Já conhecia o Judas de muito ouvir
falar dele e a sua imagem de traidor não o tornava nada simpático,
particularmente numa época em que vivíamos a preto e branco e a figura do
traidor era cinzenta. Mas depois conheci o Judas mais de perto. Calhou-me num
sorteio um livro sobre ele e considerei isso como uma exigência para o conhecer
melhor. Essa exigência redobrou quando vi alguns olhares centrados em mim com
ar de que o sorteio se tinha enganado. Nada que eu não conhecesse já. Foi assim
o início de um relacionamento amistoso com o Judas apesar da má imagem que tinha
dele. O livro tinha como título “Judas o primeiro traidor cristão”. Não tenho
memória de um conteúdo exaltante, mas o questionamento sobre a figura de Judas
nunca mais me largou. Afinal, Judas, mesmo sendo traidor poderá ser cristão.
Afinal o que o destaca é ser o primeiro de muitos, ou talvez de todos. Afinal
todos podemos ser traidores, não por seguirmos o caminho de Judas mas por não
seguirmos o outro caminho. Traidores por maldade ou traidores por falta de
forças diante de uma enorme pressão? Traidores a fim de tirar disso proveito ou
traidores por termos diferentes convicções e opiniões? E foi assim que, entre
perguntas e respostas, a figura do Judas se foi reconfigurando. Afinal no grupo
dos Doze não havia ninguém que seguisse claramente o outro caminho, e se outros
não enveredaram pela traição, ficaram estancados nas águas turvas da cobardia,
considerando o fim de Jesus um fracasso. Judas foi mais claro, seguiu as suas
convicções e as expectativas depositadas naquela nova proposta. É costume
dizer-se acerca de algumas pessoas: prometia muito mas não deu grande coisa, ou
terminou em nada. Prometia ou alguém esperava? Quem espera, espera o que deseja
e não o que a outra pessoa poderá dar. Judas também pode ter dito, ou ao menos
pensado: prometia muito, mas isto está a terminar tudo numa compota celestial. Judas
foi honesto consigo mesmo e teve também uma reação honesta. Só tinha um pequeno
problema que pode ser o de todos nós, queria que as coisas seguissem um rumo à
sua maneira, do modo como ele pensava. Não estava interessado no caminho que as
coisas estavam a levar e tomou medidas para provocar uma rutura que forçasse o
caminho que lhe parecia correto. A reação de Pedro quase lhe dava uma ajuda
quando arrancou uma orelha ao pobre Malco. Talvez este se tenha desviado para
não ficar com a cabeça rachada. Mas não foi preciso muito tempo para que a
pedra angular da Igreja negasse conhecer Jesus. E confessou isso a uma mulher,
o que não abona nada em seu favor tendo em conta a condição da mulher naquele tempo
e naquele mundo. Mas nunca nada está dado como certo. Judas saiu frustrado da
sua tentativa e o único lugar que encontrou para pôr fim à sua desilusão foi o
ramo de uma figueira, uma árvore de vida agora estéril, como terá ouvido mais
que uma vez. Quanto ao Pedro teve um fim conforme ao arrependimento que o pôs
no caminho do seu mestre. Mas o Judas não merece acusações tão duras como a de
um asqueroso traidor, e ainda menos por interesses materiais. Também ele desejava
um mundo novo pelo menos na sua pátria. Só que a pátria dele talvez não
coincidisse exatamente com aquela que andava pelas ruas da amargura e do sofrimento.
Era nessa que Jesus andava.
Frei Matias, O.P.
14.04.2014
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