14 abril 2019

Notícias de Domingo 14.04.2019


P / Info: Crónicas de Frei Bento Domingues, Pe. Anselmo Borges, Pe. Tolentino Mendonça e Pe. Vitor Gonçalves, Mulheres “não teriam consentido esta loucura” dos abusos sexuais na Igreja, entrevista de Natália Faria a Phyllis Zagano & Theologians concerned about newly engaged role of Benedict, pope emeritus, artigo de Joshua J. McElwee

SEMANA SANTA? QUE TENHO EU A VER COM ISSO?
Frei Bento Domingues, O.P.

O ser humano não pode ser um escravo do trabalho. Há muitas outras dimensões da vida que é preciso atender.

1. Creio que toda a gente tem muito a ver com a Semana Santa. Explico: os católicos fervorosos podem lamentar que, num país onde a maioria da população se exprime como católica (cerca de 80%), aproveite o Natal, a Páscoa, os Domingos e festas de santos para descanso, desporto, viagens, segundo as possibilidades económicas de cada um, e muito pouco para celebrar e aprofundar o conhecimento da sua própria fé.
Esses católicos só têm razão até certo ponto. Não esqueçamos que o Novo Testamento estabeleceu uma grande polémica em torno da prática judaica sacralizada do sábado. Uma das narrativas míticas da criação está organizada para que, no sétimo dia, até Deus descanse

[1]. Não podia haver táctica melhor do que esta: colocar o seu Deus como exemplo do que todos os crentes deviam cumprir. Se os textos do Novo Testamento são tão duros com essa sacralização, não era por causa de serem dias de descanso e oração. O que levou o judeu, Jesus de Nazaré, a provocar os seus concidadãos, fazendo o que estava proibido ao sábado, não era por desprezo do dia consagrado ao descanso, mas por terem transformado, numa prisão, um marco civilizacional da liberdade.
O ser humano não pode ser um escravo do trabalho. Há muitas outras dimensões da vida que é preciso atender e às quais é preciso dar oportunidades. Não esqueçamos que o projecto de Jesus surge como projecto de libertação, sobretudo dos doentes, dos pobres e das mulheres que não contavam para nada na sociedade do seu tempo.
Essa actividade de Jesus tinha, também, uma motivação teológica: o sábado não podia ser o dia de tolher a vida humana e as expressões da sua liberdade. Se era o dia de Deus, tinha de ser o melhor dia do ser humano, a festa da humanidade. Deus não podia tolerar que, em seu nome, se impedisse a alegria.
Se Jesus escolhia, sobretudo, esse dia e a Sinagoga para as curas, não era para aborrecer os judeus mais ortodoxos e ritualistas. Era para que esse dia, ao fazer bem aos seres humanos, revelasse o que era a verdadeira glória de Deus, o seu autêntico louvor.
Os fariseus insistiam em dizer que Jesus não podia ser um homem de Deus, pois não observava o sábado. O Quarto Evangelho, dito de S. João, vai ao ponto de colocar na boca do Nazareno algo de terrível, de blasfemo: o meu Pai trabalha sempre e eu também[2]. O texto acrescenta: por isto os judeus ainda mais o procuravam matar porque não só anulava o sábado, mas até se atrevia a chamar a Deus seu próprio pai, fazendo-se, assim, igual a Deus. Em S. Marcos, declara o sentido antropológico desta instituição religiosa: o sábado foi feito para o ser humano e não o ser humano para o sábado[3]. Deus é glorificado na alegria das suas criaturas.
A chamada Semana Santa é a transformação de uma semana criminosa, assassina, no testemunho maior da existência humana: Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem. Jesus, ao pedir vida para os que lhe davam a morte, ressuscitou-os na sua própria alma.
2. António Marujo[4] fez uma magnífica reportagem sobre alguns assuntos debatidos no Terra Justa – Encontro Internacional de Causas e Valores da Humanidade –, em Fafe (3-6 de Abril.2019), destacando a campanha pelo domingo livre de trabalho e pela saúde como direito humano.
A presidente do Movimento Mundial de Trabalhadores Cristãos (MMTC), Fátima Almeida, defendeu que é preciso voltar a fazer campanha pelo domingo livre, para trabalhos e serviços que não são necessários nesse dia. Não se trata de fazer isso por causa da missa, mas “pelo encontro, pela família e os amigos, para dedicar tempo à cultura, à vida para além do trabalho, como diz o Papa”.
Ao dizer isto, não é contra a missa, mas para destacar o valor humano de uma festa religiosa para religiosos e não religiosos. A verdadeira religião não abafa, pelo contrário, expande a vida e os verdadeiros valores de todos. Na interpretação cristã, é desta forma que se dá glória a Deus.
Como já dissemos, o projecto de Jesus implicava a libertação da doença, o dom da saúde para todos. Ora, neste encontro, o dia 5, tinha sido dedicado à homenagem ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), através de dois dos seus rostos mais importantes: António Arnaut, que o criou há 40 anos e morreu em 2018, e Francisco George que, enquanto director-geral de Saúde, foi um dos seus principais responsáveis nestes 40 anos. Hoje, tudo mudou e as estatísticas colocaram Portugal entre os 12 melhores do mundo nos cuidados de saúde, mas o sistema sofre as dores do crescimento. Numa das Conversas, Francisco George destacou: “É preciso reduzir desigualdades, mas a principal desigualdade e o risco mais importante no acesso à saúde é a pobreza. Estamos muito melhor do que em 1974, mas é preciso distribuir melhor”.
3. Com a exaltação do valor humano da religião autêntica e do alcance divino dos valores verdadeiramente humanos não se está a desvalorizar as expressões simbólicas e rituais das religiões. O que se pretende é que estas não estraguem o que pretendem e devem defender. As instituições religiosas não são por causa da religião, mas por causa de certas dimensões da vida humana que o quotidiano tende a esquecer. Voltamos à sentença de Cristo: o sábado foi feito para o ser humano e não o ser humano para o sábado.
Uma das grandes tarefas das lideranças da Igreja – bispos, párocos e congregações religiosas – consiste em ajudar as pessoas a perceber o que perdem se não aprofundarem o sentido das celebrações da fé e o que ganham quando são fiéis ao seu espírito e finalidade.
Não adianta muito insistir no que está mandado ou proibido, quanto a práticas religiosas. Importa que se tornem apetecíveis pela sua beleza e sobriedade. Que falem à sensibilidade, ao coração e à inteligência. Que nos comovam.
Quanto à Semana Santa, existem vários tipos de recuperação das tradições e da qualidade das celebrações marcadas pelas exigências do Vaticano II. O turismo religioso explora tradições. A liturgia viva procura uma linguagem de beleza que mostre a urgência de nascer de novo[5]. Só podemos saber se celebramos a Páscoa, se crescer em nós a vontade de servir aqueles que precisam da nossa dedicação: sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos[6].

in Público 14.04.2019
https://www.publico.pt/2019/04/14/sociedade/opiniao/semana-santa-1868822


[1] Gn 2, 1-3
[2] Jo 5, 1-17
[3] Mc 2, 27-28
[4] 7Margens (jornal online), 07.Abril.2019
[5] Jo 3
[6] 1Jo 3, 14

● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ●
A Paixão do mundo

Anselmo Borges

Pascal, o matemático, um dos maiores de sempre e também um dos mais profundos cristãos de sempre, observou, nos Pensamentos: "Jesus estará em agonia até ao fim do mundo; é preciso não dormir durante esse tempo."

Sim, a Paixão de Cristo continua e é preciso estar acordado e atento. Na Paixão de Cristo estamos todos.

1. Com uma vida a anunciar, por palavras e obras, o Deus que é Amor incondicional, Pai e Mãe, cujo único interesse é a realização plena de todos os seus filhos, a alegria e a felicidade de todos, a começar pelos mais pobres, humildes, abandonados, oprimidos, o que o colocava em confronto com os poderes opressores, religiosos, económicos, políticos..., Jesus, sabendo o que o esperava, ofereceu uma ceia, a Última Ceia, dizendo: "Isto é o meu Corpo, isto é o meu Sangue, a minha vida entregue por vós." Aquele pão e aquele vinho são a sua pessoa entregue para dar testemunho da Verdade e do Amor. Quando se reunissem, deveriam fazer isso em sua memória, lembrando o que ele fez e é.

2. A religião sacrificial e ritual do Templo teve papel decisivo neste enfrentamento. Quem primeiro o condenou foi a religião oficial, cujos sacerdotes não toleravam ver os seus privilégios postos em causa: "Ide aprender o que isto quer dizer: eu não quero sacrifícios, mas justiça e misericórdia", diz Deus. Do mais indigno que há: viver de e para uma religião que humilha e oprime em nome de Deus.

3. No Getsémani, Jesus entrou em pavor e angústia, "pôs-se a rezar mais instantemente, e o suor tornou-se-lhe como grossas gotas de sangue, que caíam na terra". Deus não atendeu a sua súplica e até os discípulos mais íntimos adormeceram. "Porque dormis? Levantai-vos e orai, para que não entreis na tentação." Todos passámos ou passaremos, de um modo ou outro, por horas de dúvidas, de horror e de solidão atroz.

4. Judas era discípulo de Jesus, mas incorreu num equívoco: esperava um Messias político, que Jesus não era. Assim, não o entregou com a intenção de traí-lo e obter dinheiro. Estava era convicto de que Jesus, no confronto directo com os poderes vigentes, iria ele próprio tomar o poder, para libertar o povo. Por isso, quando viu o sucedido, foi, desesperado, entregar as moedas de prata. No meio do seu desespero, ninguém o compreendeu nem ajudou: "Isso é lá contigo", disseram os sacerdotes. E ele enforcou-se. Ninguém lhe deu a mão.
5. Com medo de que a relação com os romanos se agravasse por causa da actuação de Jesus, o sumo sacerdote Caifás dera este conselho: "Interessa que morra um só homem pelo povo." Aí está a presença de tantos inocentes que ao longo dos séculos foram vítimas da razão de Estado.

6. Pedro era um homem bom, amigo e generoso. Tinha prometido ir com Jesus fosse para onde fosse e nunca o abandonar. Mas bastou uma criada dar a entender, por causa da fala de galileu, que ele também devia ser um discípulo, para logo negar. Acobardou-se e negou o Mestre três vezes. Depois, o galo cantou e ele lembrou-se das palavras de Jesus: "Antes de o galo cantar, negar-me-ás três vezes." "E, vindo para fora, chorou amargamente." Até onde chega a nossa amizade e a nossa cobardia? São Pedro foi o primeiro Papa, mas ainda hoje a torre das igrejas católicas é encimada por um galo, a lembrar como a Igreja, assente na fé de Pedro, está sempre ameaçada por perigos sem conta e traições.

7. O conselho dos anciãos do povo, sumos sacerdotes e escribas julgaram e condenaram Jesus, mas não tinham poder para executá-lo. Entregaram-no, portanto, a Pilatos, representante do Império. Ele ter-se-á apercebido da inocência de Jesus, mas também teve medo de perder o poder, pois o povo clamava e podiam acusá-lo ao imperador. Então, lavou as mãos e mandou que Jesus fosse crucificado. Pilatos: outra vítima da cobardia. E sempre por causa do poder. O seu nome é dos nomes mais pronunciados ao longo da história, por causa do Credo: "Crucificado sob Pôncio Pilatos." Mas ainda hoje, para referir alguém que está num lugar que não é o seu, se diz: "Está ali como Pilatos no Credo."

8. Ao tomar conhecimento de que Jesus era galileu, Pilatos remeteu-o para Herodes, que naqueles dias também se encontrava em Jerusalém. Jesus, tratado com desprezo, não respondeu a nenhuma das suas perguntas. Nesse dia, "Herodes e Pilatos ficaram amigos, pois eram inimigos um do outro." Em política, ou sempre que se trata de poder, seja ele qual for, é o que mais se tem visto: interesses comuns, políticos, económicos, de geoestratégia, tanto podem levar ao corte de relações como à amizade. Evidentemente, amizade hipócrita, interesseira.

9. As multidões não são fiáveis, são volúveis, com facilidade se submetem à manipulação. No julgamento de Jesus, a multidão gritava: "Crucifica-o, crucifica-o." Os mesmos que no Domingo de Ramos o tinham aclamado triunfalmente: "Hossana, hossana ao filho de David!"

10. Um tal Simão de Cirene foi obrigado a carregar com a cruz de Jesus. O seu nome está associado a tantos cireneus que vamos encontrando na vida. No meio da dor, da incompreensão, da cruz, pode haver um cireneu que chega e apoia. Talvez forçado, mas apoia.

11. Os soldados riam-se, troçavam, fizeram chacota. Afinal, eles próprios não tinham uma vida feliz. Já alguém se lembrou de perguntar a um terrorista se alguma vez se sentiu amado?

12. Só as mulheres não fugiram, mantendo-se sem medo junto à cruz. Talvez percebam mais da vida e das suas dores e também amem mais.

13. Mesmo no final da existência e no supremo sofrimento, os comportamentos das pessoas não são necessariamente iguais. Com Jesus, foram crucificados dois malfeitores, talvez dois terroristas. Um continuou a blasfemar enquanto o outro reflectiu e pediu a Jesus que se lembrasse dele no seu Reino. O centurião deu glória a Deus: "Verdadeiramente este Jesus era um justo."

14. Quem preside no Calvário, no meio do abandono total, é Jesus, que perdoou a quem o matava e que gritou, do alto da cruz, perguntando, aquela oração que atravessa os séculos: "Meu Deus, meu Deus, porque é que me abandonaste?" Deus não respondeu, mas Jesus continuou a confiar: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito."

15. Jesus morreu crucificado, a morte que os romanos davam aos rebeldes e aos escravos. Aparentemente, foi o fim. O enigma histórico do cristianismo é que, pouco tempo depois, os discípulos voltaram a reunir-se e foram anunciar ao mundo que aquele Jesus crucificado é realmente o Messias, o Salvador. Fizeram a experiência avassaladora de fé, a começar por Maria Madalena, de que esse Jesus crucificado está vivo em Deus para sempre, como desafio e esperança para todos, e acreditaram porque Deus é Amor, e deram a vida por essa fé, que chegou até nós. Mas, na expressão de George Steiner, é em Sábado que vivemos: entre o horror da Sexta-Feira Santa e a esperança do Domingo da Páscoa da ressurreição.

A fé é um combate, como dá testemunho também o teólogo rebelde Hans Küng, a aproximar-se do seu próprio fim. Confessou recentemente que uma das suas irmãs lhe perguntou com toda a seriedade: "Acreditas realmente na vida depois da morte?" E ele: "Sim, respondi com convicção. Não porque tenha demonstrado racionalmente essa vida depois da morte, mas porque mantive a confiança racional em Deus e porque na confiança no Deus eterno também posso confiar na minha própria vida eterna. Devo ou não ter esperança em algo que seja a ultimidade de tudo? Uma vida eterna, um descanso eterno, uma felicidade eterna? Isso é problema da confiança, mas de modo nenhum de uma maneira irracional, mas de uma confiança responsável. É irracional a confiança em Deus? Não. A mim parece-me a coisa mais racional de tudo quanto o ser humano pode ser capaz. O que me parece absurdo é pensar que o ser humano morre para o nada. A passagem à morte e a própria morte são apenas estações a que se segue um novo futuro. A vida é mais forte do que a morte e o ser humano morre entrando na Realidade primeira e última, inconcebível e inabarcável, que não é o nada, mas sim a Realidade mais real. Vita mutatur non tollitur: a vida transforma-se, não acaba. Eu defendo uma fé cristã em Deus e na vida eterna. Sem Deus, a fé na vida eterna não teria razões, careceria de fundamento. E vice-versa: a fé em Deus sem fé na vida eterna careceria de consequências, não teria um objectivo."
in DN 14.04.2019
● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ●
QUE COISA SÃO AS NUVENS
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
SALVOS PELA FRAQUEZA
OS CRISTÃOS ACREDITAM NUM MESSIAS CRUCIFICADO, NUM SALVADOR QUE SALVA NÃO ATRAVÉS DA FORÇA, MAS DA IMPOTÊNCIA
Entrar numa igreja em dia de sexta-feira santa é uma experiência que só nos pode deixar atónitos. Olhamos para o tabernáculo e está aberto e vazio, como se tivesse sido espoliado. O altar não tem toalha nem adornos: apenas a pedra nua. Se procurarmos uma cruz, não a encontramos: foi retirada ou oculta ao olhar com um véu. Estamos ali como se estivéssemos num qualquer lugar perdido, rebuscando entre silêncio e escombros. Encontramo-nos numa situação paralela àquela descrita no Evangelho de João, quando os mensageiros vestidos de branco perguntam a Madalena: “Mulher, porque choras?” E ela responde: “Levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram” (Jo 20:13). É verdade que demasiadas vezes o cristianismo (pelo menos, o nosso) corre o risco do excesso: demasiadas palavras, amontoação de símbolos e de ritualismos... Em dia de sexta-feira santa é o contrário: ocorre uma dramática redução. O espaço religioso esvazia-se até ao osso; torna-se simplesmente anónimo; nada o distingue de qualquer outro lugar desolado da terra. A liturgia, que nessa ocasião se celebra, principia em estrito silêncio e quando os presbíteros chegarem à zona do altar vão atirar-se por terra, longamente jazentes, como que inanimados, mimetizando com o próprio corpo o abandono que toda a comunidade é chamada a experimentar. Que espesso enigma é este? Onde nos conduz este tatear cambaleante, esta celebração assim desprovida, esta radical privação? A única resposta é esta: conduz-nos ao âmago ardente dos mistérios cristãos que, na verdade, são puro escândalo, aturdimento e loucura, pois os cristãos acreditam num Messias crucificado, num Salvador que salva não através da força, mas da impotência. Isso que São Paulo explicitou na Primeira Carta aos Coríntios: “Nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo... e loucura” (1 Cor 1:22).

Em dia de Sexta-feira santa (...) o espaço religioso esvazia-se até ao osso; nada o distingue de qualquer outro lugar desolado da terra

Um dos mais importantes teólogos do século XX, o pastor-mártir Dietrich Bonhoeffer, rebelava-se contra o recurso que, na prática, os crentes fazem a um deus ex machina, a um Deus “tapa-buracos”, que se assemelha a uma solução mágica para todos os dilemas humanos. De facto, o cristianismo opera uma corajosa inversão de paradigma: enquanto que a religiosidade natural leva a que o homem procure o Deus poderoso como auxílio para a sua vulnerabilidade, o cristianismo reenvia continuamente o homem à impotência e ao sofrimento de Deus. Segundo Bonhoeffer, “é absolutamente evidente que Cristo não nos socorre em razão da sua omnipotência, mas em razão da sua fraqueza”, pois “Deus se deixa expulsar do mundo no alto da cruz; Deus revela-se aí impotente e frágil, e só dessa maneira está a nosso lado e nos ajuda”. Neste caso, o que é a fé? Para Dietrich Bonhoeffer, a fé é tomar parte no sofrimento de Deus no mundo, abraçando e cuidando de cada pessoa que sofre, responsabilizando-se solidariamente com esta história, fincando nela os dois pés. Se vivermos agora a difícil história humana, com as suas emergências e apelos, apenas com um pé colocado no chão, teremos depois também apenas um pé colocado no paraíso.
Outra mártir do século XX, a escritora Etty Hillesum, abre-nos para um intenso desafio existencial quando diz: “Eu compreendi que tenho de ajudar Deus.” No diário que redigiu no campo de concentração, deixou escritas estas palavras: “São tempos temerosos, meu Deus. Esta noite, pela primeira vez, passei-a deitada no escuro de olhos abertos e a arder, e muitas imagens do sofrimento humano desfilavam perante mim. Mas torna-se-me cada vez mais claro o seguinte: que tu não nos podes ajudar, mas nós é que temos de ajudar-te, e, ajudando-te, ajudamo-nos a nós mesmos.”
in Semanário Expresso 13.04.2019 p150

● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ●
À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves
Domingo de Ramos Ano C
«Bendito o Rei que vem em nome do Senhor.
Paz no Céu e glória nas alturas!»
Lc 19, 38

O Rei diferente
Falar de “rei” e de “reino” provoca um incómodo “monárquico” ao recordar lutas de poder e guerras, domínio e exploração, “famílias” e descendências, classes privilegiadas e desfavorecidas, esplendor de uns e miséria de muitos. São certamente redutoras estas ideias e o mundo desenvolvido e democrático em que vivemos já as ultrapassou! É também desse imaginário que vive a série “A Guerra dos Tronos” que entra na sua última série por estes dias, aguardando-se a revelação de quem se irá sentar no “trono de ferro”!
O Reino de Deus que Jesus anunciou e mostrou estar já presente no mundo com a sua vinda, é essencialmente outro. Correndo o risco de utilizar categorias já gastas pelas “realezas” humanas, Jesus desmontou as ideias habituais de “realeza”. Ele é o “rei diferente”, que o profeta Zacarias (9, 9-10) anunciou: o rei pobre, pacífico e universal. É o rei que vem até nós, em vez de esperar que todos venham até ele.
Ele é o pobre, rei dos pobres, que entra em Jerusalém sentado num jumento que não lhe pertence. Não vem tomar o poder, nem encabeçar uma revolução. Aceita as aclamações da multidão, das crianças e dos discípulos pois conhece o seu desejo de esperança, a sua fome e sede de justiça. Não traz riquezas para distribuir nem promessas ilusórias de paraísos na terra. Ele é o rei dos crentes e humildes das bem-aventuranças, que não vai fazer “em vez de” mas convoca todos à conversão, à mudança de vida, à aceitação das suas palavras e dos seus gestos de amor, a deixarmo-nos orientar por Deus. É com a pobreza da sua vida dada por amor que Ele vai enriquecer a humanidade.
É também o rei da paz. Proclama o escândalo e a desumanidade da guerra, da destruição dos outros e do mundo, da escalada de conflitos e da invenção de armamentos mais sofisticados. A batalha contra o egoísmo e a soberba implica reconciliação e perdão. Desafia a não amar só os que nos amam e fazer o bem aos nossos: é preciso amar os inimigos e fazer bem a quem nos odeia. Revela como a vida se perde quando se tenta ganhar mais bens, mais riqueza, quando cresce a indiferença ao sofrimento e à injustiça, mesmo às portas de casa, tão perto do coração. Dá-nos uma única arma: a cruz, sinal perdão e de amor, da vida que se ganha quando é dada por amor, da paz que é a felicidade partilhada.
Ele é o rei universal, sem família nem dinastia privilegiada a quem oferecer lugares de honra, mas fazendo de toda a humanidade a família única. Todos filhos do mesmo Pai que ama incondicionalmente, e irmãos de todas as raças, línguas e feitios. O seu reino não tem fronteiras, nem muros, nem ricos nem pobres, nem privilegiados nem excluídos. Na maravilhosa diversidade de dons e culturas, revela a grandeza do coração humano que pode alargar-se ao infinito. E o seu poder é dar vida, fazer Páscoa, tornar-se nosso alimento. Pão que comemos para construir o seu Reino, para vivermos com Ele e como Ele.
É este o Rei que aclamamos e amamos? É o seu Reino que vamos edificando?
in Voz da Verdade 14.04.2019
● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ●
Mulheres “não teriam consentido esta loucura” dos abusos sexuais na Igreja
Entrevista de Natália Faria
Phyllis Zagano, membro da comissão formada pelo Papa para estudar o diaconado das mulheres e uma das autoridades mundiais nesta matéria, alerta que a Igreja corre o risco de não ser levada a sério na denúncia das desigualdades e da violência exercida contra as mulheres ao não lhes conferir estatuto clerical.
Os abusos sexuais de menores dentro da Igreja não teriam avançado tanto, se houvesse mulheres com estatuto clerical e funções governativas na Igreja Católica, defende Phyllis Zagano. Professora e investigadora na Universidade de Hofstra, em Nova Iorque, foi convidada, em 2016, a integrar a Pontifícia Comissão para o Estudo do Diaconado das Mulheres. Esta semana, passou por Lisboa, a convite do Centro de Investigação em Teologia e Estudos da Religião, da Faculdade de Teologia da Universidade Católica, para apresentar o livro Mulheres diáconos – passado, presente e futuro [2019, Paulinas Editora], de que é co-autora. Nesta entrevista, recua séculos para lembrar que eram as diáconos que baptizavam as mulheres, ungiam as doentes e reportavam aos bispos casos de violência doméstica. E avisa que a Igreja tem de avançar para a ordenação de mulheres diáconos, sob pena de não ser levada a sério na denúncia das desigualdades e da violência exercida contra as mulheres.
A sua investigação comprova que já houve mulheres diáconos na Igreja. Quando e como?
O que se sabe é que houve mulheres que serviram como diáconos na igreja Católica em diferentes lugares e em diferentes alturas. No Ocidente, as mulheres diácono existiram até ao século XII. E no Oriente ainda durante mais tempo. Sabemos que há à volta de 60 lápides no Ocidente de mulheres diáconos. E havia muitas liturgias para ordenar as mulheres como diáconos. E, até ao século XVI, as liturgias destinadas a ordenar as mulheres como diáconos, estavam nos livros usados na Igreja. Basicamente, isso permite-nos dizer que as mulheres diáconos eram ordenadas. Isso é muito importante. Na missa, a mulher que iria ser diácono era chamada ao altar, o bispo punha as mãos sobre ela e invocava o Espírito Santo. Isso constituía um sacramento. Mas o bispo fazia outras coisas: ele autorizava-a a pegar no cálice e também colocava uma estola [veste litúrgica, em forma de faixa larga de tecido] sobre os ombros. A estola significava que ela podia proclamar o Evangelho. Mas o mais importante era que o bispo a tratava como diácono. Era um título profissional.
Quais eram as suas funções?
Algumas ajudavam no baptismo por imersão das mulheres, porque, no baptismo, as pessoas estavam despidas e eram esfregadas com óleo, ou seja, precisavam de ajuda para entrar e sair da “piscina” baptismal e um homem não o podia fazer. Nalgumas partes da Síria, toda a cerimónia do baptismo desenrolava-se detrás de uma cortina e era uma mulher diácono que a conduzia. Na altura certa, o bispo enfiava a sua mão pela cortina e abençoava a pessoa, sem a ver. Outra coisa que faziam era ungir as doentes, porque nenhum homem entrava no quarto de uma mulher doente e muito menos para lhe tocar. Por outro lado, se um marido batia na mulher, era a diácono que, depois de observar a mulher, reportava o caso ao bispo. Portanto, tínhamos o testemunho de uma mulher a ser aceite por um bispo.
Abusos sexuais: "Nenhuma mulher teria permitido que o problema assumisse as proporções que assumiu. Você permitiria? Não. Punha-os todos a correr."
As pessoas podem alegar que as mulheres diácono não eram realmente ordenadas, mas as suas funções e tarefas mostram que elas tinham esta relação credível com o bispo que as autorizava a administrar sacramentos – ungir e baptizar – e também a falar em nome deles, porque, se elas tinham a estola, podiam proclamar o Evangelho. No século VI, a diácono Ana era tesoureira de Roma. Ela tomava conta do dinheiro.
Porque desapareceram?
Os diáconos eram muito poderosos. Principalmente os homens diáconos, que cuidavam do ouro e do dinheiro. Os padres não gostavam disto. Então, não havendo seminários nem universidades, instituiu-se que, para alguém se tornar padre, tinha de percorrer as diferentes etapas do chamado cursus honorum, o que levou a que ninguém pudesse ser ordenado diácono, a não ser que se preparasse para ser padre, o que excluiu, à partida, todas as mulheres. Continuaram a existir mulheres diáconos até ao século XII, mas relegadas para os mosteiros. E acabaram-se os homens diáconos porque estes tornavam-se todos padres.
No Concílio Vaticano II, Paulo VI restaurou o diaconado permanente dos homens. E porque não o das mulheres?
Nesse concílio houve 101 sugestões acerca do diaconado, duas das quais sobre o diaconado feminino. Mas quando dois bispos levantaram a questão, o padre conciliar que estava a dirigir os trabalhos decidiu “Está na hora do café”. Eles não queriam falar sobre isso. Mas, em 1972, Paulo VI pediu a um liturgista famoso, Cipriano Vagaggini, que estudasse a questão das mulheres diácono. E ele escreveu um documento que confirmava que já tinham existido mulheres diáconos, que eram ordenadas, concluindo que não havia grande problema, que se podia avançar.
E depois?
Nada. Porque a luta estava acesa. Nessa altura, nos Estados Unidos, tínhamos as mulheres da Igreja Episcopal, em Filadélfia, a serem ordenadas padres e também havia por todo o lado mulheres católicas a reclamarem o direito de ser padres. Então, a palavra que se ouvia era “padre, padre, padre”, e isso abafou a discussão sobre o diaconado feminino. Apesar disso, a discussão prolongou-se. Roger Gryson [investigador belga, autor do livro The Ministry of Women in the Early Church] defendia que sim e entrou numa discussão com Aimé-Georges Martimort que defendia que não. Mas a discussão que estava subjacente era a questão do sacerdócio. O bispo alemão perguntava “E então o diaconado feminino?” e o Vaticano respondia que as mulheres não podiam ser padres.
Que argumentos pesam hoje a favor da restauração do diaconado feminino?
Não é uma questão de argumentos. Se a Igreja tem essa necessidade do ministério feminino, esse é o chamamento do povo de Deus. E penso que a Igreja sente essa necessidade de vozes femininas, de olhares femininos, de ter mulheres sentadas à mesa. Na comissão que integro, há seis homens e seis mulheres. Mas é a primeira vez, na história da Igreja, que se criou um grupo em que as mulheres estão igualmente representadas a olhar para uma questão em nome do Papa.
"A Igreja diz que as mulheres são iguais e que são maravilhosas. Mas numa missa em S. Pedro, o que se vê é um mar de homens; não há mulheres, talvez uma rapariga de sete anos com um ramo de flores, mas mulheres, não."
O estudo que o Papa vos encomendou já foi entregue. E agora?
A missão deste grupo não era apresentar uma opinião ao Papa, mas relatar-lhe a situação em termos históricos. Mas em Maio, entre os dias 6 e 10, a União Internacional das Superioras Gerais vai reunir-se e o Papa vai falar com elas. E eu, se fosse o Papa, não entraria numa sala com mil freiras sem uma resposta.
Muitos esperam ouvir o Papa anunciar que o diaconado feminino vai ser recuperado, em Outubro, no sínodo dedicado à Amazónia. Fará sentido?
documento preparatório para o sínodo refere a necessidade de identificar o tipo de ministério oficial que pode ser conferido à mulher. Quando, estando em Indianápolis, Indiana, recebi um telefonema de uma jornalista da Associated Press, em Roma, a perguntar o que quer isto dizer, respondi-lhe que estas palavras significam que a mulher poderá ser ordenada. Têm de significar. Além disso, no documento final do sínodo dedicado aos jovens, há dois parágrafos dedicados às mulheres, apoiando a necessidade de liderança e participação feminina na Igreja.
Que resistências poderá Francisco enfrentar nesta matéria?
Depende. Não penso que os bispos de África estejam particularmente interessados em ter mulheres diáconos, embora as africanas o estejam. Nalgumas das nações mais pobres da Ásia, como o Camboja, dizem que não têm problemas, mas a questão é que não têm mulheres – nem sequer homens – suficientemente preparados para serem diáconos. Mas os bispos e os cardeais com quem venho falando (da Europa, da Austrália, do Reino Unido, da Irlanda…) estão muito confiantes. E, na América do Sul, a reacção é: “Venham, mandem-nas para cá.”
Há então razão para acreditar?
Eu fui a única não-europeia a ser chamada a integrar esta comissão. E o presidente da minha universidade, que é judeu, disse: “Se o Papa não quisesse as mulheres como diáconos, não te teria feito viajar de Nova Iorque para Roma”.
"Em Maio, entre os dias 6 e 10, a União Internacional das Superioras Gerais vai reunir-se e o Papa vai falar com elas. E eu, se fosse o Papa, não entraria numa sala com mil freiras sem uma resposta"
Quanto tempo até vermos as mulheres reconhecidas como iguais na Igreja?
Dependerá de onde estiver. Algumas culturas estão mais receptivas do que outras. Alguns clérigos estão mais receptivos do que outros. O cardeal brasileiro Odilo Scherer, com quem jantei há uns tempos, às tantas pegou no telefone e começou a mostrar-me fotografias. Eram quilómetros de favelas. Perguntei-lhe quantos padres tinha e ele disse: “Quatrocentos.” E quantos católicos? “Cinco milhões.” Perguntei-lhe se ele gostaria de ter mulheres diáconos, e ele respondeu “Claro!” Caso não, quem faz os baptismos, os casamentos, quem dá a catequese? Na América do Sul, os evangélicos estão muito presentes e têm mulheres. E os católicos têm de esperar um ano por um padre. É de loucos.
Se as mulheres tivessem estatuto clerical e funções governativas, a Igreja teria sabido refrear a confusão dos abusos sexuais cometidos pelos padres?
Antes de mais, elas não teriam consentido esta loucura. E teriam visto o perigo. Penso que muitos homens não foram capazes de compreender quão sério era o problema. Acho que o consideraram um pecado, sem cuidarem de atender aos danos provocados nas crianças. Penso que uma mulher, uma mãe, tê-lo-ia percebido muito mais cedo. Não acha? As mulheres seriam as primeiras a dizer em relação ao abusador: “Não, não o vão mudar de paróquia, vão despedi-lo.”
Eu trabalhei para o cardeal [John] O’Connor em Nova Iorque e, perante um caso que lhe chegou de um único abuso cometido por um clérigo, disse apenas: “Está despedido. Processe-me se tiver problemas com isso.” Penso que foi uma atitude típica de uma mulher. Nenhuma mulher teria permitido que o problema assumisse as proporções que assumiu. Você permitiria? Não. Punha-os todos a correr.
Mas em relação ao estatuto clerical…
A questão do estatuto clerical é que só um clérigo está autorizado a proferir a homilia. Se tivessem esse estatuto, as mulheres seriam autorizadas a pregar. Agora, pense: o que é que isto diria ao resto do mundo? A Igreja diz que as mulheres são iguais e que são maravilhosas. Mas numa missa em S. Pedro, o que se vê é um mar de homens; não há mulheres, talvez uma rapariga de sete anos com um ramo de flores, mas mulheres, não. Se a Igreja tivesse uma mulher, investida, em S. Pedro, a pregar o Evangelho, não seriam apenas os 2,2 mil milhões de católicos espalhados pelo mundo a ver que as mulheres são iguais, mas o resto do mundo. Temos mulheres no Nepal a morrer nas “cabanas menstruais” por inalação de fumo; temos mulheres na Índia a morrer queimadas; mulheres em África a morrer de mutilação genital feminina; mulheres que morrem porque os maridos lhes batem, um pouco por todo o mundo. A Igreja tem que pregar que as mulheres são iguais aos olhos do Senhor, mas tem, sobretudo, de fazer aquilo que prega. Só então a Igreja terá o direito de dizer alguma coisa contra estas realidades.
in Público,13 de Abril de 2019

“Se um homem casado quer ser padre, tudo bem, mas tem de arranjar emprego”
O primeiro passo em direcção à ordenação dos homens casados poderá ser dado em Outubro, no sínodo dos bispos dedicado à Amazónia, acredita Phyllis Zagano, para quem o que está em jogo é a sobrevivência da Igreja em várias regiões do globo.
Entrevista de Natália Faria

Membro da comissão formada pelo Papa para estudar o diaconado das mulheres, e uma das autoridades mundiais nesta matéria, Phyllis Zagano acredita que a ordenação de homens de fé comprovada, mesmo casados, “é uma boa sugestão e que Francisco tenderá para isso”.

Quando dará a Igreja os primeiros passos em relação à ordenação de homens casados?
Já acontece, não vejo grande problema.
Mas não aqui [na Igreja Católica de rito Latino].
Não aqui, à excepção dos anglicanos. Nos Estados Unidos, a primeira ordenação de um homem casado foi em 1923, um metodista. Portanto, não é novo. E, das 22 ou 23 igrejas católicas de rito Oriental, 20 ordenam homens casados. E estão em comunhão total com Roma.
Por que não na Igreja Católica de rito Latino?
Por algumas razões. Por mim, não tenho problema em ordenar homens casados mas não tenho de o suportar financeiramente a ele e aos seus cinco filhos. Portanto, se um homem casado quer ser um padre católico, tudo bem, mas tem de arranjar emprego: pode ser professor universitário ou condutor de autocarro, não importa. Penso que a questão financeira é uma das razões. Na Igreja primitiva, se o padre fosse casado, não podia dormir com a sua mulher e celebrar a eucaristia porque se ele lhe tocasse ficaria impuro. Isso não correu bem com as mulheres que os puseram a correr. Mas havia também o problema do nepotismo, isto é, o risco de o bispo conceder as melhores paróquias aos seus filhos, fazendo-os herdar os seus bens e o seu dinheiro. Isso tornou-se difícil de gerir.
Como funciona nas outras igrejas?
Entre grandes problemas financeiros e com dificuldades em suportar as famílias. Muitos padres protestantes tentam tornar-se capelães militares ou hospitalares, querem trabalhar a tempo inteiro, porque é-lhes muito difícil dependerem financeiramente das dioceses. E isto mistura-se com a questão dos evangélicos que fazem imenso dinheiro, sendo que, para mim, o Evangelho não é de ninguém, logo não o podem vender. E há também a questão da dedicação e da oração.
Mas penso que a ordenação de viri probati [ordenação de homens de fé comprovada, mesmo casados] é uma boa sugestão e que Francisco tenderá para isso. Mas note que na República Checa vários homens casados que trabalhavam na Igreja foram ordenados padres. A maioria aceitou tornar-se padre com a condição de tornar-se membro da Igreja Católica Grega [de rito oriental, nascida de uma cisão ocorrida na Igreja Ortodoxa Grega e que, sem abandonar os ritos litúrgicos orientais, se uniu à Santa Sé e obedece à autoridade do Papa]. Mas houve um que disse que não e foi ordenado padre católico. É, aliás, o vigário-geral da sua diocese.
Logo, é possível?
Sim, tecnicamente é uma derrogação da lei. Portanto, se um bispo quiser ordenar discretamente um homem casado escreve para Roma e pede uma derrogação da lei. Toda esta questão levará algum tempo a ser decidida, mas penso que, no sínodo da Amazónia, vão discutir esta questão e penso que acabarão por avançar com os viri probati. Homens casados de vida e fé comprovada
Sim?
Terão de o fazer. O que pode um bispo fazer quando tem 400 padres, metade dos quais com mais 60 anos, para uma população de cinco milhões de católicos? Sem padres, perderemos a eucaristia e sem a eucaristia, o que somos? Não se esqueça que a Igreja está em muitos maus lençóis actualmente.
in Público 13.04.2019
www.publico.pt/2019/04/13/sociedade/entrevista/mulheres-governassem-igreja-nao-consentido-loucura-abusos-sexuais-1869060
● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ●
Theologians concerned about newly engaged role of Benedict, pope emeritus
Apr 12, 2019
by Joshua J. McElwee Vatican

web 20190411T0721-25799-CNS-BENEDICT-ABUSE-ARTICLE.jpg

Retired Pope Benedict XVI greets cardinals before a consistory for the creation of new cardinals in St. Peter's Basilica at the Vatican in this Feb. 22, 2014, file photo. (CNS/Paul Haring)

VATICAN CITY — When Pope Benedict XVI shocked a meeting of cardinals Feb. 10, 2013, with news he would be renouncing the papacy at the end of that month, he promised that as the ex-pontiff he would retreat from the public eye and serve the Catholic Church "through a life dedicated to prayer."

But by the third anniversary of his resignation, Benedict was taking on a more active role.

Support independent Catholic journalism. Subscribe to our print edition or become a member today.

First came a March 2016 interview with a Belgian theologian that focused on the question of God's mercy, just as Pope Francis was in the midst of celebrating an Extraordinary Jubilee Year, also focused on mercy.

In November 2016 came a book-length interview with German journalist Peter Seewald, where Benedict defended his 2005-13 papacy against criticism. "I do not see myself as a failure," he said in the book, titled Last Testament: In His Own Words. "For eight years I carried out my work."

Now comes a letter blaming the continuing clergy abuse crisis on the sexual revolution and theological developments after the Second Vatican Council, weeks after Francis hosted a first-of-its-kind bishops' summit on abuse that focused instead on the endemic structural issues that have abetted cover-up in the church for decades.

What to make of this development of a pope emeritus who emerges from the shadows unannounced from time to time to offer his comments on current affairs, or even on issues being handled by his reigning successor?

A number of noted theologians and church historians are expressing serious concern that Benedict's choice to engage in such public action undermines Francis and plays into narratives splitting Catholics between two popes, one officially in power, and the other wielding influence as he writes from a small monastery in the Vatican Gardens.

"Benedict told us he was going to live a life of quiet contemplation," said Christopher Bellitto, a historian who has written extensively on centuries of popes. "He has not. A former pope should not be publishing or giving interviews."

Richard Gaillardetz, a theologian who focuses on the church's structures of authority, called the precedent being set by Benedict's latest letter "troubling."

The former pontiff, said the theologian, is offering "a controversial analysis of a pressing pastoral and theological crisis, and a set of concrete pastoral remedies."

"These are actions only appropriate for one who actually holds a pastoral office," said Gaillardetz, a professor at Boston College.

"So now we have a situation in which a former pope is offering a parallel pastoral and theological assessment and a parallel pastoral and theological agenda that cannot help but be viewed as an alternative to the exercise pastoral leadership of the current and only bishop of Rome," he said.


Even the Vatican appears to be struggling to understand what to do with a former pope who wants to engage in public debate. As Benedict's latest letter appeared on several right-wing Catholic websites overnight April 10, the Holy See Press Office seemed unprepared, unable even to respond to questions about whether the text was authentic.

In fact it was Archbishop Georg Ganswein, Benedict's personal secretary, that confirmed for many journalists that the text was indeed from the former pontiff.

"The institution of the pope emeritus in the age of mass media and of social media must be regulated carefully," said Massimo Faggioli, an Italian church historian and theologian who teaches at Villanova University.

"This is something that must be done especially about the papal entourage," he said. "The Vatican is a Renaissance court and it is difficult enough to govern one court without having to deal with a 'shadow papal court' — which is what we have today."

Gaillardetz and Bellitto, a professor of history at Kean University in New Jersey, both said Benedict's decision to continue wearing white after his resignation and to call himself the "pope emeritus," instead of some other title such as the "emeritus bishop of Rome," have not helped make clear that there is only one pope at a time.

"These decisions have rather predictably fed deeply troubling 'two pope' theories," said Gaillardetz.

"The Vatican is a Renaissance court and it is difficult enough to govern one court without having to deal with a 'shadow papal court' — which is what we have today."

— Massimo Faggioli


Shortly after the release of Benedict's letter, one Italian journalist pointed to the official advice the Vatican gives to retired bishops about how to manage their relationships with their reigning diocesan prelates.

"The Bishop Emeritus will be careful not to interfere in any way, directly or indirectly, in the governance of the diocese," states Apostolorum Successores, the Congregation for Bishops latest directory for bishops, released in 2004.

"He will want to avoid every attitude and relationship that could even hint at some kind of parallel authority to that of the diocesan Bishop, with damaging consequences for the pastoral life and unity of the diocesan community," it continues.

"The Bishop Emeritus always carries out his activity in full agreement with the diocesan Bishop and in deference to his authority," it states. "In this way all will understand clearly that the diocesan Bishop alone is the head of the diocese, responsible for its governance."

Or, as theologian Natalia Imperatori-Lee put it about Benedict: "It is crucial that he (and, perhaps more importantly those around him) practice a ministry of silence lest it appear that he wants to undermine the current, only, Bishop of Rome, who is Francis."

"To continue to speak on matters the pope is working vigorously to correct in the global, complex reality … that is the church is to encourage dissent [and] to flirt with schism," said Imperatori-Lee, a professor at Manhattan College.

"Let the pope be the pope," she advised. "And let the pope emeritus pray for him."

[Joshua J. McElwee is NCR Vatican correspondent. His email address is jmcelwee@ncronline.org. Follow him on Twitter: @joshjmac.]
in NCR 12.04.2019





Sem comentários:

Enviar um comentário