30 outubro 2011

Encontro em Assis

Leio nos jornais que o Papa Bento XVI, quem diria, assumiu o “espírito de Assis” neste dia 27 Outubro, 25 anos depois do chamado Primeiro Encontro de Assis, quando o Papa João Paulo II reuniu 130 líderes das grandes religiões do mundo na Basílica de São Francisco, em oração pela justiça e pela paz. Agora, foram 300 os cristãos e não cristãos em ritual inter religioso, em consenso no apelo do Papa também à liberdade, contra a violência, o terrorismo. Novidade absoluta, o convite a mais cinco intelectuais agnósticos, a reflexão sobre os humanismos cristão e não cristão, as vivências religiosas na cultura contemporânea, as responsabilidades de consciência. Recordo o apelo para os “Sinais dos Tempos” do Papa João XXIII e o “Não tenhais medo”, de João Paulo II, para lhes acrescentar a frase de Bento XVI agora, em Assis: “ A viagem do espírito é também uma viagem de paz.”
Volto atrás, porque aprendo que em 1986 o Cardeal Ratzinger não aderiu a Assis. Mas imagino que a iluminação do Espírito Santo acrescentada à sua grande inteligência humana, o conduz, como Papa Bento XVI, quando exprime o pensamento sobre este encontro/peregrinação, sinal do “desejo de trabalhar em conjunto por um mundo melhor.”
E reparo que, como sempre, católicos tradicionais, militantes dos movimentos conservadores, criticam. Leio blogues indignados, a acusar a permissividade nas presenças em Assis.  A crítica por não ter havido um momento de oração comum. O horror à participação de agnósticos, ainda por cima intelectuais. Que pena, nestas pessoas, a ignorância, a recusa da realidade, o não entendimento da Palavra de Jesus, tão viva, o Amor feito Paz, para as convulsões do nosso tempo.
Assisti, no Teatro Cinearte, ao monólogo de Maria do Céu Guerra, no papel de Dona Maria I. “ O caminho das ideias, Deus o traçou sobre pedras escorregadias,” diz a certa altura.  Gostei do som e do sentido. Gosto de pensar neste Encontro de Assis. Peço a Deus pela Paz, pela Justiça e pela Liberdade, pronta para me defender de paus e pedras no caminho.


Leonor Xavier
9 de Outubro 2011

22 outubro 2011

A nova evangelização

Li com curiosidade um artigo recente sobre o Concílio Vaticano III e o mesmo deixou-me a pensar. De facto apresentam-se questões e argumentos que são da máxima importância para o presente e o futuro da Igreja mas, afinal, que Igreja temos no concreto? Como vivemos nós católicos a Igreja que somos? Politicamente diz-se que os portugueses são um povo pouco participante e até reconhecidamente de brandos costumes. Em resumo aceitamos tudo com uma passividade que a outros povos seria impensável. Será que em Igreja também somos assim?
Alguns exemplos levam-me a crer que sim. Em quantas igrejas a homilia é pronunciada perante uma instalação sonora completamente obsoleta ou num timbre de voz completamente inadequado ou o sacerdote balança a cabeça para os lados esquecendo que o microfone está virado para a frente e ninguém diz absolutamente nada? Em quantas igrejas temos grupos ditos corais que cantam a várias vozes, aliás tantas quantas as que compõem o dito, e ninguém reclama?
Enfim são apenas duas caricaturas de situações que infelizmente todos os católicos já presenciaram.
Outras situações são contudo mais preocupantes porque substancialmente mais graves e são de facto essas que me preocupam enormemente:
1.     Será normal assistir de braços cruzados à crescente centralização nos padres de actividades que pela sua complexidade técnica e de gestão deveriam ser desempenhadas por leigos? Quantos cargos de pura administração ou gestão financeira são cada vez mais ocupados por leigos em estruturas ou empresas ligadas à Igreja? Quantos casos ao nível paroquial, diocesano e nacional?
2.     Será normal que se façam nomeações de párocos como quem joga peças de xadrez passando por cima das necessidades das comunidades cristãs e das suas vontades colocando padres extremamente válidos em paróquias sem ninguém e colocando outros sem qualquer iniciativa que não seja o mero formalismo do culto em paróquias jovens e dinâmicas?
3.     Será normal que em vez do espírito de pastor que deve nortear a actividade dos priores, incentivando e permitindo que as comunidades cresçam e se fortaleçam sendo eles verdadeiros portadores de um espírito vivificador da comunidade, seja, afinal, cada padre um detentor da sua razão que impõe à comunidade, fazendo, muitas vezes, tábua rasa de tudo o que existiu até aí?
4.     Podemos aceitar que porque a um bispo não agrada o estilo de determinado padre o retire de uma paróquia e dê ordens expressas ao seu substituto para fazer as coisas como ele bispo as quer? E se essas coisas forem tão graves como esse padre ter dado algumas vezes a comunhão sob as duas espécies, ter chamado as crianças para o pé de si no altar ou ter mudado o ambão de local?
5.     Podemos aceitar que um bispo dê instruções explícitas ao novo prior para que o prior cessante ou qualquer membro da comunidade não possa falar na Eucaristia de investidura do novo pároco e que o mesmo bispo ignore completamente na mesma cerimónia o prior cessante quer como pessoa quer ao nível do trabalho por ele realizado? Onde está a Igreja-Comunhão ou melhor, onde está a delicadeza e o reconhecimento?
6.     Podemos aceitar que uma celebração de investidura de um novo pároco seja preparada à margem da comunidade e dos dois párocos (cessante e futuro) indo ao cumulo de se levarem os paramentos para tornar a cerimónia mais digna envergonhando e espezinhando com essa atitude a comunidade e retirando-lhe qualquer tipo de iniciativa numa cerimónia que é sua?

Vivi presencialmente estas situações nos últimos dias na diocese de Lisboa. Sinceramente, ao assistir a estes tristes acontecimentos, pouco me preocupa se devemos insistir mais ou menos no Vaticano II ou se devemos partir para o terceiro. Podemos, como Igreja, bater a mão no peito e fazer mea culpa pelos erros do passado mas é a mesma prepotência, é a mesma ânsia de poder, é o mesmo clericalismo feroz que não aceita o leigo e o trata como pobre pecador. 
Hoje, como sempre, Deus está com o pecador, com o que sofre e com o humilde; o resto é uma triste caricatura que, infelizmente, hoje como no passado, quer manter a sua aparência rezando “Obrigado Senhor por não ser um pecador como estes homens”. E assim cada vez mais se assiste ao descrédito da Igreja. É preciso uma nova evangelização. Mas essa nova evangelização exige pastores diferentes na sua maneira de estar, exige uma Igreja em que o leigo tem que assumir o seu verdadeiro papel e estatuto e em que o padre, o bispo e o papa não são actores solenes de uma representação teatral que cada qual tenta fazer melhor para sua glória pessoal mas são verdadeiros pastores que se colocam como servos ao serviço de todos.
Recordo-me de uma senhora já velhinha que depois de assistir ao sermão de Domingo de Páscoa me disse: “ O senhor Prior fez uma homilia linda. Não percebi nada do que ele disse mas ele falou muito bem!”
Se a velha evangelização falhou de quem é a culpa? Temos que começar por dentro.

Pedro Alvito

17 outubro 2011

Casados de fresco; homilia e acolhimento


Fui recentemente a dois casamentos, ambos de católicos "praticantes".
O que se passou nas respectivas cerimónias religiosas dá que pensar!
No primeiro caso, tratava-se de um casal de cerca de trinta anos, lisboetas, já a viver juntos. Amadurecida a relação, decidiram convocar os amigos e a família, mais de cem pessoas, para a grande festa de formalização do casamento. Conhecendo os convidados, a maioria bem longe de frequentar igrejas, reduziram a cerimónia religiosa ao rito propriamente dito, escolheram leituras e oração dos fiéis adequadas e convidaram amigos de um grupo coral que cantou lindamente dando um ar de festa à celebração. Os noivos estavam felizes, as famílias e amigos também, mas a desgraça foi o padre! Não achou melhor oportunidade do que alertar veementemente os presentes sobre o descalabro dos valores, dos casamentos de fachada, dos casamentos gay, dos divórcios e recasamentos, enfim, a lista é longa! Vinte minutos de homilia  para "achincalhar" as pessoas presentes recusando a quem estava nessas situações (e eram vários) o simples título de casados por Amor.
Na fila à minha frente na Igreja dois jovens casais riam e gozavam a cada diatribe do padre. O ridículo não mata mas mói. Eu estava envergonhada por assistir a tantos anátemas, impotente a ver magoar as pessoas em causa sem poder fazer nada. Ainda pensei que sendo o padre padrinho do noivo, poderia falar com ele ao jantar e sugerir uma outra abordagem do tema mais consentânea com o acolhimento evangélico. Soube depois que ele se tinha escusado a ir à festa porque tinha terço e missa e estava cansado. Tal como eu, a reacção das pessoas da minha mesa na conversa posterior durante o jantar foi de consternação. Tínhamos assistido a tudo o que não deve ser uma homilia sobre o matrimónio católico. Se o padre se tivesse calado tinha prestado um excelente serviço à pastoral. Assim mostrou a face mais intolerante de algum pensamento católico sobre o tema.
Felizmente por vezes as homilias são inclusivas, acolhedoras e por isso mesmo desafiantes.
O segundo caso é exemplo disso mesmo. Durante o verão um casal canadiano-português aproveitou as férias para formalizar o seu casamento. Ambos na casa dos cinquenta e com vivências anteriores muito ricas, encontraram-se finalmente no Quebeque, onde vivem juntos e na segunda metade da vida decidiram casar. Não era fácil preparar uma celebração trilingue; português, inglês e francês mas fizeram-no na perfeição. Contactado o padre, amigo de longa data da noiva, os noivos prepararam o caderninho da liturgia, escolheram tudo, mesmo tudo, trocando perspectivas via e-mail e telefone com o padre até à versão final. No grande dia, apenas duas filas de família e amigos chegados preenchiam a enorme igreja. Os noivos e o padre acolheram cada pessoa apresentando os estrangeiros e possibilitando que ao começar a celebração todos soubessem exactamente quem era quem e porque é que ali estava. Neste ambiente acolhedor as barreiras linguísticas e outras caíram, cada um na sua circunstância foi acolhido e a homilia foi disso mesmo reflexo.
Era para aqueles noivos únicos com um percurso singular, era para aquelas famílias concretas(estivessem ou não canonicamente constituídas) sobre tudo sentia-se que ali se celebrava o Amor, ora é isso mesmo que faz com que um casamento seja sinal do Amor maior. A homilia deve apenas situar concretamente essa dimensão de acolhimento do Amor. Nem mais, nem menos!

AFF
17.10.2011

10 outubro 2011

Início

Gosto muito de estar atenta aos sinais que se atravessam no meu caminho.
Foi o que aconteceu com o Movimento Internacional Nós somos Igreja - para mim em 1996 - a sua história pode ser vista e revista em dúzias de sítios incluindo o oficial - www.we-are-church.org/pt. Desde então, juntamente com um sem número de pessoas, em Portugal e noutras pastagens, fomos caminhando, numa atitude de fé, de esperança e espera-se também, de caridade, levantando questões que cremos podem e devem ser reflectidas pelos membros o Povo de Deus, ou seja a comunidade dos baptizados. Por vezes perguntam-nos: mas porque não mudam de Igreja, onde as vossas propostas já foram aceites? A minha resposta é: nasci e cresci nesta Igreja, amo-a e não quero sair. A minha consciência e a minha vontade, ambas tão preciosas aos olhos de Deus, levam-me a integrar um movimento que pensa que «outra Igreja é possível».

Ana Vicente.