20 novembro 2011

Cohelete e Nicodemos

Cohelete e Nicodemos são duas personagens bíblicas. O Cohelete não é mulher e o Nicodemos é claramente homem. O primeiro é do antigo testamento, três séculos antes de Cristo; o segundo é do tempo de Jesus e seu simpatizante. Cohelete dá mesmo o nome a um livro que aparece na Bíblia com o título de Eclesiastes. Era um sábio, um pregador, um comentador da vida no mundo e em Deus. Nicodemos era um fariseu, um mestre da lei, um homem do parlamento (Sinédrio).
Cohelete e a gente representada pelo seu livro parecem estar numa posição dentro do judaísmo que talvez tivessem necessidade de dizer: nós também somos judeus. Apresenta-se com algum cepticismo, até mesmo melancolia, descrente do mundo e da vida, apenas com esperança em Deus como aquele que dá sentido ao que parece não ter sentido nenhum. Diz que a vida humana, às vezes, é como andar atrás do vento. É uma espécie de super-realista diante do que observa dos comportamentos humanos e da repetição cíclica de todas as coisas.
Consegue analisar tudo o que pode ser abrangido pelo conhecimento e ver o que está mal, mas não vê formas de os homens serem diferentes. Só mesmo com a força de Deus. Analisa o que torna a vida arrastada, aborrecida e sem alegria e, nesse sentido, sabe o que não quer. Mas não sabe o que fazer ou o que esperar da repetição fastidiosa dos dias e de tudo, em que tanto o homem como o animal parecem destinados ao mesmo: o pó.
Nicodemos conhece Jesus e até simpatiza com ele. Vê que é bonito e feliz aquilo que Jesus faz e diz, mas é de uma exigência que vira tudo do avesso. Por isso vai encontrar-se com ele só de noite. Jesus diz-lhe que ele é um homem que parece querer o que vê, mas para chegar a isso precisa de nascer de novo. Ora aí é que está o problema: ele é fariseu, tem a segurança da lei, a salvação pelo cumprimento das suas obras; é olhado com admiração nas praças, onde estende a mão para dar esmola num gesto largo e vistoso; faz parte do lugar onde se determina a vida das pessoas, onde se decide sobre tudo e todos. Ele e os seus são os judeus. Não precisam de o afirmar e sair dessa posição é complicado. Sabe que para nascer de novo não precisa de entrar no ventre da mãe e sair outra vez nu, mas que tem que se despir de tudo o que é, para começar nu de novo.
Cohelete analisa a vida e o mundo, vê o que o aborrece e por isso vê o que não quer, mas não sabe muito bem por onde ir e o que fazer. Resta-lhe confiar em Deus. Nicodemos analisa tudo isso e compreende o que deveria fazer e por onde ir; mas não é capaz, pesa mais no seu coração e na sua vida tudo aquilo que tem e faz.
Entre Cohelete e Nicodemos, também nós somos Igreja.
                                                                   (Amatop)
Frei Matias, O.P.

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