01 novembro 2011

Bodas de Prata

1. As surpresas nem sempre têm de ser boas. O medo do desconhecido é paralisante em qualquer dimensão da vida. A diferença entre a cultura tradicional e a cultura moderna reside na atitude perante o futuro. Para a cultura tradicional o importante é repetir o passado. Dar futuro ao passado. A cultura moderna caracteriza-se pela confiança na inovação, na criação do diferente, do que nunca existiu.
As duas atitudes têm virtudes e defeitos. A virtude da cultura tradicional é o respeito pelo património legado pelas gerações do passado. O seu vício é o tradicionalismo, a repetição: assim como era no princípio agora e sempre pelos séculos e séculos. No Vaticano II foi muito difícil saber distinguir entre tradição e tradições. Nem tudo o que vem do passado deve ser mantido. Há tradições que são uma traição ao espírito da tradição que é um ponto de partida para o ainda não. Há quem diga que o passado é o que passou. Mas há passado que deve ser transmitido às novas gerações. A triagem entre o que deve ser assumido e o que merece o caixote do lixo, nem sempre é fácil.
A cultura moderna também tem os seus defeitos e virtudes. Nem tudo o que é novo é bom. É fácil cair na superficialidade, na moda pela moda (ou porque está na moda), a chamada cultura descartável nada tem a ver com a inovação de qualidade. Esta é um contributo do inédito, do que vai enriquecer o património da humanidade. Há dimensões da realidade humana que nascem no tempo, mas que ficam para a “eternidade”: uma obra de arte, seja qual for a expressão artística, conserva a sua frescura passados milhares de anos. Há outras realidades que devem desaparecer assim que foram realizadas. São puramente funcionais.
2. A 28 e 29 de Outubro realizou-se a 25ª edição das Jornadas Culturais de Vila das Aves, eram as suas bodas de prata. O tema geral era Cidadania e Cultura. A iniciativa destas Jornadas está ligada à Paróquia de S. Miguel das Aves, que nunca as abandonou e à Câmara Municipal de Sto. Tirso que depois as assumiu, sem rotura com a história paroquial. Este ano, a reflexão ( acompanhada pela Oficina de  Música do Grupo Coral de Vila das Aves) incidiu sobre a cultura como prática cidadã através de dois binómios: Cidadania / Sociedade e Cultura / Religião. Neste sentido, estas Jornadas propunham-se aprofundar as seguintes questões: 1º Quais serão as formas actuais de construção e transformação da sociedade através do exercício da cidadania?, 2º Para responder aos desafios sociais impostos pela crise actual, qual o papel das associações dos grupos e das pessoas?,  3º Por outro lado, quais os efeitos previsíveis do diálogo entre as culturas religiosas e as culturas laicas para uma cidadania assumida, tendo em conta a sua complexidade?.
3. O programa foi realizado dada a eficácia da actuação dos serviços da Câmara, sempre apoiados pelo seu Presidente. A mim coube-me a coordenação à distância. Tive a sorte de obter uma resposta rápida aos convites feitos a: Dr Guilherme Oliveira Martins, Dr. Manuel Pinto, Dra. Teresa Toldy, Dr. Eduardo Duque e Dr. Miguel Oliveira da Silva. 
O meu espanto não veio das excelentes conferências dos diversos painéis. Conhecia as pessoas e previa respostas de muita qualidade. O que me surpreendeu foi o contacto com a história e o balanço que dela fez o Presidente da Câmara: uma aposta na cultura local, mas sem nenhum regionalismo. Pelo contrário, as Jornadas estiveram sempre em diálogo com os grandes tema nacionais e internacionais. Trata-se de uma zona industrial afectada, desde há muito, pelas transformações que afectaram a própria indústria têxtil. Se é uma desolação olhar para fábricas enormes que trabalhavam ininterruptamente, ver agora, muitas delas, abandonadas, de vidros partidos, também é encorajador ver as transformações que foi possível realizar para que este passado recente não fosse apenas um desastre. Agora, com o desemprego sem perspectivas vai ser mais difícil. Neste contexto a aposta em várias vertentes culturais não deixará de ter boas consequências em termos económicos e sociais. Vila das Aves e as suas gentes estão mesmo de parabéns.

Frei Bento Domingues
2011.11.01

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