P / INFO: Crónicas, It is time for change in the
Catholic church and that starts with equality for women, artigo de Colm Holmes,
membro e porta-voz do WAC Irlanda & Welcome
to my world: Notes on the reception of Frédéric Martel's bombshell.
NOTA: Em virtude deste antetítulo ser muito longo, enviei apenas
o primeiro parágrafo e o respectivo link. Se alguém quiser ler o artigo na
íntegra, pode-me manda um email que eu o enviarei.
OS OUTROS ESTÃO A MAIS? (2)
Frei Bento Domingues, O.P.
1. A fonte da realidade, una e múltipla, é sempre oculta para
quem olha de fora. É da experiência mais imediata que há outros e outros. Uns
são acolhidos, outros são rejeitados e outros ainda são vistos com indiferença
pelos nossos afectos e comportamentos. Por pouco que se aprofunde, cada ser
humano é um abismo misterioso.
Quando falamos dos direitos e
deveres humanos, enunciamos um reconhecimento e uma vontade que mais parecem
uma veleidade do que uma energia de acção. Quando invocamos a fraternidade humana designamos apenas um
horizonte e um desejo. Se desistíssemos desse horizonte, teríamos de responder
a uma pergunta inquietante: quem tem direito a excluir os outros da condição
comum? A pena de morte, por exemplo, significa um poder absoluto sobre o outro,
em nome de quê?
Que fazer para alterar aquilo
que ofende a condição humana? É uma pergunta imensa, mas não nos impede de
recordar coisas muito básicas. Parece evidente que existe, na consciência, a
noção de bem e de mal. O bem deve-se praticar e o mal deve-se evitar. Diz-se
que no concreto das tradições culturais e éticas, muitas vezes, aquilo a que
uns chamam bem outros chamam mal. Mas não exageremos. Não pode ser uma apologia
do relativismo: se vale tudo, nada vale!
As sabedorias antigas da
reciprocidade pediam: não faças aos outros o que não desejas que os outros te
façam a ti; ou de forma positiva, faz aos outros o que desejas que os outros te
façam a ti.
Essas generalidades não servem
para construir uma articulação concreta de direitos e deveres que tornem
possível a vida em sociedade. Pertence às normas fundamentadas do Direito e aos
diferentes órgãos legítimos do poder a busca da sabedoria e da arte de governar
para evitar a tirania e a desordem.
2. Estas abstracções não movem montanhas. As religiões não
aparecem sempre, nos grandes meios de comunicação social, pelos melhores
motivos e com a melhor imagem. Umas vezes com muita razão e outras por má-fé,
as religiões são acusadas de todos os males. Jesus Cristo, o homem da
intimidade com o divino e com o humano, era um crítico de certas formas e
instituições religiosas, a começar por aquelas em que foi iniciado. Parece que
nunca lhe passou pela cabeça que esse mundo tivesse caído do céu com as normas e
os interditos prontinhos a servir. Sabia distinguir o que era digno de Deus e
do ser humano, daquilo que era fruto da construção histórica dos interesses do
nacionalismo, dos grupos, das pessoas e do que, abusivamente, era atribuído à
divindade.
O diálogo inter-religioso, para
ser eficaz, exige que os intervenientes consintam em pôr em causa aquilo que
estragou o melhor das suas tradições. Não se pode assemelhar a uma falsa e
ridícula passagem de modelos de virtude.
No dia 4 de Fevereiro deste
ano, no Founder’s Memorial, em Abu
Dhabi (Emirados Árabes Unidos), o Papa Francisco e o Grande Imã da Mesquita de
Al-Azhar (Cairo – Egipto), Ahmed Mohamed El-Tayeb, considerado como a
autoridade máxima no mundo muçulmano sunita, assinaram o Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e
da convivência comum[1].
Importa destacar que vários líderes muçulmanos europeus já apoiaram a
declaração de Abu Dhabi. A posição conjunta assume a Declaração como um
documento-guia «para as gerações futuras promoverem uma cultura de respeito
mútuo na consciência»[2].
É fundamental
que os cristãos e os muçulmanos compreendam a importância do caminho que foi
aberto em Abu Dhabi. É o gesto religioso,
cultural e político mais importante, não apenas do começo do séc. XXI, mas desde
há muitos séculos. As personalidades que assinaram o histórico documento não
procuram defender as respectivas instituições religiosas. Estão a envolver as
duas grandes religiões em prol do bem de toda a humanidade. A declaração é
fundamentada na fé das duas configurações, mas é uma fé carregada com o
empenhamento de cuidar da Casa Comum e de todas as pessoas da humanidade.
«A fé leva o crente a ver no outro um irmão que se deve apoiar e
amar. Da fé em Deus, que criou o universo, as criaturas e todos os seres
humanos – iguais pela Sua Misericórdia –, o crente é chamado a expressar esta
fraternidade humana, salvaguardando a criação e todo o universo, apoiando todas
as pessoas, especialmente as mais necessitadas e pobres.
Partindo deste valor transcendente, em vários encontros dominados por uma
atmosfera de fraternidade e amizade, compartilhámos as alegrias, as tristezas e
os problemas do mundo contemporâneo, a nível do progresso científico e técnico,
das conquistas terapêuticas, da era digital, dos mass-media, das comunicações; a nível da pobreza, das guerras e das
aflições de tantos irmãos e irmãs, em diferentes partes do mundo, por causa da
corrida às armas, das injustiças sociais, da corrupção, das desigualdades, da
degradação moral, do terrorismo, da discriminação, do extremismo e de muitos
outros motivos.
De tais fraternas e sinceras acareações que tivemos e do encontro cheio de
esperança num futuro luminoso para todos os seres humanos, nasceu a ideia deste
“Documento sobre a Fraternidade Humana”. Um documento pensado com sinceridade e
seriedade para ser uma declaração conjunta de boas e leais vontades, capaz de
convidar todas as pessoas, que trazem no coração a fé em Deus e a fé na
fraternidade humana, a unirem-se e trabalharem em conjunto, de modo que tal
documento se torne, para as novas gerações, um guia rumo à cultura do respeito
mútuo, na compreensão da grande graça divina que torna irmãos todos os seres
humanos».
3. Na mesma altura, o
Papa Francisco fez um discurso notável[3],
de que destaco um ponto: Se acreditamos na existência da família humana, esta
deve ser salvaguardada. Consegue-se através dum diálogo diário e efectivo.
Pressupõe a própria identidade, da qual não se deve abdicar para agradar ao
outro; mas, ao mesmo tempo, requer a coragem da alteridade. Supõe
o pleno reconhecimento do outro, da sua liberdade e impõe-me o compromisso de
tudo fazer para que os seus direitos fundamentais sejam sempre respeitados, em
toda parte e por quem quer que seja. Sem liberdade, não se é filho da família
humana, mas escravo. Entre as liberdades, o Papa salienta a liberdade
religiosa. Esta não se limita à mera liberdade de culto, mas vê no outro
verdadeiramente um irmão, um filho da mesma humanidade, que Deus deixa livre e,
por conseguinte, nenhuma instituição humana pode forçar, nem mesmo em nome d’Ele.
Isto não se
ouve muitas vezes.
in Público, 24.02.2019
[2]
7Margens, jornal digital, 2019.02.17
[3]
Deus está com o homem que procura a paz, http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/february/documents/papa-francesco_20190204_emiratiarabi-incontrointerreligioso.html
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CIMEIRA GLOBAL HISTÓRICA ANTI-ABUSOS
Anselmo
Borges
1. Não conheço condenação mais dura e funda da
pedofilia do que estas palavras de Jesus no Evangelho: “Deixai vir a mim as
criancinhas”, e é preciso tornar-se como uma criança, “para entrar no Reino dos
Céus”, porque elas são simples, inocentes, não discriminam. Imediatamente a
seguir Jesus diz: “Ai de quem escandalizar uma criança. Era melhor atar-lhe a
mó de um moinho ao pescoço e lançá-lo ao fundo do mar.” Não se pode fazer mal
às crianças: elas são inocentes, elas não fazem mal (é esse o sentido de
inocente, a partir do verbo nocere: causar dano, fazer mal, com o
prefixo negativo in).
É assim para todos e sempre. Mas isso
vale de modo especial para a Igreja. E o que é que se passou, desgraçadamente?
Foram milhares de menores e pessoas vulneráveis que foram abusados. Mesmo
sabendo que o número de pedófilos é muito superior na família e noutras
instituições, a gravidade da situação na Igreja é mais dramática. Por várias
razões: as pessoas confiavam na Igreja quase sem condições, o que significa que
houve uma traição a essa confiança, e o clero e os religiosos têm
responsabilidades especiais. O mais execrável: abusou-se e, a seguir,
ameaçou-se as crianças para que mantivessem silêncio, pois, de outro modo,
cometiam pecado e até poderiam ir para o inferno. Isto é monstruoso, o cume da
perversão. E houve bispos, superiores maiores, cardeais, que encobriram, pois
preferiram salvaguardar a instituição Igreja, quando a sua obrigação é proteger
as pessoas, mais ainda quando as vítimas são crianças. O Papa Francisco chamou
a esta situação “abusos sexuais, de poder e de consciência”. Também diz, com
razão, que a base é o “clericalismo”, julgar-se numa situação de superioridade
sagrada e, por isso, intocável. Neste abismo, onde é que está a superioridade
do exemplo, a única que é legítimo reclamar?
2. Não se sabe há quanto tempo dura
esta miséria, este colapso moral. Felizmente, há hoje um alerta da opinião
pública e, por isso, Francisco, em
vez de condenar ou
atribuir outras intenções aos meios de comunicação social, agradece, pois foi o
meio para que também a Igreja acordasse do seu sono sacrílego.
E, aí, Francisco tomou uma iniciativa
inédita e histórica, convocando uma Cimeira para o Vaticano, que começou no
passado dia 21 e conclui hoje, Domingo. Quem participa? São 190 os
participantes, entre os quais 114 Presidentes das Conferências Episcopais de
todo o mundo, bispos representando as Igrejas católicas orientais, alguns
membros da Cúria, representantes dos superiores e das superioras gerais de
ordens e congregações religiosas, masculinas e femininas, alguns peritos e
leigos.
O Papa quer, em primeiro lugar, que
se tome consciência da situação e do sofrimento incomensurável causado, que
fica para a vida. E que se tome medidas concretas, de tal modo que se possa
constatar um antes e um depois desta Cimeira verdadeiramente global e
representativa da Igreja universal e nos seus vários níveis.
Os três dias estiveram sob o lema
tríplice: “responsabilidade”, “prestação de contas”, “transparência”. Que o
Papa quer — não se trata de mero desejo — implantar “tolerância zero” para a
pedofilia na Igreja mostra-o bem o sinal inequívoco da redução ao estado laical
do ex-cardeal Theodore McCarrick, antigo arcebispo de Washington.
3. Como previsto, no primeiro dia, os
participantes foram confrontados com testemunhos de cinco vítimas. Houve dois
que foram particularmente marcantes. Uma das vítimas deixou este clamor: “Vós
transformastes-vos em assassinos das almas e em assassinos da fé. Que
contradição mais ignominiosa. Não podemos continuar com este crime de encobrir
esta chaga dos abusos sexuais na Igreja”. Arrepiante foi o testemunho de uma
mulher africana, que recordou que manteve relações sexuais com um padre desde
os 15 anos. “Tinha medo dele, sempre que me negava a ter relações com ele,
batia-me”. Dependia totalmente dele economicamente. Não usava preservativo e
proibia-a a ela de usar anticonceptivos. “Isto durou treze anos seguidos.
Fiquei grávida três vezes, obrigou-me três vezes a abortar.”
As propostas e as medidas concretas
foram surgindo, a maior parte delas retomando o que já se é obrigado a fazer
segundo a lei canónica e civil, pois é preciso “informar as autoridades civis e
as autoridades eclesiásticas superiores em conformidade com as normas civis e
canónicas”, para salvaguardar a protecção dos menores. Os abusos são um pecado
e um crime e, por isso, os abusadores “têm de prestar contas às autoridades
civis”, tem de haver colaboração com a justiça civil. “Implementar
procedimentos partilhados para o exame das acusações, a protecção das vítimas e
o direito de defesa dos acusados”. “Observar o tradicional princípio da
proporcionalidade da pena em relação ao delito cometido. Deliberar que os
sacerdotes e bispos culpados de abuso sexual de menores abandonem o ministério
público”. As vítimas devem ser acompanhadas e protegidas com apoio psicológico,
terapêutico, espiritual, eventualmente material-
económico. Também os
abusadores condenados, que, na minha opinião, serão excluídos do sacerdócio,
devem receber apoio, pois não podem ser pura e simplesmente abandonados.
Evidentemente, é necessário salvaguardar o princípio da presunção de inocência
até que se prove a culpabilidade do acusado: este princípio da presunção de
inocência também é válido para o clero. “Estabelecer disposições que regulem e
facilitem a participação de peritos leigos nas investigações e nos diferentes
graus de julgamento dos processos canónicos referentes aos abusos sexuais e/ou
de poder”. “Formular códigos de conduta obrigatórios para todos os clérigos, os
religiosos, o pessoal de serviço e os voluntários, para estabelecer os limites
apropriados nas relações pessoais”. Propõe-se uma “avaliação psicológica por
peritos qualificados” dos candidatos ao sacerdócio e à vida consagrada.
4. Pessoalmente, regozijo-me com esta
avaliação. Na minha opinião, os candidatos a padres deveriam eles próprios
submeter-se a um escrutínio psicológico através de peritos qualificados,
acreditados, de saúde mental.
Por outro lado, embora reconheça que
se não pode estabelecer um nexo causal entre o celibato e os abusos sexuais,
penso que, mais tarde ou mais cedo, será necessário acabar com a lei do
celibato obrigatório e caminhar para o celibato opcional: Jesus entregou o
celibato à liberdade. Também penso que os candidatos ao sacerdócio deverão
viver em paróquias, comunidades abertas, fazendo a sua preparação académica em
Faculdades de Teologia (o Seminário serviria para alguns encontros de formação
específica e comunitária...). O actual modelo de Seminário, que vem do Concílio
de Trento e que prestou grandes serviços, já se não adequa aos tempos actuais.
Aliás, estou convicto de que já em Outubro próximo, no Sínodo sobre a Amazónia,
se abrirá a porta para a ordenação de homens casados. E não há razão nenhuma
teológica que impeça a ordenação de mulheres.
5. Quando escrevo, a Cimeira ainda decorre. Perguntam-me se
os ultra-conservadores terão força para obstruir medidas que têm de ser tomadas
num “plano de acção comum”, como propôs o cardeal Sean O’Malley, arcebispo de
Boston e presidente da Comissão para a defesa de menores do Vaticano. Não creio
de modo nenhum, pois é a própria credibilidade da Igreja e do Evangelho que
está em jogo: a Igreja terá de ser o espaço garantido de segurança para os
menores. Também para que uma Igreja credibilizada possa dar o seu contributo
decisivo para que as crianças todas possam crescer e desenvolver-se sem perigos
nas famílias e em tantas outras instituições que, entretanto, têm passado
imunes à crítica e às penas. É preciso “enfrentar o monstro” da pedofilia
clerical, exigiu o cardeal J. Cupich, arcebispo de Chicago e um dos
responsáveis pela organização desta Cimeira. Enfrentar o monstro da pedofilia
na Igreja e em toda a parte.
in DN, 24 de
Fevereiro de 2019
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QUE
COISA
SÃO
AS NUVENS
JOSÉ
TOLENTINO MENDONÇA
A
PERFEITA ALEGRIA
SOMOS
FELIZES QUANDO, RECONHECENDO A NOSSA PRÓPRIA FRAGILIDADE, NOS RECONHECEMOS
TAMBÉM PROMETIDOS NÃO SÓ À ALEGRIA, MAS À PERFEITA ALEGRIA
É
uma arte difícil, a alegria. Por um lado, sabemo-la próxima e acessível, como
se os nossos dedos pudessem, a cada momento, e sem esforço, alcançá-la. Mas
sabemos também como nos escapa, como é precária, dolorosa e inexplicável a
alegria. Como nos obriga a procuras extenuantes e a desertos cujo fim não se
divisa. Não admira, por isso, que muitos desistam da alegria e se metam a
caminhar, vida fora, excluindo-a do seu alforge. A alegria, porém, é uma
condição necessária da existência. Sempre que ela nos falta temos de
interpretar isso como um iniludível sintoma, a que é preciso atender. Temos de
nos interrogar sobre o porquê do nosso viver burocrático e tristonho, o porquê
do nosso passo precocemente anoitecido, do nosso errar entre o peso e a cinza
de onde a alegria se ausenta.
Se
pensarmos bem, a maior parte do tempo, a nossa vida é experiência de
inacabamento e incompletude, é esboço e projeto, é movimento transformante
Não
raro o problema é fazer depender a alegria de motivações acidentais, que nada
têm que ver com a sua essência. Julgamos extrair a alegria do sucesso, da
abundância, da força, da afirmação, da eficácia, do poder, mas o tempo
encarrega-se de demonstrar o nosso equívoco. Os mestres espirituais ensinam,
por exemplo, que a alegria não depende do imediato ou conjuntural: a alegria
liga-se às razões profundas do viver. De facto, ela não deve ser reduzida a uma
espécie de estado de graça que nos toca em certas estações ou a uma maravilhosa
isenção face à turbulência e aos contrastes do mundo. Pelo contrário. Se
pensarmos bem, a maior parte do tempo, a nossa vida é experiência de
inacabamento e incompletude, é esboço e projeto, é movimento transformante.
Como escrevia Montale: “Não existe um tempo inteiro:/ temos sempre tantos fios/
a correr em paralelo/ fios em sentido contrário/ que raramente coincidem.”
Conta-se
nos ‘Fioretti’ (a célebre recolha hagiográfica que se tornou uma das fontes
para conhecer o franciscanismo das origens) que regressando São Francisco de
uma viagem para o seu convento de Santa Maria dos Anjos, fustigado por um
inverno particularmente hostil, o seu companheiro Frei Leão lhe perguntou:
“Pai, peço-te, da parte de Deus, que me digas onde está a perfeita alegria.” E
que São Francisco lhe respondeu desta maneira: “Imagina que ao chegarmos a
Santa Maria dos Anjos, completamente encharcados, desfigurados pela lama da
estrada, pela fome e pelo frio, batemos à porta do convento; o porteiro aproxima-se
irritado e diz: ‘quem são vocês?’; e nós explicamos: ‘somos dois dos vossos
irmãos’; mas ele responde, ‘vê-se claramente que estão a mentir, são, sim,
vagabundos que roubam as esmolas destinadas aos pobres. Fora daqui!’. Quando o
irmão porteiro nos fechar a porta, e nos abandonar sem apelo à neve e à fome,
se soubermos suportar tal injúria de bom modo, sem nos perturbarmos e sem
murmurarmos contra ele, possuiremos então a perfeita alegria.”
É
uma arte de paciência, a alegria. Ela pede de nós a capacidade de desconstruir
as nossas expectativas, necessidades, idealizações — coisas a que estamos mais
apegados do que supomos — e a provar aquela liberdade que vem de abraçar a vida
nas suas não-coincidências (como sugeria o verso de Montale), com os seus sofrimentos,
os seus revezes, as suas interrogações e pausas, as suas misteriosas
travessias. E a fazê-lo sem ressentimento, mas aceitando que a esperança se
expressa de um modo alternativo, prossegue por um caminho outro, capaz de nos
surpreender. Na verdade, é um artesanato a alegria, não um produto
prefabricado. É uma coreografia que avança por tentativas e não um enredo
prévio, que já dominamos. Somos felizes quando, reconhecendo a nossa própria
fragilidade, nos reconhecemos também prometidos não só à alegria, mas à
perfeita alegria.
in
Semanário Expresso, 23.02.2019
https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2417/html/revista-e/que-coisas-sao-as-nuvens/A-perfeita-alegria
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À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves
DOMINGO VII COMUM Ano C
“Amai os vossos
inimigos,
fazei bem aos que vos
odeiam.”
Lc 6, 20
A revolução
do amor
Era surpreendente o sorriso daquela anciã, certamente
nonagenária, enquanto o padre falava sobre a dificuldade em amar os inimigos.
No fim da Missa, o padre, curioso com tal contentamento, foi cumprimentá-la, e
não resistiu a perguntar se tinha gostado da homilia. Ela respondeu que sim, e
acrescentou que a ela já não lhe custava amar os inimigos. “Ah, não?”, exclamou
o padre, e perguntou: “Porquê?”. Com o mesmo sorriso, respondeu-lhe a senhora:
“Sabe, senhor padre… já morreram todos!” E o padre sorriu também.
Há muitas páginas difíceis no Evangelho. Umas na
interpretação, outras no contexto, a maioria na exigência, pelos renovados
critérios de vida que Jesus apresenta. Estas páginas do “sermão da planície” em
S. Lucas, não deixam ninguém indiferente. Sente-se nelas a força de um
mandamento, um imperativo que ultrapassa a sugestão de um conselho: “amai”,
“fazei bem”, “abençoai”, “orai”! É a marca pessoal de Jesus no seu caminho pelo
mundo. E assim procuraram viver os santos. Haverá outro modo de seguir Jesus?
É verdade que ultrapassámos (?) a lei de Talião do livro do
Levítico que dizia: “olho por olho, dente por dente”. Mas continuamos a ouvir
(e a dizer) “quem não se sente, não é filho de boa gente”, para justificar
pequenos ódios e vinganças. Pagar o mal com o mal, não é, infelizmente, uma
realidade ultrapassada, e muitas violências são mais reprimidas que resolvidas.
Jesus não nos pede passividade ou neutralidade. São precisas acções positivas,
surpreendentes, sem ceder ao imediatismo da violência. Ao soldado que, na
paixão de Jesus, lhe bateu na face, não deixou de o interpelar. Não nos pede
que fiquemos indiferentes ao mal que alguém faz ou à injustiça imposta. A
indiferença não é também uma violência?
O que em verdade pode mudar o mundo é esta corrente de amor.
Transformamos a realidade à nossa volta de modo simples e silencioso, com
pequenos gestos alternativos que diminuem o poder da violência. “Como quereis que
os outros vos façam, fazei-lho vós também”: eis a regra de ouro. É apostar na
antecipação do bem, quando se espera mais mal. E ser persistente. A importância
da oração pelos que nos fizeram mal é a do amor que tem a fonte em Deus,
verdadeiro Pai de todos. Quanta energia e quanto investimento nas variadas
“indústrias de guerra” podiam ser orientados para um verdadeiro desenvolvimento
da humanidade?!
Nada se resolve com a morte dos inimigos. O que engrandece a
alma humana é a salvação de “todos os que pudermos”. E isso começa nas relações
primeiras, nas famílias, entre vizinhos, nas associações, nas comunidades
cristãs, nos espaços de trabalho, nos grupos a que pertencemos. Não é aí que a
revolução acontece, com o nosso nome também?
in Voz da Verdade, 24.02.2019
http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=7972&cont_=ver2
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It is time for
change in the Catholic church and that starts with equality for women
Colm Holmes
‘Guided by the Holy Spirit we
must come together and find new inclusive governance structures to replace the
old patriarchal model, which has broken down’, writes Colm Holmes.
SENIOR
CATHOLIC BISHOPS from all over the world gather in Rome this week for a
four-day summit on clerical sexual abuse, which some say is the most serious
crisis in the church since the Reformation.
Child sexual
abuse will rightly top of the agenda, but it’s also just this month that Pope
Francis admitted that Catholic priests and bishops have sexually abused nuns
and that that abuse is likely to still be happening.
“I think it
is still going on because it’s not something that just goes away like that,”
said Pope Francis. He correctly identified that it is a cultural problem, the
roots of which lie in “seeing women as second class”.
That was a
very honest admission by the pope – that women are seen as second class within
the Catholic Church. They were viewed that way by society at large for many
centuries – women were there to raise children but men were in charge.
That has
changed dramatically in the last 100 years, at least in western countries, with
women getting the vote and almost all career paths being open to them.
There is just
one very notable exception – ministry within the Catholic Church remains
closed, thus the church is now one of the few places where women are still
second class.
It is that
second-class status that has allowed the cover-up of the fact that priests and
bishops have sexually abused nuns.
Abuse of nuns
In 1994, Sr
Maura O’Donohue of the Irish Medical Missionary of Mary prepared a detailed
report for the Vatican.
O’Donohue
visited nuns a large number of nuns in 22 countries including Ireland, the USA
and Italy – as well as many African nations. She reacted with “shock and
disbelief” at the magnitude of the problem she encountered, in terms of the
sexual abuse of nuns.
According to
the National Catholic Reporter 16 March 2001, she found that:
In some
instances, candidates to religious life had to provide sexual favours to
priests in order to acquire the necessary certificates and/or recommendations
to work in a diocese.
One diocesan
congregation has had to dismiss over 20 nuns because of pregnancy, and in many
cases the fathers were priests.
Some priests
recommended that the nuns take an oral contraceptive, claiming it prevented
HIV, while others encouraged nuns to have abortions.
Some priests
had children with more than one woman.
In one
instance, a recent convert from Islam was subjected to rape by the priest. When
she discovered she was pregnant, she went to talk to the bishop. He called in
the priest, who admitted he fathered the child and he was told by the bishop to
go on a two-week retreat.
Since the
1980s, in a number of countries, nuns were refusing to travel alone with a
priest in a car because of fear of harassment or even rape.
Cover-up
The church
hierarchy effectively suppressed Sr Maura O’Donohue’s report. Here are just two
examples of the ways in which they did this:
In 2001
Petronilla Samuriwo resigned her position as Editor of the Zimbabwe Bishops
Conference newspaper ‘Catholic News’. She had published an account of Sr Maura
O’Donohue’s Report. The bishops banned the sale of their own publication
because it contained that report.
In 2005,
Regina Soares Jurkewicz, eight years a professor at the Theological Institute
of the Catholic diocese of São Paulo, Brazil, was fired soon after she
published the results of her doctoral research on sexual violence against women
by Catholic clergy in Brazil.
Her findings
were in keeping with the findings of internal church reports from the 1990s,
which documented the sexual exploitation and abuse of nuns and other adult
women by Catholic priests in 23 countries on five continents.
Second-class
status continues
At the 2018
Youth Synod, non-ordained men representing their religious orders were given
votes; women representing much larger orders were given no votes.
The
Pontifical Biblical Commission (which included no women) in 1976 reported that
there is nothing in scripture preventing the ordination of women. Yet Pope
Francis has confirmed Pope John Paul II’s 1994 ban on the ordination of women
priests saying the door is closed.
No woman has
been appointed to head any Vatican Department and the report from Pope Francis’
Commission for Women in the Diaconate has not been published.
Justification
For centuries
the church hierarchy did not have to justify excluding women from all ordained
ministries. Most in society accepted the ideology that women were inferior to
men.
But in the
21st century, we understand that view was wrong.
Now the
church hierarchy justifies not ordaining women by referring to the Last Supper
and claims it was an ordination ceremony for the 12 (male) apostles.
But would
Jesus have excluded the women who supported him in his ministry?
Women
followed Jesus up to Jerusalem and they were at the Last Supper. They stood at
the foot of the cross when the men ran away.
Mary of
Magdala, Apostle to the Apostles, was the first witness of the Resurrection.
Time for change
At the
International Women’s Day Conference on 8 March 2018, the former President of
Ireland, Mary McAleese said:
The Catholic
Church has long since been a primary global carrier of the virus of misogyny.
It has never sought a cure although a cure is freely available. Its name is
equality.
In the
churches around Ireland, the large majority of the congregations are women.
With the
dramatic decline in the moral authority of our hierarchy, the way forward must
be through sharing decision-making with all the faithful, men and women, married
or single, regardless of their sexual orientation.
Guided by the
Holy Spirit, we must all come together in dialogue and find new inclusive
governance structures to replace the old clericalist and patriarchal model
which has broken down.
“In Christ,
there is neither Jew nor Greek, neither slave nor free, nor male and female
(Galatians 3:28).
Colm Holmes is a longtime campaigner for the full equality of women in
the Catholic Church and is a spokesperson for We Are Church Ireland.
We Are Church
Ireland campaigns for the reform of the Catholic church. Among other things
they aim for the full participation of women in all ministries, celibacy to be
optional and to create an inclusive church welcoming to all, especially LGBT
Christians.
Colm Holmes
in The
Journal.ie, 22.02.2019
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Welcome to my world: Notes on the reception of Frédéric Martel's bombshell
So, the other shoe has finally dropped. The veil has been removed from what the French rather gloriously call a secret de Polichinelle ― an open secret: one that "everybody knows" but for which the evidence is both elusive and never really sought. The merely anecdotal is, at last, acquiring the contours of sociological visibility.
The structure of the clerical closet
Frédéric Martel's book In the Closet of the Vatican: Power, Homosexuality and Hypocrisy is the first attempt of which I am aware at a properly researched answer to the question: "How and why is it that the principal institutional obstacle to LGBT rights at the worldwide level appears itself to be massively staffed by gay men?"
This is not, by any standards, a stupid question. The search for evidence involved Martel in several years of investigative journalism. He made multiple trips worldwide, spent months of residence both in Rome and within the Vatican, all under his own name. And he conducted hundreds of interviews with those involved in one way or another. From sex-workers to Cardinals, by way of journalists, doctors, police, priests, diplomats and lawyers. The harvest of evidence yields a picture: that of the systemic way dishonestly-lived homosexuality creates a self-reinforcing culture of mutual cover-up. In other words: the structure of the clerical closet.
So, the other shoe has finally dropped. The veil has been removed from what the French rather gloriously call a secret de Polichinelle ― an open secret: one that "everybody knows" but for which the evidence is both elusive and never really sought. The merely anecdotal is, at last, acquiring the contours of sociological visibility.
The structure of the clerical closet
Frédéric Martel's book In the Closet of the Vatican: Power, Homosexuality and Hypocrisy is the first attempt of which I am aware at a properly researched answer to the question: "How and why is it that the principal institutional obstacle to LGBT rights at the worldwide level appears itself to be massively staffed by gay men?"
This is not, by any standards, a stupid question. The search for evidence involved Martel in several years of investigative journalism. He made multiple trips worldwide, spent months of residence both in Rome and within the Vatican, all under his own name. And he conducted hundreds of interviews with those involved in one way or another. From sex-workers to Cardinals, by way of journalists, doctors, police, priests, diplomats and lawyers. The harvest of evidence yields a picture: that of the systemic way dishonestly-lived homosexuality creates a self-reinforcing culture of mutual cover-up. In other words: the structure of the clerical closet.
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VATICANO, 21-24 DE FEVEREIRO DE 2019