Encontrei o Chico G no largo em frente à igreja. Fiquei admirado porque ele não é nada inclinado a devoções de tipo religioso, é mais dado a celebrações na taberna. Não é muito original mas, pronto, é assim. Afinal estava perto da igreja por casualidade, um pouco mais gordo e com aspecto sedentário. Então, Chico, que tal anda o colesterol? Nada, tudo bem. Uns 180 e a tensão a 12. Fiquei espantado porque ele não cuida muito da alimentação, anda mais ao sabor dos sabores. Quem me mandou fazer um juízo negativo? Ri-me quando acrescentou: vocês é que têm de cuidar do colesterol das beatas. O quê!? Não é do colesterol do sangue, é do religioso. Do religioso? Então, se na política falam em gorduras do Estado, na Igreja bem podem falar no colesterol religioso. E como é isso!? Como é isso! É que na Igreja anda tudo com fartura de religião e tudo muito pasmado. Nesse momento lembrei-me que, há já bastantes anos, ouvi várias vezes um bispo português indignado com aquilo a que chamava “pastoral da engorda”. A ideia era que os padres se centravam quase só nas pessoas que frequentavam a Igreja, não estabelecendo relacionamentos muito além dessa fronteira. Continuei: mas parece que as pessoas gostam muito do novo padre que aqui está. Também já ouvi dizer. Não percebo nada disso, mas parece que gostam de o ouvir. Lembrei-me então que a mãe do Chico dizia que os padres de há uns anos só falavam em ovelhas, cordeiros, searas, videiras, que não bastava andarem toda a semana com isso senão virem ainda para a igreja ouvir essas coisas. E ele acrescentou: aqui as mulheres dizem que este fala bem, que não fala nada dessas coisas. O homem também é novo, se calhar não percebe nada disso. Dizem que nem gosta de vinho! Claro, o vinho, diz-se que o vinho é um antioxidante. Mais umas conversas que não vêm ao caso e cada um seguiu o seu caminho, ele para dentro de um minimercado e eu para dentro de mim. Há um extenso mundo entre o falar e o ouvir, o ouvir e o entender, o entender e o fazer-se desentendido. Numa missa, pouco depois de ter estado com o Chico, um senhor padre fez uma homilia que achei bastante interessante, mas não sei se era muito adequada àquela gente. Algumas pessoas referiram isso à saída. No que me diz respeito fiquei a conhecer uma espécie de provérbio que se calhar só eu não sabia e que vem a propósito: “não há banquete sem bom vinho, nem sermão sem santo Agostinho”. Pensei então que talvez não haja sermão nem banquete sem agitação no colesterol, mas a responsabilidade também é de quem come. A luta principal de Jesus dirigiu-se exactamente aos malefícios de uma religião adulterada e de uma moral falsificada. Disse um dia que o que faz mal “não é o que entra pela boca, mas o que sai” (Mt 15, 11. E ainda que não é por se dizer “Senhor, Senhor, que se salva, mas por se fazer a vontade do Pai” (Mt 7, 21). Ora a vontade do Pai é que as pessoas não sejam subjugadas nem se deixem subjugar às leis (do Sábado, como paradigma), mas que estas sejam para facilitar a vida. E também que não estejam sujeitas a práticas religiosas sem alma, mas que a sua religião seja a de um coração amável. Por isso vem sempre o dilema: o Chico no adro da igreja ou as pessoas que estavam dentro? Bem, não se pode meter a mão na mente ou na consciência de ninguém, e também não se pode condenar alguém por actos de que não é responsável. Mas, segundo os evangelhos, quem não tem o colesterol religioso elevado parece ter melhores condições para aceitar uma mensagem de humanidade do que aqueles que estão certos e seguros da sua gordura religiosa. Esta linguagem um pouco enjoativa não é nada estranha mesmo ao Antigo Testamento. O próprio Deus se manifesta contra as muitas gorduras queimadas com intenção de lhe agradar e pouca justiça e amor nas relações humanas que é aquilo de que verdadeiramente gosta (Isaías 1, 11-14). Por isso, nesta época, haja amor debaixo do sol que faz bem ao colesterol!
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