Se “cantar é rezar duas vezes”, como afirma o ditado, é estranho que as pessoas, particularmente os cristãos portugueses, cantem tão pouco.
É verdade que o canto foi praticamente eliminado da escolaridade, substituído quase só pela disciplina de Educação Musical nos 5º e 6º anos. A Arte, de um modo geral é pouco valorizada pelo sistema educativo. Tornou-se cada vez mais objeto de consumo. Vê-se, ouve-se, mas não se faz, não se pratica…
Espetadores da realidade, seja via TV, computador, iPod ou telemóvel, grande parte das pessoas entra em contacto com a música via TIC; consomem música como quem consome outra coisa qualquer. É pena! Uma parte importante dos seus próprios talentos fica por explorar. O canto é um deles.
“Analfabetas musicais”, “duras de ouvido”, “desafinadas”, muitas pessoas assumem-se como tal sem nunca terem tentado seriamente cantar. Dizem-no com tanto desembaraço como se não fosse estranho essa forma de analfabetismo funcional. E pior, parece que se orgulham disso!
Claro que não há muitas ocasiões para cantar, sem ser no douche. As longas viagens de carro com as crianças, em que as familias cantavam em conjunto, passaram a ser bem mais curtas e os rádios, CDs e afins que equipam de origem os automóveis, substituiram essa atividade coletiva que entretinha graúdos e miúdos. Em casa, a televisão ocupou o espaço da velha telefonia. Cantarolar tornou-se assim uma coisa rara. Muito menos ainda se encontra ocasião de cantar.
Restam-nos os cânticos nas celebrações litúrgicas. Ora precisamente aí deveríamos poder encontrar duas dimensões importantes do ato de cantar. Por um lado é um momento de festa e de expressão de alegria (ou o louvor, ou a prece…) na partilha fraterna a que Eucaristia remete. Acontece que a Missa é em muitos lados apenas mais um tempo da folga de domingo e nada mais, de festa não tem nada. O outro aspeto é a dimensão coletiva do cântico religioso, é a comunidade que canta em conjunto, numa só voz, ou seja faz-se a experiência da pertença ao cantar em grupo, em côro, como povo de Deus.
Acontece que muitas vezes os cristãos se demitem de ao menos tentarem cantar em conjunto nas celebrações.
A tradição judaico-cristã situa-nos amplamente nesse caldo de cultura musical que vem bem clara nos Salmos e se desdobra nas variantes culturais em que se expressou históricamente, o que na tradição católica implica incluir o canto gregoriano a par de outras expressões musicais e/ou corais como parte integrante da vivência coletiva da Fé em Igreja.
Não se espera, dado o contexto atual, que em Portugal o povo cristão esteja musicamente desperto para o canto ou intuitivamente o faça, qual coro de Gospel, nem que a qualidade do canto seja fantástica, mas há uns mínimos que deveriam ser expectáveis. Infelizmente estamos ainda longe do desejável.
Hoje em dia os cânticos e os grupos corais das Missas, são muitas vezes um espetáculo de mau gosto lamecha com falta de conteúdos, quer na partitura, quer no poema do texto. (Invocações cantadas do género “Meu Jesus eu amooooooo-Teeee!”...) Outros, por seu lado, não sabem distinguir um Cântico de Entrada de um de Ação de Graças (basta aprender a estrutura da Missa, não é complicado). Algumas paróquias ainda usam o grupo coral como continuação do enquadramento funcional da catequese de jovens. O facto de se ser jovem não implica necessariamente saber orientar musicalmente uma Missa. Tal como o ser idoso e costumar ir à Missa não dá competências musicais particulares às “beatas de serviço” que se esganiçam esforçadamente para alegrar (?) a liturgia.
Felizmente em muitos sítios os cânticos são bem escolhidos, os animadores e/ou grupos corais cumprem a sua função e dão o apoio necessário para toda a gente que possa cantar. Se quiser cantar…
O esforço musical de encontrar as formas musicais liturgicas atuais fáceis de cantar em Igreja, vem-nos em parte significativa da comunidade ecuménica de Taizé. Há aí um potencial a explorar se a opção pastoral for, como deveria ser, de por toda a gente a cantar.
Há ainda a considerar as Missas em que não é suposto o povo cantar. As celebrações com especialistas musicais. Existem para todos os gostos. Com canto gregoriano, com fado, com cânticos dos séculos XVI e XVII, e por aí fora. Estão muito em voga para casamentos por exemplo.
Nestes casos a qualidade do desempenho musical é altíssima. É um prazer ouvir! Mas de facto está-se a assistir a um concerto de temática liturgica inserido na celebração. Como opção pastoral é legítima mas será realmente adequada? Compreende-se apenas inserida numa mais ampla estratégia musico-pastoral.
Sabemos que a escolha das Missas depende dos gostos e das modas; há as homilias que “estão in” como há os cânticos que estão “in”. Ambos os fatores pesam na escolha das pessoas, além da hora e local da celebração. É um dado de facto e não um juízo de valor.
Como “ na casa do Pai há muitas moradas”, a diversidade de opções é um enriquecimento eclesial.
No entanto, como diz o fado “Se Deus me (nos) deu voz foi p’ra cantar…”
Era bom então que assumissemos esse dom e o soubessemos partilhar…em côro!
Neste tempo de crise, económica e civilizacional, cantar é “de borla”. É um prazer que se tem, que se dá e se recebe e nunca se gasta. Diz a sabedoria popular, além de afirmar que cantando se reza duas vezes, que “Quem canta, seu mal espanta! “ e é verdade!
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