por ANSELMO BORGES
Era uma viagem de alto risco. Acabou por ser uma viagem que os media mundiais chamaram de histórica. Francisco queria que a sua visita à Jordânia, à Palestina e a Israel fosse uma peregrinação. E foi, mas com imensas consequências políticas. Afinal, a política não é tudo, mas está em tudo. O que aí fica quer lembrar momentos significativos da viagem.
Na Jordânia, pediu "uma solução pacífica para a crise síria e uma solução justa para o conflito israelo-palestiniano". Referindo-se concretamente à Síria, lacerada por uma luta fratricida que dura há mais de três anos, com milhões de refugiados, atacou as empresas armamentistas e rezou pela sua conversão: "Que Deus converta os violentos, os que provocam a guerra, os que fabricam e vendem armas, e os torne construtores da paz!"
Defendeu, em Belém, "o direito à existência de dois Estados, gozando de paz e segurança". Na preparação da viagem, já houvera uma referência ao "Estado palestiniano". Ainda em Belém: "A incompreensão entre as partes produz divisões, sofrimentos e êxodo de comunidades inteiras." Aqui, certamente lembrou-se de que a Terra Santa está a ficar sem cristãos, pois no Médio Oriente já só representam 2%, quando há 50 anos eram 10%. E ousou um convite: "Senhor Presidente Mahmoud Abbas, neste lugar onde nasceu o Príncipe da Paz, desejo convidá-lo a si e ao Senhor Presidente Shimon Peres a elevarmos juntos uma intensa oração pedindo a Deus o dom da paz. Ofereço a possibilidade de acolher este encontro na minha casa, no Vaticano." Francisco renovou o convite em Tel Aviv. E Peres e Abbas aceitaram a iniciativa inédita.
A caminho da Basílica da Natividade, em Belém, surpreendeu, quando, ao passar junto ao muro erguido por Israel na Cisjordânia, conhecido como "o muro da vergonha", mandou parar o jipe em que seguia, ficando em oração durante alguns minutos, apoiando a mão e a cabeça no muro, um pouco à maneira do que fazem os judeus no Muro das Lamentações. Este gesto, que causou descontentamento em Israel, foi compensado com uma outra visita-surpresa, quando, a caminho do memorial do Holocausto, símbolo da "monstruosidade" humana, onde perguntou: "Como foste capaz, Homem, deste horror, o que te fez cair tão baixo?" e gritou: "Nunca mais! Nunca mais!", homenageou o memorial às vítimas israelitas dos atentados em Jerusalém. Com estes dois gestos, Francisco estava a dizer que não é com muros nem com o terrorismo que se constrói a paz. Como disse o padre D. Neuhaus, do Patriarcado Latino de Jerusalém, "Francisco tem o perigoso talento de dizer a verdade".
Em Jerusalém, Francisco e Peres clamaram em uníssono: "Não nos cansemos de perseguir a paz com determinação e coerência." O Papa: "Que Jerusalém seja verdadeiramente a cidade da paz, que corresponda à sua identidade, ao seu carácter sagrado e verdadeiro valor como tesouro para toda a humanidade. Que todos possam ter acesso livre aos lugares santos e participar nas celebrações."
E sucederam-se os encontros ecuménicos e inter-religiosos. Com o Patriarca ortodoxo Bartolomeu, assumiu a urgência da união de todos os cristãos, propondo "um novo modo" de exercer o primado papal, tendo talvez no horizonte a ideia de um primus inter pares (o primeiro entre iguais). Na Esplanada das Mesquitas, encontrou-se com o Grande Mufti, pedindo aos "amigos muçulmanos" um trabalho em conjunto pela justiça e pela paz. "Que ninguém instrumentalize o nome de Deus para a violência!" Depois do muro de Belém, rezou no Muro das Lamentações. E, num encontro com rabinos, um rabino proclamou: "Em Jerusalém, não deve existir mais ódio nem inimizade entre os irmãos."
E os três velhos amigos dos tempos de Buenos Aires - o rabino A. Skorka, o xeque O. Abboud e o agora Papa Francisco - abraçaram-se ali, junto ao Muro, e foi o grande abraço das três religiões abraâmicas. E Skorka, comentando o velho sonho em Jerusalém: "Conseguimos!" E Francisco regressou a casa, com a esperança fundada de em breve serem retomadas negociações sérias em ordem à paz.
in DN, 31.05.14
Era uma viagem de alto risco. Acabou por ser uma viagem que os media mundiais chamaram de histórica. Francisco queria que a sua visita à Jordânia, à Palestina e a Israel fosse uma peregrinação. E foi, mas com imensas consequências políticas. Afinal, a política não é tudo, mas está em tudo. O que aí fica quer lembrar momentos significativos da viagem.
Na Jordânia, pediu "uma solução pacífica para a crise síria e uma solução justa para o conflito israelo-palestiniano". Referindo-se concretamente à Síria, lacerada por uma luta fratricida que dura há mais de três anos, com milhões de refugiados, atacou as empresas armamentistas e rezou pela sua conversão: "Que Deus converta os violentos, os que provocam a guerra, os que fabricam e vendem armas, e os torne construtores da paz!"
Defendeu, em Belém, "o direito à existência de dois Estados, gozando de paz e segurança". Na preparação da viagem, já houvera uma referência ao "Estado palestiniano". Ainda em Belém: "A incompreensão entre as partes produz divisões, sofrimentos e êxodo de comunidades inteiras." Aqui, certamente lembrou-se de que a Terra Santa está a ficar sem cristãos, pois no Médio Oriente já só representam 2%, quando há 50 anos eram 10%. E ousou um convite: "Senhor Presidente Mahmoud Abbas, neste lugar onde nasceu o Príncipe da Paz, desejo convidá-lo a si e ao Senhor Presidente Shimon Peres a elevarmos juntos uma intensa oração pedindo a Deus o dom da paz. Ofereço a possibilidade de acolher este encontro na minha casa, no Vaticano." Francisco renovou o convite em Tel Aviv. E Peres e Abbas aceitaram a iniciativa inédita.
A caminho da Basílica da Natividade, em Belém, surpreendeu, quando, ao passar junto ao muro erguido por Israel na Cisjordânia, conhecido como "o muro da vergonha", mandou parar o jipe em que seguia, ficando em oração durante alguns minutos, apoiando a mão e a cabeça no muro, um pouco à maneira do que fazem os judeus no Muro das Lamentações. Este gesto, que causou descontentamento em Israel, foi compensado com uma outra visita-surpresa, quando, a caminho do memorial do Holocausto, símbolo da "monstruosidade" humana, onde perguntou: "Como foste capaz, Homem, deste horror, o que te fez cair tão baixo?" e gritou: "Nunca mais! Nunca mais!", homenageou o memorial às vítimas israelitas dos atentados em Jerusalém. Com estes dois gestos, Francisco estava a dizer que não é com muros nem com o terrorismo que se constrói a paz. Como disse o padre D. Neuhaus, do Patriarcado Latino de Jerusalém, "Francisco tem o perigoso talento de dizer a verdade".
Em Jerusalém, Francisco e Peres clamaram em uníssono: "Não nos cansemos de perseguir a paz com determinação e coerência." O Papa: "Que Jerusalém seja verdadeiramente a cidade da paz, que corresponda à sua identidade, ao seu carácter sagrado e verdadeiro valor como tesouro para toda a humanidade. Que todos possam ter acesso livre aos lugares santos e participar nas celebrações."
E sucederam-se os encontros ecuménicos e inter-religiosos. Com o Patriarca ortodoxo Bartolomeu, assumiu a urgência da união de todos os cristãos, propondo "um novo modo" de exercer o primado papal, tendo talvez no horizonte a ideia de um primus inter pares (o primeiro entre iguais). Na Esplanada das Mesquitas, encontrou-se com o Grande Mufti, pedindo aos "amigos muçulmanos" um trabalho em conjunto pela justiça e pela paz. "Que ninguém instrumentalize o nome de Deus para a violência!" Depois do muro de Belém, rezou no Muro das Lamentações. E, num encontro com rabinos, um rabino proclamou: "Em Jerusalém, não deve existir mais ódio nem inimizade entre os irmãos."
E os três velhos amigos dos tempos de Buenos Aires - o rabino A. Skorka, o xeque O. Abboud e o agora Papa Francisco - abraçaram-se ali, junto ao Muro, e foi o grande abraço das três religiões abraâmicas. E Skorka, comentando o velho sonho em Jerusalém: "Conseguimos!" E Francisco regressou a casa, com a esperança fundada de em breve serem retomadas negociações sérias em ordem à paz.
in DN, 31.05.14
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