P / INFO: Crónicas & Pope laments
countries that sell weapons but refuse to take in refugees from conflicts
Frei Bento: Estudar antes de pregar
Pe. Anselmo: Sobre pessoas e animais quem decide?
Pe. Tolentino: Arte involuntária
Pe. Vitor: Um coração com olhos
ESTUDAR ANTES DE PREGAR
Frei
Bento Domingues, O.P.
Não
basta a ortodoxia do Credo. A sua repetição não produz saber. Sem a pergunta
essencial, fica a cabeça vazia.
1. Em Serralves, no passado dia 19, fui
convidado a participar numa conferência com Lídia Jorge, sobre O pensamento como pré-escrita. A
moderadora, Luísa Meireles, lembrou que o assunto envolve múltiplas vertentes –
literárias, filosóficas, religiosas, semânticas, etc. – com a liberdade de tudo
o que cada um quisesse abordar. A conferência foi aberta por Paulo Mendes Pinto
e pela música de Pedro Abrunhosa. Não me pertence, a mim, fazer qualquer juízo
sobre o que, ali, aconteceu.
Escrever,
escrevo, mas não sou escritor nem ficaria infeliz se nada tivesse escrito. Tive
de escrever, no âmbito da teologia, muitos textos que me pediram para várias
revistas ou de colaboração em obras colectivas, assim como introduções e
prefácios sem conta. Fui solicitado por muitas instituições culturais do país,
para conferências e debates sobre A Religião dos Portugueses, publicada em
1988, corrigida e aumentada na reedição de 2018, organizada por António Marujo
e Maria Julieta Mendes Dias. Desde os inícios do Público, fui convidado para escrever, ao Domingo, uma crónica que
se tem mantido até hoje. Deu origem a vários livros, editados pela Figueirinhas
e, depois, pela Temas e Debates.
Como
disse, não sou escritor nem pertenço à Ordem dos Escritores, mas à Ordem dos
Pregadores. É esse o sentido de acrescentar, à assinatura de tudo o que
escrevo, O.P. o que ainda intriga alguns leitores.
Até
ao século XIII, a Ordem dos Pregadores era identificada com a Ordem dos Bispos.
Houve, por isso, resistências a dar este nome a uma Ordem Religiosa. A própria
Bula pontifícia, que recomendava a Fundação de S. Domingos (1170-1221), foi
corrigida de “Ordem dos que pregam” para Ordem
dos Pregadores, aqueles que são “totalmente dedicados ao anúncio da
palavra de Deus”.
Este
acontecimento revelou-se extremamente fecundo. Fez com que, muitos párocos e
várias Congregações religiosas se convertessem a esta missão que é
responsabilidade de toda a Igreja.
Porque será que a chamada Ordem dos Pregadores produziu, muito cedo,
grandes teólogos escritores – basta pensar em Alberto Magno e Tomás de Aquino –
e a escrita de místicos famosos, como Mestre Eckhart e Catarina de Sena?
Existe uma resposta óbvia, cunhada pela expressão: verba volant, scripta manent (as palavras voam, os escritos
permanecem).
O
acto de escrever é paradoxal: por um lado, procura reter a palavra para que ela
atravesse o tempo e o espaço; por outro, ao ser fixada, por vários processos, em
signos inalteráveis, perde a voz, o som, a vida. Ficam apenas letras, como
traços da passagem de um vivente desaparecido. É uma morte à espera de leitores
que a provoquem, a interroguem, a ressuscitem. Um escrito é um morto que pode
sobreviver ao seu autor pela energia que transmitir. Um texto não fala se não
for provocado.
Antes
da palavra e antes da escrita existem várias formas de pensamento fecundado por
experiências e emoções vitais. Costumamos dizer que, no começo, era a Palavra: Logos. Poder-se-ia dizer também que, no
começo, era o Silêncio. Este, porém, está carregado de palavras. Só sabemos o
que os outros pensam se eles o disserem ou escreverem, o resto é “adivinhação”.
Diz-se que os tagarelas falam antes de pensar, umas vezes arrependem-se disso,
outras não.
Seja
como for, só se conhece a distinção entre ser humano e simples animal pela
palavra. Existem animais que podem ser treinados para repetir o que os humanos
lhes ensinam. Apesar de todo o animalismo reinante, ainda não se conhece
nenhuma biblioteca organizada pelos habitantes dos jardins zoológicos ou da
selva. Tudo o que é escrito sobre os animais é feito por uns animais que falam
e escrevem, organizando sistemas de signos convencionais, em línguas muito
diferentes e em registos linguísticos muito diversos.
2. Não sei o que se passa com os
escritores e artistas criativos antes da obra que colocam ao nosso dispor. Sei
o que muitos deles disseram. No campo da teologia, conheço a recomendação de S.
Pedro: estai sempre prontos a dar razão
da vossa esperança a todo aquele que vo-la pede; fazei-o, porém, com mansidão e
respeito[1]. Não é uma tarefa especializada. É a
situação para a qual todo o cristão se deve preparar.
Um
pregador, aquele que faz da sua vida o testemunho do Evangelho, não se deveria
atrever a pregar sem perguntar, primeiro, se recebeu a graça da pregação, graça
do Espírito Santo, o único verdadeiramente entendido no que a Deus diz respeito[2].
A seguir, pertence-lhe estudar. O conhecimento
por afinidade espiritual não dispensa as filosofias e as diversas ciências,
pois tem de mostrar como é que é verdade aquilo que confessa, na fé, ser
verdade[3].
Não basta a ortodoxia do Credo. A sua repetição não produz saber. Sem a
pergunta essencial, fica a cabeça vazia. Tem de investigar, cogitar, contemplar
ferverosamente, antes de falar, pregar ou escrever.
Humberto
de Romans, O.P. ( ca. 1200 -1277)[4] observou: foi com a Ordem dos
Pregadores que, pela primeira vez, estudo e vida religiosa se uniram, numa
união sempre frágil que precisa de ser assumida, diariamente, como tarefa
prioritária.
Acerca
da teologia, Bento XVI recordou uma anedota dos seus primeiros anos como
professor na Universidade de Bonn: em cada semestre, havia um dia académico, no
qual, os professores de todas as Faculdades se apresentavam aos alunos. Nessa
altura, a Universidade sentia-se orgulhosa das suas duas Faculdades de Teologia
(uma católica e outra protestante), ainda que nem todos os professores
partilhassem a fé cristã. Esta situação não se alterou mesmo quando, em certa
ocasião, um dos professores tivesse dito que, nessa Universidade, havia algo de estranho, pois tinha duas Faculdades
que se ocupavam de algo que não existia: Deus.
Desde
a Idade Média, o mundo cultural mudou muito. Nessa altura, o pregador tinha de
estar preparado não só para testemunhar Aquele em quem acreditava, mas para
dialogar com os judeus e os muçulmanos. Hoje, o diálogo inter-religioso é muito
mais vasto e não pode esquecer os agnósticos, os ateus e os indiferentes.
3. O catolicismo convencional gera um
pensamento rotineiro que não se deixa interrogar nem pode questionar o status quo da vida da Igreja nas
homilias, na administração dos sacramentos, na catequese, etc. etc.. É o maior
obstáculo à nova e antiga evangelização.
Veio
o Papa Francisco e desconstruiu esse mundo convencional e, daí o grito: ai que
ele está a dar cabo da Igreja na sua vida interna e na sua relação com o mundo.
É verdade! O vinho novo da sua intervenção, pelo exemplo e pela palavra,
rebenta com os odres velhos do conformismo.
in
Público, 29.09.19
Sobre pessoas e animais
quem decide?
Anselmo Borges
Padre e Professor de Filosofia
1. Eu sei
que o tema é hoje muito sensível e complexo. Já aqui escrevi várias vezes sobre
ele, mas volto a ele, sobretudo porque penso que é fundamental ter conceitos
claros, contra a confusão que quer impor-se neste e noutros domínios. Dentro da
confusão, é fácil perder-se quanto ao essencial.
Dou exemplos
de confusionismo. Contou-me uma pessoa amiga que, durante uma volta a pé, ouviu
uma senhora aflita a chamar: "Anda à mãe, anda à mãe." Até se
afligiu, pensando que uma criança se tinha perdido. Afinal, era um cãozinho.
Outra pessoa contou-me que viu na televisão uma senhora grávida num
supermercado com o cãozito num carrinho e, à pergunta para quando o nascimento
do bebé, disse a data prevista na qual o cão iria ter um irmão. Segundo o
Expresso, André Silva declarou: "Há mais características humanas num
chimpanzé ou num cão do que numa pessoa em coma". E já se pede um SNS para
cães e gatos. E há jardins públicos infrequentáveis por crianças, tanta é a
porcaria largada por cães, com os donos regalados a observar o alívio dos
bichos. E tem havido ataques graves de cães e perturbações sem conta por outros
animais que destroem colheitas inteiras, mas nada acontece...
A afirmação
acima está na continuidade da de Peter Singer, professor da Universidade de
Princeton, que escreveu em Ética Prática: "Devemos rejeitar a doutrina que
coloca a vida dos membros da nossa espécie acima da vida dos membros de outras
espécies. Alguns membros de outras espécies são pessoas; alguns membros da
nossa não o são. De modo que matar um chimpanzé, por exemplo, é pior do que
matar um ser humano que, devido a uma deficiência mental congénita, não é capaz
nem pode vir a ser pessoa." Quem faz estas afirmações fá-lo baseado em que
a desigualdade de tratamento que damos às pessoas humanas e aos outros animais
deriva do chamado especismo, que consiste na preferência que damos aos seres
humanos sem qualquer outra razão que não a pertença a uma espécie, no caso, a
espécie humana.
2. Oponho-me
veementemente a esta tese, que é a tese animalista, uma das teses mais
deletérias e ameaçadoras contra o humanismo. E estou à-vontade, por várias
razões. Na universidade, sempre falei aos estudantes da Animal Liberation
(Libertação animal), de Peter Singer, e há muito que defendi que se deveria
encontrar, do ponto de vista jurídico, uma denominação para os animais, que não
são coisas. Aliás, isso encontra-se também num livro que coordenei juntamente
com Alexandre Manuel, Desafios à Igreja de Bento XVI, no qual o
constitucionalista J. Gomes Canotilho perguntava se precisamente um desses
desafios não era desenvolver uma ecologia em que "as diferenças entre
"algo e alguém" não remetam para o domínio das coisas a problemática
humana dos outros seres vivos da Terra." E sempre fui a favor do valor da
vida, do cuidado a dar à Criação e de que aos animais é devido tratamento
adequado, recusando sofrimentos cruéis e inúteis.
Para mim, de
qualquer forma, há uma distinção entre a pessoa humana e os outros animais - e
quando se fala em animais, é preciso distinguir entre animais e animais: não é
a mesma coisa falar de cães e gatos e falar de pulgas, piolhos, carraças,
percevejos, vespa asiática... e, por outros motivos, de leões, tigres,
crocodilos, hipopótamos...-, distinção que é não só de grau ou quantitativa,
mas essencial, qualitativa, ontológica. Bastará estar atento às diferenças, de
que dou apenas exemplos. Neste tema como noutros, o problema é o
fundamentalismo e a falta de racionalidade.
Como
escreveu Edgar Morin, "embora muito próximo dos chamados chimpanzés e
gorilas, tendo 98% de genes idênticos, o ser humano traz uma novidade à
animalidade". Há, apesar de tudo, entre etólogos e antropólogos,
convergência bastante no reconhecimento de que entre o animal e o homem se deu
um salto qualitativo essencial. Esse salto manifesta-se, em termos gerais, na
autoconsciência (consciência de que se é consciente), na autoposse de si mesmo
como único e centro de identidade, na linguagem simbólica e reflexiva, na
capacidade de abstrair e formar conceitos, na transcendência em relação ao
espaço e ao tempo, na criação e assunção de valores éticos e estéticos, no
pré-saber da morte própria vinculada às crenças religiosas e à angústia frente
ao nada, na pergunta pelo ser e pelo seu ser...
O homem não
se encontra na simples continuidade da vida no sentido biológico. Como escreveu
Max Scheler, o homem é "o asceta da vida", pois é capaz de dizer não
aos impulsos instintivos, vendo aí o célebre biólogo F. J. Ayala "a base
biológica da conduta moral da espécie humana, nota essencialmente específica
dela". Porque é capaz de renunciar, abster-se, deliberar, optar, o homem é
um animal livre e moral.
Os outros
animais também comunicam, mas o homem tem linguagem duplamente articulada.
Aristóteles viu bem, ao definir o homem como animal que tem lógos (razão e
linguagem), e, assim, político: "Só o homem, entre os animais, possui
fala. A voz é uma indicação da dor e do prazer; por isso, têm-na também os
outros animais. Pelo contrário, a palavra existe para manifestar o conveniente
e o inconveniente bem como o justo e o injusto. E isto é o próprio dos humanos
frente aos outros animais: possuir, de modo exclusivo, o sentido do bem e do
mal, do justo e do injusto e das demais apreciações. A participação comunitária
nestas funda a casa familiar e a pólis."
O Pensador,
de Rodin, diz-nos bem o que é o ensimesmamento: entrada dentro de si próprio,
descida à sua intimidade única, à subjectividade pessoal: o ser humano vem a si
mesmo como único, tem a experiência de eu enquanto própria e exclusiva, face ao
outro, que é outro eu, outro como eu, mas simultaneamente um eu que não sou eu:
um eu outro impenetrável. Disse o famoso psicanalista Jacques Lacan:
"Possuir um Eu na sua representação: este poder eleva o homem
infinitamente acima de todos os outros seres vivos sobre a Terra. Por isso, é
uma pessoa". Sabe que sabe, é autoconsciente, consciente de ser
consciente.
O homem é um
ser inquieto, nunca satisfeito (satis-factus: feito suficientemente), acabado.
Por isso, é o ser do transcendimento, como escreveu Pascal, ao dizer que o
homem mora algures entre "le néant et l"infini" (o nada e o
infinito), aberto ao Infinito, à Transcendência. É o ser da pergunta e, de
pergunta em pergunta, chega a perguntar ao infinito pelo Infinito, isto é, por
Deus. Neste sentido, é constitutivamente metafísico e religioso. E tem
dignidade, é fim e não meio, como defendeu Immanuel Kant, pois há nele algo de
infinito, precisamente esta sua capacidade e necessidade de perguntar pelo Infinito,
pelo Fundamento e pelo Sentido último.
E há o riso
e o sorriso, a contemplação e a criação de beleza (quando é que um animal vai
compor uma sinfonia?), o amor de autodoação, erguer edifícios jurídicos com o
estabelecimento da lei e da igualdade de todos perante a lei, a sepultura, a
esperança...
E, no final
de tudo, se estas notas características e capacidades específicas e outras não
convencessem, há uma que é definitiva: nesta questão de saber se a distinção
entre os humanos e os outros animais é meramente de grau ou, pelo contrário,
qualitativa, essencial, quem é convocado é o homem. É ele e só ele que debate.
Alguém se lembra de convocar uma assembleia de outros animais para dirimir a
questão?
É preciso
tomar consciência do perigo da indiferenciação e da ameaça da animalização da
sociedade.
3. Há uma
pergunta inevitável. E os membros da nossa espécie que não podem de facto
exercer essas capacidades, como os deficientes mentais profundos? Estou com a
filósofa Adela Cortina: "Isso não os torna membros de outras espécies, mas
pessoas que é preciso ajudar para poderem viver ao máximo essas capacidades, o
que só conseguirão numa comunidade humana que cuide deles e os promova na
medida do possível."
in DN, 29.09.19
https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-borges/interior/sobre-pessoas-e-animais-quem-decide-11345772.html
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QUE COISA SÃO AS NUVENS
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
ARTE INVOLUNTÁRIA
A VIDA É UM TAPETE QUE VOA, É UMA ALIADA DO ESPANTO, TEM MAIS
IMAGINAÇÃO DO QUE SUPOMOS, UMA ARTE TODA SUA
Em rigor não
existe uma arte involuntária. Leonardo da Vinci recordava, com razão, o óbvio:
que esta é coisa mental. A arte supõe o gesto deliberado, o processo, a
reflexividade, a dimensão laboratorial, a instigante e consciente procura, a
experimentação. Mas o olhar e o coração de cada um de nós sabem, no entanto,
que existe também uma arte involuntária. Sabem que há insustentáveis imagens
perfeitas que não foram construídas de modo deliberado e nos atravessam; que
essas podem ser flagrantemente aleatórias e, ao mesmo tempo, incrivelmente
reais; que pertencem porventura à natureza mais do que à manufatura humana; que
são um encontro de formas sem motivo, mas que depois se tornam um património
que não nos larga mais. Num livro recente do paisagista Gilles Clément,
intitulado “Tratado Sucinto da Arte Involuntária”, o autor situa-a justamente
numa zona indefinida, numa espécie de encruzilhada contingente entre o domínio
elementar da natureza e a expressão informal da nossa humanidade. E fornece
esta definição: “Considero como arte involuntária o feliz resultado de uma
combinação de situações ou de objetos, organizados por regras de harmonia
ditadas pelo imprevisto.” Os exemplos que avança, recorrendo a dezenas de
fotografias, mostram aqueles rodopios súbitos de vento que tornam aérea uma
inteira população de folhas ou então esculturas de gelo nos cimos mais
silenciosos ou aqueles caprichos que o litoral repetidamente nos oferece. E há
também fotografias que registam a vida no labirinto das cidades; o emaranhado
dos fios que, por quilómetros e quilómetros, nos interligam; as fachadas
revistas em sucessão onde o tempo declina não a cor, mas a erosão da cor: quando
o azul, o magenta ou o laranja parecem mais do que nunca o assobio do mundo em
passagem. E, nessa linha, o livro aposta num levantamento do que se poderiam
chamar instalações (mesmo se precárias), epifanias (mesmo se momentâneas) e
vestígios (mesmo se destinados a um apagamento mais vertiginoso do que aquele
que nós próprios conhecemos). Porém, devo dizer que o que mais me comoveu nesta
incursão de Gilles Clément pela arte involuntária foi o exercício de atenção ao
que nos rodeia e aos seus humildes detalhes. Por vezes, sentimo-nos a caminhar
entre monótonas paredes que se prolongam ou numa cartografia exausta, que é
sempre igual. Mas a vida é — voluntária e involuntariamente — outra coisa. A
vida é um tapete que voa, é uma aliada do espanto, tem mais imaginação do que
supomos, uma arte toda sua. Mas tal depende também do olhar que lhe dedicamos.
Aprender a contemplar: que tarefa interminável!
A arte supõe o gesto deliberado, o
processo, a reflexividade, a dimensão laboratorial, a instigante e consciente
procura, a experimentação
Creio que
nós humanos somos mestres desta arte involuntária. As imagens que mais
profundamente se gravam, aqueles farrapos de existência que mais tarde nos
assombram, nos resgatam e resumem têm essa música. E, por isso, todos
recordamos coisas de nada, que, contudo, nos sustentam: um gesto, um silêncio,
um sorriso, uma certa hora, uma certa confidência, um rastro, um retrato. Por
exemplo, este verão revi o filme de Roberto Rossellini, “Stromboli”, e fiquei
siderado com a cena da pesca do atum, mostrada ali como uma coreografia
primitiva, intensíssima, até pungente. Durante essa longa cena só me recordava
de meu pai, que foi também pescador. Eu fixava-o, com nitidez, de barco em
barco, entre as personagens de Rossellini. Vestia uma camisa verde como há
muitos anos, na última vez que o vi.
in Semanário Expresso, p 157, 28.09.2019
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À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves
DOMINGO XXVI COMUM Ano C
“Um pobre, chamado Lázaro,
jazia junto do seu portão, coberto de chagas.”
Lc 16, 20
Um coração com
olhos
A educadora tinha convidado os meninos e meninas da
sua sala a desenharem, ao seu gosto, um coração. Umas das mais pequenitas,
embrenhou-se na tarefa e foi das últimas a acabar. Apareceram corações muito
diferentes e qual deles o mais ricamente decorado, alguns até com brilhantes e
missangas. Por fim, a tal pequenita mostrou também o seu desenho: era um
coração simples, grande e vermelho, mas com olhos, pés, mãos e uma boca
sorridente! E ela explicou: “Tem olhos para ver os outros e tudo, mãos para
estender e abraçar, pés para ir ao encontro de todos, e um sorriso porque assim
é que é feliz!”
O drama de quem é rico é não ver o pobre. Ou ver e
nada fazer. Na única parábola contada por Jesus em que um personagem tem nome,
somos todos alertados para a cegueira que a riqueza provoca. Não é feito um
juízo sobre o comportamento moral do rico ou do Lázaro: não se conhecem boas ou
más acções de um ou do outro. O abismo após a vida é idêntico ao desta: quem
podia fazer alguma coisa nada fez. Terá pensado: que adianta ajudar um se são
tantos? Como se pode resolver o problema da pobreza? Cimeiras, reuniões
planetárias, assembleias faustosas e vistosas continuam a realizar-se no nosso
tempo, a produzir declarações admiráveis que pouco se cumprem. A pobreza é dos
outros, pouco interessa que esteja à nossa porta ou lá longe onde não nos
afeta. Irónica a pretensão do rico da parábola que, mesmo na mansão dos mortos,
ainda tenta pôr Lázaro ao seu serviço! É o paradigma: Rico que continua a
pensar só nos ricos e a usar os pobres!
É preciso dizê-lo: haver ricos e pobres é contra o
projecto de Deus. Os bens da criação e o desenvolvimento humano não podem ser
só para alguns. Santo Ambrósio, comentando esta parábola, dizia: “Quando dás
alguma coisa ao pobre, não lhe dás o que é teu, restituis-lhe apenas o que já é
seu, porque a terra e os bens deste mundo são de todos, não dos ricos.” Um
progresso económico, técnico e cultural que não beneficia todos os níveis da
sociedade cava abismos de desumanidade. É preciso mudar o “coração de rico” que
trazemos connosco. Agarrado a tudo o que julgamos que é nosso e obcecado por
aquilo que ainda que ainda nos falta possuir! E por isso tantas vezes infeliz:
cego à realidade de quem sofre, sem pés para sair ao seu encontro, sem mãos
para partilhar e sem sorriso que nos ilumine o rosto!
“Sair com Cristo ao encontro de todas as periferias” é
o programa deste ano na nossa Diocese de Lisboa. São periferias e pessoas com
nome. Não vamos inventar “a solução” mas conhecer, melhorar e estimular “as
soluções”; não vamos “fazer para” mas “criar com”; não vamos só “dar” mas
valorizar o quanto precisamos de todos. À maneira de S. Vicente de Paulo,
celebrado por estes dias, fundador dos Padres Lazaristas (hoje, Vicentinos) e
que dizia: “A caridade é inventiva até ao infinito”. Como Jesus Cristo faz e
ensina a fazer. E que tal começar por abrir os olhos do coração?
in Voz da Verdade, 29.09.19
http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=8409&cont_=ver2
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Pope laments
countries that sell weapons but refuse to take in refugees from conflicts
Inés
San Martín
ROME BUREAU
CHIEF
ROME - Pope Francis on Sunday said that Christians cannot be indifferent
and insensitive to the “tragedy” of poverty, “our hearts deadened” before the
misery of innocent people.
“We must not fail to weep,” Francis said. “We must not fail to respond.”
Francis, the son of immigrants himself, also lamented that today’s world is
increasingly “more elitist and crueler towards the excluded,” because
developing countries are drained of their best resources - natural and human -
to benefit “a few privileged markets.”
In addition, he said, “wars only affect some regions of the world, yet
weapons of war are produced and sold in other regions which are then unwilling
to take in the refugees generated by these conflicts. Those who pay the price
are always the little ones, the poor, the most vulnerable, who are prevented
from sitting at the table and are left with the ‘crumbs’ of the banquet.”
Francis’s words came in St. Peter’s Square during the Mass for the 105th
World Day of Migrants and Refugees. The theme of this year’s message, released
by the Vatican in May, is “It is not Just about Migrants.”
According to the United Nations Refugees office (UNHCR), over 70 million
people around the world have been forced to leave their homes. Among them are
nearly 25.9 million refugees, over half of whom are under the age of 18. The UN
agency says one person is forcibly displaced every two seconds as a result of
conflict or persecution.
In addition, according to the United Nations Migration office (IOM) there
are an estimated 244 million international migrants globally, around 3.3
percent of the world’s population.
Francis said that the commandment is to “love God and love our neighbor,”
and that these cannot be separated.
“Loving our neighbor as ourselves means being firmly committed to building
a more just world, in which everyone has access to the goods of the earth, in
which all can develop as individuals and as families, and in which fundamental
rights and dignity are guaranteed to all,” the pope said.
Loving our neighbor, he continued, means to manifest concretely God’s love
for them by drawing close to those who are mistreated and abandoned on the
streets, soothing their wounds and bringing them to the nearest shelter.
Speaking about the theme for the message, Francis said that loving one’s
neighbor and the day for migrants and refugees is not only about foreigners but
“about all those in existential peripheries who, together with migrants and
refugees, are victims of the throwaway culture.”
The pope began his homily by speaking about the many times in which God
calls on those who follow him to care for the widow, the orphan and the
foreigner, saying that even twenty-eight centuries later, the warnings of
prophet Amos are relevant: Those who are at ease and seek pleasure without
worrying about the ruin of God’s people should worry about not being invited to
God’s banquet.
The widow, the orphan and foreigners, Francis said, are “often forgotten
and subject to oppression. The Lord has a particular concern for foreigners, widows
and orphans, for they are without rights, excluded and marginalized.”
For this reason, in the books of Psalms, Deuteronomy and Exodus God “warns”
the Israelites to give them special care: “The reason for that warning is
explained clearly in the same book: The God of Israel is the one who ‘executes
justice for the fatherless and the widow, and loves the sojourner, giving him
food and clothing’” he said.
Loving those who are less privileged, Francis argued, is “required, as a
moral duty, of all those who would belong” to the people of the God of Israel.
At the end of the Mass, accompanied by four migrants, Francis unveiled a
recently installed sculpture depicting 140 migrants of all generations and
different times in history. At the center, the wings of an angel are visible,
which gives the name of the piece: “Angels Unaware.”
The sculpture was requested by the Vatican’s Migrants and Refugee section.
Timothy Schmalz, the Canadian artist responsible for the 20-foot piece,
told Crux that he was inspired by the Bible, more specifically,
Hebrews 13:2 - Be welcoming to strangers and many have entertained angels
unaware.
“What is being installed is not just bronze nor is it just art,” he said.
“It’s an idea. An idea of welcoming. If you think about the whole design of St.
Peter’s Square, with two extended arms reaching out, historically, the whole
concept was considered that they were welcoming arms to welcome not only the
pilgrims, but also for the tourists.”
Schmalz said he had strategically placed figures that are rarely seen in
artwork in Rome, such as the African, the Jew, the Muslims or Sikhs. People
from all over the world and from different religions, he said, are represented,
and the sculpture is meant to remind the thousands who visit the square that
they too are welcomed, no
After the unveiling, Francis spent several minutes contemplating the
sculpture, before greeting the migrants who revealed the sculpture, the
artists, and the benefactors who made it possible.
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in
Crux, Sep 29, 2019
https://cruxnow.com/vatican/2019/09/29/pope-laments-countries-that-sell-weapons-refuse-to-take-in-refugees-from-conflicts/
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É
no dia 19 de Outubro às 15.30 a
Conferência
do Prof. Luca Badini, do
Wijngaards Institute for Catholic Reform