30 novembro 2020

P / INFO: Crónicas, Francis warns Gregory, other cardinals against being 'eminences' in part-virtual consistory & Capela do Rato

Frei Bento: Em tempo de pandemia, Advento da Esperança

Pe. Anselmo: O sentido da vida. (1) Quem sou?

 

Cardeal Tolentino: Esfregar o segundo degrau pg 167

Pe. Vítor Gonçalves: Da noite ao dia

 

EM TEMPO DE PANDEMIA, ADVENTO DA ESPERANÇA

        Frei Bento Domingues, O.P.

Segundo o calendário litúrgico, entramos hoje num tempo de resistência à resignação e ao fatalismo. A esperança é a virtude das horas difíceis.

 1. Muita gente sente que este longo tempo de pandemia lança uma incerteza corrosiva sobre o nosso quotidiano e sobre o futuro. Os alertas diários contra o desleixo e o pânico são indispensáveis, mas sem alimentar as fontes e as razões humanas e divinas da esperança, não conseguiremos renovar as nossas resistências físicas e psicológicas.

Os meios de comunicação social insistem, a toda a hora, em nos dizerem quantos já morreram, quantos são os infectados, quantos os internados em UCI e quantos os recuperados. Receio que esse contínuo exercício de tabuada acabe por saturar e anestesiar a sensibilidade para a gravidade da Covid-19 e para os comportamentos exigidos em todas as situações de risco.  

  Como vencer, em casa e na rua, no trabalho e no laser, a ansiedade e o medo de ser infectados? Não sei. Mas para além das questões de saúde e das dificuldades psicológicas de cada um, o caminho mais adequado e menos heróico parece ser o da prática das medidas mais recomentadas, como a distância física, o uso da máscara e a lavagem das mãos.

     O descuido com essas recomendações talvez seja um dos responsáveis pela expansão incontrolável da Covid-19. Depois, exige-se à DGS, ao SNS e aos diversos órgãos do poder que sejam infalíveis nas suas decisões e actuações!

       Em nome do direito e do dever de cada cidadão praticar o livre e indispensável exercício da crítica, resvala-se com facilidade para a politiquice que mata o sentido da responsabilidade social, cultural e política.

Repete-se que estamos a passar o pior ano das nossas vidas. Investigadores, virologistas, infecciologistas foram todos surpreendidos pelo modo de aparecimento e pela força da Covid-19. Ainda hoje, o comportamento do vírus está longe de gerar unanimidade por parte da comunidade científica, o que torna a situação particularmente complicada.

Além disso, o impacto da Covid-19 na economia é incalculável. Não se trata, apenas, de mais uma crise. Dizem os entendidos que é a pior crise económica e social desde a Segunda Guerra Mundial. O caos ameaça muitos países e dá a ideia de que ninguém sabe como encontrar um equilíbrio entre o controlo da pandemia e o resgate da economia.

Os cínicos e os tolos, ao dizerem que esta pandemia não passa de uma gripezita, acautelam-se a si próprios com os seus negócios e abandonam as populações à sua selecção artificial.

2. Segundo o calendário litúrgico, entramos hoje num tempo de resistência à resignação e ao fatalismo. A recente mensagem da CEP[1], confessa que «o Deus do Advento vem para o meio da pandemia, pega na nossa mão, muda o coração e envia-nos a mudar a situação».

A esperança é a virtude das horas difíceis. O dominicano Tomás de Aquino, servindo-se da filosofia aristotélica, dizia que o objecto da esperança é a luta por um bem futuro, árduo, mas possível de atingir[2]. Ela não é convocada quando o presente é de contentamento, de pura alegria, nem quando o futuro se apresenta como absolutamente impossível de alterar apenas pelas capacidades humanas. Nessa altura, só Deus nos pode valer. 

Muitas vezes, terá de ser vivida em situações heróicas, como as descritas nos anos de prisão, pelo Cardeal vietnamita, Van Thuan[3]. Mas a trémula luz que nos ilumina deve servir para ajudar os que se encontram dominados pelo pânico ou pela miséria. A verdadeira esperança rompe com o egoísmo porque é intrinsecamente solidária.  

É neste sentido, mas não só, que deve ser entendida a realização do Encontro Economia de Francesco, de 19 a 21 deste mês, que culminou numa importante Declaração Final e Compromisso Comum, em 12 pontos, endereçada a economistas, empresários, decisores políticos, trabalhadores e a todos os cidadãos do mundo.

Na sua importantíssima vídeo-mensagem, o Papa mostrou que esse dia não era de clausura, mas de relançamento de um trabalho que deve continuar para alterar o rumo da economia mundial. Isto pode parecer impossível, mas não é. Tem de ser um compromisso que leve, adultos e jovens, a realizar o que parece uma utopia, mas que é uma urgente necessidade, reconhecida por muitas vozes nesse Encontro, como uma evidência para quem não fecha os olhos aos efeitos devastadores de uma economia centrada, apenas, na busca do máximo lucro.

Como transformar o que foi vivido, documentado e explicado, nesses dias, em princípios de acção sustentados e estimulados por uma esperança activa? Como é que podem ser convertidas as instituições católicas, que continuam a reproduzir o ensino da economia que mata, numa investigação da economia ao serviço do bem comum, a começar pelos mais pobres?

3. Quem tiver uma visão ritualista do cristianismo dirá que Advento vem todos os anos, faz parte da rotina litúrgica.

Tomás de Aquino defende que o agir de Cristo, de há dois mil anos, na sua divina energia salvífica, atinge, presencialmente, todos os tempos e lugares[4]. Não é uma realidade apenas do passado. Cristo é nosso contemporâneo. Não se esgota em nenhuma época nem deixa nenhum ponto do globo sem a sua clandestina presença. Cristo acontece no nosso acontecer quotidiano.

É no horizonte do Natal que celebramos o Advento. São celebrações da esperança, não da alegria realizada, mas um protesto contra um destino que parece implacável. É uma esperança em movimento: Cristo acontece no nosso quotidiano, para que este seja alterado, nos torne diferentes, atentos a tudo o que movimenta a história humana, o advento do novo, do que nunca aconteceu.

O Deus de Jesus não é um deus dos mortos, mas da ressurreição de toda a nossa vida. O misterioso nome de Deus dado a Moisés significa: Eu sou Aquele que serei. Como escreveu Frei José Augusto Mourão, O.P., o nascimento de Jesus em Belém é o nascimento de Deus como homem[5], para renascermos como verdadeiramente humanos.

Entretanto, fiquemos com um fragmento do grande poema de Charles Péguy sobre a modesta virtude da esperança, recordado pelo Papa Francisco no seu mais recente escrito[6], pois é ela que nos diz bom-dia todas as manhãs:

«Mas a esperança, diz Deus, essa sim causa-me espanto./Essa sim, é digna de espanto./Que essas pobres crianças vejam como tudo acontece/ e acreditem que amanhã será melhor./Que elas vejam o que se passa hoje e acreditem /que amanhã de manhã será melhor./ Isso é espantoso e essa é a maior maravilha da nossa graça./E isso a mim mesmo me espanta./ Pois é preciso que a minha graça seja em verdade /duma força inacreditável./ E que ela brote duma fonte, como um rio inesgotável./ Desde o primeiro momento e corra para sempre».

in Público 29.11.2020

https://www.publico.pt/2020/11/29/opiniao/opiniao/tempo-pandemia-advento-esperanca-1940776



[1] Conferência Episcopal Portuguesa

[2] STH, I-II q.40, a. 1-8: Spei obiectum est bonum futurum arduum possibile adipisci

[3] Van Thuan, Compromisso de esperança. Escritos inéditos de Van Thuan, Paulinas, 2020

[4] STH, III, q. 56, a. 1 ad 2; ad 3: Quae quidem virtus praesentialter attingit omnia tempora et loca.

[5] Cf. A Palavra e o Espelho, Paulinas, 2000, p. 12

[6] Il Cielo sulla Terra, Editrice Vaticana, 2020. Cf. Pastoral da Cultura, 24.11.2020

 

O sentido da vida. (1) Quem sou?

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

 

Apresente crise, gigantesca, deveria ser uma oportunidade para pôr de modo mais profundo a questão decisiva do sentido da vida. Sentido tem a ver com viagem, direcção, meta. Nas estradas, encontramos placas em seta a indicar o caminho para alcançar um destino. Agora, até programamos o GPS que nos levará lá.

Qual é o sentido da vida e a sua meta? Num primeiro momento, a resposta parece clara: a vida é um milagre e o seu sentido é ela mesma. O sentido está nela, no viver plenamente, na criatividade do dar e receber, em plena e total inter-relação.

Mas em nós a vida torna-se consciente. O ser humano é autoconsciente, consciente de si mesmo e, por causa da neotenia - ao contrário dos outros animais, não vimos já feitos ao mundo, mas por fazer, sendo a nossa missão fazermo-nos a nós mesmos, uns com os outros -, a questão do sentido da vida torna-se uma questão pessoal, essencial e inevitável. Não é uma questão adjacente, que se possa pôr ou não. Ela é constitutiva: ser  humano é levar consigo esta questão: quem somos?, donde vimos?, para onde vamos?, que devemos fazer?, que sentido dar à existência?

Somos uns com os outros e frente aos outros, mas cada um de nós vive-se a si mesmo como presença de si a si mesmo como um eu único: eu sou eu e não outro. Coincidimos, portanto, connosco, mas, por outro lado, experienciamo-nos como ainda não plenamente idênticos: somos nós mesmos e somos chamados a ser nós mesmos; num apelo constante a fazermo-nos, estamos ainda a caminho de nos tornarmos nós mesmos. Lá está a tarefa paradoxal que nos pertence, segundo Píndaro: "Torna-te no que és."

Precisamente deste paradoxo de sermos e ainda não sermos adequada e plenamente surge a nossa inquietação radical e a pergunta que nos constitui: afinal, o que somos?, quem somos? Uma vez que estamos essencialmente voltados para o futuro, temos de dizer: eu venho de um passado e sou também resultado desse passado, vivo-me no presente, mas eu ainda não sou plenamente, eu ainda não sou o que serei. Cá está, portanto, a pergunta - e o ser humano é radicalmente perguntante, porque é perguntado -, a pergunta radical e ineliminável: então o que é que eu sou e quem sou? E esta pergunta não pode deixar de colocar a pergunta pelo sentido da vida, pois está em conexão com ela: só no processo do viver e do ir-me fazendo poderei ir sabendo quem sou.

Mas fazer-me a caminho de quê? Qual é o sentido? Lá estão as inapagáveis perguntas de Immanuel Kant: "Que posso saber? Que devo fazer? O que é que me é permitido esperar?" E continua: se pudéssemos responder a estas três perguntas, encontraríamos resposta para a quarta, a decisiva: "O que é o Homem?" Afinal, o que somos e quem somos?

in DN 28.11.2020

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/28-nov-2020/o-sentido-da-vida-1-quem-sou-13084069.html?target=conteudo_fechado

 

Que coisas são as Núvens

Cardeal J. Tolentino Mendonça


ESFREGAR O SEGUNDO DEGRAU


NO PROCESSO PURGATÓRIO QUE NOS HABILITA A ENTRAR PELA “PORTA ESTREITA” HÁ UM PRÉVIO PERCURSO POR TRÊS DEGRAUS, TODOS DIFERENTES

 

Quem se aventurou alguma vez por essa destemida peregrinação interior que é “Um Diário de Preces” (Relógio D’Água, 2014), que a romancista Flannery O’Connor escreveu quando tinha 20 anos, aprendeu a desconfiar das soluções instantâneas no que à experiência de fé diz respeito. É verdade que, numa página do diário, Flannery declara: “Neste momento sou um queijo, faz de mim uma mística, imediatamente.” Mas ela sabe que não se pode agarrar ao passe de mágica do advérbio. De facto, há de voltar a essa prece refazendo-a deste modo: “Quero ser uma mística e sê-lo imediatamente. Apesar disso, querido Deus, indica-me um lugar, por pequeno que seja, e faz com que eu o respeite. Se me estiver destinado ser aquela a quem compete esfregar cada dia o segundo degrau, faz-mo saber, e faz com que eu o esfregue com um coração transbordante de amor.” A norte-americana era uma leitora assídua de Dante. E aí ela aprendeu que, no processo purgatório que nos habilita a entrar pela “porta estreita”, há um prévio percurso por três degraus, todos diferentes. O primeiro deles é branco, de mármore límpido. Nele podemos olhar o nosso rosto como ainda não o havíamos contemplado. O último é uma soleira de diamante, que flameja como uma labareda, e nele está sentado o anjo de Deus. O degrau intermédio, o segundo nesta ordem, é “escuro mais que pez/ de pedra áspera e seca, apresentando/ fissuras de comprido e de través”. Os orantes sabem que, na maior parte do tempo, a oração é essa tarefa repetida, que pode até parecer rasa, inglória e desinteressante, mas que requer de nós uma humilde fidelidade ao trabalho sobre o segundo degrau.

A oração é essa tarefa repetida, que pode até parecer rasa, inglória e desinteressante, mas que requer de nós uma humilde fidelidade ao trabalho sobre o segundo degrau

A iniciação a esse trabalho é o argumento de um dos livros mais amados do cânone bíblico: o Livro dos Salmos. Obra que se pode abordar como texto literário, pois certamente está entre os cimeiros da literatura universal. Numa das suas cartas, São Jerónimo dizia que David (a quem a tradição atribui a autoria dos salmos ou de parte deles) é, com justa razão, “o nosso Simónides, o nosso Píndaro, o nosso Alceu, o nosso Horácio, o nosso Catulo...”. Mas Nietzsche trouxe uma precisão, porventura surpreendente, às palavras de Jerónimo, defendendo que “entre aquilo que sentimos ao ler os salmos e aquilo que experimentamos na leitura de Píndaro e de Petrarca é a mesma diferença que existe entre a pátria e qualquer terra estrangeira”. A verdade é que a posteridade espiritual dos salmos está carregada de surpresas destas. Penso, por exemplo, no seu impacto na cultura portuguesa. O erudito ensaio do jesuíta Mário Martins, “A Bíblia na Literatura Medieval Portuguesa”, mostra como, desde as Cantigas de Amigo, o Saltério tem sido um código da nossa literatura. Entre os contemporâneos, temos múltiplos e distintos casos. Desde a inesquecível forma como Herberto Helder traduziu alguns salmos a este livro comovente e singularíssimo que a Editorial Caminho acaba de publicar, intitulado “Do Livro dos Salmos”, da autoria de Mário Castrim. Autor que teve, como se sabe, uma vida entregue aos jornais, nomeadamente como crítico de televisão, foi presidente da assembleia-geral do Sindicato dos Jornalistas, militante do Partido Comunista e cristão. Não é por acaso que um homem com o percurso de Mário Castrim se abeira dos Salmos e da sua espiritualidade profundamente inscrita na história, com as suas lutas, paixões, demoras. Habitar os salmos, parafraseá-los ou reinventá-los como ele o faz, é ter compreendido que esperar em Deus não nos dispensa em cada hora de esfregar o segundo degrau. Mas desse modo, como promete Castrim a Deus, “hei de fazer ao longo do meu dia/ a casa que será tua morada”.

in Semanário Expresso 27.11.2020

https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2509/html/revista-e/que-coisa-sao-as-nuvens/esfregar-o-segundo-degrau

À PROCURA DA PALAVRA

Pe. Vitor Gonçalves

DOMINGO I DO ADVENTO Ano B

“Vigiai, portanto, visto que não sabeis

quando virá o dono da casa:

se à tarde, se à meia-noite,

se ao cantar do galo, se de manhãzinha.”

Mc 13, 35

Da noite ao dia

Conta-se que um mestre perguntou um dia aos seus discípulos: “Quem me sabe dizer o momento exacto em que termina a noite e começa o dia? “Disse um deles: “É quando, ao longe, consigo distinguir entre um cão e uma ovelha!” “Não”, respondeu o mestre. “É quando consigo distinguir uma laranjeira de uma macieira!”, arriscou outro e obteve a mesma resposta. Tentou um terceiro: “É quando consigo distinguir um boi de um burro!”, e o Mestre voltou a responder: “Não”. Como mais nenhum avançava outra hipótese, o Metre concluiu: “Termina a noite e começa o dia quando, ao olhar o rosto de alguém, consigo reconhecer nele um irmão.”

Entramos no Advento e num novo ano litúrgico com um quádruplo imperativo: “Vigiai”! E como gostamos muito de saber tudo, prever tudo, apressar tudo, temos dificuldade em lidar com a espera, que toda a vigilância supõe. Tanto mais que sabemos quem esperamos: Aquele que já veio, que está (e vem), e que virá. Não é uma espera passiva ou amedrontada aquela para a qual o Advento nos convoca. Não estamos perdidos nem desesperados, mas, com o entusiasmo da namorada que o namorado convidou para ir a um baile, é uma espera ocupada em prepararmo-nos, alindarmo-nos e perfumarmo-nos, enquanto nasce e cresce em nós o desejo do encontro. E antes de esperarmos assim por Jesus, já Deus espera sempre por nós. Como no filme “A minha namorada tem amnésia” com Adam Sandler e Drew Barrymore, também Deus tudo faz para que O reconheçamos e acolhamos em cada manhã.

Da noite ao dia é assim que os nossos irmãos judeus contam as horas. Os rabinos judeus falam das quatro noites em que Deus entrou na história humana: a da Criação (ao criar a Luz); a da Aliança com Abraão; a da libertação de Israel do Egipto na noite de Páscoa; e a futura em que Deus libertará a humanidade de todo o mal. Esta última é, para nós, cristãos, a da Páscoa de Jesus, verdadeira libertação da morte e dom de salvação para todos. Assim as grandes festas cristãs da Páscoa e do Natal celebram-se da noite para o dia, e se vivemos neste ano uma imensa noite que é também esta pandemia, vigiamos e caminhamos para a luz de um dia novo. E para quem custa ainda a esperança da vida eterna, recordo o diálogo entre Charlie Brown e Snoopy voltados para o pôr do sol: “Um dia nós vamos morrer, Snoopy!”. “Sim, mas todos os outros dias vamos viver!”, responde Snoopy.

Vigiar é amar e esperar. No meio da escuridão que também se abate sobre nós, em que os sofredores têm rosto e nome, todos podemos ajudar Jesus a nascer pois Ele é o dia que esperamos. Podemos ler na mensagem deste Advento dos Bispos de Portugal: “O Deus do Advento vem para o meio desta pandemia, pega na nossa mão, muda o nosso coração e envia-nos a mudar a situação.” E o dia amanhecerá!

in Voz da Verdade 30.11.2020

http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=9355&cont_=ver2

Francis warns Gregory, other cardinals against being 'eminences' in part-virtual consistory

by Joshua J. McElwee Vatican

 

VATICAN CITY — Pope Francis warned the world's Catholic cardinals Nov. 28 against seeing their positions as ones of honor or distinction, stressing that the lives of the church's highest prelates should be those of self-sacrifice and service to others.

In a first of its kind partly virtual ceremony in St. Peter's Basilica to create 13 new cardinals — including Washington, D.C. Archbishop Wilton Gregory and a number of prelates serving in remote regions across the world — the pontiff cautioned the new cardinals not to prioritize their own interests, but those of the people they serve.

Francis even told them not to see themselves in terms of the honorific traditionally given to cardinals, or as "eminences."

"When you feel like that, you are 'off the path,' " the pope warned the new cardinals. "You will no longer be the pastor, close to the people."

The Nov. 28 ceremony, formally known as a consistory, was unprecedented in the long history of the Catholic Church — held during an ongoing global pandemic and under strict precautions to prevent the spread of the coronavirus.

Due to social distancing measures, only about 100 people were able to be physically present for the ceremony, and two of the new cardinals — Brunei Apostolic Vicar Cornelius Sim and Cadiz, Philippines Archbishop Jose Advincula — took part from home.

The sanctuary of the basilica was set up with television screens to allow Sim and Advincula, and other global cardinals, to participate in the event via video link. Those present in the basilica all wore masks, except Francis.

 

Among the 11 new cardinals present for the event was Gregory, who is Washington's first African American archbishop and now the first Black U.S. cardinal. In a Nov. 24 NCR interview, Gregory said he thought Francis' choosing him was a "very positive endorsement" for the work of the church in the U.S. capital.

Gregory is the fourth American cardinal created by Francis, following Chicago's Blase Cupich, Newark's Joseph Tobin and Kevin Farrell, the prefect of the Vatican's Dicastery for Laity, Family and Life.

Nine of the 13 new cardinals are under the age of 80, meaning they join the ranks of cardinal electors, or those who are tasked with gathering in conclave after the death or resignation of the pontiff to select his successor.

The consistory is Francis' seventh over his nearly eight-year papacy and further cements his influence on the group that will one day elect his successor. The pontiff has now appointed nearly 60% of the cardinal electors: 73 of 128 prelates.

Thirty-nine of the electors were appointed by now-retired Pope Benedict XVI; 16 by Pope John Paul II.

Francis reflected in his homily for the consistory on the story in Mark's Gospel of the apostles James and John asking Jesus if they could sit at his left and right hand when he comes into his glory.

Jesus rebuked the two, telling them: "You do not know what you are asking."

Francis called the story a " 'road sign' for us who today are journeying together with Jesus." The two apostles, said the pope, "want to take a different road — not Jesus' road, but a different one."

"The road of those who, perhaps even without realizing it, 'use' the Lord for their own advancement," the pope termed it.

Beyond Sim, Advincula and Gregory, three of the six other new cardinal electors lead global dioceses: Kigali, Rwanda Archbishop Antoine Kambanda; Santiago, Chile Archbishop Celestino Aos Braco; and Siena, Italy Archbishop Augusto Paolo Lojudice.

Two of the new electors are Vatican officials: Mario Grech, the new head of the Vatican's office for the Synod of Bishops; and Marcello Semeraro, who has replaced the disgraced Cardinal Angelo Becciu as the head of the Vatican's sainthood office.

The ninth new cardinal elector is Mauro Gambetti, a conventual Franciscan who previously served as the custodian of the convent attached to the Basilica of St. Francis in Assisi, Italy.

Among the four new cardinals over the age of 80 is the fifth American cardinal created by Francis: Silvano Tomasi, an Italian and naturalized U.S. citizen who served for 13* years as the Holy See's permanent observer to the United Nations in Geneva.

After the homily during the ceremony, each of the 11 new cardinals present for the event received his new signet ring and red hat, known as a biretta, from Francis before St. Peter's high altar.

Each cardinal was then named an honorary leader of a parish church in Rome, from which is traced to the cardinal's role in helping elect the pope. From those posts, the cardinals are considered the clergy of Rome, who then elect their bishop, the pope.

As of Nov. 28, the country with the largest number of cardinal electors remains Italy, which has 22. The next largest number comes from the U.S., which has nine. The third largest is Spain, which has six.

According to Vatican figures, the breakdowns of the different regions of cardinal electors are:

  • 53 from Europe (41%);
  • 18 from Africa (14%);
  • 16 from North America (13%);
  • 16 from Asia (13%);
  • 14 from South America (11%);
  • 7 from Central America (5%);
  • 4 from Oceania (3%).

Seventy of the world's nations are now represented by at least one cardinal elector.

[Joshua J. McElwee is NCR Vatican correspondent. His email address is jmcelwee@ncronline.org. Follow him on Twitter: @joshjmac.]

*This story has been updated to correct the number of years Tomasi served as the Holy See's permanent observer to the U.N. in Geneva.

in NCR (National Catholic Reporter) 28, 2020

 

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22 novembro 2020

 

P / INFO: Crónicas & Capela do Rato

Frei Bento: Iremos a tribunal

Pe. Anselmo: A intuição cosmoteândrica: a religião do futuro

 Cardeal Tolentino: Cogumelos, música e silêncio

 Pe. Vítor Gonçalves: A surpresa final

 

IREMOS A TRIBUNAL

Frei Bento Domingues, O.P.

 1. Para o pensador alemão, Peter Sloterdijk, os factos da vida científica e da criação artística nos tempos modernos provam, sem a menor ambiguidade, o fim da era das revelações puramente passivas. Os devotos à antiga têm como missão compreender até que ponto sobrestimaram a revelação religiosa, fazendo dela a chave da essência de todas as coisas e subestimando a iluminação do mundo pela vida desperta, a ciência e as artes. Esse dado coloca a teologia sob a obrigação da aprendizagem, pois ela não tem o direito de deixar romper a ligação com o mundo do saber do outro campo.

Termina o seu livro sobre A loucura de Deus[1] com um credo: «A globalização significa que as culturas se civilizam umas às outras. O Juízo final desemboca num trabalho quotidiano. A revelação torna-se a relação com o ambiente e o relatório sobre a situação dos direitos do homem. Volto assim ao leitmotiv desta reflexão, que se funda na ética da ciência universal da civilização. Repito-o, como um credo, e desejo que tenha suficiente energia para se propagar mediante línguas de fogo: o caminho da civilização é o único que ainda está aberto».

Escreveu isto em 2007. Não perdeu actualidade, embora a alternativa à velha arrogância teológica não pode ter agora uma simétrica arrogância na ciência que seria, por natureza, pouco científica. Mas o seu desejo está a cumprir-se onde, talvez, menos o esperasse. O alegado obscurantismo dos três monoteísmos já não se apresenta como um bloco impenetrável com medo das dúvidas. Algumas manifestações de diálogo entre religiões começam a focar-se na condenação da violência e da guerra em nome de Deus.

Por outro lado, a confiança na eficácia das chamadas ciências da civilização ficou abalada ao não conseguirem civilizar e democratizar a política ou a cultura política do país mais apetrechado em instituições científicas e artísticas, os EUA, como se viu nos últimos 4 anos de apologia da estupidez. Além disso, o referido pensador alemão não podia prever o que aconteceu, em 2013, na Igreja Católica.

Com a eleição do Papa Francisco começou algo de novo que excede as exigências de diálogo entre religiões e entre crentes e não crentes. É ele que está a procurar realizar alianças e coligações entre as culturas religiosas e seculares e a colocar a teologia em atitude de aprendizagem com todos os universos culturais. É a sua própria vivência e interpretação da revelação cristã que o torna fiel à terra e ao céu, ajudando a Igreja a ser menos “mestra” e mais discípula, aprendendo com todos, acolhendo e partilhando todas as experiências que ajudem a vencer o egoísmo e a barbárie entre humanos e com a natureza.

Em poucos anos, tornou-se uma referência para quem deseja um mundo solidário. Não o faz para glória da Igreja, mas para que esta se torne o que sempre deveria ter sido: um hospital de campanha, com muitos postos de pronto-socorro dos mais pobres e perdidos nas migrações mais desesperadas. Escreveu guiões admiráveis para despertar e mobilizar jovens e adultos para linhas da frente exigidas por antigos e novos desafios sociais e culturais.  

2. Quem procura desqualificar as suas ousadias diz que ele não é apenas um ingénuo, mas um atrevido ignorante: fala do que não sabe e faz o que não deve. Mas que irão dizer, agora, com o que aconteceu na semana passada, nos dias 19 a 21?

Francisco não convocou repetidores, mas investigadores de uma nova economia. Realizou-se o encontro, longamente preparado, A Economia de Francesco, que decorreu a partir de Assis (Itália) com ligações a 120 países diferentes, embora no contexto das dificuldades impostas pela pandemia. O seu objectivo foi colocar em diálogo jovens economistas e empreendedores do mundo inteiro, para imaginar como se pode criar uma economia mais justa, fraterna, inclusiva e sustentável, sem deixar ninguém para trás[2].

 Como é evidente, a proximidade de um acontecimento destas dimensões não permite avaliar o seu alcance, tanto mais que foi realizado para desencadear e afirmar um movimento de jovens empenhados no futuro de todos e que exige uma nova e envolvente militância em muitas áreas e muitas frentes.

       Fomos informados que a primeira conferência seria de Jeffrey Sachs, com o tema, Aperfeiçoar a Alegria: três propostas para deixar a vida florescer. Parecia um convite para ler o Evangelho de S. João, em que o desejo de Jesus é a alegria, cada vez mais completa, numa vida cada vez mais abundante para todos[3].

A alegria não é uma particularidade de S. João, é a proposta de todo o Novo Testamento. No entanto, a verdadeira alegria acontece quando se muda a própria vida. Como dizia o filósofo judeu, L. Wittgenstein, «creio que uma das coisas que o Cristianismo afirma é que as boas doutrinas são todas inúteis. Importa, sim, mudar a vida (ou a direcção da tua vida) … A sabedoria é fria. Em contrapartida, Kierkegaard chama à fé uma paixão»[4].

3. Hoje, na celebração da Eucaristia, encerramos o espantoso capítulo 25 de S. Mateus que tem vindo a ser proclamado nos últimos Domingos. É constituído por três parábolas, três intrigas paradoxais sobre a urgência em captar as oportunidades de alegria que a vida oferece e que, por leviandade ou por medo de ser mal sucedidos, desperdiçamos.

São textos simbólicos: dizem uma coisa para significar outra. Devem ser respeitados na sua irredutível alteridade e questionados. A sua interpretação tem de ter esse facto em conta, para não cair no reino da arbitrariedade. Por outro lado, importa distinguir sentido e significação. O sentido existe no texto que exige estudo para ser decifrado. A significação nasce da pergunta: que tem esse texto, essa parábola, a ver comigo e que tenho eu a ver com esse texto, com essa parábola?[5] A significação implica a minha vontade de mudar, de conversão, de não sair da Missa como entrei. Ajuda-me a mudar para o reino da alegria, da vida apaixonada por uma nova semana.

Hoje, a representação simbólica do julgamento de todas as nações não é para julgar nações, mas as acções ou omissões das pessoas. Quem as julga não é a divindade. Quem julga as pessoas são as suas acções de solidariedade ou de falta de solidariedade. Tanto quem foi, como quem não foi solidário não sabia que estava a ter um encontro ou desencontro com o próprio Deus. Deus é o destinatário clandestino do nosso agir solidário sem divinas intenções. A causa do Deus invisível identifica-se com a causa dos que precisam de ser socorridos. Quem socorre ou recusa solidariedade acolhe ou recusa o próprio Filho do Homem.

S. Mateus escreveu uma parábola muito atrevida.

in Público 22.11.2020

https://www.publico.pt/2020/11/22/opiniao/opiniao/iremos-tribunal-1939985



[1] Cf. Peter Sloterdijk, A loucura de Deus. Do Combate dos Três Monoteísmos, Relógio D’Água, 2009, pp. 23 e 139

[2] Cf. António Marujo, 7Margens, 18. Nov. 2020.

[3] Jo 15, 11; 10, 10.

[4] Ludwig Wittgenstein, Cultura e Valor, Ed.70, Lisboa 1996, p.82.

[5] Daniel Marguerat / Yvan Bourquin, Pour lire les récits bibliques, Cerf, Paris, 1998 

 

            A intuição cosmoteândrica: a religião do futuro

Anselmo Borges

 1.Foi há dez anos que Raimon Panikkar nos deixou, no dia 26 de Agosto de 2010, com 91 anos, em Tavertet, perto de Barcelona. Foi um dos espíritos mais clarividentes do século XX, com um pensamento original, que a presente situação pandémica e a urgência de um novo paradigma de desenvolvimento e uma nova política no contexto de uma terrível crise global, económica e social, que inclui a necessidade de um pacto ecológico para preservar a casa comum, tornam ainda mais actual. É por isso que não podia deixar de voltar a ele, "um mestre do nosso tempo".

2. Estive com Panikkar só numa ocasião, em Barcelona, em 2004. Tinha uma presença cálida, com um sorriso luminoso, e era simples. Uma vez, uma aluna minha, de Barcelona, disse-me que queria muito fazer um trabalho académico sobre o pensamento dele. Achei bem e disse-lhe: "Agora, nas férias, vá falar com ele..." Panikkar deu-lhe 40 minutos e ela, uma jovem, veio fascinada e fascinou os colegas com a descrição do encontro e a exposição do trabalho.

3. Panikkar era uma das maiores autoridades mundiais nas questões do diálogo multicultural e inter-religioso. As suas raízes genéticas, religiosas, académicas, geográficas, deram um contributo decisivo para ser ponte entre mundos: o pai era hindu e a mãe catalã católica; era doutorado em Filosofia, Química e Teologia; viveu uma parte da sua vida na Europa, outra na Ásia, uma terceira na América. Ensinou em muitas universidades, incluindo Harvard. Deixou mais de 50 livros, em várias línguas, que dominava. No meio de uma vida agitada e aparentemente dispersa, manteve, no Uno, a serenidade do monge. É seu o pensamento, retomado pela encíclica de Francisco, Laudato sí, de que tudo está interligado.

Padre católico, regressando da Índia, disse que voltava hindu e budista, sem que isso significasse deixar de ser cristão: pelo contrário, agora era mais cristão. Por isso, para lá do diálogo inter-religioso, defendia o diálogo intra-religoso, isto é, aquele diálogo que cada um deve estabelecer dentro de si mesmo entre as grandes religiões, cuja herança pertence a todos.

Depois dos períodos de isolamento e ignorância recíproca, indiferença e desprezo, condenação, perseguição e conquista, coexistência e tolerância, chegou como "necessidade vital" o tempo do diálogo entre as religiões. É preciso superar o exclusivismo, que afirma que só uma religião é verdadeira (a minha), rejeitando as outras.

O diálogo autêntico só pode ter por base o são pluralismo: todas as religiões são presença do Absoluto, do Mistério salvador, mas nenhuma o possui definitivamente. Este diálogo é constitutivo do ser humano enquanto tal, pois o Homem não é uma mónada fechada, mas uma pessoa, feixe de relações. Por isso, a religião tem de incluir também o diálogo com a Terra, a que chamou ecosofia. Este é o pensamento e a acção implicados numa concepção cosmoteândrica.

Expressão deste pensamento e diálogo de um Homem universal foi o seu funeral: numa celebração solene e íntima, seguiu o rito exclusivamente católico, mas Panikkar deixou instruções precisas para que as suas cinzas fossem repartidas entre a família, o cemitério de Tavertet e o rio Ganges, na Índia.

4. Já Platão distinguiu entre pan, o todo como soma das partes, e holon, o todo estruturado, mais do que a soma das partes. Há muita dificuldade em pensar holisticamente, sobretudo porque a razão moderna é objectivante analítica, separadora, tendo como seu modelo a máquina, que decompõe para refazer e assim dominar. No próprio pensamento religioso, em vez de religação, encontramos frequentemente visões dicotómicas e dualistas: este mundo e o outro, o aquém e o além, a alma e o corpo, o divino e o humano, o interior e o exterior, os de dentro e os de fora, os crentes e os não crentes...

Neste contexto, Panikkar afirmava com razão que é preciso ultrapassar e superar "três dualismos, seis dicotomias e três reducionismos". Torna-se imperioso unir o que tem andado separado. O distinto e o diferente não podem significar separação.

Os dualismos são: Deus e o Homem, o Homem e a natureza. Não se trata agora de confundir, mas de religar. As seis dicotomias são: alma e corpo, masculino e feminino, indivíduo e sociedade, teoria e práxis, conhecimento e amor, tempo e eternidade. Também aqui não se trata, evidentemente, de reduzir tudo ao mesmo, mas de tomar consciência de que uma realidade não existe sem a outra e de mostrar a sua relação intrínseca.

 

Os três reducionismos são: "O antropológico, que reduz o Homem a um animal racional; o cosmológico, que reduz o Cosmos a um corpo inerte; o teológico, que reduz a Divindade a um Ser transcendente." Impõe-se superar estes reducionismos, porque o Homem não é redutível a animal racional, e, quando se reduz o Cosmos a um corpo inerte, esquece-se a sua dimensão sagrada e viva, e o modo da transcendência de Deus só pode ser este: no mundo, Deus é transcendente ao mundo, infinitamente transcendente enquanto infinitamente presente.

Tudo está em relação com tudo. Ser e ser em relação identificam-se. Não se trata, portanto, de anular as diferenças, já que a unidade sem a diferença seria a mesmidade morta, como as diferenças sem a unidade se anulariam no caos. Assim, a religião do futuro tem de religar o que tem andado separado: Cosmos, Deus e Homem, como se diz na palavra cosmoteândrico e na sua obra, traduzida para português: a intuição cosmoteândrica. A religião do terceiro milénio. Tudo está interligado.

 

Padre e professor de Filosofia. Escreve de acordo com a antiga ortografia

in DN 21.11.20

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/21-nov-2020/a-intuicao-cosmoteandrica-a-religiao-do-futuro-13053520.html?target=conteudo_fechado

 

 

 

QUE COISA
SÃO AS NUVENS

JOSÉ
TOLENTINO
MENDONÇA

 

 

COGUMELOS, MÚSICA E SILÊNCIO

A NOVIDADE DO CONTRIBUTO CULTURAL TRAZIDO POR CAGE NASCEU DO ESFORÇO PARA PENSAR FORA DAS DICOTOMIAS DO PENSAMENTO OCIDENTAL, DEMONSTRANDO COMO A COEXISTÊNCIA DOS OPOSTOS NÃO INTERROMPE O SENTIDO

Os cogumelos, a música e o silêncio têm duas coisas em comum. A primeira delas está associada à sua natureza: crescem fora das estradas principais, são favorecidos pelo recolhimento dos bosques, amam a alternância das estações. A segunda coisa que têm em comum é terem sido objeto da igual paixão de um dos criadores mais originais do século XX: o compositor John Cage. A novidade do contributo cultural trazido por Cage nasceu do esforço para pensar fora das dicotomias do pensamento ocidental, demonstrando como a coexistência dos opostos não interrompe o sentido, antes o revela no seu carácter paradoxal, que temos de aprender a aceitar melhor. A testemunhá-lo está, por exemplo, o facto de as suas explorações acerca do silêncio se terem tornado determinantes para o tipo de música que fazia. A muitos desconcertou que ele tenha ousado apresentar experiências de silêncio ininterrupto como legítimas peças musicais (assim o fez com as composições “Silent Prayer” e “4’33’’”). Mas para John Cage não havia nisso qualquer contradição, e explicava-o assim: “A música é inútil, a menos que desenvolva a nossa capacidade de escuta. O silêncio não é acústico, é uma mudança de mentalidade.” A obra artística de Cage ajudou a questionar o que é a música e a verificar que esta é indissociável da compreensão do silêncio entendido não como ausência mas como forma alternativa de construção sonora.

O silêncio é tão sonoro como a música, mas pede de nós uma mudança de atitude: a valorização da continuidade que existe entre arte e vida

Um momento de viragem foi a experiência na câmara anecoica da Universidade de Harvard, uma história que Cage recontou inúmeras vezes. Entrando nessa sala à prova de som, onde supostamente poderia testar o absoluto silêncio, ele escutou então um som grave (o do seu próprio sangue em circulação) e um agudo (o do seu sistema nervoso a operar). Até aí estava convencido de que o silêncio real existia como qualquer coisa que podemos produzir pela eliminação dos sons. Na câmara anecoica, porém, percebeu que não existe o silêncio como produção nossa. Mas ocorre isto: enquanto a música ou a palavra representam sons intencionais que realizamos, o que nós chamamos de silêncio é a possibilidade de acedermos à escuta dos sons e das realidades não intencionais. O silêncio é tão sonoro como a música e tão loquaz como a palavra, mas pede de nós uma mudança de atitude: a valorização da continuidade que existe entre espaço intencional e não intencional, entre sujeito e objeto, entre arte e vida.

Nos anos da Grande Depressão, quando os alimentos escasseavam, Cage começou a frequentar os bosques em busca de cogumelos, tornando-se com o tempo um especialista na matéria, a que recorriam restaurantes importantes de Nova Iorque. Parece uma insólita deriva, que nada tem a ver com a sua arte, mas a verdade é que o método permanecia o mesmo: na sua errância pelos bosques, inesperadamente o desconhecido manifestava-se. E há um episódio televisivo a este propósito. Em 1959, um obscuro músico americano de nome John Cage participa em Itália num desses concursos banais da TV, com duas intervenções musicais e como concorrente a um prémio de cinco milhões de liras. A música deixou apresentador e auditório aturdidos, mas quando começou o concurso propriamente dito, que tinha como tema da sessão os cogumelos, o espanto não foi menor, pois o excêntrico concorrente era capaz de elencar por ordem alfabética dezenas de espécies. No final, o apresentador, felicitando-o, perguntou-lhe se voltaria para a América. Cage respondeu que sim, mas que a sua música ficava. O apresentador retorquiu: “Que pena. Seria melhor que a sua música partisse e que você permanecesse connosco.”

in Semanário Expresso,21.11.20

https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2508/html/revista-e/que-coisa-sao-as-nuvens/cogumelos-musica-e-silencio

À Procura da Palavra

DOMINGO XXXIV COMUM

CRISTO REI

Pe. Vitor Gonçalves

“‘Quantas vezes o fizestes

a um dos meus irmãos mais pequeninos,

a Mim o fizestes’.” Mt 25, 40

A surpresa final

Se nos fosse pedido uma síntese do Evangelho, de toda a Boa Nova de Jesus, o que diríamos? Certamente escolheríamos as Bem-aventuranças, ou o seu Mandamento novo, a Páscoa, e a Última (primeira) Ceia. No fundo, em cada gesto e palavra de Jesus encontramos a totalidade do amor de Deus a chegar até nós. E há 20 séculos que nós, cristãos, falamos do amor. Mas o decisivo não é simplesmente dizer e pensar, acreditar ou escrever. Não podemos ficar satisfeitos e tranquilos porque não fazemos a ninguém nenhum mal especialmente grave.

A terceira parábola de Mateus 25 mostra como a realeza de Jesus é desconcertante. Ao contrário dos reis humanos, que se distinguem dos súbditos e do povo, este rei identifica-se com os mais pequenos. É inútil procurar o Ressuscitado nas nuvens, no grandioso, pois a sua presença revela-se nos mais pobres, nos necessitados. É a compaixão concreta, a decisão em não deixar no mal e no sofrimento aqueles que não são estranhos mas irmãos, e é preciso cuidar e salvar. A fé cristã é mística e prática, secreta e visível, interior e eficaz. Não se pretende substituir a nenhum poder público, a nenhum governo, mas assume compromissos por cada homem e mulher concretos que necessitam sair do sofrimento. Porque nenhum sofrimento nos pode ser alheio, e a compaixão é o único modo de nos parecermos com Deus.

À semelhança das virgens insensatas, que não fizeram nada de mal mas não se precaveram com o azeite da alegria para o encontro com o esposo, e do servo que por medo e preguiça escondeu o talento e não o quis multiplicar, também ficarão surpreendidos aqueles que viram tantos sofredores e nada fizeram por eles. O pior é não fazer nada! Os que os aliviaram do sofrimento fizeram-no voluntariamente. Também não viram nem reconheceram Jesus neles. Agiram gratuitamente, sem ganhar dinheiro nem esperar recompensa. Encheram-se de compaixão e deixaram-se mover pelo amor. Dizia Leon Tolstoi: “Podem cortar-se árvores, fabricar tijolos e forjar ferro sem amor. Mas é preciso tratar com amor os seres humanos. Se não sentes afecto pelos homens, ocupa-te no que quiseres, mas não neles.”

A maior surpresa é essa: quando abandonamos um necessitado, abandonamos Deus, quando o aliviamos, é a Deus que aliviamos. São os gestos concretos, possíveis, ao nosso alcance que marcam a diferença. Diziam dois pobres à porta de uma igreja: “Falam tanto de nós, mas não vêm falar connosco!” Jesus pede-nos para não duvidarmos dos milagres que os mais pequenos gestos de amor a quem sofre, podem realizar.

in Voz da Verdade 22.11.2020

http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=9341&cont_=ver2

Capela do Rato

Já não há vagas para a missa do 1º Domingo de Advento

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