1. Existe
uma comissão nomeada pelo Papa
Francisco para estudar a hipótese de as mulheres serem ordenadas diaconisas. Christiana Martins[i]
publicou, a esse propósito, uma longa entrevista. Refere que “o Expresso
contactou três membros da Comissão de Estudo sobre o Diaconado Feminino:
Phyllis Zagano, leiga e teóloga da Universidade de Hofstra, nos EUA; a catalã
Nuria Calduch-Benades, da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma; e Mary
Melone, a primeira reitora do Instituto Antoniano. Responderam dizendo estar
obrigadas ao sigilo e remeteram qualquer comentário para o Arcebispo Luis
Ladaria Ferrer, jesuíta, que preside à comissão e é o número dois da
Congregação para a Doutrina da Fé”.
A composição da Comissão
é saudavelmente paritária: seis homens, bispos e sacerdotes, e seis mulheres,
religiosas e leigas. Logo à partida, temos quem actualmente conta e quem pouco
vale.
Entretanto, o Papa
Francisco, no regresso da sua viagem à Suécia, que tem à frente da própria
Igreja uma mulher, foi interrogado por uma jornalista: “que pensa disto? É
realista pensar em mulheres-padres também na Igreja Católica, nas próximas
décadas? E se não, porquê? Os padres católicos têm medo da concorrência?”
Resposta do Papa
Francisco “Quanto à ordenação de mulheres na Igreja Católica, a última palavra
clara foi dada por São João Paulo II, e esta palavra permanece”.
O Papa entregou-se então,
em estilo muito indirecto, a considerações de intuição pessoal sobre “a dimensão petrina,
que é a dos apóstolos – Pedro e o colégio apostólico, a pastoral dos bispos – e
a dimensão mariana, que é a dimensão feminina da Igreja. Já disse
isto mais do que uma vez. Pergunto-me quem é mais importante na teologia e na
mística da Igreja: os apóstolos ou Maria? Quem é mais importante no dia de
Pentecostes? É Maria! Mais ainda: a Igreja é mulher. É «a» Igreja, não é «o»
Igreja. É a Igreja; e a Igreja desposa Jesus Cristo. É um
mistério esponsal. E, à luz deste mistério, compreende-se o motivo destas duas
dimensões: a dimensão petrina, isto é, episcopal, e a dimensão mariana, com
tudo aquilo que é a maternidade da Igreja, mas em sentido mais
profundo. Não existe a Igreja sem esta dimensão feminina, porque ela
própria é feminina”.
Esta secundarização da
hierarquia não é apenas uma saída entre os
pingos de chuva face à armadilha de
João Paulo II. De facto, já Tomás de Aquino[ii]
sustentava que o mais importante na lei
nova é a graça do Espírito Santo. O resto é só para ajudar.
2. Espanta-me
que a Comissão de Estudo sobre o Diaconado Feminino seja tão exígua e de
representatividade eclesial muito desnivelada, a nível dos ministérios
ordenados. Seja qual for o resultado, nunca poderá ser invocada a sua ampla representatividade
democrática. Se for uma provocação a multiplicar iniciativas no conjunto da
Igreja, para detectar o sensus fidelium, bendita
seja.
O Papa Francisco não pode
dizer que João Paulo II não disse que a ordenação sacerdotal estava
exclusivamente reservada aos homens e que esta posição devia ser
definitivamente acatada por todos os fiéis da Igreja. Isto foi expressamente
decidido para estancar o debate.
Aliás, não deixa de ser
curioso que a nota de apresentação da Carta apostólica Ordinatio sacerdotalis (22.05.1994) venha esclarecer que o Papa não
disse nada de novo, que “não se trata de uma nova formulação dogmática”. Até mantém
a esperança de que “constitua uma ocasião para todos os cristãos aprofundarem a
inteligência da origem e da natureza teológica do ministério episcopal e
sacerdotal conferido pelo sacramento da Ordem”.
O Cardeal J. Ratzinger,
como Prefeito para a Congregação para a Doutrina da Fé, veio reafirmar, num
extenso arrazoado, que a declaração de João Paulo II não proclama nenhuma
doutrina nova. Parece-me que só tem meia razão. Traz uma característica
curiosa: nada de novo e o passado é definitivo, não há futuro ou o futuro será a
intemporal repetição do passado. Será que a História da Igreja acabou? Jesus
Cristo tinha dito vereis coisas maiores.
De facto, não vereis nada. Já está tudo visto.
Porque andavam cristãos a
ter dúvidas sobre a impropriamente chamada Ordenação sacerdotal reservada aos
homens, foi-lhes dito, na segunda metade do séc. XX: não tenham dúvidas. Já
está tudo resolvido, parem a inteligência da fé, não procurem saber como tudo
isso pode ser. Não procurem interpretar os Sinais
do Tempo, não há tempos novos.
3. A
discussão dos Ministérios Ordenados na Igreja é muito curiosa: para ordenar
homens casados, dizem que não há nenhum obstáculo dogmático. Para deixar
continuar no ministério presbiteral os que decidem casar – e dispondo já de
prática pastoral – também não há obstáculo dogmático, mas nem pensar! Para as
mulheres há obstáculos de tradição. O resultado é todo o mesmo. O povo cristão,
com direito à Eucaristia, é privado, em muitos lugares, da sua celebração. Tudo
isto porque o Sacramento da Ordem já não sabe para que lado se há-de virar.
Frei Bento Domingues,
O.P.
in Público, 13.11.2016
Sem comentários:
Enviar um comentário