06 janeiro 2019


P / INFO: Pai nosso para 2019, No novo ano:cuidar, A vida a nascer, Que estrela nos guia?, Papa contra “escândalo” de católicos  &, em anexo, Convite: Conversas sobre Doutrina Social da Igreja
Frei Bento Domingues, O.P.

1. Dizem-me que ando distraído das estatísticas das religiões que, na Europa, manifestam um inquietante declínio. O cristianismo não revela qualquer estratégia adequada para inverter essa situação. A laicidade do Estado, mal entendida, teria conduzido a sociedade para os braços do maior adversário da fé cristã: a indiferença.
O Islão aposta nesse vazio. Estaria, ao que parece, cada vez mais dominado pelas correntes e organizações islamitas, que, a bem ou a mal, pretendem ser a religião europeia do futuro.
Por outro lado, invocar o nome de Deus em vão era considerado um pecado grave. Acaba de sagrar a tomada de posse do Presidente do Brasil. As chamadas “igrejas evangélicas” têm abundantes passagens do Antigo Testamento para apoiar a sua retórica banhada de propósitos guerreiros.
À primeira vista, violência e religião nunca deveriam poder andar associadas. A história mostrou e mostra que, por diversas loucuras, andaram e andam muito juntas.
 A religião é, por natureza, a dilatação transcendente do ser humano. Mas também pode ser entendida como um mecanismo de autoprotecção. Um indivíduo ou um grupo sentem-se mais seguros se alguém superior – uma divindade, por exemplo – os proteger em todas as dimensões da vida: espirituais e materiais. Nesse sentido, defender a sua religião é defender todos os seus interesses. Quem a puser em causa ameaça toda a sua vida. Daí nasce o elo entre violência e religião: defender-se do inimigo. A melhor defesa é destruí-lo. Procura, por esse caminho, salvar a própria identidade. É uma explicação simples para a história da violência ligada ao fenómeno religioso e às suas expressões. Nessa perspectiva, a salvação de uns é a perda dos outros.
Não é inevitável que assim seja. A tolerância não é um desprezo pelas convicções de cada pessoa ou grupo. É a atitude de quem reconhece que não é dono da verdade, mas apenas um seu peregrino. Para erradicar as ligações entre religião e violência, o melhor é a promoção da liberdade religiosa para todos, menos para aquelas actividades que a procuram destruir.
Quem deseja a liberdade religiosa não é um apóstolo da indiferença perante os valores. Reconhecer o direito a ser ou não ser religioso é um apelo à seriedade na busca livre do sentido da vida.
Procurar a verdade e testemunhar essa busca não tem nada a ver com a violência. Testemunha algo que é essencial à vida: nunca se acomodar aos passos já dados. O infinito não tem limites.
2. A oração é uma atitude comum a todas as religiões. A qualidade da oração diz muito acerca da natureza de uma determinada religião. Se à crença numa divindade está ligado o prémio e o castigo, tem de negociar com ela. Tem de evitar a sua ofensa e pedir perdão pelo pecado cometido. É uma transposição para o sagrado do que se passa nas relações humanas de inferior para superior. Em caso de muita incerteza, importa contar com bons intermediários. Como se diz, quem tem amigos não morre na cadeia.
Não vou apresentar uma tipologia de todas as formas de oração nas diferentes religiões ou das atitudes espontâneas de cada pessoa perante o mistério da história pessoal e do mundo.
No plano cristão, a oração mais prestigiada e mais comentada é o Pai-Nosso. Costuma dizer-se que é a própria síntese do Evangelho de Cristo. Até está escrito que foi Ele que pediu para se rezar assim.
Recomendo a consulta da tradução e das notas de Frederico Lourenço aos textos de Mateus e Lucas[i].
O Papa Francisco, na 2ª catequese sobre o Pai Nosso[ii], no seu inconfundível estilo, diz o mais importante: «Jesus põe nos lábios dos seus discípulos uma prece breve, audaz, formada por sete pedidos, um número que na Bíblia não é casual, indica plenitude. Digo audaz, porque se Cristo não a tivesse sugerido, provavelmente nenhum de nós — aliás, nenhum dos teólogos mais famosos — ousaria rezar a Deus desta maneira.
«Com efeito, Jesus convida os seus discípulos a aproximarem-se de Deus e a confidenciar-lhe alguns pedidos: antes de tudo em relação a Ele e depois em relação a nós. Não há prefácios no Pai Nosso. Jesus não ensina fórmulas para adular o Senhor, aliás, convida a pedir-lhe abatendo as barreiras da reverência e do medo. Não diz para se dirigir a Deus chamando-lhe Omnipotente, Altíssimo, Tu, que estás tão distante de nós, eu sou miserável: não, não diz assim, mas simplesmente Pai, com toda a simplicidade, como as crianças se dirigem ao pai. E esta palavra Pai, expressa a confidência e a confiança filial».
3. O que talvez se esqueça, nos comentários ao Pai Nosso, é a raiz do contencioso de Jesus com a sua família de Nazaré, com a família dos discípulos e com o facto de ele nunca ter constituído uma família pessoal[iii]. Procurou fazer família com quem não era da família. Daí o escândalo que provocou.
O Pai Nosso exprime o mundo por que lutou e a missão que deixou aos discípulos, a missão que nos cabe. Nada acontece de forma mágica. É uma forma de viver e de intervir em relação ao que ainda falta, ao advento do Reino de Deus no mundo.
Dizer o Pai Nosso e julgar que as pessoas passam, automaticamente, a considerarem-se como irmãs não seria milagre, mas um exercício ilusionista.
O Pai-Nosso é um programa de missão para a Igreja e para todos os que trabalham por uma humanidade una, com os mesmos direitos. Por não se encarnar o Pai-Nosso como uma missão do dia-a-dia, semana-a-semana, ano-a-ano, uma ousadia pode tornar-se banalidade verbal.
Foi o que o Papa Francisco afirmou na quarta-feira passada: "Quantas vezes vemos o escândalo dessas pessoas que passam o dia na igreja, ou que lá vão todos os dias, e depois vivem a odiar ou a falar mal dos outros". Nesse caso, “o melhor é nem ir à igreja”. "Se vais à igreja, então vive como filho, como irmão, dá um verdadeiro exemplo". Os hipócritas rezam "para serem vistos pelas pessoas". "Os pagãos acreditam que se reza a falar, a falar, a falar. Eu penso em muitos cristãos que acreditam que rezar é falar com Deus, salvo seja, como um papagaio. Não! Rezar faz-se com o coração, a partir do interior".
Começamos um novo ano. Os interesses dos cristãos de todo o mundo, para além do que as ciências, as técnicas, a economia, as políticas e as criações artísticas prometem, não podem esquecer a alma de tudo espelhada na oração que o Senhor nos deixou. Um programa de vida a inventar como o pão nosso de cada dia.
in Público, 06. 01. 2019
https://www.publico.pt/2019/01/06/sociedade/opiniao/pai-2019-1856517


[i] Mt 6, 5-15; Lc 11, 2-4. Ver também Xavier Léon-Dufour, Dictionnaire du Nouveau Testament, na entrada père.
[ii] Audiência de 12. 12. 2018
[iii] Já tentei explicitar, noutros textos, esta questão.

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NO NOVO ANO: CUIDAR
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia
No início de um novo ano, 2019 da era cristã, 5779 do calendário hebraico, 5120 do hindu, 4715 do chinês, 2562 do budista, 1441 do muçulmano, deixo aí uma breve reflexão sobre um tema essencial, o cuidado — cuidar e ser cuidado —, constitutivo do ser humano.
Entre as grandes obras do século XX, figura uma do filósofo alemão Martin Heidegger: Sein und Zeit (Ser e Tempo). Nela, retoma a célebre fábula sobre o Cuidado, de Higino, um escravo culto (64 a. C.-16 d. C.). Fica aí, traduzida literalmente.
“Uma vez, ao atravessar um rio, ‘Cuidado’ viu terra argilosa. Pensativo, tomou um pedaço de barro e começou a moldá-lo. Enquanto contemplava o que tinha feito, apareceu Júpiter. ‘Cuidado’ pediu-lhe que insuflasse espírito naquela figura, o que Júpiter fez de bom grado. Mas, quando ‘Cuidado’ quis dar o próprio nome à criatura que havia formado, Júpiter proibiu-lho, exigindo que lhe fosse dado o seu. Enquanto ‘Cuidado’  e Júpiter discutiam, surgiu também a Terra (Tellus) e também ela quis conferir o seu nome à criatura, pois fora ela a dar-lhe um pedaço do seu corpo. Os contendentes invocaram Saturno como juiz. Este tomou a seguinte decisão, que pareceu justa: ‘Tu, Júpiter, deste-lhe o espírito; por isso, receberás de volta o seu espírito por ocasião da sua morte. Tu, Terra, deste-lhe o corpo; por isso, receberás de volta o seu corpo. Mas, como foi ‘Cuidado’ a ter a ideia de moldar a criatura, ficará ela na sua posse enquanto viver. E, uma vez que entre vós há discussão sobre o nome, chamar-se-á  ‘homo’ (Homem), já que foi feita a partir do húmus (Terra)’.”
Martin Heidegger, um dos maiores filósofos do século XX, retoma a fábula e reflecte sobre o cuidado enquanto estrutura essencial do ser humano. Cuidar e ser cuidado são determinantes da sua constituição. O que seria de nós, se, ainda dentro do ventre materno, não houvesse cuidado, se, ao nascermos, não cuidassem de nós? O cuidado nunca nos pode abandonar. Sem o cuidado ao longo da vida toda, do nascimento à morte, o ser humano desestrutura-se, sente-se perdido, só, não encontra sentido e acaba por morrer, entregue ao abandono. 
O cuidado tem uma dupla vertente. Por um lado, significa preocupação mais ou menos ansiosa e a consequente prevenção. É assim que os pais dizem aos filhos, ameaçados por perigos: tem cuidado, filho; tem cuidado, filha! E prevenimos os amigos que nos pedem conselho: eu não iria por aí, tenha cuidado, acautele-se! Por outro lado, e sobretudo, tem a ver com a entrega abnegada aos outros, cuidando deles em todas as dimensões, pois a perfeição do ser humano na realização das suas possibilidades mais próprias é tarefa do cuidado.
Cuidar de quem e de quê?
O cuidado é, pela sua própria natureza, abrangente. Todos temos de cuidar. Cuidar de nós, cuidar de todos os outros, pois só somos na inter-relação, cuidar da Natureza, cuidar da transcendência e de Deus em nós. Sendo o ser humano um ser bio-psico-social-espiritual-transcendente, terá de estender o cuidado a todas as suas dimensões. Para poder ser e ser humano, autenticamente humano. Cuidar por afectos, palavras — ah! a cura pela palavra! — e por obras.
Mas, se o cuidado — ser cuidado e cuidar — é constitutivo do ser humano, de todo o ser humano, há pessoas cuja missão e até profissão é cuidar, ser cuidador. Estão nesta situação, só para dar alguns exemplos, pais, professores, padres, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, geriatras, profissionais e voluntários que cuidam da saúde e bem-estar de doentes, acamados e idosos...
Então, a pergunta é: eles cuidam, são cuidadores. Quem cuida deles? E como cuidam eles deles próprios? Como se previnem contra os perigos do stress e do burnout?
Neste contexto, aparece também a necessidade da espiritualidade. Realmente, há dados científicos que mostram a importância da espiritualidade e da prática religiosa para a saúde e até para a esperança de vida. Assim, na sua obra The Spiritual Brain, Beauregard cita 158 estudos médicos sobre o efeito da religião na saúde, concluindo que 77 por cento fazem menção de um efeito clínico positivo. Um estudo também mostrou que “os adultos mais idosos que participam em actividades religiosas pessoais antes do aparecimento dos primeiros sinais de incapacidade nas actividades do quotidiano têm mais esperança de vida do que aqueles que o não fazem”. Neste sentido, permita-se-me que cite também o neurocientista Miguel Castelo-Branco, da Universidade de Coimbra, no livro  Deus Ainda Tem Futuro?, que coordenei: “A medicina baseada na evidência tem sugerido que a religiosidade e a espiritualidade influenciam de forma efectiva o desenlace em muitos domínios clínicos, incluindo a dependência de drogas. Koenig e colegas estudaram em 1999 a taxa de sobrevida de cerca de 4000 pessoas com mais de 65 anos durante um período de 6 anos. Concluíram que aquelas que foram à igreja mais do que uma vez por semana tinham uma esperança média de vida superior a 10 anos relativamente às que não a frequentaram. A  experiência espiritual é benéfica para a saúde humana e o tipo de bem-estar psicológico que proporciona pode ser activamente procurado.”
Como dizia o famoso Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, é preciso prevenir-se contra “a agitação paralisante e a paralisia agitante”. Esta agitação e paralisia constituem um perigo maior do nosso tempo. Urge, pois, saber parar e repousar, como Jesus que, no meio da sua missão de anúncio do Evangelho, parava para meditar e orar ou pura e simplesmente para descansar. Afinal, cuidado, em latim, diz-se cura — não se chamava ao padre nas aldeias o cura de almas? —, que, para lá de cuidado, significa incumbência, tratamento, cura, inquietação amorosa, amor. Por esta via, chegamos também à medicina, que provém do latim mederi — a raiz é med: pensar, medir, julgar, tratar um doente —, que significa cuidar de, tratar, medicar, curar e que está também na base de moderação e meditação, sendo deste modo remetidos para um conceito holístico de saúde e de cura, que resultam e têm no horizonte sempre um equilíbrio harmónico.
in DN 06.01.2019
www.dn.pt/edicao-do-dia/06-jan-2019/interior/no-novo-ano-cuidar-10401525.html
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A VIDA A NASCER
Padre José Tolentino Mendonça

FELIZES AQUELES QUE CULTIVAM MAIS O ESPANTO DO QUE A DECEÇÃO OU OS QUE EXERCITAM MAIS A ACEITAÇÃO GENEROSA DO QUE O RESSENTIMENTO

Não é só o ano que começa. Qualquer que seja a nossa idade ou a estação em que nos encontremos a viver, a verdade é que somos, até ao fim, uma coisa no seu começo, a verdade é que habitamos unicamente começos. Nada mais. Não vimos outra coisa enquanto estivemos aqui. A nossa estirpe é a dos recém-nascidos, portanto. Uma das mais belas frases que conheço pertence a uma página bíblica, a Primeira Carta de Pedro. E a frase diz (ou ordena) o seguinte: “Como crianças recém-nascidas, desejai” (1Pe2,2). Somos, mesmo com dezenas, com centenas de anos e séculos em cima, “crianças recém-nascidas”. E devemos muito à misteriosa fragilidade dos recém-nascidos que, no fundo, ainda é a nossa, que, sabemos, será sempre a nossa. O nascimento deve ser reconhecido como estrutura fundante da vida, a sua irremovível arquitetura primária, e não apenas como uma das suas formas ocasionais, furtivas e possíveis. Quanta sabedoria existe naquele poema de Lao Tsé: “Quando os homens ingressam na vida são tenros e frágeis; quando morrem são hirtos e duros. Por isso os hirtos e duros se tornam mensageiros da morte e os tenros e frágeis são os mais credíveis mensageiros da vida.” Gosto de pensar que o verbo nascer é um verbo incessante, que faz de nós “credíveis mensageiros da vida”. Se pensarmos bem, conjugamos o verbo nascer milhares de vezes ao longo do nosso percurso. E mesmo aquelas experiências que, pela sua exigência, esforço ou sofrimento, não percebemos logo como itinerários de nascimento, se revelam depois uma etapa desse parto perene que é a nossa condição. A vida é fluxo, circulação espantosa, sucessão no aberto. A vida é interminável ação de nascer. Há um paciente e necessário trabalho a realizar para passar da tentação de fixar a vida em momentos determinados, cristalizando-a em imagens tanto euforicamente utópicas como desalentadamente distópicas, à capacidade de hospedar a correnteza da vida como ela nos assoma, o que requer de nós um amor muito mais rico e difícil. Um amor sem expectativas, nem julgamentos. No fundo, aquele amor que não nos coloca a amar a vida hipoteticamente pelo que dela se espera, mas a amá-la incondicionalmente pelo que ela é, muitas vezes na completa impotência ou na extrema vulnerabilidade de vida recém-nascida. Por isso, felizes aqueles que cultivam mais o espanto do que a deceção ou os que exercitam mais a aceitação generosa do que o ressentimento. Felizes os que no incompleto e no inacabado são capazes de ver a insinuação de uma promessa, mais do que uma lacuna. O importante é assim saber, com uma força que jorre do fundo da própria alma, se estamos dispostos a amar a vida como esta se apresenta e não como a fantasiamos. Como recordava Françoise Dolto, a nossa hora de maturidade só chega “quando, como qualquer outro ser humano, sentimos um desejo suficientemente forte para assumir todos os riscos do nosso próprio ser. Aí estaremos prontos a honrar o nascimento de que somos portadores”.

Gosto de pensar que o verbo nascer faz de nós “credíveis mensageiros da vida”. Conjugamos o verbo nascer milhares de vezes ao longo do nosso percurso

Por vezes, cansados e confundidos, não conseguimos compreender que certas etapas cambaleantes nos servem para um reencontro benéfico com o nosso próprio passo. E podemos dizer que a alegria que provámos no caminho não passou de um relâmpago breve, que nos precipitou em seguida no escuro. Ou da esperança podemos pensar que só nos iluminou porque ignorávamos que também ela era transitória. E da leveza, da gentileza ou da amizade podemos temer: chegará o outono e também elas voarão. Que injustiça, porém. O que vimos todo o tempo foi a vida a nascer.
in Expresso, 05.01.2019

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       À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves
EPIFANIA DO SENHOR Ano C
“Nós vimos a sua estrela no Oriente
e viemos adorá-l’O.”
Mt 2, 2

Que estrela nos guia?

São modelo para quem explora e quem busca os magos que foram a Belém. Homens de olhares erguidos aos céus, desejosos de conhecer os mistérios da vida. Não se prenderam a amarras e partiram, simplesmente porque uma estrela os convidava a ir. Não eram solitários e nem desistiram de fazer perguntas que lhe podia dar a morte. Interpelam todas as procuras humanas, e fazem-nos pensar que estrelas nos convidam a sair de prisões ou de condomínios que nos adormecem e atrofiam. Nas diferenças com que as tradições os vestiram, aprendemos como a verdade só se descobre se nos abrirmos aos outros, que podem não pensar nem viver como nós, mas também procuram mais luz, com honestidade e sem mentira. As divisões, os grupos fechados, os “clubes de fé ou de ciência” impedem de nos pormos a caminho: em vez de ir adorar o Menino, adoramo-nos a nós próprios!

A pergunta dos magos sobressaltou Herodes e os escribas, o poder político e o religioso sempre tentadoramente unidos. Eles até conheciam a resposta, mas foram incapazes de assumir um compromisso. Tiveram medo de perder o poder, de deixar de dominar o povo pela força e pelos ritos e sacrifícios. É a tentação política de deixar de servir o povo para servir as castas governantes. Não alerta para esse perigo o Papa Francisco na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano? Partilho dela uma citação do Cardeal vietnamita Francisco Xavier Nguyen Van Thuan, falecido em 2002 que escreveu “as bem-aventuranças do político”: Bem-aventurado o político que tem uma alta noção e uma profunda consciência do seu papel; de cuja pessoa irradia a credibilidade; que trabalha para o bem comum e não para os próprios interesses; que permanece fielmente coerente; que realiza a unidade; que está comprometido na realização duma mudança radical; que sabe escutar; que não tem medo” (texto adaptado).

Os magos convidam a sair e a deixar outros entrar. Invertem as noções de fora e de dentro. Fazem o distante próximo e alargam os horizontes da salvação. Ensinam a ler sinais que nos levam às alegrias surpreendentes que Deus gosta de oferecer. Com eles aprendemos a grandeza de adorar, a alegria de caminhar juntos, a inteligência de ler os sinais, a esperança de procurar, o poder do que é fraco, a riqueza do que é pobre, a sabedoria de caminhos novos. Todos somos chamados a ser um pouco como eles. Na nossa procura, nos nossos desânimos, nas perguntas e na leitura dos sinais e da Palavra de Deus, na adoração de Jesus e nos caminhos novos que se abrem a seguir. E nem é preciso ir longe, como Sophia de Melo Breyner Andresen descreveu num poema: “[…]Ao lado do hospital e da prisão / Entre o agiota e o templo profanado / Onde a rua é mais triste e mais sozinha / E onde tudo parece abandonado / Um lugar pela estrela foi marcado // Nesse lugar pensei: «Quanto deserto / Atravessei para encontrar aquilo / Que morava entre os homens e tão perto»”.
in Voz da Verdade, 06.01.2019
http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=7838&cont_=ver2


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Papa contra “escândalo” de católicos
TEXTO ROSA PEDROSO LIMA

Primeira mensagem do ano vai direta ao interior da Igreja. “Radicalidade” da mensagem do Papa é aplaudida no terreno
O Papa Francisco aproveitou a primeira mensagem de 2019 para se dirigir àqueles que “vão todos os dias à Igreja e que depois vivem odiando os outros”. “É um escândalo”, disse e repetiu o Papa. Diretamente para o interior do seu rebanho, Francisco deixou claro que “rezar não é falar com Deus como um papagaio” e que, nestes casos, “é melhor viver como ateus”. Eugénio Fonseca, dirigente da Caritas portuguesa, acha que a mensagem tem tanto de forte como de necessária. “O Papa diz com palavras simples aquilo que é um apelo de grande radicalidade: que é preciso regressar ao Evangelho e aos fundamentos do cristianismo.”
Na primeira audiência geral concedida em 2019, Francisco foi direto ao “escândalo” do comportamento de alguns católicos e as suas palavras tornaram-se um soundbyte, reproduzido nos media e nas redes sociais com alta intensidade. “Rezar é falar do coração. Os pagãos acham que falando, falando, se está a rezar”, disse o Papa. Mas, para quem acompanha de perto o pontificado, não existe aqui qualquer novidade, muito menos uma mudança por parte de Francisco. Para Octávio Carmo, da agência Ecclesia, “esta mensagem é recorrente, nas várias intervenções do Papa, nomeadamente nas homilias diárias que faz em Santa Marta”. “Diria até que é uma marca do seu pontificado: uma crítica à religiosidade cristalizada e um apelo à intervenção concreta dos católicos na vida económica, social ou política.”
Na verdade, já há dois anos, Francisco tinha dito praticamente o mesmo. Numa homilia, proferida em fevereiro de 2017 em Santa Marta, o Papa questionava: “Quantas vezes ouvimos, no nosso bairro e noutras partes, ‘para ser um católico como esse, era melhor ser ateu’? É esse o escândalo, destrói-nos, deita-nos por terra”, lastimou.
Eugénio Fonseca trabalha no terreno e acha relevante que o Papa “envie estas mensagens para o interior da Igreja, recorrendo a casos concretos”. “Com palavras simples, deixa uma mensagem forte e de grande radicalidade”, diz ao Expresso.
O Papa “vai à raiz do cristianismo e pede que sejamos zelosos na nossa coerência. As palavras que proferimos não podem ficar à porta do templo”, diz Eugénio Fonseca. O facto de o Papa se tornar uma voz incómoda para certos sectores da própria Igreja faz parte desse “regresso às origens”, segundo o dirigente da Caritas. “Um dos grandes conflitos de Jesus Cristo foi mantido com a religião do seu tempo”, afirma, “e até usou palavras bem mais duras para descrever a sua Igreja do que as usadas agora por Francisco”, conclui.
in Jornal Expresso 05.01.2019
https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2410/html/primeiro-caderno/em-destaque/Papa-contra-escandalo-de-catolicos

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Conversas sobre Doutrina Social da Igreja
21.01.2019 Dignidade da Pessoa
Oradoras: Teresa Toldy e Lisa Matos





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