19 abril 2014

Judas, um amigo de longa data

       
Já conhecia o Judas de muito ouvir falar dele e a sua imagem de traidor não o tornava nada simpático, particularmente numa época em que vivíamos a preto e branco e a figura do traidor era cinzenta. Mas depois conheci o Judas mais de perto. Calhou-me num sorteio um livro sobre ele e considerei isso como uma exigência para o conhecer melhor. Essa exigência redobrou quando vi alguns olhares centrados em mim com ar de que o sorteio se tinha enganado. Nada que eu não conhecesse já. Foi assim o início de um relacionamento amistoso com o Judas apesar da má imagem que tinha dele. O livro tinha como título “Judas o primeiro traidor cristão”. Não tenho memória de um conteúdo exaltante, mas o questionamento sobre a figura de Judas nunca mais me largou. Afinal, Judas, mesmo sendo traidor poderá ser cristão. Afinal o que o destaca é ser o primeiro de muitos, ou talvez de todos. Afinal todos podemos ser traidores, não por seguirmos o caminho de Judas mas por não seguirmos o outro caminho. Traidores por maldade ou traidores por falta de forças diante de uma enorme pressão? Traidores a fim de tirar disso proveito ou traidores por termos diferentes convicções e opiniões? E foi assim que, entre perguntas e respostas, a figura do Judas se foi reconfigurando. Afinal no grupo dos Doze não havia ninguém que seguisse claramente o outro caminho, e se outros não enveredaram pela traição, ficaram estancados nas águas turvas da cobardia, considerando o fim de Jesus um fracasso. Judas foi mais claro, seguiu as suas convicções e as expectativas depositadas naquela nova proposta. É costume dizer-se acerca de algumas pessoas: prometia muito mas não deu grande coisa, ou terminou em nada. Prometia ou alguém esperava? Quem espera, espera o que deseja e não o que a outra pessoa poderá dar. Judas também pode ter dito, ou ao menos pensado: prometia muito, mas isto está a terminar tudo numa compota celestial. Judas foi honesto consigo mesmo e teve também uma reação honesta. Só tinha um pequeno problema que pode ser o de todos nós, queria que as coisas seguissem um rumo à sua maneira, do modo como ele pensava. Não estava interessado no caminho que as coisas estavam a levar e tomou medidas para provocar uma rutura que forçasse o caminho que lhe parecia correto. A reação de Pedro quase lhe dava uma ajuda quando arrancou uma orelha ao pobre Malco. Talvez este se tenha desviado para não ficar com a cabeça rachada. Mas não foi preciso muito tempo para que a pedra angular da Igreja negasse conhecer Jesus. E confessou isso a uma mulher, o que não abona nada em seu favor tendo em conta a condição da mulher naquele tempo e naquele mundo. Mas nunca nada está dado como certo. Judas saiu frustrado da sua tentativa e o único lugar que encontrou para pôr fim à sua desilusão foi o ramo de uma figueira, uma árvore de vida agora estéril, como terá ouvido mais que uma vez. Quanto ao Pedro teve um fim conforme ao arrependimento que o pôs no caminho do seu mestre. Mas o Judas não merece acusações tão duras como a de um asqueroso traidor, e ainda menos por interesses materiais. Também ele desejava um mundo novo pelo menos na sua pátria. Só que a pátria dele talvez não coincidisse exatamente com aquela que andava pelas ruas da amargura e do sofrimento. Era nessa que Jesus andava.
Frei Matias, O.P.
14.04.2014
 
 

 


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