P/ INFO: Crónicas & Francis tells Morocco's tiny Catholic minority
to 'generate change, awaken wonder'
Estive
a ver e penso que não vos enviei o mail da semana passada. Podem lê-lo no nosso
blogue ou dizer-me para vo-lo enviar. Pelo lapso peço desculpa.
CONFESSAR-SE, PELO MENOS, UMA VEZ POR ANO
Frei Bento Domingues, O.P.
Confessar-se, pelo menos, uma vez por ano
A queixa actual é contra a obrigação de se
confessar antes de comungar. Tanta gente a comungar e tão pouca a confessar-se.
1. O título deste texto pode parecer ridículo por anacrónico. Quem
desejar conhecer as posições oficiais da Igreja sobre os Sacramentos deve ler
os textos do Vaticano II, o Código de Direito Canónico (1984) e as orientações
de reforma da Igreja do Papa Francisco, expressas nos documentos por ele
assinados. Se mantenho este título, é porque ele serviu para dar cobertura a
uma história de terror, para distorcer a prática sacramental da Igreja e
ocultar a própria essência do cristianismo. Por outro lado, a discussão actual,
em torno dos ministérios ordenados, não se deve deixar polarizar, apenas, por carências
funcionais da pastoral actual da Igreja, embora a situação seja calamitosa.
O título desta crónica tem uma
história. O IV Concílio de Latrão é assim chamado porque foi realizado em Roma,
na Basílica de S. João de Latrão, a cátedra do Papa. Aconteceu entre 11 e 30 de
Novembro de 1215.
Esta iniciativa de Inocêncio III teve a maior
participação de bispos de toda a Antiguidade, Idade Média e Idade Moderna. É considerado,
pelos historiadores, como o ponto mais alto e importante do papado do século XI
ao século XIII[1].
Compareceram 404 bispos, 71
primazes e metropolitas, 800 abades e priores. Além disso, cada bispo possuía
uma numerosa comitiva. Os patriarcas orientais, embora convidados, não
compareceram, mas todos os reinos cristãos enviaram representantes.
Este concílio confirmou as
magníficas orientações de reforma da Igreja do grande Papa Inocêncio III, deixou-se,
porém, enredar nas obsessões da Quinta
Cruzada e das medidas violentas contra os albigenses. Deu, no entanto,
amplo espaço à doutrina sobre a Eucaristia e o sacerdócio ministerial,
acolhendo o conceito de transubstanciação,
cunhado pela primeira escolástica. A obrigação
da confissão anual e da comunhão pela
Páscoa foram as ordenações mais notadas do concílio e mais duradoiras.
O historiador Jean Delumeau
estudou o imenso problema histórico da confissão em países católicos[2]. Foi, durante séculos, um
tema central da Quaresma. A confissão sacramental, uma vez por ano, era o
mínimo dos mínimos, em regime de cristandade. A maior ou menor frequência
dependia das diversas correntes de ascética e mística. Teve uma boa aliança na
devoção ao Sagrado Coração de Jesus, expressa na recomendação e nas garantias
espirituais das primeiras sextas-feiras. Mas a desobriga, para poder comungar pela Páscoa da Ressurreição, enchia
as Igrejas com filas intermináveis. Era mesmo, apenas, uma desobriga.
2. A queixa actual é contra a obrigação de se confessar antes de
comungar. Tanta gente a comungar e tão pouca a confessar-se.
Parece-me que estamos perante um
grande equívoco. A celebração da Eucaristia é, do começo ao fim, o grande
sacramento da confissão dos pecados e da misericórdia de Deus. Só há Eucaristia,
como acção de graças, por Deus não ter deixado Jesus de Nazaré vítima de um
assassinato. O testemunho que as mulheres receberam é que, afinal, a morte não
foi a última palavra sobre a figura mais extraordinária de toda a história
conhecida da humanidade. Sem o reconhecimento de que Jesus continua nosso
contemporâneo, não é possível celebrar a Eucaristia.
O assassinato do Nazareno teve
responsáveis entre os seus adversários e, pelo medo, abandono dos seus discípulos.
Esse problema ficou resolvido antes do último momento do crucificado: Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que
fazem. É evidente que os discípulos reconheceram o seu erro e o seu pecado.
Quando celebramos a Eucaristia,
damos graças a Deus por Jesus Cristo e por tudo o que de magnífico realizaram
tantas pessoas ao longo da história, antes e depois do seu aparecimento
histórico.
Se nas celebrações fôssemos
capazes de reconhecer a beleza e a bondade do mundo, testemunhada de mil
maneiras, mas evidente em pessoas que passaram a vida ao serviço da alegria dos
outros, teríamos muitos evangelhos para contar, muita alegria a transmitir e a
partilhar. Poderíamos mostrar que Deus é a nossa festa e nós a tornamo-nos uma
festa para Deus e uns para os outros. Se no coração da própria Eucaristia
proclamamos que ela é pela remissão dos pecados de todos, porque não aceitar
que somos pecadores, que estragamos a nossa vida e a vida dos outros, quando a
misericórdia nos é oferecida para alterar o rumo que demos e damos à nossa
vida? Uma celebração eucarística é o espaço de uma revolução espiritual. Quem
não quer entrar nessa aventura pode ir à Igreja, receber a hóstia, beber do
cálice, mas não foi à Missa real. Participou num ritual, mas não entrou na sua
alma.
3. É por tudo isso que não posso aceitar que a confissão dos
pecados, ao longo da celebração, seja um faz de conta, não valha nada. É uma
oferta de absolvição geral para quem a acolhe como pura graça de Deus e com o
desejo de a deixar frutificar na sua vida.
Neste momento, estão a reunir-se
duas grandes tragédias espirituais. Por um lado, não se quer rever a
presidência das celebrações eucarísticas, para a qual, homens casados e
mulheres estão excluídos. Por outro, os padres são cada vez menos e, segundo o
regime actual, em muito países, tornam-se uma espécie em extinção: é a lógica
da natureza. Entretanto, em muitas zonas do país e em muitas famílias,
tradicionalmente católicas, as novas gerações nem à Missa vão nem apresentam ao
baptismo os seus filhos.
Tudo isto deve ajudar-nos a
voltar a questões essenciais. A primeira é a do pensamento interrogativo e da
oração. As lideranças da Igreja não podem continuar presas a épocas de
cristandade, que já não existem, nem tentar a ficção de que existem porque
ainda subsistem minorias rituais.
Impõe-se uma iniciação à
descoberta do próprio sentido da vida. Sem esse trabalho, não nos damos conta
daquilo que Paulo descobriu em Atenas, pela via de autores gentios: na divindade vivemos, nos movemos e
existimos[3].
Ao tomar consciência do fundo da realidade em que vivemos, pode nascer a
oração, isto é, a abertura ao mistério infinito que nos envolve e nos vivifica.
É dentro desse questionamento que
podemos acolher a revelação que comoveu o próprio Jesus: somos amados, estamos no coração de Deus[4],
aconteça o que acontecer.
in Público 31.03.2019
https://www.publico.pt/2019/03/31/sociedade/opiniao/confessarse-menos-ano-1867197
[1] Cf. Hubert Jedin, Manual de Historia de la Iglesia IV, Herder, Barcelona, 1973.
[2] Aquilo em que acredito, Círculo de Leitores, Le Péché
et la peur, Fayard, 1983; L’aveu et
le pardon. Les difficultés de la
confession. XIIIe-XVIIIe siècle, Fayard, 1990.
[3] Act 17, 28
[4] Lc 10, 17-22
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O
que queremos? Ser felizes.
Decálogo
para a felicidade
Anselmo Borges
Padre e Professor de Filosofia
1. Agora, há dias de tudo e para tudo. Certamente o dia mais universal
é o dia 20 de Março, porque nele se celebra o Dia Mundial da Felicidade. Sim. O
que é que verdadeiramente queremos? Não há dúvida sobre isso. Queremos todos
ser felizes. O Papa Francisco acaba também de o reconhecer e dizer: “A busca da
felicidade é algo comum em todas as pessoas, de todos os tempos e idades”, pois
foi Deus que colocou “no coração de todo o homem e mulher um desejo
irreprimível da felicidade, da plenitude”. “Os nossos corações estão inquietos
e em contínua busca de um bem-estar que possa saciar a nossa sede de infinito”,
desejo dAquele que nos criou e que é, Ele mesmo, o amor, a alegria, a paz, a
verdade e a beleza.
2. Precisamente por ocasião desse dia a celebrar a felicidade, Vatican
News propôs, a partir de textos e declarações de Francisco, uma espécie de
decálogo para a alegria e a felicidade.
Ficam aí, em síntese, dez pontos sobre o tema, esse Decálogo.
2. 1. O início da alegria
é começar a pensar nos outros
O caminho da felicidade começa pela necessidade de passar do egoísmo
ao pensar nos outros. “Quando a vida interior se encerra nos próprios
interesses”, sem “espaço para os outros”, não se goza da “doce alegria” do
amor. Não se pode ser “feliz sozinho”. É necessário redescobrir a generosidade,
porque, como disse São Paulo aos Coríntios, “Deus ama quem dá com alegria”.
Jesus também disse: “Dá mais alegria dar do que receber”. “Se conseguir ajudar
uma só pessoa que seja a viver melhor, isso já é suficiente para justificar o
dom da minha vida”.
2. 2. Afastar a melancolia
Francisco gosta de citar o livro bíblico de Ben Sira: “Meu filho, se
tens com quê, trata-te bem. Não te prives da felicidade presente, e não deixes
perder nenhuma parcela de um legítimo desejo que se te apresente no caminho”.
“Deus deseja a felicidade dos seus filhos também nesta terra, embora estejam
chamados à plenitude eterna, porque Ele criou todas as coisas ‘para que’ todos
possam desfrutá-las”. “O cristianismo não consiste, lembra, não consiste numa
série de proibições que reprimem os nossos desejos de felicidade, mas num
projecto de vida que pode fascinar os nossos corações”. Deus não é invejoso da
nossa alegria e felicidade, o seu único interesse é que sejamos felizes, todos,
para isso nos criou. Portanto, “quer que
sejamos positivos” e não prisioneiros de “complicações intermináveis” e
pensamentos negativos. Lá está o dito, que não se deve esquecer nunca: “Por
cada minuto que nos zangamos, perdemos 60 segundos de felicidade”.
2. 3. Não são o poder, o
dinheiro ou os prazeres efémeros que dão alegria, mas o amor
“A felicidade não é algo que se compra no supermercado, a felicidade
vem apenas de amar e deixar-se amar”. “Quando procuramos o êxito, o prazer, o
ter de forma egoísta e fazemos ídolos, também podemos experimentar momentos de
intoxicação, uma falsa sensação de satisfação; mas, no final, convertemo-nos em
escravos, nunca satisfeitos, vemo-nos obrigados a procurar mais e mais, sempre
mais”. A alegria verdadeira “não vem das coisas, do ter; nasce do encontro, da
relação com os outros, do sentir-se aceite, compreendido, amado e do aceitar,
do compreender e do amar”.
2. 4. Ter sentido de
humor
O caminho da alegria também tem um sentido do humor: saber como rir-se
das coisas, dos outros e de si mesmo é profundamente humano, é uma atitude
“próxima da graça”. O contrário de graça não é desgraça? É preciso dar
particular importância à auto-ironia, para vencer a tentação do narcisismo: os
narcisistas, diz Francisco, “olham-se ao espelho, compõem o cabelo”. Dá este
conselho: quando te vires ao espelho, “ri-te de ti mesmo, far-te-á bem”.
2. 5. Saber agradecer
A alegria também consiste em poder ver os presentes que todos os dias
a vida nos oferece. Estar vivo, a maravilha da beleza da vida e das coisas
grandes e pequenas que preenchem os nossos dias. Por vezes, a tristeza está
relacionada com a ingratidão, com “a incapacidade de reconhecer os dons de
Deus”. É preciso seguir o exemplo de São Francisco de Assis, “capaz de
sentir-se emocionado com gratidão diante de um pedaço de pão duro ou louvar a
Deus com alegria pela simples brisa que acariciava o seu rosto”. Viver com
alegria também é “a capacidade de saborear o essencial” com sobriedade e
partilhar o que se tem, renovando “em cada dia o maravilhamento pela bondade
das coisas, sem se afundar na opacidade do consumo voraz”. Um coração que sabe
ver e como agradecer e louvar é um coração que sabe regozijar-se.
2. 6. Saber perdoar e
pedir perdão
Num coração devastado pela ira, pelo ódio e pelo rancor, não há lugar
para a felicidade. Quem não perdoa causa dano, prejudica-se, antes de mais, a
si mesmo. O ódio é causa de tristeza e autodestruição. É preciso perdoar como
Deus nos perdoa. Perdoar inclusivamente a si mesmo. Infelizmente, observa Francisco,
por vezes “não somos conscientes do perdão de Deus”, e isto vê-se nas caras
tristes dos cristãos. E recorda um filósofo que disse: “Os cristãos dizem que
têm um Salvador; eu acreditarei, acreditarei no Salvador, quando tiverem o
rosto de gente salva, de redimidos, felizes por estarem salvos”. O que faz o
perdão? “Engrandece o coração, gera a partilha, dá serenidade e paz”.
2. 7. A alegria do
compromisso e o descanso
Francisco convida a experienciar a alegria de trabalhar com outros e pelos outros na construção de um
mundo mais justo, fraterno e livre. E, “contra o pensamento dominante”, apela
para o espírito das Bem-aventuranças, que são “o caminho da verdadeira
felicidade”. São felizes “os simples, os humildes que deixam espaço para Deus,
que sabem chorar pelos outros e pelos seus erros, continuam tranquilos e
serenos, lutam pelo justiça, são misericordiosos com todos, mantêm a pureza do
coração, trabalham continuamente pela paz e permanecem na alegria, não odeiam e
até, quando sofrem, respondem ao mal com o bem”. As Bem-aventuranças não são
comportamentos e virtudes para heróis, mas um estilo de vida para aqueles que
se reconhecem necessitados de Deus. Não perdem “nunca de vista o caminho de
Jesus”: estão sempre com Ele no trabalho e sabem descansar com Ele para
empreender o percurso com alegria.
2. 8. Oração e
fraternidade
Pelo caminho da felicidade também há provações e fracassos que podem
levar ao desalento. Contra isso, duas indicações, para não perder a esperança e
não se render: perseverar na oração e nunca caminhar sozinho. “A oração muda a
realidade, não o esqueçamos. Muda as coisas ou muda o nosso coração, mas muda
sempre a situação. Rezar é agora a vitória contra a solidão e o desespero”. E
Francisco adverte contra a tentação do individualismo: “Sim, podes ter êxito na
vida, mas não, sem amor, sem companheiros, sem essa experiência tão bela que é
o arriscar juntos. Não se pode caminhar sozinho”.
2. 9. Abandonar-se nas
mãos de Deus
Na vida, há o tempo da cruz, da noite e da dúvida, momentos tenebrosos
em que nos sentimos abandonados por Deus, e é nesse silêncio de Deus que
precisamos ainda mais de nos abandonarmos confiadamente nas suas mãos. Aí,
encontramos a paz, na certeza de que “as graças do Senhor não terminaram, as
suas misericórdias não se esgotam”. Como diz Jesus: “A tua tristeza
transformar-se-á em alegria ‘e’ ninguém poderá tirar-te a tua alegria”. “A Boa
Nova é a alegria de um Pai que não quer que nem um dos seus filhos se perca”.
2. 10. Saber que és amado
A alegria autêntica provém do encontro com Jesus, de acreditar que Ele
nos amou a ponto de dar a sua vida por nós. Fonte da alegria verdadeira é saber
que somos amados por Deus, que é Pai e Mãe. Fundamento inabalável da alegria é
escutar Deus que nos diz: “Tu és importante para mim, amo-te, conto contigo”.
Para Deus, “não somos números, mas pessoas” que Ele ama. “Nascemos para nunca
morrer, nascemos para desfrutar eternamente da felicidade de Deus”.
3. Este é o segredo do Papa Francisco: “Sou amado, logo existo”. Por
isso, “não tem medo de nada”.
Aqui, permita-se-me uma confissão pessoal. Tentei um dia dizer isso
numa palestra em Maputo: que valemos para Deus, temos valor para Ele, e isto é
que justifica a vida, na perspectiva da doutrina célebre da justificação em
Lutero. Vim depois a saber que um moçambicano tinha feito uma caminhada de mais
de 10 quilómetros a pé, para ir dizer a uma irmã: “Sabes? Agora percebi:
valemos para Deus, temos valor para Ele. Esta é a fonte da nossa alegria. Tinha
de vir dizer-to.”
in DN 31.03.2019
www.dn.pt/edicao-do-dia/31-mar-2019/interior/o-que-queremos-ser-felizes-decalogo-para-a-felicidade-10743693.html?target=conteudo_fechado
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QUE COISA SÃO AS NUVENS
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
VOLTAREMOS ÀS ALDEIAS?
A ESFERA DO SUJEITO, MESMO
AQUELA PRIVADA, É CADA VEZ MAIS ABSORVIDA PELO IMPERATIVO DE PRODUZIR E
CONSUMIR, E SÓ POR ESSE
A primeira coisa
a reconhecer é que a compreensão do tempo presente, deste tempo que as nossas
instituições e nós próprios habitámos, não é tarefa fácil. Como escreve o
filósofo Roberto Mancini, “parece claro que a nossa sociedade é constituída por
uma humanidade que não se vê a si mesma, que não tem uma autoconsciência”, mas
facilmente atua a partir das solicitações do imediato e movida por paixões como
o medo, a angústia, o prazer ou a raiva. Penso, a esse propósito, em títulos de
ensaios importantes que saíram nos últimos anos e que tentam uma radiografia da
época que vivemos. Recordo especialmente três obras. O texto dos sociólogos
Anthony Elliott e Charles Lemert, “O novo individualismo: o custo emocional da
globalização”, que mostra como o processo de globalização não tem apenas
implicações do ponto de vista económico e político, como se poderia
superficialmente pensar, mas atua de uma forma condicionante sobre a
subjetividade e a existência social de cada um de nós. A esfera do sujeito,
mesmo aquela privada, é cada vez mais absorvida pelo imperativo de produzir e
consumir, e só por esse. Somos enquadrados como produtores e consumidores, e a
esse ditame todas as outras dimensões (pensemos na interioridade, na vida
emocional, nas relações interpessoais, na família...) se devem submeter. A
globalização está a operar, desta maneira, transformações identitárias de peso.
O espaço da nossa liberdade diminui e o novo individualismo que emerge é
completamente dependente das redes de comunicação e de estilos de vida onde o
elemento da compulsão, da incerteza e da solidão são dominantes.
O segundo ensaio que gostaria de referir é “Os novos medos”, do
antropólogo Marc Augé, que se organiza em torno a esta pergunta: “Não teremos
nós substituído o ancestral medo da morte pelo medo contemporâneo que
experimentámos em relação à vida?” Segundo Augé, o mundo teve sempre de lidar
com o medo, mas o hodierno emaranhado de medos que influi sobre nós tem fatores
que o agravam, como a rutura da coesão social, o enfraquecimento do poder
simbólico das instituições ou a acelerada capacidade de comunicação que permite
que o medo se difunda instantaneamente e por toda a parte. E caímos nesta
situação paradoxal: por um lado, pertencemos a uma das gerações mais seguras da
história da humanidade (pelos menos, aqueles de nós que vivem nas regiões
modernizadas do mundo), e, por outro, parecemos condenados a viver num estado
de alerta e de pesadelo constante. Cada dia que passa não cessa de crescer o
inventário dos nossos medos.
Cresce uma
atmosfera tóxica, onde a tentação da violência civil e o horizonte de um
colapso ecológico global parecem cada vez mais próximos e coincidentes
O terceiro e último ensaio é o de Pankaj Mishra, “Tempo de Raiva:
Uma História do Presente”, onde se descreve o nosso tempo como uma pandemia
global do ressentimento. As devastadoras consequências no campo laboral
trazidas pelo surto tecnológico, a redução do homem a homo economicus, a promessa
não cumprida de um progresso garantido e irreversível estão a empurrar
literalmente centenas de milhões de pessoas para um sentimento de falência,
exclusão e revolta. As estruturas tradicionais como a família, a escola, a
comunidade, o sistema de proteção social por parte dos Estados foram alvo de
processos de erosão e estão hoje muito mais vulneráveis. Aquilo que vemos
crescer é uma atmosfera tóxica de impotência, humilhação e raiva, onde a
tentação da violência civil e o horizonte de um colapso ecológico global
parecem cada vez mais próximos e coincidentes. Mas a raiva não basta:
precisamos, sim, de repensar o que é o homem e o mundo. E Mishra lança um
desafio contracorrente: “Tornar a construir aldeias na malha de um mundo
globalizado.”
in Semanário Expresso 30.03.2019
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À PROCURA DA PALAVRA
P. Vítor Gonçalves
Domingo IV da Quaresma
“Tínhamos de fazer uma festa
e alegrar-nos,
porque este teu irmão estava
morto e voltou à vida,
estava perdido e foi
reencontrado.”
Lc 15, 32
A surpresa da festa
Se me perguntassem qual é, para mim, a parábola mais bela contada por
Jesus, creio que não hesitava e diria: “a do pai e dos dois filhos, contada por
S. Lucas”! No coração da Quaresma deste ano, no domingo “laetare”, da alegria,
em que os sorrisos afloram aos rostos, habitualmente sisudos, dos fiéis, quando
vêm o padre entrar com paramentos cor-de-rosa, entramos nela de corpo inteiro.
Porque nela estamos todos nós e está a nossa história, já e ainda a caminho da
festa que o Pai nos oferece.
Há um ambiente de tragédia que a percorre. Um pai que deseja a
comunhão com os filhos e não consegue. Começa por ser tratado como se tivesse
morrido pelo mais novo que pede a sua parte da herança e abandona a casa. Não
desiste de esperar o seu regresso, e tem de travar o coração para não o ir
buscar à força. Descobre que o outro filho tudo cumpria mas com pouco amor e
não é capaz de aceitar o regresso do irmão. É a descrição da realidade do nosso
mundo: todos chamados a viver uma mesma felicidade, mas divididos e em guerras
por ganâncias e egoísmos, incapazes de nos acolhermos como irmãos.
O pai é aquele que está sempre em movimento: faz a vontade ao filho
mais novo, o coração segue os passos atribulados do filho, corre ao seu
encontro quando o vê vir ao longe, manda revesti-lo com as vestes de filho, dá
ordens para que a festa comece, vem ouvir e falar ao coração do filho mais
velho, para que entre na festa. É um pai que ouve e só fala para dizer a
alegria da passagem da morte à vida dos seus filhos. Dos dois, pois o segundo,
se se não entrar na festa ficará na morte.
Jesus contou esta parábola aos “filhos mais velhos”, os escribas e
fariseus, (talvez sejamos nós!), que murmuravam por Jesus acolher os pecadores,
os “filhos mais novos” (quantas vezes nós e tantos outros!). Os filhos parecem
comportar-se como assalariados e olham o pai como patrão: assim pede para ser
tratado o mais novo, consciente do mal que fez; e assim descreve o mais velho o
seu trabalho na casa do pai. Mas não se cansa o pai de os tratar como filhos e
de lembrar que são irmãos. Curiosamente, ambos falam ao pai, mas nunca falam
entre si! Seremos parecidos com eles, anos pós anos a rezar ao mesmo Pai, lado
a lado, sem nos conhecermos, sem “termos nada a ver uns com os outros”?
Ficamos sem saber se o irmão mais velho entrou na festa. Porque cabe a
cada um de nós responder. Ainda mais, uma festa em dia de trabalho, na surpresa
e na abundância de um Pai que tudo gasta por amor dos filhos. Onde não contam
os méritos nem se apontam os deméritos de ninguém. O que vale é o “vitelo
gordo” da surpresa do amor do Pai, oferecido a quem se alegra por ser filho e
irmão. Que pena não serem os cristãos conhecidos pelos “da Festa”, como já
fomos conhecidos pelos “do Caminho”!
in Voz da Verdade 31.03.2019
http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=8065&cont_=ver2
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Francis tells Morocco's tiny Catholic minority to 'generate change,
awaken wonder'
RABAT, MOROCCO
— Pope Francis sought to encourage Morocco's tiny Catholic community March 31,
reassuring them that their effectiveness is not determined by their size but
their ability to "generate change and awaken wonder and compassion."
In a meeting
with Catholic and Christian clergy at Rabat's Cathedral of St. Peter toward the
end of his two-day visit to this overwhelmingly Muslim North African nation,
the pontiff called being a small fraction of the population "not a
problem."
"What are
Christians like, in these lands?" Francis asked the dozens of priests and
religious taking part in the encounter, before answering: "They are like a
little yeast … to mix in with a great quantity of flour until all of it is
leavened."
"Jesus did
not choose us and send us forth to become more numerous!" the pope
exhorted. "He called us to a mission. He put us in the midst of society
like a handful of yeast: the yeast of the Beatitudes and … fraternal
love."
"Our
mission as baptized persons, priests and consecrated men and women, is not
really determined by the number or size of spaces that we occupy," said
Francis.
"I believe
we should worry whenever we Christians are troubled by the thought we are only
significant if we are the flour, if we occupy all the spaces," the pope
continued. "You know very well that our lives are meant to be 'yeast,'
wherever and with whomever we find ourselves, even if this appears to bring no
tangible or immediate benefits."
Francis was
visiting Morocco in a trip that has primarily focused on highlighting efforts
for Christian-Muslim dialogue and calling attention to the continuing crisis of
refugees who risk dangerous voyages across the Mediterranean hoping to enter
Europe after fleeing violence and famine.
The pontiff
began his visit March 30 with a call for a global "change of
attitude" toward migrants, warning that the crisis will "never be
resolved by raising barriers [or] fomenting fear of others."
But during the
final day of the trip, Francis' schedule was focused on encouraging Catholics
in Morocco, who number about 23,000 among a population of some 34.9 million and
are mainly foreign-born workers. After the morning meeting at the cathedral,
the pontiff led what the Vatican said was likely the most attended Mass ever
celebrated in the country.
Both events
were marked by the participation of members of other Christian denominations.
Attending the
cathedral meeting were the three leaders of the Council of Christian Churches
of Morocco, an ecumenical group that facilitates dialogue between the Catholic,
Anglican, Evangelical, Greek Orthodox and Russian Orthodox communities in the
country.
Francis thanked
the council for its work at the opening of his address, calling it a
"clear sign of the communion" experienced in the country.
Also at the
meeting were Catholic bishops from across the territory of the Regional
Episcopal Conference of North Africa, which includes Morocco, Algeria, Tunisia
and Libya.
In his remarks,
Francis reflected on how priests and religious pray and care not only for
Catholics but all entrusted to them. The pope recalled meeting with one priest
who had discussed with him the power of the words "give us this day our
daily bread" in the Our Father prayer.
Francis said
the priest's prayer "expanded to that people which was in some way
entrusted to him, not to govern but to love, and this led him to pray this
prayer with special feeling."
"Consecrated
persons and priests bring to the altar and to their prayer the lives of all
those around them; they keep alive, as if through a small window, the
life-giving power of the Holy Spirit," said the pontiff.
"How
beautiful it is to know that, in different parts of this land, through your
voices, all creation can constantly pray: 'Our Father,' " the pope added.
Despite its
small size, the Catholic Church in Morocco runs 34 schools across the country that
educate some 12,000 children. The church also maintains ten orphanages and one
hospital.
Among the
religious attending the meeting was 95-year-old Trappist Br. Jean-Pierre
Schumacher, the last survivor of the 1996 killings of the monks of Tibhirine in
Algeria. Before speaking, Francis greeted Schumacher, who now lives in Morocco,
and kissed his hand.
At the later
Mass at Rabat's Prince Moulay Abdellah sports complex, the pope reflected on
the parable of the prodigal son and called on Moroccan Catholics to confront
any tensions they feel amongst themselves.
Earlier in the
day Francis visited a social service center in nearby Temara run by Vincentian
sisters that offers free meals to about 150 children each day and trains women
in tailoring. As he left, the pontiff paused for a photo surrounded dozens of
people and children assisted by the center, smiling as they waved small Vatican
and Moroccan flags.
Joshua J.
McElwee
[Joshua J. McElwee is NCR Vatican correspondent. His
email address is jmcelwee@ncronline.org. Follow him on Twitter @joshjmac.]
in NCR, 31.03.2019
https://www.ncronline.org/news/vatican/francis-tells-moroccos-tiny-catholic-minority-generate-change-awaken-wonder?clickSource=email
http://nsi-pt.blogspot.com
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