Li com curiosidade um artigo recente sobre o Concílio Vaticano III e o mesmo deixou-me a pensar. De facto apresentam-se questões e argumentos que são da máxima importância para o presente e o futuro da Igreja mas, afinal, que Igreja temos no concreto? Como vivemos nós católicos a Igreja que somos? Politicamente diz-se que os portugueses são um povo pouco participante e até reconhecidamente de brandos costumes. Em resumo aceitamos tudo com uma passividade que a outros povos seria impensável. Será que em Igreja também somos assim?
Alguns exemplos levam-me a crer que sim. Em quantas igrejas a homilia é pronunciada perante uma instalação sonora completamente obsoleta ou num timbre de voz completamente inadequado ou o sacerdote balança a cabeça para os lados esquecendo que o microfone está virado para a frente e ninguém diz absolutamente nada? Em quantas igrejas temos grupos ditos corais que cantam a várias vozes, aliás tantas quantas as que compõem o dito, e ninguém reclama?
Enfim são apenas duas caricaturas de situações que infelizmente todos os católicos já presenciaram.
Outras situações são contudo mais preocupantes porque substancialmente mais graves e são de facto essas que me preocupam enormemente:
1. Será normal assistir de braços cruzados à crescente centralização nos padres de actividades que pela sua complexidade técnica e de gestão deveriam ser desempenhadas por leigos? Quantos cargos de pura administração ou gestão financeira são cada vez mais ocupados por leigos em estruturas ou empresas ligadas à Igreja? Quantos casos ao nível paroquial, diocesano e nacional?
2. Será normal que se façam nomeações de párocos como quem joga peças de xadrez passando por cima das necessidades das comunidades cristãs e das suas vontades colocando padres extremamente válidos em paróquias sem ninguém e colocando outros sem qualquer iniciativa que não seja o mero formalismo do culto em paróquias jovens e dinâmicas?
3. Será normal que em vez do espírito de pastor que deve nortear a actividade dos priores, incentivando e permitindo que as comunidades cresçam e se fortaleçam sendo eles verdadeiros portadores de um espírito vivificador da comunidade, seja, afinal, cada padre um detentor da sua razão que impõe à comunidade, fazendo, muitas vezes, tábua rasa de tudo o que existiu até aí?
4. Podemos aceitar que porque a um bispo não agrada o estilo de determinado padre o retire de uma paróquia e dê ordens expressas ao seu substituto para fazer as coisas como ele bispo as quer? E se essas coisas forem tão graves como esse padre ter dado algumas vezes a comunhão sob as duas espécies, ter chamado as crianças para o pé de si no altar ou ter mudado o ambão de local?
5. Podemos aceitar que um bispo dê instruções explícitas ao novo prior para que o prior cessante ou qualquer membro da comunidade não possa falar na Eucaristia de investidura do novo pároco e que o mesmo bispo ignore completamente na mesma cerimónia o prior cessante quer como pessoa quer ao nível do trabalho por ele realizado? Onde está a Igreja-Comunhão ou melhor, onde está a delicadeza e o reconhecimento?
6. Podemos aceitar que uma celebração de investidura de um novo pároco seja preparada à margem da comunidade e dos dois párocos (cessante e futuro) indo ao cumulo de se levarem os paramentos para tornar a cerimónia mais digna envergonhando e espezinhando com essa atitude a comunidade e retirando-lhe qualquer tipo de iniciativa numa cerimónia que é sua?
Vivi presencialmente estas situações nos últimos dias na diocese de Lisboa. Sinceramente, ao assistir a estes tristes acontecimentos, pouco me preocupa se devemos insistir mais ou menos no Vaticano II ou se devemos partir para o terceiro. Podemos, como Igreja, bater a mão no peito e fazer mea culpa pelos erros do passado mas é a mesma prepotência, é a mesma ânsia de poder, é o mesmo clericalismo feroz que não aceita o leigo e o trata como pobre pecador.
Hoje, como sempre, Deus está com o pecador, com o que sofre e com o humilde; o resto é uma triste caricatura que, infelizmente, hoje como no passado, quer manter a sua aparência rezando “Obrigado Senhor por não ser um pecador como estes homens”. E assim cada vez mais se assiste ao descrédito da Igreja. É preciso uma nova evangelização. Mas essa nova evangelização exige pastores diferentes na sua maneira de estar, exige uma Igreja em que o leigo tem que assumir o seu verdadeiro papel e estatuto e em que o padre, o bispo e o papa não são actores solenes de uma representação teatral que cada qual tenta fazer melhor para sua glória pessoal mas são verdadeiros pastores que se colocam como servos ao serviço de todos.
Recordo-me de uma senhora já velhinha que depois de assistir ao sermão de Domingo de Páscoa me disse: “ O senhor Prior fez uma homilia linda. Não percebi nada do que ele disse mas ele falou muito bem!”
Se a velha evangelização falhou de quem é a culpa? Temos que começar por dentro.
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