19 maio 2019

Crónicas & Homenagem



P / INFO: P / INFO: Crónicas & Homenagem a Frei Francolino Gonçalves, O.P., inovador dos estudos bíblicos.
MULHERS CATÓLICAS EM GREVE
Frei Bento Domingues, O.P.

1. As mulheres sabem que são mais de metade da Igreja católica. Dir-se-á que apenas uma minoria feminista protesta contra o silenciamento que lhes é imposto. Na Igreja, as mulheres que se calem! Não foi nenhuma mulher que o disse e quem o afirmou ainda não tinha passado inteiramente para o Novo Testamento (NT).
Foi apresentado, na UCP, o livro Mulheres diáconos. Passado – Presente – Futuro[1]. Como refere a Introdução, o livro apresenta três tópicos interligados: as mulheres diáconos tal como elas são conhecidas através de documentos históricos; o diaconado, tal como se tornou uma vocação permanente na Igreja contemporânea e aquilo que o futuro das mulheres diáconos poderia vir a ser, se a Igreja restabelecesse a sua tradição de ordenar mulheres para o diaconado. Trata-se de um esforço conjunto que pretende ajudar a Igreja a recuperar a sua tradição passada como meio de construir o seu futuro.
É sabido que o Papa João Paulo II († 2005) nada fez para restaurar o diaconado ordenado das mulheres e o ex-Papa Bento XVI seguiu-lhe o exemplo.
Só em 2016 é que o Papa Francisco começou a agir, convocando uma Comissão de especialistas, seis homens e seis mulheres, para enfrentar esta questão. No final, entregaram um relatório ao Papa Francisco. O principal objectivo da Comissão era estudar as mulheres diáconos na Igreja primitiva. Não está em dúvida a existência de mulheres diáconos. A questão gira em torno das suas funções.
No voo de regresso da viagem apostólica à Bulgária e à Macedónia do Norte (07. 05. 2019), o Papa revelou, com algum humor, que a comissão trabalhou durante quase dois anos. Eram todos diferentes, todos «rãs de lagos diferentes», todos pensavam de forma diferente, mas trabalharam juntos e chegaram a acordo até um certo ponto. Mas, cada um deles tem a sua própria visão, que não concorda com a dos outros, e pararam aí como comissão. Cada um está a estudar como prosseguir. Isso é bom! Varietas delectat.
A variedade deleita, mas não deve servir para passatempo de diletantes. As mulheres católicas, na Alemanha, já não suportavam mais conversa vazia e resolveram entrar em greve. Foi convocada para esta semana, entre sábado passado, dia 11, e o próximo, dia 18 de Maio. Deixaram lenços brancos nos bancos das Igrejas e, no exterior, nas praças e nos adros, houve celebrações, partilha, canto, mulheres vestidas de branco.
Com todas as cautelas eclesiásticas, o porta-voz da Conferência Episcopal Alemã, Mathias Kopp, em declarações a uma cadeia de TV, em Roma, já acusou o toque. Veremos o que irão fazer…
Os bispos alemães anunciaram que vão abrir um sínodo de diálogo com alargada participação de todos e todas, sem temas-tabu. Veremos, como diz o cego[2].
2. Na história da Igreja, desde o NT, há sempre que investigar, mas não é preciso esperar o fim do mundo para decidir. S. Paulo esperava-o para muito breve. As comunidades cristãs, na sua variedade, sentiram que este mundo é o lugar de testemunhar e seguir o caminho aberto por Jesus de Nazaré. Daí surgiram as narrativas de S. Marcos, S. Mateus, S. Lucas e S. João. São razoavelmente diferentes, reflectindo situações diversas, mas todas com o mesmo objectivo: o seguimento criativo de Jesus em todas as situações da vida.
Quando, na Eucaristia, se diz Fazei isto em memória de Mim, não é porque Jesus tivesse receio de ser esquecido. Significa, pelo contrário, continuai o Evangelho. O Pentecostes indica, precisamente, não fiqueis a olhar para o ar, ide por todo o mundo e inventai o futuro na linha inaugurada pelo Nazareno, porque o espírito dele e o dos discípulos é o mesmo, igualmente criativo.
Quando, hoje, se discute o lugar das mulheres, na Igreja católica, o que é preciso ter em conta, em primeiro lugar, é a criatividade de Jesus. Para isso é necessário pensar na situação social e religiosa da mulher, quando Ele entra em acção. A expressão usada pelas narrativas evangélicas, nos momentos solenes, dizia tudo em poucas palavras: não contando mulheres e crianças. Estavam lá, mas não contavam. O facto de não falarem delas, na chamada Última Ceia, não significa, necessariamente, que não tivessem participado. Naquela cultura, elas não contavam. Diz-se, por outro lado, que nunca são chamadas discípulas, no entanto, o vocabulário da realidade do discipulado é-lhes aplicado, muito mais do que aos homens. No Evangelho de Marcos é dito que junto da cruz “também ali estavam algumas mulheres a contemplar de longe, entre elas, Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago Menor e de José, e Salomé, que o seguiam e serviam quando ele estava na Galileia; e muitas outras que tinha subido com Ele a Jerusalém”[3].
3. Seguir e servir é o vocabulário dos discípulos, dos Doze: “Nós seguimos-te”[4]. Implicava deslocar-se com o mestre nas tarefas da evangelização, algo impensável na sociedade em que Jesus cresceu. Quando Marcos diz que as mulheres, que estavam ao pé da cruz, seguiam Jesus, é porque faziam parte do grupo itinerante dos seus discípulos. Seguiram-no desde a Galileia até Jerusalém. Não para executar as tarefas tradicionalmente atribuídas às mulheres, mas para entrarem na sua escola, acolhendo os seus ensinamentos. Elas não podiam estudar a Palavra de Deus. Alguns rabinos diziam que era preferível queimar o livro da Lei a entregá-lo à guarda de uma mulher; quem ensina a Lei à sua filha, ensina-lhe obscenidades; todos os males que existem no mundo entram pelo tempo que os homens perdem a falar com as mulheres[5].
No Evangelho de Lucas, afirma-se que “Jesus ia de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, proclamando e anunciando a Boa-Nova do reino de Deus, acompanhavam-no os Doze e algumas mulheres que tinham sido curadas de espíritos malignos e enfermidade: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demónios; Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes; Susana, e muitas outras, que os serviam com os seus bens”[6]. Note-se como o evangelista coloca os Doze e as mulheres num mesmo nível, uma vez que une os dois grupos com a conjunção “e”, que serve para os igualar.
Isto sem falar que, quem evangelizou os Doze, depois da sua traição e da Ressurreição de Cristo, foram as mulheres, a começar por Maria Madalena, segundo os quatro evangelistas[7].
Quando, hoje, se estuda a história para saber o lugar das mulheres na Igreja, esquece-se o essencial: a revolução de Jesus, a memória da sua intervenção que, ainda hoje, entendemos mal.
in Público, 19.05.2019
https://www.publico.pt/2019/05/19/sociedade/opiniao/mulheres-catolicas-greve-1872792


[1] Gary Macy, William T. Ditewig, Phyllis Zagano, Mulheres diáconos. Passado – Presente – Futuro, Paulinas Editora, 2019.
[2] Cf. 7Margens, 14.05.2019
[3] Mc 15, 40-41
[4] Mc 10, 28
[5] Cf. Ariel Álvarez Valdés, Jesus teve discípulas mulheres, in Bíblica 382 (Maio-Junho 2019), 387-392.
[6] Lc 8, 1-3
[7] Cf. A. Cunha de Oliveira, Jesus de Nazaré e as mulheres, Instituto Açoriano de Cultura, Angra do Heroísmo, 2011; José António Pagola, Jesus. Uma abordagem histórica, Gráfica de Coimbra, 2008, cap. 8 Amigo da Mulher
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MOTU PROPRIO ANTI-ABUSOS   
Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

1. Muitas vezes me tenho referido aqui, e não só aqui, à tragédia da pedofilia na Igreja. Foram milhares de menores e adultos vulneráveis que foram abusados. Mesmo sabendo que o número de pedófilos é muito superior na família e noutras instituições, a gravidade da situação na Igreja é mais dramática. Por várias razões: as pessoas confiavam na Igreja quase sem condições, o que significa que houve uma traição a essa confiança, e o clero e os religiosos têm responsabilidades especiais. O mais execrável: abusou-se e, a seguir, ameaçou-se as crianças para que mantivessem silêncio, pois, de outro modo, cometiam pecado e até poderiam ir para o inferno. Isto é monstruoso, o cume da perversão. E houve bispos, superiores maiores, cardeais, que encobriram, pois preferiram salvaguardar a instituição Igreja, quando a sua obrigação é proteger as pessoas, mais ainda quando as vítimas são crianças. O Papa Francisco chamou a esta situação “abusos sexuais, de poder e de consciência”. Também diz, com razão, que a base é o “clericalismo”, julgar-se numa situação de superioridade sagrada e, por isso, intocável. Neste abismo, onde é que está a superioridade do exemplo, a única que é legítimo reclamar?
 Felizmente, há hoje um alerta da opinião pública e, por isso, Francisco, em vez de condenar ou atribuir outras intenções aos meios de comunicação social, agradece, pois foi o meio para que também a Igreja acordasse do seu sono sacrílego.
E, aí, Francisco tomou uma iniciativa inédita e histórica, convocando uma Cimeira para o Vaticano, de 21 a 24 de Fevereiro passado. Foi uma Cimeira com 190 participantes, entre os quais 114 Presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo, bispos representando as Igrejas católicas orientais, alguns membros da Cúria, representantes dos superiores e das superioras gerais de ordens e congregações religiosas, alguns peritos e leigos.
O Papa queria, em primeiro lugar, que se tomasse consciência da situação e do sofrimento incomensurável causado, que fica para a vida. E que se tomasse medidas concretas, de tal modo que se pudesse constatar um antes e um depois desta Cimeira verdadeiramente global e representativa da Igreja universal e nos seus vários níveis. Os três dias estiveram sob o lema tríplice: “responsabilidade”, “prestação de contas”, “transparência”. O Papa quer — não se trata de mero desejo — implantar “tolerância zero”.
2. Para implantar essa “tolerância zero” e pôr fim a esta catástrofe na Igreja, foi publicado, no passado dia 9 de Maio, o Motu Proprio (Decreto de iniciativa papal), que entra em vigor no dia 1 de Junho. Nesta Carta Apostólica, com o título “Vos estis lux mundi” (Vós sois a luz do mundo), o Papa Francisco decreta medidas concretas contra a pedofilia na Igreja.
Estas normas contra os abusadores e os encobridores impõem-se, porque, escreve Francisco, “o delito de abuso sexual ofende Nosso Senhor, causa danos físicos, psicológicos e espirituais às vítimas e prejudica a comunidade dos fiéis.”
Os clérigos e religiosos ficam obrigados (não se trata de mera obrigação moral, mas legal) a denunciar os abusos aos superiores, bem como a informá-los sobre as omissões e encobrimentos na sua gestão. Todas as Dioceses do mundo têm a obrigação de criar no prazo de um ano um ou mais sistemas estáveis e de fácil acesso ao público, para que, com facilidade, todos possam apresentar informações sobre abusos sexuais cometidos por clérigos e religiosos e o seu encobrimento. O documento ratifica a obrigação de colaborar com a justiça civil dos países. Aliás, “estas normas aplicam-se sem prejuízo dos direitos e obrigações estabelecidos em cada lugar por leis do Estado, em particular as relativas a eventuais obrigações de informar as autoridades civis competentes”. Para lá do assédio e da violência contra menores (menos de 18 anos) e adultos vulneráveis, o texto inclui a violência sexual e o assédio que provêm do abuso de autoridade, bem como a posse de pornografia infantil e qualquer caso de violência contra as religiosas por parte de clérigos e ainda os casos de assédio a seminaristas ou noviços maiores de idade. Impõe a protecção dos denunciantes e das vítimas: quem denuncia abusos não pode ser objecto de represálias ou discriminação por ter informado; as vítimas e suas famílias serão tratadas com dignidade e respeito e devem receber a devida e adequada assistência espiritual, médica e psicológica; é preciso atender também ao problema das vítimas que no passado foram reduzidas ao silêncio. Estas normas aplicam-se à Igreja universal. Solicita-se vivamente a colaboração dos leigos, que podem ter capacidades e competências que os clérigos não dominam. Evidentemente, reafirma-se o princípio da presunção de inocência da pessoa acusada e o segredo da confissão deve manter-se como inviolável. Como escreve o Papa, “para que estes casos, em todas as suas formas, nunca mais aconteçam, é necessária uma conversão contínua e profunda dos corações, atestada por acções concretas que envolvam todos os membros da Igreja.”
3. Na apresentação do documento esteve também Charles Scicluna, Arcebispo de Malta e Secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé, considerado o homem forte do Papa na temática anti-abusos. São suas estas declarações na altura: “Ninguém com responsabilidade na Igreja está acima da lei. Agora temos uma lei universal que determina as etapas fundamentais para a investigação de um membro eclesiástico, Bispo ou Superior Maior, religioso ou religiosa. Acabou a imunidade.”
Já depois da publicação do Motu Proprio, rebentou na Polónia mais um escândalo: um documentário sobre abusos sexuais do clero polaco, com o título “Não digas a ninguém”, abalou a sociedade. A película sobre casos de menores abusados sexualmente por religiosos católicos provocou uma onda de reacções na Polónia, com mais de três milhões de visitas na internet nas primeiras horas que se seguiram à sua publicação. Entre as vítimas está também o testemunho de um homem que foi abusado aos 12 anos pelo sacerdote que foi confessor do ex-presidente polaco e líder histórico do Solidariedade, Lech Walesa.
Estou convicto de que agora se está no caminho certo para acabar com esta chaga terrível na Igreja. Espera-se que, limpa, a Igreja possa ficar mais livre para dar o seu contributo imprescindível no sentido de ajudar a limpar da mesma chaga tantas outras instituições, com a instituição familiar à cabeça, que no mundo infernalizam a vida de inocentes.
in DN, 19.05.2019
www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-borges/interior/motu-proprio-anti-abusos--10916222.html?target=conteudo_fechado        
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QUE COISA SÃO AS NUVENS
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
O SENTIDO DO CORAÇÃO
A ESCUTA NÃO SE FAZ APENAS COM O OUVIDO EXTERIOR, MAS COM O SENTIDO DO CORAÇÃO
Falta-nos, talvez, descobrir ainda quanto a escuta é um sentido adequado para acolher a complexidade daquilo que a vida é. A verdade é que escutamos tão pouco e, dentre as competências que desenvolvemos vida fora, raramente está a arte de escutar. Na Regra monástica de São Bento há uma expressão essencial, se quisermos perceber como se ativa uma escuta autêntica: “Abre o ouvido do teu coração.” Quer dizer: a escuta não se faz apenas com o ouvido exterior, mas com o sentido do coração. A escuta não é apenas a recolha da malha sonora do discurso. Antes de tudo, é uma atitude que se pode descrever como um inclinar-se para o outro, uma disponibilidade para acolher o dito e o não dito, uma abertura tanto ao entusiasmo do visível como ao seu avesso, à sua dor. O conhecimento de que mais precisamos provém dessa forma de hospitalidade que a escuta representa.

Sabemos que uma árvore que tomba faz mais barulho que uma floresta a crescer. E se um camião se desloca vazio ou com meia carga faz mais rumor do que se for realmente cheio. O vazio pode ser muito ruidoso e a plenitude completamente silenciosa. Um Padre do Deserto contava que a capacidade de escuta de um discípulo era tão grande que conseguia distinguir, à distância de muitos metros, uma agulha a cair. Ora, muitas vezes, nós nem a poucos centímetros somos capazes de ouvir a vida a tombar. A escuta pede, por isso, exercitação e treino. Numa cultura de avalancha como a nossa, ela configura-se como um recuo crítico perante o frenesim das palavras e das mensagens que a todo o minuto nos submergem. Os modelos de vida hoje em vigor são atordoantes, e a única compensação para as nossas existências extenuadas parece ser o entretenimento. Porém, a própria palavra ‘entreter’ fala por si mesma: entreter significa ter ou manter entre, numa espécie de suspensão que nos captura. E a dada altura, nessa terra de ninguém, não vivemos já em lado algum, nem em nós próprios.

Muitas vezes, nós nem a poucos centímetros somos capazes de ouvir a vida a tombar. A escuta pede, por isso, exercitação e treino

Há uma outra história dos ditos e feitos dos Padres do Deserto (Edição Assírio & Alvim, 2004), que dá que pensar. Um mestre tinha doze discípulos e o seu preferido era o que se ocupava da caligrafia. Isso naturalmente gerava problemas aos restantes, que não percebiam aquela predileção. Então o mestre decidiu colocá-los à prova em conjunto. E, um dia, em que estavam todos ocupados a trabalhar, cada um em sua cela, o mestre clama: “Eia, meus discípulos, vinde a mim.” O primeiro que apareceu foi o discípulo calígrafo e só depois, pouco a pouco, chegaram os outros. O mestre levou-os então à cela do calígrafo e disse-lhes: “Vede, ele estava aqui a desenhar a letra ómega e interrompeu o desenho de uma pequena letra para acorrer ao mestre.” Então os discípulos responderam: “Percebemos agora. Amas aquele que verdadeiramente te escuta.”

Mas há, porém, um paradoxo com o qual temos de contar: é que a verdadeira escuta pede que nos tornemos surdos. Diz Evagro Pôntico, um antigo mestre espiritual: “Esforça-te por conservar o teu espírito surdo e só assim poderás rezar.” Que surdez é esta? É aquela que brota do abandono. A nossa escuta é permanentemente interrompida por urgências que se impõem, sobretudo falsas urgências, ficções que nos povoam e barram a experiência essencial. Sempre que a nossa escuta desiste de ir até ao fim, ela desiste de si. Por isso Evagro recomenda: “Torna-te surdo.” A verdade é que se não formos capazes disso, não mergulharemos no silencioso oceano da escuta. Convite paradoxal a se perder para encontrar-se. Teremos de aprender a trocar a potência do ruído pelo murmúrio do silêncio. E a ser como os rebanhos que nos campos seguem o sopro trémulo da flauta do pastor em vez do vento.
in Semanário Expresso, 19.05.2019
https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2429/html/revista-e/que-coisas-sao-as-nuvens/o-sentido-do-coracao
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À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves
DOMINGO V DA PÁSCOA Ano C
“Como Eu vos amei,
amai-vos também uns aos outros.”
Jo 13, 34

Como Ele…
As despedidas nunca são fáceis. Pensar que deixamos de ver pessoas, uma terra, realidades que amamos, abre uma fenda dentro de nós. É como se ficasse um pouco do que somos naquele lugar, naqueles corações. E assim me maravilho com os “discursos da despedida de Jesus” que S. João nos dá no seu Evangelho, ao longo de três capítulos. São palavras que têm um sabor de tesouro, do qual vamos retirando sempre coisas novas e antigas, como o presente de um pequeno “manual de instruções” do essencial para a vida e a missão dos seus discípulos. O mandamento novo do “amai-vos uns aos outros” passa a ter uma medida: “como Eu”! Isto é, sem medida, sem limite, tudo e todo!

 Confundimos facilmente “amar” com “gostar”. E, contudo, trata-se de algo diferente. Quantas vezes lembro Martin Luther King, o pastor protestante norte-americano, defensor dos direitos cívicos dos negros, que dizia: “Eu não consigo gostar de quem vem a minha casa e maltrata a minha família porque somos negros; não consigo gostar dele, mas, porque sou cristão, quero amá-lo.” A radicalidade que Jesus propõe de “amar os inimigos”, não é expressão dessa ultrapassagem do sentimento? Quando se ama, ultrapassamos o “condomínio afectivo” dos amigos, e arriscamos uma universalidade que parece impossível. Que bom, nesse esticar do coração, estarem os que chamamos amigos, mas que sintonia com o coração de Deus quando vamos mais além!

Como Jesus ama de modo universal, não podia propor-nos um viver “a meio-amor”. É o amor sem muros nem fronteiras de qualquer espécie, numa preferência pelos que são periferia de tantos centros (religiosos, e outros tão “bem colocados”), pelos que não contam e são descartáveis, os discriminados e excluídos, os que erraram ou persistem no mal. E é fácil constatar essa universalidade: como Ele, os que assim vivem, também receberão incompreensão e recusa.
  
Como Jesus ama de modo concreto, fazendo de cada um o centro da sua atenção, numa contínua saída de si, não podia oferecer-nos uma “auto-salvação” de consolos espirituais. Pensar primeiro no que pode acontecer ao outro, nas mil possibilidades de o ajudar, como fez o bom samaritano no caminho de Jericó, é o sinal dessa saída. “Se eu penso em mim, tu ficas só, / se eu penso em ti seremos nós”, diz um cântico conhecido. Como Jesus, haverá também vozes que nos chamarão: “amigo de publicanos e pecadores”!
  
Como Jesus ama sem contabilidade nem medida, e não espera retorno, não podia desejar discípulos calculistas e avarentos, de tantas graças que guardam em vez de dá-las gratuitamente. É o amor em abundância da herança desperdiçada, do denário dado a todos, da outra face apresentada, do perdão até “setenta vezes sete”, do céu oferecido ao bom ladrão, do bem que se faz ao que nos fez mal. E como Jesus, as vidas dos que amam assim, incomodando poderes e pondo em causa a ordem pública, encontrarão outras tantas crucifixões.
  
“Como Ele…” parece impossível, mas “com Ele” já descobrimos esse amor na vida de tantos!
in Voz da Verdade, 19.05.2019
http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=8170&cont_=ver2
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Francolino Gonçalves, inovador dos estudos bíblicos, homenageado em simpósio
António Marujo | 19 Maio 19
Frei Francolino Gonçalves. Foto © Luís Filipe Santos/Agência Ecclesia

 Um simpósio internacional que pretende homenagear o trabalho de frei Francolino Gonçalves, frade dominicano, destacado estudioso do Antigo Testamento na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa (EBAF) de Jerusalém, e “um dos maiores teólogos portugueses de sempre”, decorrerá em Lisboa nos próximos dias 20 a 22 (segunda a quarta-feira da próxima semana).

Este é um projecto nascido “da amizade” e da admiração científica de duas colegas e amigas de frei Francolino, explica ao 7MARGENS Ana Valdez, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) e uma das responsáveis pela iniciativa.

Francolino Gonçalves inovou os estudos bíblicos, com o seu contributo acerca dos dois Yhaweh, as duas representações de Deus na Bíblia: o Deus vingativo e destruidor, de um lado, o Deus bondoso do outro. “Esta é uma caracterização simplista”, diz Ana Valdez, mas muitas vezes as diferentes visões de Deus encontram-se a par no mesmo texto.

A responsável pela organização do simpósio acrescenta que há em Portugal um problema: quem apenas ouve leituras de trechos bíblicos nas missas de domingo “não conhece a Bíblia, apesar de estarmos numa sociedade tradicionalmente católica”. Pelo contrário, no universo protestante conhecem-se os conceitos, a linguagem, a evolução dos mesmos e as diferentes mãos que construíram o texto. Por isso, acrescenta, é importante conhecer a forma como o texto bíblico é escrito quando passa da oralidade ou as influências externas que recebe.

Esse percurso cultural acaba por ter influência no desenvolvimento dos conceitos sobre Yhaweh, explica Ana Valdez. No início, a Bíblia (os textos do Antigo Testamento, grosso modo, da Bíblia judaica) era um texto falado. Com a passagem a escrito, a diversidade narrativa ganha forma. E foi esse processo que Francolino Gonçalves estudou, inovando de forma decisiva os estudos bíblicos contemporâneos.

Projecto nascido da amizade
“Desde a morte de frei Francolino que pensávamos organizar alguma iniciativa”, diz Ana Valdez, que também foi aluna do frade dominicano português. Em conjuntocom Claudine Dauphin, da Universidade de Gales, a investigadora portuguesa, investigadora principal do Centro de História da FLUL mobilizou outros colegas académicos, investigadores e amigos de Francolino Gonçalves para pôr de pé o simpósio que agora decorrerá em Lisboa, assinalando também uma os dois anos da morte de frei Francolino, a 15 de Junho de 2017.

Quando diz que o projecto nasce da amizade, Ana Valdez está a ser muito concreta: o simpósio realiza-se porque cada participante paga as duas despesas, ficando os alojamentos distribuídos por casas religiosas, já que foi impossível encontrar financiamento para a iniciativa.

O simpósio conta com intervenções de duas dezenas de destacados investigadores portugueses e estrangeiros, todos eles colegas nas áreas que o dominicano português investigou. Entre eles, Thomas Thompson, americano que vive em Copenhaga, que investigou a toponímia israelo-palestinense; Émile Puech, Julio Trebolle Barerra e Florentino García Martínez, especialistas na história bíblica e nos manuscritos do Mar Morto; vários dos investigadores da EBAF, entre os quais Paolo Garuti, que sucedeu a frei Francolino na direcção da revista e da colecção de monografias da EBAF; e ainda nomes outros como Frédéric Manns (autor de Maria, Uma Mulher Judia, por exemplo) ou Ingrid Hjelm.

De Trás-os-Montes a Jerusalém
Nascido em 28 de Março de 1943 em Corujas (Macedo de Cavaleiros), Francolino Gonçalves fez a sua primeira profissão religiosa como dominicano em 1960 e foi ordenado padre em 1968. Trabalhou durante quatro décadas na EBAF de Jerusalém, para onde foi como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, em 1969.Exerceu vários cargos naquele centro de investigação, um dos mais importantes do mundo na área dos estudos bíblicos, nomeadamente na vertente arqueológica.

Manteve sempre, no entanto, a ligação a Portugal, onde voltava por períodos largos, quase todos os anos, para orientar, coordenar ou participar em programas de pós-graduação portugueses, primeiro em História Antiga e depois em História e Cultura das Religiões, na Universidade de Lisboa, na Universidade Católica Portuguesa e na Universidade Nova de Lisboa.

No seu trabalho, procurava tornar acessível a mensagem bíblica  a todos os públicos, distinguindo as intervenções que fazia em função do público que o escutava ou lia. Também se distinguiu na forma como ajudou a formar gerações de estudantes na área da Bíblia e da teologia.

Tendo em conta precisamente as suas ligações a diferentes instituições universitárias, o simpósio decorre em diferentes locais: Faculdade de Letras da UL (dia 20 de Maio, anfiteatro III), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova (dia 21, auditório I, torre B), e Convento Dominicano de São Domingos de Lisboa (dia 22).
in 7Margens,
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