1. O
dia 25 de Dezembro não celebra o aniversário histórico do nascimento de Jesus
de Nazaré. A Igreja de Roma fixou esta data como réplica pastoral à festa solar
pagã do Natalis Invicti, festa de
inverno no hemisfério norte. Foi uma bela astúcia. Procurava destronar a
heliolatria, o culto do sol, pela celebração do nascimento de Jesus Cristo, o
verdadeiro Sol Invencível, a luz da justiça e da graça. Se o Natal é decisão
romana, a Epifania, a 6 de Janeiro, é de origem oriental: celebram ambas a
mesma realidade, a manifestação do Deus humanado.
A linguagem das
Escrituras e da Liturgia não caiu do Céu. Para fazer entender a novidade cristã
foram transpostas, muitas vezes, imagens e festas pagãs para o universo
católico. Onde hoje alguns podem julgar que houve uma paganização do
Cristianismo, outros vêem, nesse esforço, a sua cristianização. A este
propósito, as descrições que Epifânio de Salamina[i]
fez da festa pagã, de tipo solar, ajudam-nos a perceber os discernimentos
que foram necessários para entender a nossa festa de 6 de Janeiro.
Vale a pena ler: “em
muitos lugares, os charlatães inventam ritos idolátricos para enganar os
adoradores dos ídolos que neles confiam. Celebram, uma festa grandiosa,
precisamente na noite que precede o dia da epifania… Temos de referir, em
primeiro lugar, a festa que se celebra em Alexandria, no chamado Koreion. Ficam
acordados toda a noite, a cantar alguns hinos e a tocar flauta para acompanhar
os cânticos que entoam em honra do ídolo. Uma vez terminada a celebração
nocturna, ao cantar do galo, descem,
empunhando tochas, a uma espécie de capela subterrânea e pegam num ídolo de
madeira, despido, colocado sobre uma peanha… A seguir, levam o ídolo em
procissão, dando sete voltas ao recinto interior do templo, ao som de flautas, de
tambores e a cantar hinos; terminada a procissão, levam o ídolo para a sua sede
subterrânea. Se lhes perguntarmos que mistério é esse, respondem: Hoje, a esta hora, Kore, a virgem deu à luz
Aion.”
Além desta conotação
solar, a festa oriental da epifania aponta para outra festa pagã, a das águas.
Epifânio relaciona a festa de 6 de Janeiro com o milagre de Caná.
“Até aos nossos dias, em
muitos locais, repete-se o prodígio divino que teve lugar naquele tempo, a fim de
dar testemunho aos incrédulos. Em muitos sítios, comprovam-no fontes e rios transformados em vinho.
Isto acontece na fonte de Cibyra, cidade de Caria, no momento em que os servos
tiram água dizendo: levai-a ao
mestre-sala.” (…) Também a 11 de Tybi, 6 de Janeiro, segundo os egípcios,
todos irão tirar água e pô-la de parte, tanto no Egipto como noutros países.
2.
Este ano, o Natal é num Domingo, a celebração semanal da Páscoa. Mas é Páscoa
ou Natal? Pensando bem, não poderia haver Páscoa sem Natal, mas um natal sem
Páscoa seria dar à morte a última palavra.
Uma coisa é dizer e outra
é ter consciência do que isso implica. Há uns tempos a esta parte, observo o
seguinte: há cristãos que, ao participarem na Eucaristia dominical, regressaram
ao costume depressivo de ficar de joelhos. Uns fazem-no durante a anáfora e
outros ajoelham antes de comungar.
Talvez não seja descabido
ler o que, já no século II, Tertuliano[ii]
destacava: nós consideramos que, ao domingo, não é permitido jejuar nem rezar
de joelhos. Do mesmo privilégio gozamos no dia de Páscoa e durante o período do
Pentecostes. O grande teólogo, S. Basílio[iii]
sublinha: “É de pé que fazemos a oração do primeiro dia da semana, mas nem
todos sabem a razão de tal facto. Permanecemos de pé quando rezamos no dia
consagrado à ressurreição – como ressuscitados com Cristo e devendo procurar as coisas do alto[iv]–
não só porque recordamos a graça que nos foi dada, mas por aquele dia ser, de
certo modo, uma imagem do mundo que há-de vir. (…) É necessário, pois, que a
Igreja habitue os fiéis a rezar de pé, a fim de que, pela incessante invocação
da vida eterna, não nos esqueçamos de preparar o nosso viático, em vista da
nossa partida para o céu”.
3. Dir-se-á
que não vale a pena perder tempo a procurar saber se é melhor rezar de pé, de
joelhos ou sentados. É verdade e seria ridículo dizer a uma pessoa que se ajoelha
para comungar: levante-se!
A oração não é um
comportamento exclusivo de nenhuma religião. Jesus era um grande orante, mas o
seu primeiro cuidado não foi o de arranjar um manual de orações para os seus discípulos,
que se queixaram desse descuido. Não se esqueceu, porém, de evangelizar a
oração[v].
Segundo S. Mateus,
importa não imitar os hipócritas exibicionistas nem os gentios que entendem que
é pelo palavreado excessivo que serão ouvidos: o vosso Pai sabe do que tendes necessidade antes de lho pedirdes. A
oração nasce em nós, por causa dos nossos limites. Pedir socorro, quando se
está aflito, é uma atitude normal e saudável. É uma forma de resistência ao
fatalismo.
Importa, no entanto, não
transferir para a nossa relação com Deus a ficção de que O estamos a informar e
a convencer, inventando um sistema de cunhas para O fazer entrar nos nossos
projectos.
A oração não é para
convencer a Deus é para nos convencer de quanto precisamos de Deus e dos outros
para transformar o mundo.
Boa ressurreição!
Frei Bento Domingues,
O.P.
in Público 24.12.2016
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