05 fevereiro 2012

A MÍSTICA NO FEMININO E NO MASCULINO

Raimon Panikkar, um catalão indiano, gostava de referir Deus como esfera infinita, cujo centro está em toda a parte e cuja superfície não está em nenhuma. Dir-se-ia que este é o Deus da mística e não o da religião. Mas uma religião sem mística é pura ideologia. Para ele, a idolatria foi e continua a ser o grande perigo e a grande tentação de toda a religião, seja ela sagrada ou secular, tradicional ou moderna.
Um conceito também pode ser um ídolo, ainda mais insidioso do que um fetiche. Deus não é propriedade de ninguém. Ninguém o pode monopolizar: nenhuma religião, nenhuma filosofia, nenhuma mística, nenhum ateísmo ou agnosticismo.
O dogma da Trindade, que não é exclusivo da religião cristã, rompe com o isolamento de um Deus, propriedade de si mesmo, sem deixar de ser ele mesmo. O místico pode parecer um grande solitário, mas não é um isolado. Está em comunhão viva com o mistério divino. Tolera mediadores, mas não admite intermediários.
A experiência é o lugar da mística, só pela experiência pode florescer. A experiência mística distingue-se de qualquer outra porque o que “experiencia” não é uma parte ou um aspecto da realidade, mas a própria realidade enquanto tal, seja qual for a concepção que dela se possa ter. Entrando em contacto imediato com a realidade através de um ser qualquer, não só se toca Deus, o Ser, o Nada…, como desaparece também a distância e o dualismo entre o objecto da experiência e o sujeito que a realiza. Este último não pode estar fora da realidade que se “experiencia” a si mesma.
Para Bernard McGinn, professor na Universidade de Chicago, entre as muitas tentativas de definições da mística, forjou a sua: “a busca de uma consciência directa e transformadora da presença de Deus”. A experiência mística transforma profundamente a vida dos seres humanos e é a partir dela que eles podem testemunhar, ensinar e escrever.
Diz-se que a mística está de volta. E porque será? Porque o desejo de união com o Outro transcendente na nossa imanência, que se chama Deus ou amor infinito, dá um sentido fantástico à vida, ao mudar a vida.
Aqui, quero dar, apenas, notícia de algumas publicações, umas mais antigas e outras mais recentes. Mesmo as antigas não são muito antigas:
A Editorial Trotta (Madrid 2002) publicou La mística en el siglo XXI, do Centro Internacional de Estudios Místicos. O coordenador-director é Áureo Martín Labajos e o coordenador Juan José Barcenilla. Esta obra é o resultado do Seminário Internacional de Mística Comparada, vivida na actualidade, para celebrar dez anos de funcionamento do referido Centro Internacional. É uma obra de referência, indispensável para sair de alguns slogans apressados e, sobretudo, ignorantes.
Le Point Références (nº 37, janvier-février, 2012) fez um trabalho notável, publicando textos fundamentais dos grandes místicos, femininos e masculinos, apresentados por especialistas, mulheres e homens.
A revista IHU On-Line (nº 385, Ano XI, 19.12.2011), uma revista jesuíta brasileira, do Instituto Humanitas Unisinos, publicou um número importantíssimo sobre o “Feminismo e o Mistério”, mais propriamente a “Mística no feminino”, apresentada e analisada por mulheres e homens.
Transcrevo a capa:
PÁGINA 06 Marco Vanini: “A experiência do espírito vai muito além das distinções espaço-temporais e de gênero”
PÁGINA 12 Faustino Teixeira: Mística: experiência que integra anima (feminilidade) e animus (masculinidade)
PÁGINA 18 Juan Martín Velasco: A mística e o mistério hoje
PÁGINA 25 Chris Schenk: Maria de Magdala, a grande “Apóstola dos Apóstolos”
PÁGINA 33 Salma Ferraz: Maria Madalena, a mulher que amou Jesus
PÁGINA 36 Carlos Frederico Barboza de Souza: Rabi’a al-’Adawiyya e Teresa de Jesus: a busca do Amado de forma intensa e gratuita
PÁGINA 43 Victoria Cirlot: Hildegard de Bingen, uma “artista” mística e profética
PÁGINA 46 Felisa Elizondo: Hildegard e Hadewijch: mística da luz viva, mística do amor
PÁGINA 50 Maria José Caldeira do Amaral: Mechthild de Magdeburgo, mestra e mãe da mística renana
PÁGINA 57 Ceci Baptista Mariani: Marguerite Porete: a alma entre aniquilamento e nobreza
PÁGINA 63 Sílvia Schwartz: Marguerite Porete e a “teologia” do feminino divino
PÁGINA 69 Luce López-Baralt: Teresa de Jesus: “mestra consumada da vida espiritual” em diálogo cristão-islâmico


Frei Bento Domingues, O.P.


5 de Fevereiro 2012




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