Deus[6].
O papa Francisco tenta introduzir em todos os seus gestos, intervenções e textos a lógica da descrucifixão. Neste IV Domingo da Quaresma, Deus vem em seu e nosso auxílio: Deus e o seu Filho não sabem condenar. Especializaram-se apenas em salvar[7]. Não tiveram aulas de Direito Canónico.
Aqui, lembro-me do poeta brasileiro, Manuel Bandeira, que ao passar, em sua casa, diante do crucifixo prometeu arrancar a figura de Cristo daquela cruz. Desistiu. Enquanto houver crucificados, não posso.
Frei Bento Domingues, O.P.
in Público, 11. 03. 2018    


[1] Jo 15, 11; 16, 22-24; 1Jo 1, 4; 2Jo v.12
[2] Lc 4, 16-30
[3] 1Cor 1 – 2
[4] Act 4, 1-31
[5] Daniel Boyarin, Le Christ juif. À la recherche des origines. Cerf. Paris 2013, pp. 153-186
[6] Boris Pasternak, O Doutor Jivago, Bertrand, s/data, pp. 300 e 469.
[7][7][7] Jo 3, 14-21

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À PROCURA DA PALAVRA
P. Vitor Gonçalves
DOMINGO IV QUARESMA Ano B
“…todo o homem que acredita n’Ele não pereça,
mas tenha a vida eterna.”
Jo 3, 15

Foi no coração da noite que Nicodemos procurou Jesus. Talvez porque a noite cria espaço para as questões difíceis, ou é prelúdio de uma aurora que ilumina tudo? A passagem das trevas à luz no relato da criação marca o caminho humano: somos “dados à luz”, o saber ilumina o pensamento, brilham os olhos e o coração no amor, desejamos “Lich, mehr licht” (Luz, mais luz) como Goethe, diante da escuridão da morte. Não sabemos se Nicodemos ficou iluminado pelas palavras de Jesus. E nós, que as escutamos hoje: em que luz nos reconhecemos e vivemos?
O anúncio do amor de Deus, da paixão/elevação do Filho do homem, da vida nas trevas e recusa da luz como causa de condenação convidam a abrir os olhos. É um desperdício “ir vivendo”, sem questionar os critérios e as opções que nos definem, mantendo uma vida “a media luz”, sem perguntar quem somos e o que desejamos, sem ânsias de salvação. Ou então, procurando “salvações à la carte”, quer num espiritualismo auto-suficiente, quer num bem-estar de coisas adquiridas ou a adquirir.
É sobre “alguns aspectos da salvação cristã” que trata a carta ‘Placuit Deo’ (Aprouve a Deus), da Congregação para a Doutrina da Fé, dirigida aos Bispos, e aprovada pelo papa Francisco a 16 de fevereiro passado. Descrevendo algumas tendências actuais de “auto-salvação”, uma espécie de “salve-se a si mesmo” sem relação a Deus nem aos outros, reafirma: “a salvação consiste na nossa união com Cristo, que, com a sua Encarnação, vida, morte e ressurreição, gerou uma nova ordem de relações com o Pai e entre os homens, e nos introduziu nesta ordem graças ao dom do seu Espírito, para que possamos unir-nos ao Pai como filhos no Filho, e formar um só corpo no «primogênito de muitos irmãos» (Rom 8,29)”. É a salvação que se vive desde já, com Cristo e com os irmãos, aqui e agora, na prática da verdade, em todo o amor que acende pequenas luzes no meio da escuridão. Por isso, não é uma salvação que cada um tem para autoconsumo; é a salvação de Cristo vivo em nós, irradiando, gastando-se (como a vela acesa, ou o sol e as estrelas), dando vida.
Assusta-nos a noite das dores e da morte. A cruz, em que foi elevado o Filho do homem, parece absorver a pouca luz que ainda temos. Também nos perguntamos: “Por último virá a morte… e depois?”, como Paolo Scquizzato, num pequeno livro que assim se intitula. Percorrendo as perguntas simples e directas que tantas vezes nos colocamos, ele partilha pequenas luzes que ajudam “as mulheres e os homens de hoje a viver o momento presente, longe de estéreis medos e de inúteis sentimentos de culpa, mas sobretudo com um sentido, na serena consciência de que aquilo que nos espera no fim da vida será apenas um abraço de completamento e de eternidade.” O presente e o futuro, com Deus e com todos, podem ser com “mais luz”!
in Voz da Verdade, 11.03.2018

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Francis invites change, but we are the change
Mar 10, 2018
by Joan Chittister

There was a time in life when I wanted things done and wanted them done now. I still want things done now but over the course of the years, I discovered that, at least where the church is concerned, I was looking for action in the wrong places. As Sean Freyne, the Irish theologian and Scripture scholar, put it, "It's a mistake to think that a pope has the power to do anything." Translation: The right to reign as an autocrat, to take unilateral action about almost anything, does not come with the miter and crossed keys. Nor, for that matter, does it come with the capes and crosses of bishops.

Popes and bishops, I have come to realize, are the maintainers of the tradition of the church. When they move, it is commonly with one eye on the past — the point at which lies safe canonical territory. Only we are the real changers of the church.

It's the average layperson living out the faith in the temper of the times who shapes the future. It is the visionary teacher, the loving critic, the truth-telling prophet that moves the church from one age to another. It was those who had to negotiate the new economy who came to see fair interest on investments as the virtue of prudence rather than the sin of usury, for instance. It was those caught in abusive relationships who came to realize that divorce could be a more loving decision than a destructive family situation.

And yet, the manner in which popes and bishops move, the open ear they bring to the world, the heart they show, and the love and leadership they model can make all the difference in the tone and effectiveness of the church.

Five years ago, for instance, we moved from one style of church to another. It happened quietly but it landed in the middle of the faithful like the Book of Revelation. Gone were the images of finger-waving popes, stories of theological investigations, and the public scoldings and excommunications of people who dared to question the ongoing value of old ways.

When Jorge Bergoglio, the newly elected Pope Francis, appeared on the balcony of St. Peter's Basilica in Rome, he bowed to the people and asked for a blessing; the faithful roared their approval of a man who knew his own need for our help and direction.

When he told aristocratic bishops to "be shepherds with the smell of sheep" — to move among the people, to touch them, to serve them, to share their lives — episcopal palaces and high picket fences lost ecclesial favor. What the people wanted were bishops who would come out of their chanceries, walk with them and come to understand the difficulty of the path.

When Francis told priests to deal with abortion in confession, where all the struggles of humanity find solace and forgiveness, rather than treat it as the unforgivable sin, the church grew in understanding. When he said, "Who am I to judge" the spiritual quality of the gay community, the church became a church again. The fluidity of human nature and the great need for mercy and strength that come with life's most painful decisions became plain.

Francis, building on foundations laid by Pope John Paul II and Pope Benedict XVI, opened hearts and doors to Cuba, regardless of the politics of it, and with the Obama administration eased Cuba's isolation from the modern world. Francis has brought to the world's attention migrants fleeing war and oppressive economic situations; he has spoken up against slaughter in Southeast Asia and central Africa. He has said a definitive no to nuclear weapons and encouraged rethinking so-called just war.

Clearly, Francis is an invitation to change our stance in the world. We have a new model of what the church should look like to others as well as what we ourselves can hope for from it in our own lives.

Clearly, Francis is an invitation to change our stance in the world. We have a new model of what the church should look like to others as well as what we ourselves can hope for from it in our own lives. We begin to see the church as a sign of the love of God rather than the specter of the wrath of God.

And yet, at the same time, some things that must change clearly have not changed in these last five years. Instead, there is smoke without fire, commissions promised but not created, questions acceptable to ask, yes, but answers still scarce.

The very recognition of a problem, the modern world assumes, is the beginning of its solution. There is promise and possibility galore. But, in too many instances, if nothing happens, more and more people, disappointed, drift away from a drifting ship.

And so the married couples who lived through abuse, through marriages more toxic than life-giving, wait for the understanding that even though married again, they deserve the right to have the spiritual support the church offers as they attempt to make more loving marriages. They wait, but the declaration of inclusion in the church does not come.

A commission on the restoration of the female diaconate is formed, but the church itself is not included in the conversation, no public reports are ever given, and a very important and long-lived part of Roman Catholic history goes silent again.

The leviathan of child abuse, the most glaring problem facing the church, continues to raise its hoary head. It reaches across the world and even up to the pope's own household. Unless or until even bishops and cardinals are suspended until charges are resolved, the taint on the integrity of the Vatican itself will continue to undermine the sincerity of the church's effort to dispel the venom. Meanwhile, an abuse commission itself was formed, allowed to lapse, is now formed again we're told, but all of that with little or no evidence of palpable response to the problem itself.

The call for women in official positions at higher echelons in the church is promised — but ignored. This means, of course, that the role of women has not shifted at all yet — despite their educational readiness, their life-time records of service, let alone the discipleship offered by their baptism. The effect is clear: Women have nothing to do with the theological commissions where decisions are made that affect the spiritual lives of their half of the church. But Francis says that there is nothing more that can be said about women because his predecessors have spoken.

The question is why this papacy appears to have stalled. Whether situations like this stem from Francis' own lack of commitment to them or as a result of the interminable resistance of the Curia to papal leadership is anybody's guess. But they do mark this papacy. They make for long-term distrust.

From where I stand, this papacy has made thinking possible again. It has embraced the idea that change is part of the process of living. But it has not given some major issues significant direction. In cases like this, the promise of action and the absence of results, as the French say, "flatter only to deceive." They give false hope. As a result, in the end, the absence of action is even more disappointing than it would have been if hollow promises had never been made.

St. Paul warned the church about this kind of unclear leadership centuries ago. He writes in 1 Corinthians 14:8, "If the bugle gives an indistinct sound, who will get ready for battle?"

It is a warning to a papacy that came full of hope and is deeply respected for it. As the Talmud says, "Those who risk nothing, risk much more."

[Joan Chittister is a Benedictine sister of Erie, Pennsylvania.]

Editor's note: We can send you an email alert every time Joan Chittister's column, From Where I Stand, is posted to NCRonline.org. Go to this page and follow directions: Email alert sign-up.
This story appeared in the March 9-22, 2018 print issue.
FROM WHERE I STAND
in NCR https://www.ncronline.org/news/opinion/where-i-stand/francis-invites-change-we-are-change

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Comissão Nacional Justiça e Paz
O sentido da vida e o caminho dos povos
Nota da Comissão Nacional Justiça e Paz
Dia Internacional da Mulher – 8 de março de 2018

…Os homens, as mulheres e as crianças da terra — são eles que formam os povos — constituem a vida do mundo que Deus ama e deseja salvar, sem excluir ninguém.
…A aliança entre o homem e a mulher é chamada a ter nas suas mãos a direção da sociedade inteira. Este é um convite à responsabilidade pelo mundo, na cultura e na política, no trabalho e na economia(1).
Papa Francisco
Pertencemos a uma civilização que elegeu a dignidade de cada pessoa como estruturante da sua organização, que consagrou a igualdade entre homens e mulheres como direito fundamental. A sua realização é determinante para o desenvolvimento e sustentabilidade das comunidades. Este é, aliás, um compromisso assumido a todos os níveis, internacional, regional e nacional. O seu incumprimento representa uma tremenda violação de valores fundamentais e um tremendo risco ecológico.
Sob o impulso das Nações Unidas, do Conselho da Europa, da União Europeia e da União Interparlamentar fizeram-se aprovar ao longo dos últimos cem anos múltiplas convenções, recomendações, plataformas, enfim, um vastíssimo conjunto de instrumentos, todos eles complementares, reguladores, concretizadores, assentes no bem que é a liberdade de se ser igual, de se ser par entre pares, de se ser plenamente.
Todos estes instrumentos tiveram reflexos e tradução normativa no ordenamento jurídico português, no âmbito do direito constitucional, civil, laboral e penal, constituindo-se assim como motor essencial das transformações legais, sociais e culturais que se operaram nestes últimos anos.
Os direitos fundamentais e em especial o princípio da igualdade entre mulheres e homens bem como a proteção contra a discriminação nas suas múltiplas vertentes foram assumidos como irreversíveis.
Contudo, e apesar desta determinação, a sua concretização é lenta e a realidade evidencia persistentes assimetrias e desigualdades, frequentemente geradoras de retrocessos: a especial vulnerabilidade de meninas e mulheres face à violência, que leva a que sejam mais de 80% das vítimas de violência doméstica, a remuneração desigual, traduzida em cerca de 17% menos que a dos homens, a maior incidência da pobreza, com significado mais expressivo para as mulheres mais velhas (com pensões cerca de 31% mais baixas que as dos homens) ou que assumem sozinhas o sustento das suas famílias, a jornada diária de trabalho (remunerado e não remunerado) penalizada em cerca de mais de uma hora que a do homem, o difícil acesso aos lugares de decisão nas empresas e na política.
A igualdade, e o consequente combate a todas as formas de discriminação que a impedem, só pode ser conquistada pelo trabalho diário, próximo, consciente de cada realidade pessoal, combatendo a indiferença, devolvendo visibilidade de forma a que ninguém seja deixado para trás.
Em outubro de 2017, o Papa Francisco, no seu discurso aos participantes na assembleia geral dos membros da Pontifícia Academia para a Vida, afirmou:
…Não se trata simplesmente de oportunidades iguais, nem de reconhecimento recíproco. Trata-se sobretudo de entendimento entre homens e mulheres, sobre o sentido da vida e o caminho dos povos.
…Trata-se antes de tudo de reconhecer com honestidade os atrasos e as faltas. As formas de subordinação que tristemente marcaram a história das mulheres devem ser abandonadas de maneira definitiva. Um novo início deve ser escrito no ethos dos povos, e isto só pode ser feito por uma renovada cultura da identidade e da diferença.
A Comissão Nacional Justiça e Paz, neste dia 8 de março, reconhecendo as conquistas que se foram fazendo na correção das desvantagens estruturais que gravemente recaem sobre as mulheres e ferem a sua dignidade, não pode deixar de assinalar o longo e difícil caminho ainda a percorrer na remoção da indiferença e da invisibilidade, na eliminação das múltiplas formas de discriminação refém de preconceitos, na conquista da igualdade, e faz-se eco do apelo à revolução cultural que nas palavras do Papa Francisco se apresenta no horizonte da história desta época.
Os Direitos Humanos não são um mero ideal abstrato. São um compromisso de toda uma civilização, de toda uma comunidade em nome da justiça e da paz, para que a justiça e a paz sejam uma realidade na vida de cada pessoa.
Lisboa, 8 de março de 2018
(1)        Discurso do Papa Francisco aos participantes na assembleia geral dos membros da Pontifícia Academia para a Vida, outubro de 2017.


 

Tradução do Comunicado conjunto dos movimentos WAC-I e RE


O Movimento Internacional Nós Somos Igreja e a European Network Church on the Move
                                            
Comunicado conjunto à imprensa
8 de Março de 2018

Cinco anos do Papa Francisco:
criou-se Esperança, esperam-se atitudes sensacionais

Cinco anos após a eleição do Papa Francisco (13 de Março de 2018) o Movimento Internacional Nós Somos Igreja e a European Network Church on the Move (EN) apelam ao Papa Francisco para que prossiga o processo reformista da Igreja Católica Romana e o intensifique significativamente. A eleição do primeiro Papa sul-americano, que iniciou o seu papado pedindo ao mundo para rezar por ele, inspirou incomensurável esperança nos corações de inúmeros católicos, especialmente muitos dos que se sentiram desiludidos com a incapacidade de a nossa Igreja concretizar as promessas do Concílio Vaticano II, considerado como potencialmente impulsionador de maior fidelidade ao Evangelho e de modernização da Igreja.
Actualmente, delegados e representantes de movimentos de Reforma da Igreja Católica e de Justiça Social transmitem ao Papa Francisco avaliações nitidamente contraditórias. O WAC-I e a EN louvam Francisco por ajustar a sua vida em solidariedade com os pobres, promover o diálogo dentro e para além da Igreja, tentar refrear os abusos hierárquicos da riqueza e do poder eclesiástico e por falar de uma forma acessível a todos. Todavia, muitas das suas reformas têm enfrentado a resistência de membros da Igreja nomeados pelos dois papas anteriores, João Paulo II e Bento XVI. O WAC-I e a EN apelam aos cardeais, bispos e a todos os Católicos para que adoptem a visão de Francisco, que considera a Igreja como serva e guardiã.
Os lideres do WAC-I e da EN elogiam o Papa Francisco pela sua incessante defesa dos refugiados e migrantes, pelo seu vigoroso compromisso com a paz mundial fundada na justiça, pela sua proposta de não-violência em todos os conflitos, pela sua presença visível nas comunidades habitualmente marginalizadas e por optar pela simplicidade na sua vida pessoal. Aplaudem o uso racional da Terra promovido na sua encíclica Laudato Si. Reconhecem a sua coragem ao punir e destituir bispos e cardeais que ostentaram riqueza e ao ordenar aos líderes eclesiásticos que coloquem a ênfase na pastoral e não na burocracia. Valorizam o facto de o Papa ter elegido áreas sub-representadas do globo na nomeação de novos cardeais e realçado as competências pastorais na nomeação dos bispos. Apoiam as tentativas papais para entabular diálogo sobre questões relevantes para as famílias e os jovens, solicitando o contributo dos membros da Igreja na preparação destes Sínodos. Os grupos aplaudiram o empenho do Papa Francisco no reforço da obrigação de prestar contas em assuntos financeiros e o seu respeitoso entendimento com lideres e membros de outros credos.
Os grupos exprimiram igualmente a sua expressiva desilusão com a ausência de alterações substanciais em algumas áreas politicas e dogmáticas da Igreja e com a oposição que as tentativas reformistas do Papa enfrentaram no seio da Cúria. Sublinharam que o Povo de Deus se mantém excluído das tomadas de decisão em todos os níveis da Igreja e que o diálogo desejado pelo Papa Francisco não tem sido acatado a todos os níveis. Sublinharam igualmente que não tem havido suficientes alterações na desigualdade das mulheres na Igreja, apesar da nomeação de uma comissão de estudo reunida para analisar as questões do diaconado das mulheres. O Papa tem reafirmado a ênfase da Igreja na complementaridade, a qual prescreve papéis para mulheres e homens com base no género, reconhecendo apenas o casamento permanente e único de uma mulher e de um homem aberto à procriação e à educação dos filhos. Isto significa que as pessoas divorciadas, recasadas, em concubinato e LGBT, bem como as que recorrem à contracepção, que constroem famílias através de tecnologias de procriação medicamente assistida ou praticam abortos, são frequentemente excluídas da participação plena na Igreja. O Papa nomeou uma comissão para gerir os abusos sexuais cometidos por presbíteros da Igreja, mas a oposição ao seu trabalho por parte dos membros da Cúria impediu-a de realizar a sua missão. Um enérgico defensor e sobrevivente de abusos sexuais demitiu-se em protesto, permitiu-se que a autoridade da Comissão expirasse e, quando voltou a ser nomeada, incluía muitos membros considerados fracos e com menor probabilidade de desafiar a liderança eclesiástica. A Igreja deve abandonar os processos de condenação e excomunhão e mostrar mais respeito pelo pluralismo, especialmente em termos teológicos. A unidade cristã mantém-se bloqueada porque a nossa Igreja se recusa a aceitar a comunhão compartilhada. O WAC-I e a EN realçaram igualmente que, apesar de diversos convites, o Papa não se encontrou com líderes reformistas nem de redes renovadoras da Igreja a fim de dialogar sobre áreas de interesse comuns.
O Movimento Internacional Nós Somos Igreja e a European Network Church on the Move apelam para que o Papa Francisco renove o seu compromisso com as profundas reformas necessárias para libertar a Igreja Católica de tradições hierárquicas rígidas, com o maior envolvimento dos leigos e sobretudo das mulheres, e garanta que a Igreja vive verdadeiramente no espírito do Evangelho de Jesus num mundo em profunda turbulência. Rezamos para que este quinto aniversário assinale um tempo de renovação radical da nossa Igreja.

Contacto: Marianne Duddy-Burke, U.S.A., media@we-are-church.org, +1 617 669 7810
Contacto: Raquel Mallavibarrena, Spain,  rmallavi@gmail.com, +34 649 332 654

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A European Network Church on the Move (EN) é uma convergência espontânea de organizações – associações, comunidades, grupos e redes informais – de Cristãos europeus, maioritariamente Católicos, os quais partilham
(1) a visão de uma Igreja profética, ecuménica, libertadora, tolerante, afectuosa, que não exclui nem discrimina e segue na peugada de Jesus, o Libertador.
e
(2) a vontade de trabalhar, respeitando a diversidade cultural e religiosa, em prol da paz, da justiça, dos direitos humanos e da democracia, permanecendo na Igreja Católica (cf. Declaração sobre os direitos e liberdades na Igreja Católica, Rede Europeia, 1994)
http://www.en-re.eu/index.php

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O Movimento Internacional Nós Somos Igreja (WAC-I) fundado em Roma em 1996, é uma coligação global de grupos reformistas nacionais da Igreja. Está empenhado na renovação da Igreja Católica Romana baseada no Concílio Vaticano II (1962-1965) e no espírito teológico que dele emana.
https://www.we-are-church.org/413/index.php




09 março 2018

Comunicado conjunto do WAC-I e EN


We Are Church International & European Network Church on the Move
Joint Press Release
Five Years of Pope Francis: Hope has been Raised, Dramatic Action Awaited
Five years after the election of Pope Francis (13 March 2018) We Are Church International (WAC-I) and European Network Church on the Move (EN) appeal to Pope Francis to continue the reform process of the Roman Catholic Church and to intensify it with dramatic action. The election of the first South American Pope, who began his Papacy by asking the people of the world to pray for him, stirred great hopes in the hearts of many Catholics, especially many who had been frustrated by the failure of our Church to realize the promises of the Second Vatican Council, which was seen as having great potential to be more faithful to the Gospel and for modernizing aspects of the Church.
Today, delegates and representatives of the international Catholic Church Reform and Social Justice movements give Pope Francis decidedly mixed reviews. WAC-I and EN praise Francis for modelling a life in solidarity with the poor, encouraging dialogue within and beyond the Church, attempting to rein in hierarchical abuse of the Church’s wealth and power, and speaking in ways that are accessible to many. Yet, many of his reforms have been resisted by Church officials appointed by the previous Popes, John Paull II and Benedict XVI. WAC-I and EN call on the Cardinals, bishops, and all Catholics to embrace Francis’ vision of the Church as servant and steward.
WAC-I and EN leaders commend Pope Francis for his relentless advocacy on behalf of refugees and migrants, for his strong engagement for peace founded on justice in the world, for his proposal of nonviolence in every conflict, his visible presence among communities typically marginalized, and opting for simplicity in his personal life. They applaud the stewardship of the Earth promoted in Francis’ encyclical Laudato Si. They recognize his courage in chastising and demoting bishops and cardinals who flaunted wealth and instructing church leaders to focus on pastoral care rather than bureaucracy. They appreciate that the Pope has focused on under-represented areas of the globe in the appointment of new Cardinals and has emphasized pastoral skills in designating bishops. They support the Pope’s attempts to open dialogue on issues of importance to families and youth and inviting input from members of the church in preparing for these Synods.
The groups celebrated Pope Francis’ efforts to increase the accountability in financial matters, and his respectful engagement with leaders and members of other faiths.
The groups also expressed significant disappointment with the lack of substantive changes in some areas of Church policy and dogma, and about the opposition the Pope’s attempts at reforms have met within the Curia. They noted that the People of God remain excluded from decision making at all levels of the Church and Pope Francis call for dialogue has not been heeded at all levels. They also noted that there has been no significant movement on the inequality of women in the Church, despite the appointment of a study commission to consider the questions of women in the diaconate. The Pope has maintained the Church’s emphasis on complementarity, which prescribes roles for women and men based on gender, and on recognizing only the permanent, exclusive marriage of a man and woman open to the procreation and nurture of children. This means that divorced, remarried, cohabiting, LGBTI people, and those who use contraceptives, build families through assisted reproductive technologies, or have abortions are often excluded from full participation in the church. The Pope did appoint a commission to deal with the issue of clerical abuse in the Church, but opposition to its work among Curial members led to it being unable to accomplish its mission. A strong advocate and survivor of abuse resigned in protest, the Commission’s authority was allowed to expire, and when recommissioned, it was with members many characterize as weaker and less likely to challenge Church leadership. The Church should give up the procedures of condemnation and excommunication and show more respect for pluralism, especially in theology. Christian unity remains blocked by our Church refusing to accept shared communion. WAC-I and EN also noted that, despite several invitations, the Pope has failed to meet with leaders of Church reform and renewal networks to address areas of common concern.
We Are Church International and European Network Church on the Move call on Pope Francis to renew his commitment to the comprehensive reforms needed to free the Catholic Church from rigid hierarchical tradition, engage more of the laity and especially women, and ensure that the Church truly lives the Gospel of Jesus in a world that is in deep conflict and turmoil. We pray that this fifth anniversary marks a time of radical renewal for our Church.
8 March 2018

Contact: Marianne Duddy-Burke, U.S.A., media@we-are-church.org, +1 617 669 7810
Contact: Raquel Mallavibarrena, Spain, rmallavi@gmail.com, +34 649 332 654
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The European Network Church on the Move (EN) is a spontaneous convergence of organizations – associations, communities, informal groups and networks – of European Christians who are in majority Catholic, sharing
(1) the vision of a Church prophetic, ecumenical, liberating, supporting, loving, which neither excludes nor discriminates and which follows on the steps of Jesus the liberator and
(2) the will to work, respecting cultural and religious diversity, for peace, justice, freedom, human rights and democracy, including in the Catholic Church (Cf Declaration of rights and freedoms in the Catholic Church, European Network 1994)
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We Are Church International (WAC-I) founded in Rome in 1996, is a global coalition of national church reform groups. It is committed to the renewal of the Roman Catholic Church based on the Second Vatican Council (1962-1965) and the theological spirit developed from it.